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CONDUTA PRÁTICA NAS

EPILEPSIAS
 A) Aspectos Gerais
 Qualquer conduta prática para ser efetiva
deve estar baseada num diagnóstico preciso,
e isto é de especial importância nas
epilepsias, que devem ser diferenciadas de
outras manifestações paroxísticas não-
epilépticas, como as lipotimias e síncopes,
crises de perda de fôlego, enxaqueca,
narcolepsia-cataplexia etc.
 Entendemos por convulsão uma
manifestação epiléptica que se caracteriza
por contrações musculares tônicas, clônicas,
tônico-clônicas e mioclônicas que são a
expressão de uma crise epiléptica
generalizada ou de uma crise epiléptica
parcial, com generalização subseqüente. As
convulsões como expressão de uma
epilepsia generalizada correspondem ao
classicamente chamado “grand mal”.
 Durante essas crises evidenciam-se no EEG
descargas neuronais patológicas com distribuição
bilateral e generalizada nos hemisféricos
cerebrais. Quando se trata de uma crise epiléptica
parcial essas descargas começam em
determinada região do encéfalo produzindo
manifestações inicialmente parciais (focais),
convulsivas ou não, relacionadas aos diferentes
sistemas específicos do encéfalo e suas conexões
córtico-subcorticais.
 Clinicamente se apresentam como fenômenos
motores tônico-clônicos em um segmento
corporal, um membro ou um hemicorpo; por
fenômenos visuais, auditivos, olfativos, de
natureza alucinatória; fenômenos vegetativos
(digestivos, cardiovasculares, respiratórios,
genitais); fenômenos dismnésicos (“déjà vu,
jamais vu”), afásicos, disfásicos e outros. Essas
manifestações epilépticas parciais (ou focais)
podem evoluir para convulsão generalizada.
 Alguns tipos clínicos de crise epiléptica parcial
merecem citação especial:
 a) Crise jacksoniana - caracterizada por
contrações clônicas repetitivas que se
propagam aos segmentos corporais vizinhos
sucessivamente, traduzindo uma descarga
alastrante na região do córtex cerebral
correspondente. Quando restrita a poucos
segmentos corporais a consciência é mantida.
Podem atingir um membro ou o hemicorpo.
 b) Crise epiléptica parcial complexa
(“psicomotora”) - em geral relacionada a
descargas epilépticas no lobo temporal; sua
característica mais marcante se deve a
distúrbios da consciência, com ou sem
manifestações associadas sensoriais
alucinatórias, principalmente olfativas (crises
uncinadas) e gustativas, mas também visuais
ou auditivas, como a evocação de uma cena,
de um som elementar ou melódico.
 Alterações ilusórias do meio externo, com falsa
sensação de familiaridade ou de estranheza (“déjà
vu; jamais vu”), ou do próprio corpo, são freqüentes.
Movimentos automáticos podem ocorrer durante a
crise, desde automatismos simples como mastigar e
engolir, até atos motores complexos e elaborados.
Estas crises ocorrem sempre com distúrbio de
consciência e os automatismos têm um componente
impulsivo acentuado. Quando reprimidos podem
provocar reação agressiva do paciente. Pode-se
seguir a essas manifestações uma crise convulsiva
generalizada.
 c) Crises parciais motoras fonatórias ou buco-
linguais- tem especial importância esse tipo de
crise que pode ocorrer nas chamadas epilepsias
parciais primárias com descargas em áreas
centro-temporais ou rolândicas.
 Essas crises que ocorrem na infância e puberdade
costumam ter evolução favorável com o
tratamento medicamentoso. Ocorrem em
pacientes sem lesões cerebrais estruturais
atualmente diagnosticáveis com métodos de
neuroimagem.
 d) Epilepsia parcial contínua - forma incomum de
contrações clônicas persistentes, limitadas a um
segmento corporal restrito: um ou mais dedos, a
mão, um músculo da face. Essas contrações
continuam por longos períodos, dias ou semanas,
sem parar. Estão muitas vezes associadas a
distúrbios metabólicos sistêmicos (coma
hiperosmolar, insuficiência renal, hepática etc.),
podendo também ocorrer em processos lesionais
cerebrais localizados.
 B) Aspectos Particulares
 a) Fatores desencadeantes: as crises epilépticas
podem ser desencadeadas por inúmeros
estímulos, como ocorre, por exemplo, com a
