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Questionamentos iniciais
Segundo Veyne (2002), por exemplo, na Roma Antiga o termo “privado” tinha
sentido pejorativo. Entendia-se que tudo o que uma pessoa fizesse deveria estar
de acordo com sua posição social e seus deveres perante a sociedade. As vivências
domésticas, assim, se confundiam com as vivências públicas. Não havia a noção de
privacidade, muito menos associada à noção da casa como ambiente íntimo.
Neste período, as pessoas eram representadas nas imagens muito mais pela sua
projeção pública. As imagens registravam, assim, o sujeito revestido de certos
papeis sociais: o imperador, o comerciante, o guerreiro. As mulheres eram
representadas à medida em que estivessem ligadas a um homem de grande
projeção social.
Retratos dos imperadores Trajano (esq.) e Tito (dir.).
“Ara Pacis”, família de Augusto. Ara Pacis é um altar dedicado por Otávio
Augusto no século I a.C. à deusa Pax para celebrar o período da Pax Romana.
Veja que mesmo essa imagem de uma família romana, na verdade, não
busca representar a família em si, mas os membros dessa família no exercício
de sua função social, oferecendo homenagens a uma entidade sagrada .
Um cenário bem diferente se delineia na passagem da Antiguidade romana para a
Idade Média. Neste período, “a vida privada torna-se efetivamente um fator
predominante da civilização, para não dizer o mais importante. A mais evidente
prova disso é o eclipse da cidade diante do campo. Antes a alegria de viver estava
nas ruas e nos grandes monumentos urbanos; agora se refugia nas casas e nas
cabanas” (ROUCHE, 2002, p. 403). Ora, com a queda do Império Romano e a
posterior formação dos feudos, um outro tipo de sistema social se estabeleceu e,
assim, o âmbito privado ganha valor na medida em que se mostra necessária a
formação de algum tipo de comunidade fraternal a fim de garantir até mesmo a
sobrevivência do indivíduo num tempo marcado pela violência e pela peste.
Segundo Ariès (1981a, p. 225), “a família transformou-se profundamente na medida
em que modificou suas relações internas com a criança”. De fato, ainda segundo o
autor, não se pode considerar que a família não tivesse valor no período medieval,
como afirmam diversos historiadores. Para Ariès, não se reconhecia um valor
suficientemente forte à família nesta época; mais importante era a linhagem, a
permanência da família durante muitas gerações. A criança era importante pelo fato
de que constituía o meio pelo qual se garantia a continuidade da linhagem; não
possuía ainda, portanto, um valor por si mesma, como indivíduo.
Segundo Ariès (1981a), a partir do século XV a família passa a ser representada
iconograficamente segundo novos valores ligados a um sentimento que, de
acordo com a mentalidade da época, unia os componentes familiares.