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NEUROFISIOLOGIA DA LINGUAGEM

Profª Monalisa da Silveira Dias


Neurologista / Fellowship em Distúrbios do Movimento
Médica Militar (Chefe de Serviço da Neurologia do Hospital das Forças Armadas)

Brasília, 02 de setembro de 2018.


Introdução
A linguagem representa um sistema notável para a comunicação e,
obviamente, possui um impacto em nossas vidas.
Introdução

 A linguagem é um sistema pelo qual sons, símbolos e gestos


são utilizados para a comunicação.

Encéfalo
sistema visual e auditivo

Sistema motor
discurso falado e a escrita
Introdução

 Conhecimento a respeito dos mecanismos encefálicos da


linguagem humana -> estudos das lesões cerebrais.

 Numerosos aspectos diferentes da linguagem podem sofrer


prejuízo seletivo, incluindo a fala, a compreensão e a
designação.
Introdução
Conceitos importantes
Elementos da fala e da linguagem

• Processo mecânico da linguagem, incluindo a articulação


Fala e a fonação.

Linguagem • Conjunto de símbolos que usamos para a comunicação.

Fonemas • Menor unidade sonora

• Menor unidade de linguagem que carrega o significado.


Morfema Ex: dis (disfunção/ disnomia)
Elementos da fala e da linguagem
Elementos da fala e da linguagem

• Conjunto de palavras em uma dada língua ou o


Léxico repertório de palavra de um indivíduo

Sintaxe • Correlação entre elementos da frase

Semântico • Significado de palavras ou ideias veiculadas

Pragmático • Modo como a linguagem é usada e interpretada

• Entonação da voz (padrão rítmico) conferindo


Prosódia significado emocional (afetivo) ou ênfase.
Elementos da fala e da linguagem
Elementos da fala e da linguagem

 Exemplos:

 Então, Maria pediu ao pai para sair!


 Maria pediu permissão ao pai para que ela pudesse sair ou para
que o pai se retirasse?
Elementos da fala e da linguagem

 Exemplos:

 A cachorra da sua namorada me atacou!


A descoberta de áreas encefálicas
especializadas na linguagem
Século XX...

 Compreensão da relação entre linguagem e cérebro.

 A importância de determinadas áreas cerebrais provém dos


estudos acerca das afasias.

 Afasia: perda parcial ou completa das capacidades da


linguagem em função de lesões encefálicas muitas vezes sem a
perda de faculdades cognitivas ou da capacidade de mover
os músculos utilizados na fala.
Um pouquinho de história...

 Impérios grego e romano


 Língua controlava a fala
 Tratamento: gargarejos especiais / massagens na língua

 Séc. XVI
 Prejuízo da fala poderia ocorrer sem a paralisia da língua
 Tratamento: cortar a língua / aplicar sanguessugas
Um pouquinho de história...

 1770: Johann Gesner


 Incapacidade de associar imagens ou ideias abstratas a seus
símbolos verbais de expressão.

 Franz Joseph Gall / frenologistas


 Sugeriram que houvesse uma região cerebral específica
empregada para a linguagem.
Um pouquinho de história...

 1825: Jean Baptiste Bouillaud


 Fala controlada pelos lobos frontais

 1861: Simon Alexander Ernest Aubertin


 Relato de caso: homem, em tentativa de auto-extermínio, deu um
tiro na cabeça (frontal).
Área de Broca e Área de Wernicke

 1861: Paul Broca


 Paciente inteiramente incapaz de falar
 Aubertin e Broca: lesão no lobo frontal

 1863: Broca
 Publicação de um artigo descrevendo 8 casos nos quais a
linguagem estava comprometida por lesão no lobo frontal
(hemisfério esquerdo).

Localização anatômica
Área de Broca e Área de Wernicke

 1874: Karl Wernicke


 Prejuízo da fala em uma região distinta da área de Broca
 Localização: lobo temporal, entre o córtex auditivo e giro
angular.

