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A CIDADE E AS SERRAS

EÇA DE QUEIROS

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Este último romance de Eça de Queirós foi publicado em
1901, um ano após sua morte. Retirado do conto
Civilização, tem sido considerado, junto com as obras "A
Ilustre Casa de Ramires" e "Correspondência de Fradique
Mendes", uma trilogia, cujo ponto comum é a crítica ao
ambiente social e urbano de Portugal.

Como o próprio nome da obra revela (a cidade se opõe


ao campo), pretende criticar o progresso técnico, urgente
e rápido, na virada do século 19 para o 20. Eça de
Queirós julgava, ao fim da vida, que o homem só era feliz
longe da civilização. Por isso, a temática mais forte da
obra é contra a ociosidade dos que têm dinheiro na
cidade, e sua vida burguesa, ou seja, o acúmulo
irrefletido de dinheiro.
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Narrador
“Jacinto e eu, José Fernandes, ambos nos
encontramos e acamaradamos em Paris, nas escolas
do Bairro Latino”

Foco narrativo
Primeira pessoa
Narrador-personagem
Protagonista – Jacinto

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Esse foco narrativo (ou seja, essa maneira de
contar a história) tem um nome técnico, "eu-
como-testemunha", e é muito apropriado para
obras que desejam ser críticas, pois o
personagem-narrador acompanhará o
protagonista em suas aventuras; e, como contará
a história tempos depois, pode ser bem crítico e
analisar melhor o que aconteceu. No caso, o
apego de Fernandes ao protagonista tem ainda
outra razão: este narrador quer entender o que
faz um homem rico (nascido em Paris!) trocar
tudo pelo campo, no interior de Portugal.

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Estrutura

Dividido em XVII capítulos que podem ser


assim esquematizados:
1. Capítulos II a VIIII (valorização da Cidade e
oposição ao campo);
2. Capítulo VIII (transição para o campo);
3. Capítulos IX ao XVI (valorização da
Serras = campo, natureza e simplicidade);

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Espaço
Espaço representativo na estruturação do romance;

1. A Cidade (Urbano): Paris, Avenida dos Campos


Elísios, número 202 (microcosmo da civilização
urbana e metonímia do tecnicismo, do
cientificismo, do artificialismo, da frivolidade e
futilidade da burguesia);

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Espaço
2. As Serras (Rural): Portugal, Guiães, na região do
Douro e as serras de Tormes, onde ficava a casa
senhorial dos Jacintos, edificada em 1410 (natureza
contemplada de forma idílica, espaço de libertação
da inteligência, fonte de paz e felicidade na busca de
uma vida autêntica, simples e serena);

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Tempo
A narrativa se inicia em torno de 1820 indo até
cerca de 1893;
Relato linear, mas não de forma contínua;
Poderíamos assim esquematizar o tempo:
I) Entre as décadas de 1820-1830: Dom Galião é
socorrido pelo infante Dom Miguel nas ruas de
Lisboa e se torna seu súdito fiel. Com a expulsão de
Dom Miguel de Portugal (1834), Dom Galião parte
para Paris(capítulo 1);
II) No final de 1853, morre o pai de Jacinto. A 10 de
janeiro de 1854, nasce o “Príncipe da Grã-Ventura”
(capítulo 1);

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Por volta de 1875, Jacinto e Zé Fernandes se
conhecem da universidade e Jacinto formulou a
sua ideia do mundo: “O homem só é
superiormente feliz quando é superiormente
civilizado”
suma ciência X suma potência = suma felicidade
Em 1880, Zé Fernandes é chamado por seu tio,
Afonso Fernandes para cuidar das suas
propriedades(capítulo 1);
IV) De fevereiro de 1887 a abril de 1888, Zé
Fernandes volta a Paris e assiste à decadência
física e ao progressivo desânimo e entediamento
de seu amigo Jacinto( capítulos 2 a 7 e início do
oitavo);

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V) Abril de 1888 a maio de 1889: Jacinto
chega em Tormes, entusiasma-se com a
vida no campo e casa-se com
Joaninha(maior parte do capítulo 8 e
capítulos de 9 a 14);

VI) Em 1894, cinco anos depois, Jacinto e


Joaninha já têm dois filhos (Teresa e
Jacintinho); Zé Fernandes faz uma rápida
visita a Paris e retorna definitivamente
para Portugal (capítulos 15 e 16).

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Estilo literário
Obra situada na terceira fase do autor, a fase
madura e simbólica;
Escola Realista;
Mescla de tendências:

1. Realismo (espírito crítico que castiga o


francesismo da elite rural portuguesa de seu
tempo, motivo do abandono das propriedades
agrárias);
2.Naturalismo (romance de tese, zoomorfismo
e a estética do feio);
3. Impressionismo (descrições conforme a
captação imediata, sem análises racionais);
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Romance de tese

 Cidade – degradação da vida


desumanização do homem

 Campo - Superioridade da vida rural



teses estranhas à escola

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Natureza representativa

Serras = espaço bucólico;


Temas clássicos:
1. Fugere Urbem;
2. Locus Amoenus;
3. Inutilia Truncat;
4. Aurea Mediocritas;
5. Carpe Diem;

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Crítica social
“Só uma estreita e reluzente casta goza na Cidade
os gozos especiais que ela cria. O resto, a escura,
imensa plebe, só nela sofre, e com sofrimentos
especiais que só nela existem!
(...) irremediável é, pois, que a plebe sirva, a plebe
pene! A sua miséria é a condição do esplendor sereno
da Cidade.
(...)
Os vorazes e sombrios tubarões do mar humano só
abandonarão ou afrouxarão a exploração das plebes,
se uma influência celeste (...) lhes converter as
almas!”

