Você está na página 1de 34

NEUROFISIOLOGIA DA LINGUAGEM

PROFA. DRA. SUZANA BRAGA DE SOUZA


A linguagem humana é diferente de todas as
outras formas de comunicação
• Criatividade: parece não haver limites para o número de frases
que podemos formar e compreender
• Forma: fonemas, grámatica, sintaxe, morfologia.
Uso infinito de meios finitos.
Combinação de unidades elementares leva a possibilidades ilimitadas de
expressão. Fonemas em palavras, palavras em frase.s
• Conteúdo: Pode comunicar abstrações e dimensão emocional
• Uso: Comunicação social, expressa identidade, pensamentos ,
sentimentos e expectativas.
Modelos animais pouco satisfatórios

Em 1968, Noam Chomsky escreveu: “ Todos os humanos normais adquirem a


linguagem falada, enquanto até mesmos os rudimentos mais básicos estão além da
capacidade de uma macaco que, para outras coisas, é bastante inteligente.”
• O aparelho vocal dos primatas é incapaz de produzir todos os sons humanos
• Linguagem de sinais: o vocabulário da chipanzé Washoe de 160 palavras era muito
menor que o de uma criança de 4 anos com vocabulário de 3000 palavras
• Compreensão léxica e gramatical: um bonobo infantil semelhante a um infante
humano até a idade de 2,5 anos.
Depois a capacidade do infante humano continua a crescer, enquanto o bonobo ao
atingir 400-500 palavras para de apreender.

• Será que a capacidade única da linguagem humana reflete um refinamento


encefálico e desenvolvimento de SISTEMAS e arquitetura neural inteiramente nova
e específica para a linguagem?
Estudos em lesões

• a) Encéfalo preservado de Leborgne, o paciente “Tan” de Paul Broca, que é mantido em


um museu em Paris.
• b) Área lesionada do hemisfério esquerdo de Leborgne em vermelho, agora conhecida
com área de Broca (em vermelho). As linhas pontilhadas indicam da área de Wernicke.
Descobertas de áreas encefálicas especializadas
na linguagem
• As afasias e o estudo de lesões encefálicas
• Império grego e romano: a língua era responsável pelos distúrbios da fala.
• Sec. XVI: observou-se prejuízo da fala sem paralisia da língua
• 1770, Johann Gesner: dificuldade de associação devido a lesão encefálica
• Franz Joseph Gall e frenologistas: sugerem região específica de processamento
• 1825, Jean-Baptiste Bouilaud: fala controlada pelos lobos frontais
• 1861, Simon Alexander Ernest Aubertin: a pressão na área cortical no lobo frontal
interferia na função normal da fala
• 1863, Paul Broca: publicou artigo descrevendo 8 casos de pacientes com
linguagem comprometida por lesão no lobo frontal do hemisfério esquerdo. Fala
não era comprometida por lesões no hemisfério direito.
• 1864, Paul Broca. A linguagem é controlada por um hemisfério, quase sempre o
esquerdo
• 1874, Karl Wernicke: lesões no hemisfério esquerdo no lobo temporal superior
entre córtex auditivo e giro angular interrompem fala normal.
Natureza de afasia diferente da observada por Broca

• Área de Broca e área de Wernicke


Dominância hemisférica
• Procedimento de Wada, Instituto Neurológico de Montreal
• Método para o estudo da função de um único hemisfério
• Um hemisfério é anestesiado pela injeção de barbitúrico na carótida
• A droga é transportada para o mesmo lado e atua por 10 minutos
• Injeção em hemisfério dominante da linguagem: perda momentânea da fala
• Perda da linguagem de sinais em surdos. Independente da via motora e sensorial
• Hemisfério esquerdo dominante para linguagem em destros e canhotos (93%)
• Representação bilateral somente em canhotos

Controle hemisférico da fala em relação a dominância manual


Dominância Número de Representação da fala %
Manual casos Esquerdo Bilateral Direito
Direita 140 96 0 4
Esquerda 122 70 15 15
Componentes do sistema de linguagem
Componentes do Sistema de Linguagem
Córtex motor primário
Atividades motoras
relacionadas a fala e escrita

a musculatura Músculos da
dos órgão escrita
fonoarticulatórios
Afasias e suas causas
•Afasias e suas importâncias: a linguagem é processada em vários estágios em
diferentes locais no encéfalo
•Lesões cerebrais produzem afasias, não são restritas a uma região
•As principais afasias produzem síndromes clínicas características