Foram feitas hipóteses acerca de interconexões entre o córtex auditivo, a


área de Wernicke, a área de Broca e os músculos necessários para a fala, e
diferentes tipos de incapacidades relacionadas à linguagem foram atribuídas
a lesões em diferentes partes desse sistema.
Procedimento de Wada

 Juhn Wada (Instituto Neurológico de Montreal)

Técnica utilizada para


estudar a função de um
único hemisfério cerebral.
Estudos sobre a linguagem

 Se somente humanos têm linguagem, como estudá-la??

Lesões e deficiências funcionais


Afasia
Afasia

 Distúrbio adquirido de linguagem decorrente de lesão no


SNC.

 Gera consequências importantes sobre a capacidade de


comunicação do indivíduo, interferindo na sua interação social
em todos os meios em que ele está inserido.
Afasia

 O impacto dessas consequências dependerá da intensidade do


distúrbio, do tipo de afasia e dos processos de linguagem
afetados.

 Pode ocorrer em diferentes níveis de organização das


linguagens oral e escrita – fonológico, lexical, morfossintático e
discursivo.
Classificação tradicional das afasias
Classificação tradicional das afasias

 Correlação anátomo-clínica

 Qual a importância?
 Reabilitação
 Utilizar um vocabulário comum entre os diferentes profissionais
Tipos de Afasia
Afasia de Broca (motora/ não-fluente)

 Compreensão “preservada”

 Estilo telegráfico de discurso

 Palavras de conteúdo (substantivo, verbo, adjetivo)

 Agramatismo

 Erros parafásicos (troca sons e palavras)

 Anomia e dificuldade de repetição


Afasia de Broca (motora/ não-fluente)
Afasia de Broca (motora/ não-fluente)
Afasia de Broca (motora/ não-fluente)
Afasia de Wernicke

 Compreensão “pobre”

 Discurso fluente (ininteligível)

 Usam palavras tanto de função como de conteúdo

 Erros parafásicos

 Anosognosia
Afasia de Wernicke
Giro temporal inferior
Giro temporal superior
Modelo de Wernicke-Geschwind

Área de Broca Área de Wernicke

Fascículo Arqueado Giro Angular

Áreas motoras e sensitivas envolvidas em receber e produzir linguagem.


Modelo de Wernicke-Geschwind
Modelo de Wernicke-Geschwind
Afasia de Condução

 Lesão que desconectasse a área de Wernicke da área de


Broca, mantendo ambas intactas.

 No modelo de Wernicke-Geschwind, uma lesão nas fibras que


compõem o fascículo arqueado pode comprovar essa ideia.

Córtex parietal Fascículo arqueado


Afasia de Condução

 Compreensão relativamente preservada

 Fluência preservada

 Parafasia fonêmica

 Repetição comprometida
Afasia de Condução
Afasia Transcortical

 Sensorial: semelhante a afasia de Wernicke, porém verifica-se


a possibilidade de repetição.

 Motora: tendência à ausência ou redução da produção oral,


principalmente em razão da falta de iniciativa. Repetição
preservada.
Afasia Anômica (amnéstica)

 Dificuldade no processamento lexical


 Frases incompletas
 Uso de palavras genéricas

 Habilidades de compreensão e repetição estão preservadas


Afasia Global

 Dano mais extenso

 Dificuldade em todas as
modalidades de compreensão e
expressão das linguagens oral e
escrita.
Afasia Global
Graus variáveis de anomia / parafasia

Afasia

Não Sim

Não Sim Não Sim

Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim

Afasia Afasia Afasia de Afasia Afasia de Afasia Afasia de Afasia


global transcortical Broca transcortical Wernicke transcortical condução anômica
mista motora sensitiva
Afasia em bilíngues e surdos

 Imagine uma pessoa que conheça dois idiomas antes de sofrer


um AVC.