epilepsia mioclônica da adolescência frente a
estímulos sensoriais (visuais e auditivos) intensos
e inesperados. Em alguns destes casos falamos
em epilepsias reflexas, que são formas raras,
sendo mais conhecidas as provocadas por
estimulação luminosa intermitente.
 Outras vezes as manifestações epilépticas podem
ocorrer quase que exclusivamente no período
menstrual ou durante o sono, admitindo-se que as
modificações fisiológicas desses estados atuam
desencadeando as crises. Os processos tóxico-
infecciosos, as intoxicações exógenas (exemplo:
ingestão alcoólica) e principalmente a interrupção
dos medicamentos podem levar a crises
convulsivas repetidas, e mesmo a um estado de
mal epiléptico, em pacientes até então
controlados.
 Têm importância especial, na
recorrência, os fatores de ordem
afetivo-emocional que por si sós
podem influenciar desfavoravelmente a
evolução das crises epilépticas.
Sempre que possível deve-se procurar
interferir nesses fatores
desencadeantes para o melhor controle
das manifestações epilépticas.
 b) Epilepsias e gravidez: a gravidez pode agir de
forma favorável ou desfavorável sobre as
epilepsias. Algumas mulheres têm suas crises
diminuídas na freqüência e intensidade e outras
têm uma intensa exacerbação dos sintomas. Isto
tem sido atribuído às variações hormonais
(principalmente ao nível de estrógenos), à
hemodiluição e retenção hídrica, e às alterações
do metabolismo hepático, com modificações dos
níveis plasmáticos das drogas.
 Do ponto de vista medicamentoso
considera-se que embora haja um
aumento do risco de malformações
congênitas fetais, não deve ser
interrompido o tratamento
farmacológico, que de preferência
será feito em monoterapia com
fenobarbital.
 C) Diagnóstico Diferencial
  Antes de se introduzir ou modificar o tratamento
medicamentoso para um paciente epiléptico, deve-se
estabelecer com a máxima segurança o diagnóstico de
epilepsia, já que se trata de um tratamento prolongado com
duração de anos. O diagnóstico errado ou a não
consideração de fatores desencadeantes das crises
epilépticas ou, então, a associação com pseudo-crises
(crises de natureza não-epiléptica), tem levado
freqüentemente a tratamentos indevidos, modificações de
esquemas medicamentosos, em geral com aumento da
quantidade e número das drogas antiepilépticas (DAE), com
subseqüentes quadros de intoxicação.
 Nos pacientes adultos os principais diagnósticos
diferenciais correspondem às lipotimias, síncopes,
crises histéricas e distúrbios do sono (narcolepsia-
cataplexia, paralisias do sono, com alucinações
hipnagógicas, e mioclonias do sono).
 Tal é a variedade de manifestações paroxísticas
das epilepsias que enorme gama de diagnósticos
diferenciais são possíveis. Isto é ainda mais
verdadeiro quando falamos de sintomas psíquicos
(mentais).
 A título de auxílio diagnóstico, diante de uma crise
estranha e de difícil entendimento fisiopatológico,
podemos afirmar que:
 “Qualquer ocorrência paroxística, ou seja de início e
término abrupto, limitada a uma duração
relativamente efêmera, com atos impulsivos,
sensações ou sentimentos de natureza estranha e
bizarra, não deve ser considerada de natureza
epiléptica, salvo se:
 1) Ocorrer em indivíduo sabidamente epiléptico, ou
seja, portador de crises convulsivas (manifestações
motoras das epilepsias) indiscutíveis.
 2) Ocorrer precedendo,
imediatamente, uma crise
epiléptica bem definida.
 3) Registro eletroencefalográfico
concomitante as crises mostrando
descargas epileptiformes claras e
inequívocas.”
 O grau de segurança diagnóstica aumenta
progressivamente dos itens 1 ao 3.
 O diagnóstico diferencial de crises bizarras,
epilépticas ou não epilépticas, tem sido a
maior aplicação da monitorização
eletroencefalográfica ambulatorial
prolongada, já que esse exame prolongado
permite o registro de distúrbios transitórios
da função cerebral.
 Além disso, este método auxilia a classificação das
crises epilépticas, o diagnóstico diferencial das
mesmas, a avaliação objetiva da resposta ao
tratamento e o estabelecimento da influência de fatores