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Visão crítica da “sociedade burguesa”

“Madame de Trèves (...) somente se ocupara em


exercer, com proveito e com perfeição, a arte de
agradar. Toda ela era uma sublime falsidade.”

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Vida na cidade
O romance é escrito em primeira pessoa por José
Fernandes, um personagem secundário. O narrador
centraliza seu interesse na figura de um certo Jacinto,
descrevendo-o como um homem extremamente forte e
rico, que, embora tenha nascido em Paris, no 202 dos
Campos Elíseos, tem seus proventos recolhidos de
Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os
tempos de D. Dinis, com plantações e produção de vinho,
cortiça e oliveira, que lhe rendem bem. O avô de Jacinto,
também Jacinto, gordo e rico, a quem chamavam D.
Galeão, era um fanático miguelista. Quando D. Miguel
deixou o poder, Jacinto Galeão exilou-se voluntariamente
em Paris, lá morrendo de indigestão. D. Angelina Fafes,
após a morte do marido, não regressou a Portugal, e, em
Paris, criou seu filho, o franzino e adoentado Cintinho que
se casou com a filha de um desembargador, nascendo desta
união nosso protagonista.
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Desde pequeno Jacinto brilhara, quer por
sua inteligência, quer por sua capacidade. Aos
23 anos tornou-se um soberbo rapaz, vestido
impecavelmente, cabelos e bigodes bem
tratados, e feliz da vida. Tudo de melhor
acontecia com ele, sendo chamado pelos
companheiros de “Príncipe da Grã-Ventura”.
Positivista animado, Jacinto defendia a ideia de
que “o homem só é superiormente feliz quando
é superiormente civilizado”. A maior
preocupação de Jacinto era defender a tese de
que a civilização é cidade grande, é máquina e
progresso que chegavam através do fonógrafo,
do telefone cujos fios cortam milhares de ruas,
barulhos de veículos, multidões... Civilização é
enxergar à frente.
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Vida fácil no campo
Embora muito inteligente e capaz, Jacinto vive do
dinheiro herdado da família. Desde pequeno tudo
dava certo em sua vida. Já adulto, elegante e culto,
parece achar que os males humanos seriam
curados com a volta das pessoas à vida no campo.
É muito fácil pensar assim, quando, tendo muito
dinheiro, não precisamos plantar nem colher nem
viver as privações do trabalho agrícola. Há,
portanto, uma moralidade muito simplificada nesta
obra, que faz com que os críticos julguem o
personagem um pouco tolo e Eça de Queirós um
tanto superficial.

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De início, a maior preocupação de Jacinto era
defender o progresso, a civilização e a cidade
grande. Achava ele que ser civilizado é
enxergar adiante, ver o futuro. Convidado por
Jacinto a morar em Paris, o narrador percebe (e
nos conta) que Jacinto vai-se decepcionando
com a superficialidade das pessoas com quem
convive. Ele passa a conviver mal com o
barulho futurista da cidade, com o movimento e
burburinho das pessoas em festas e reuniões e
com a tecnologia, que sempre o deixa na mão.

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A ida para o campo
Os incidentes da vida moderna criavam, na
verdade, tédio em Jacinto. Seu criado fiel,
Grilo, conta ao narrador que o mal de seu
patrão "era fartura". "O meu Príncipe sente
abafadamente a fartura de Paris...", diz ele.
Jacinto, numa mudança existencial, passou a
achar que Paris era uma ilusão, tudo era
abafado e não havia grandeza na cidade:
comerciantes, cortesãs, famílias
desagregadas formavam a realidade. Começa
a filosofar, e o narrador nos conta o que ele
dizia: "o burguês triunfa, muito forte, todo
endurecido no pecado - e contra ele são
impotentes os prantos dos humanitários..."

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Chegada à Estação de Tormes

 Subida da serra:
“Jacinto, na suada égua,
e eu atrás, no burro de
Sancho”

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Um dia Jacinto decide: mudará para Tormes, sua
propriedade rural, onde seus avós estavam
enterrados. Ambos os amigos partem, então, de
Paris para as serras. Nosso narrador ainda diz
que Jacinto afirmava que "encontrariam o 202 no
interior", contando, é claro, com o conforto
daquela propriedade, um castelo.

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O milagre da comida caseira
Irritado, pois, afinal, não sabia viver sem
conforto, Jacinto afirmou que iria a Lisboa.
Mas Melchior, o caseiro, arranjou-lhes uma
comida simples, sem taças de cristal nem
porcelana. Começa a mudança do protagonista:
"Diante do louro frango assado no espeto e da
salada (...) a que apetecera na horta, agora
temperada com um azeite da serra digno dos
lábios de Platão, terminou por bradar:
'É divino'."

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O campo muda o homem
Conhecendo a pobreza que há nos campos, Jacinto
começa a cuidar dos humildes. Queria fazer
benfeitorias, ou seja, trazer certa "civilização" ao
interior de Portugal. Numa das visitas à família do
amigo, Jacinto conhecerá a prima de Fernandes,
Joaninha, uma camponesa típica. Apaixonado, o rico
rapaz acaba casando-se com ela, tem dois filhos
sadios e alegres. Depois de cinco anos de
felicidade,o dilema existencial entre a "cidade e as
serras" se resolverá, finalmente, pois chegarão à
fazenda os caixotes antes embarcados em Paris e
perdidos há anos. Jacinto aproveitará muito pouco do
que há de "civilização" nas malas.
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FINAL
O livro termina desta forma: "E na verdade
me parecia que, por aqueles caminhos,
através da natureza campestre e mansa - o
meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha
(...) e eu (...), tão longe de amarguradas
ilusões e de falsas delícias (...), seguramente
subíamos para o Castelo da Grã-Ventura.".

Prof. Claudia Ribeiro

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