 Será que esse AVC produz afasia em um idioma mas não em


outro?
 Será que ambos os idiomas serão igualmente prejudicados?
Afasia em bilíngues e surdos

 Depende de vários fatores:


 Ordem na qual o idioma foi aprendido
 Fluência de cada idioma
 Quão recentemente o idioma foi utilizado
Afasia em bilíngues e surdos

 O estudo de déficit de linguagem em surdos e/ou naqueles


que conhecem a linguagem de sinais sugere que exista alguma
universalidade no processamento cerebral da linguagem.

 Lesões no hemisfério esquerdo em pessoas que usam a


linguagem de sinais parecem causar deficiências similares
àquelas observadas em afásicos verbais.
Processamento assimétrico da linguagem
nos hemisférios cerebrais
Lateralidade

 Primeiros trabalhos de Broca:


 Linguagem não é igualmente processada nos dois hemisférios
cerebrais.

 Diferenças no processamento da linguagem:


 Estudos em comissurotomizados.

 1950 (Roger Sperry e colaboradores)


 Função do corpo caloso e dos hemisférios cerebrais separados
 Não há alteração no comportamento do animal (macaco / gato)
Processamento da linguagem em
humanos comissurotomizados

 Tratamento de epilepsia grave

 Michael Gazzaniga
 Comportamentos conflitantes (“pensamento diferente”)
 Dois cérebros independentes controlando os dois lados do corpo.
Assimetria anatômica e linguagem
Estudos da linguagem utilizando
estimulação e imagem cerebral
Os efeitos da estimulação cerebral na
linguagem

 Wilder Penfield
 Efeitos da estimulação em diferentes áreas corticais.
 Simular uma afasia

Área que controla a Parada imediata da


boca e os lábios fala / vocalizações

Área de Broca
Córtex motor
Lobo parietal posterior

Lobo temporal
Imagens do processamento da
linguagem no encéfalo humano

 Lehericy et al
 Registro da atividade encefálica durante a realização de 3
diferentes tarefas de linguagem.

Primeira tarefa
• Fluência verbal (categorização)

Segunda tarefa
• Repetição

Terceira tarefa
• Escutar uma história em voz alta
Aquisição de linguagem
Aquisição da linguagem

Recém-nascidos 6 meses Balbucios

Compreendem: 150 palavras


18 meses
Falam 50 palavras
Crianças

3 anos Sentenças completas


Aquisição da linguagem

 Quando ouvimos um idioma estrangeiro, os sons nos parecem


rapidamente falados e é difícil determinar onde termina uma
palavra e começa a seguinte.

 A linguagem falada não indica claramente as divisões entre


as palavras, algo como lermos um texto sem espaçamentos
entre as palavras.
 Ênfase silábica / Discurso lento e exagerado
Comprometimento da linguagem e da
comunicação
Além dos quadros de afasia
Apraxia orobucal ou orofacial

 1/3 dos pacientes afásicos


 Lesão: giro pré-central e ínsula
 Dificuldade na sequência de movimentos com a boca.
Classificação de distúrbios da linguagem por
meio de modelo teórico
Classificação das dislexias e disgrafias
Distúrbios de leitura e escrita

 Dependente da visão (“cegueira” para palavras escritas).


 Disfunção na transferência de informações visuais para áreas
lateralizadas da linguagem.
Distúrbios de leitura e escrita

 Alexia: disfunção adquirida na habilidade de leitura.

 Dislexia: incapacidade de entender mais do que algumas


linhas de um texto.

 Agrafia: disfunção na habilidade de escrever.


Distúrbios de leitura e escrita

 Correlação anátomo-clínica / síndromes

 Alexia pura (sem agrafia): perdida a capacidade de leitura

 Alexia com grafia: alteração de leitura sem comprometimento


da escrita decorrente de lesões das fibras de conexão da
região calcarina ao giro angular

 Alexia afásica: comprometimento da leitura concomitante à


escrita em decorrência da lesão do giro angular
Tipos de alexia

Alexias periféricas – lesão nos estágios iniciais do


processamento de leitura
• Negligência: ouvem parte da palavra
• Atencional: identificam letras e palavras -> erros
aumentam em textos e frases longas
• Visual
• Pura

Alexias centrais – lesão afeta mecanismos linguísticos

• Fonológica
• Superficial
• Profunda
• Acesso semântico
Tipos de alexia

Alexias periféricas – lesão nos estágios iniciais do processamento


de leitura
• Negligência:
• Esquecem parte da palavra. Ex: misa / camisa

• Atencional:
• Identificam letras e palavras -> erros aumentam em textos e
frases longas

• Visual:
• Identificam as letras (individualmente) porém, cometem erros ao
ler as palavras.