psicológicos, ou outros, no desencadeamento de crises.
 É excepcional, para não dizer inexistente, que
manifestações vegetativas paroxísticas isoladas, como
dores abdominais recorrentes e taquicardias
paroxísticas, correspondam a definidas manifestações
epilépticas, a despeito do aparecimento eventual de
anormalidades paroxísticas no EEG interictal desses
pacientes.
O registro documental dessas
condições clínicas transitórias é
muitas vezes a única maneira
segura de diagnóstico e a
monitorização ambulatorial ou
hospitalar tornará factível o registro
contínuo até que uma crise
espontânea ocorra.
 D) Tratamento Ambulatorial
 Devemos considerar duas situações. Podemos
estar diante da primeira crise do paciente, ou
seja, de uma crise epiléptica isolada, e nesse
caso é fundamental que se considere
inicialmente o diagnóstico etiológico, pois a
convulsão pode ser sintoma de um distúrbio
metabólico sistêmico, um acidente vascular
cerebral, uma meningite, um tumor etc., que
terão um tratamento específico.
 Estabelecido, se possível, o tratamento etiológico,
recomenda-se também a instalação do tratamento
profilático com fenobarbital (100 mg/dia em
adultos ou 3-5 mg/kg em crianças) ou
carbamazepina (600-1.200 mg por dia em adultos
ou 10-20 mg/kg em crianças) ou fenitoína (200-
300 mg/dia ou 5-6 mg/kg em crianças). Tratando-
se de pacientes com crises recorrentes de longa
data, até então adequadamente controlados com
monoterapia, deve-se manter o esquema
terapêutico.
 Se o paciente fizer uso de politerapia,
verificar a possibilidade de manter o
menor número possível de drogas,
considerando o nível plasmático efetivo
das mesmas, o risco de intoxicação e
de recorrências de crises, a
intensidade de anormalidades no EEG,
antes de tentar a redução dos
medicamentos.
 Se estivermos diante de crises convulsivas não-
controladas, considerar a possibilidade de não-
ingestão dos medicamentos ou o uso incorreto ou
irregular dos mesmos, procurar causas para
alterações farmacocinéticas (diminuição da
absorção ou aumento do metabolismo) com
redução dos níveis plasmáticos e verificar a
presença de fatores desencadeantes,
principalmente os de natureza afetivo-emocional,
ligados ou não ao estigma social das epilepsias,
bem como a possível associação de crises
conversivas histéricas no mesmo paciente.
 O uso de medicamentos antiepilépticos
mais recentes, como a vigabatrina
(Sabril) e a lamotrigina (Lamictal), pelo
seu custo muito elevado e efeitos
indesejáveis ainda não totalmente
esclarecidos, deve ser restrito a casos
selecionados e usados sob supervisão
médica especializada.
 E) Tratamento de Urgência
 (Estado de Mal Epilético)
 O médico trabalhando num pronto-socorro pode
encontrar pacientes tendo crises convulsivas, única ou
múltiplas nas últimas horas. Além de procurar
diagnosticar uma patologia atual, uma meningite, um
trauma de crânio, um distúrbio metabólico grave,
intoxicação exógena, que seja responsável pela crise
e que necessite do tratamento adequado, ele deve
considerar em pacientes crônicos a falta de ingestão e
as alterações farmacocinéticas (absorção, distribuição,
metabolismo e excreção dos medicamentos).
 Visando atingir níveis terapêuticos o mais
rapidamente possível, o paciente deve
receber a injeção de uma ampola de 200 mg
de fenobarbital, IM, e não voltando a se
repetir as crises, após um período de
observação, o paciente será liberado com o
tratamento habitual. Em geral, não é
necessário utilizar medicação endovenosa
(diazepam) já que as crises são
autolimitadas.
 A crise em si, na maioria das vezes, não tem maior
gravidade. Basta cuidar que o paciente não se
machuque, colocando-o em leito firme ou no chão,
protegendo com um lenço a língua contra
mordedura (por vezes séria), livrando-o das vestes
apertadas e aguardando a cessação do paroxismo,
que se dá, em geral, dentro de alguns minutos. A
asfixia que pode se instalar muitas vezes depende
da hipotonia dos músculos da faringe e da língua,
do acúmulo de secreção na parte alta das vias
respiratórias, ou mesmo, da aspiração do conteúdo
gástrico, em conseqüência do vômito.