• Pura:
• Afeta a conversão grafema-fonema
Avaliação das afasias, dislexias e disgrafias
Objetivos

 Evidenciar habilidades linguísticas preservadas e prejudicadas

 Identificar a natureza do déficit

 Realizar diagnóstico diferencial

 Analisar a comunicação do sujeito apesar das alterações


Avaliação

• Dados neurológicos / Dominância manual


Anamnese • Língua-mãe/ Bilinguismo
• Escolaridade

Dados • Qualitativos x Quantitativos

• Fala espontânea
• Compreensão oral e escrita
Afasias • Leitura / Escrita
• Repetição
• Nomeação

Avaliação • Ambiente familiar


ecológica
Interação linguagem e outras funções
cognitivas
Classes de funções cognitivas

Atenção Memória Aprendizagem Linguagem

Habilidades Habilidades Habilidades Função


perceptivas motoras visuoespaciais executiva
(gnosias) (praxias)

Humor Comportamento Personalidade


Exemplo

 Nomeação
 Representação visual
 Conhecimento semântico e fonológico
 Programação motora para a articulação da palavra
Avaliação

Dificuldade de atenção • Habilidade em focar e dar relevância a um estímulo


específico

Dificuldade na • Capacidade de repetição e seguimento de ordens


memória de trabalho

Dificuldade na
identificação dos sons • Repetição e provas de compreensão oral
da fala

Dificuldade no acesso • Déficit no acesso ao nome a despeito do


lexical conhecimento de sua funcionalidade

Alteração no sistema • Dificuldade em provas auditivas e visuais e


semântico categorização dos elementos
Reabilitação
Reabilitação

 Objetivo:
 Melhorar a comunicação considerando suas adaptações
psicológica, emocional, familiar e social.

 Plano terapêutico individualizado


Reabilitação

Idade
Escolaridade

Dominância manual

Localização
Prognóstico
Extensão e tempo de lesão

Clínica

Motivação

Ambiente psicossocial
Reabilitação

Recuperação espontânea

6 primeiros meses 2 anos

Lesões pequenas Lesões maiores


Testes utilizados pelo neurologista
Teste de Boston
Considerações finais

 O processamento de linguagem envolve mais do que uma simples


interação entre as duas principais áreas de linguagem (áreas de
Broca e Wernicke).

 A linguagem envolve muitas diferentes capacidades como:


designação, articulação, uso de gramática e compreensão.

 Diferenças no processamento da linguagem entre os dois hemisférios


cerebrais.

 Ainda temos muito a aprender sobre o tema.


A busca pelo gene da linguagem
Curiosidade

 Por que será que um bebê aprende rapidamente as palavras


e a gramática da linguagem enquanto um cachorro fica
latindo ao longo da vida?

Cérebro humano evoluiu para uma organização que facilita


a aquisição e o uso da linguagem.
Curiosidade

 1990: família britânica (KE)

Dispraxia verbal
Família KE (incapacidade de produzir
movimentos coordenados
necessários para a fala)

 Menino CS
 Gene mutado (FOXP2)
Referências

 Teixeira, A.L.; Caramelli, P. Neurologia Cognitiva e do


Comportamento. Rio de Janeiro: Revinter, 2012

 Bear, M.F.; Connors, B.W.; Paradiso, M.A.; Neurociências.


Desvendendo o Sistema Nervoso. 3ª edição – Porto Alegre:
Artmed, 2008
Dicas para estudo...

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