 Cuidados especiais devem ser tomados a esse
respeito. Depois da crise deixa-se o paciente em
repouso e agasalhado, deixando-o dormir o tempo
necessário para acordar espontaneamente e lépido;
o sono é altamente recuperador.
 O estado de mal epiléptico convulsivo constitui uma
emergência médica. Diferente das crises múltiplas
que já abordamos, trata-se de convulsões
recorrentes sem a recuperação da consciência entre
elas, ou crise única com duração maior que 15
minutos, excluindo-se dessa duração a fase de
sonolência pós-crise.
 Trata-se de uma emergência médica devido ao alto
índice de morbidade e de mortalidade dessa condição.
Felizmente é uma situação rara, sendo mais
encontrados pacientes com crises múltiplas durante o
dia, e que não têm um prognóstico tão sombrio.
 O tratamento inicial do estado de mal epiléptico
convulsivo deve visar a manutenção de vias aéreas
permeáveis, boas condições cardiocirculatórias e a
administração EV de solução glicosada hipertônica,
associadamente a tiamina,  após prévia colheita de
sangue para o estabelecimento de parâmetros
bioquímicos iniciais, principalmente da glicemia.
 O uso da solução glicosada visa tratar eventual
hipoglicemia e suprir as possíveis necessidades
metabólicas aumentadas do cérebro.
 Simultaneamente com essas medidas os
pacientes devem receber injeções endovenosas
de diazepam. A dose a ser administrada varia
segundo a idade e o peso do paciente, lembrando-
se que a injeção é tão mais efetiva quanto mais
rápida for a administração (“bolo”), porém maior é
o risco de hipotonia muscular com dificuldade
respiratória adicional.
 Essa dificuldade respiratória é, em geral, de curta
duração, porém muitas vezes é necessário o
auxílio respiratório com aparelhos. Em crianças
pequenas utiliza-se de 1/3 a 1/2 ampola de 10 mg
de diazepam e em adultos de 1 a 2 ampolas, que
podem ser repetidas duas vezes ou mais. Outros
benzodiazepínicos podem ser usados em lugar do
diazepam, embora sem qualquer vantagem
adicional. Administram-se concomitantemente 200
mg de fenobarbital por via intramuscular, para se
obter um efeito antiepiléptico duradouro, o que não
ocorre com o diazepam.
 Algumas vezes é preconizado o uso da
fenitoína EV, 500-1.000 mg em adultos ou
10-15 mg/kg, em crianças, em infusão
contínua lenta, sem ultrapassar 50
mg/minuto, em adultos, ou 0,5-1 mg/kg por
minuto, em crianças pequenas. A fenitoína
deve ser administrada diretamente no tubo
de infusão salina porque a fenitoína tende a
se precipitar em solução glicosada e não
deve ser diluída no frasco de soro fisiológico.
 Não vemos vantagem adicional no uso da
fenitoína, excetuando-se os traumas de crânio em
que o nível de consciência precisa ser
continuamente avaliado, salientando-se ainda que,
mesmo com uso EV, o melhor efeito da fenitoína
não é imediato, ocorrendo após algumas horas. É
útil lembrar que a demora na instituição da
terapêutica adequada, bem como um tratamento
intempestivo e exagerado, constituem os
principais fatores de aumento de morbidade e
mortalidade.
 Os pacientes que não tiverem interrompido o
estado de mal epiléptico deverão ser submetidos à
anestesia geral, endovenosa, com barbitúricos de
ação curta, tipo tionembutal, por prazo não inferior
a 6-12 horas. Esse procedimento deve ser feito,
de preferência, com o auxílio de anestesista
experiente, já que o paciente precisará ser
mantido em respiração assistida com aparelhos.
 O estado de mal epiléptico convulsivo tem
prognóstico tanto mais sombrio quanto mais
duradouro for.
Conclusões

 Qualquer conduta prática para ser efetiva


deve estar baseada num diagnóstico
preciso, e isto é de especial importância nas
epilepsias, que devem ser diferenciadas de
outras manifestações paroxísticas não-
epilépticas, como as lipotimias e síncopes,
crises de perda de fôlego, enxaqueca,
narcolepsia-cataplexia etc.
Bibliografia
 Harrison's Principles of Internal Medicine
16th.Ed.

 Washington Manual of Medical Therapeutics


31st.Ed.

 Atualização Terapêutica.

 Cecil Textbook of Medicine 22th.Ed.

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