Afasia Local da lesão compreensão fala repetição Erros


parafásicos
Broca Cortex motor associa- Boa Não-fluente Impedida Sim
tivo do lobo frontal

Wernicke Lobo temporal Pobre Fluente e sem Impedida Sim


posterior
significado
de Condução Fascículo arqueado Boa Fluente Impedida Sim

Global Porções do Lobo Pobre Muito pouca Impedida


temporal e frontal

Área motora Lobo frontal anterior Boa Não-fluente OK Sim


a área de Broca
transcortical

Área sensorial Cortex na junção dos Pobre Fluente e sem OK Sim


lobos temporal,
transcortical parietal e occipital significado

Anomia Lobo temporal inferior Boa Fluente OK


Afasia de Broca
Conhecida como afasia motora e não fluente
• Incapacidade de procurar palavras (anomia), agramatismo, fala telegrafica
• Usam palavras de conteúdo, mas esquecem os elementos conectivos
• Dificuldade em repetir palavras, erros parafásicos. Boa compreensão.
Afasia de Wernicke
• Lesões no giro temporal superior
• Fala fluente, baixo grau de compreensão, erros parafásicos
• Área envolvida no armazenamento das memórias dos sons que formam
as palavras, reconhecimento dos sons e seus significados
• Area de Wernicke transforma sons em palavras

“ O que o trouxe para o hospital?” Perguntei ao açougueiro aposentado de 72 anos de idade,


quatro semanas após sua admissão no hospital.
“Menino, estou suando, estou terrivelmente nervoso, você sabe, de vez em quando eu sou
pego, não posso mencionar o tarripoi...há um mês, bem pouco, me dei bem, eu me impus
bem, enquanto, por outro lado, você sabe o que eu quero dizer, tenho que correr por aí, dar
uma olhada, explorando e todo esse tipo de coisa.”
“Obrigado, Sr Gorgam. Quero lhe perguntar algumas coisa...”
“Ah, claro, vá em frente, qualquer coisa velha que você queira. Se eu pudesse eu faria. Oh eu
estou usando palavra de um jeito errado de falar, todos os barbeiros aqui toda vez eles
param você fica arrodeando, se você sabe o que eu quero dizer amarrando e amarrando para
repuce, repuceração, bem, estavamos tentando o
Afasia de condução

• Desconecção entre a área de Wernicke e Broca


• Lesão no fascículo arqueado e cortex parietal
• Preservação da área de Wernicke e Broca
• Compreensão boa, fala fluente. Dificuldade de repetir palavras
• Repetição com troca ou omissão de palavras e erros parafrásicos
Afasia de bilíngues
• Uma lesão encefálica poderia prejudicar os dois idiomas?
• O idioma mais preservado é aquele que foi aprendido mais
cedo e que apresenta mais fluência
• Se a pessoa aprendeu os dois idiomas simultaneamente,
perderá os dois.
• Mas se aprendeu os idiomas em tempos diferentes, um será
mais afetado que o outro.
• O segundo idioma utilizará populações de neurônios
diferentes
Afasia e surdez
• Lesões no hemisfério esquerdo em pessoas que usam linguagem
de sinais causam deficiências similares àquelas vistas em afásicos
verbais.
• Afasia de Broca: compreensão boa e habilidade de expressão
pela linguagem de sinais prejudicada.
• Afasia de Wernicke: sinais fluentes, mas com muitos erros.
Dificuldade de compreender os sinais dos outros.

• Existe uma universalidade no processamento da linguagem no


hemisfério esquerdo independente da via sensorial e motora
Distúrbios motores da fala
• Deficiências dos músculos controladores do aparelho vocal e
não afetam compreensão e expressão central
• Disartria: Distúrbios da articulação
Incapacidade de falar adequadamente devido a doença cerebelar
• Disfonia: distúrbios da vocalização ocorre também no Parkinson
• Processamento cognitivo da linguagem independe das vias
motoras e sensoriais
• Afasia é comprometimento da capacidade linguística de
compreensão e produção, não atribuíveis a impedimento
mecânico.
Modelo Wernicke-Geshwind

• Linguagem auditiva: repetindo palavra falada


Área auditiva → giro angular → área de Wernicke → Fascículo arqueado →
área de Broca → córtex motor da boca e lábios
• Linguagem escrita: repetindo palavra escrita
Área visual → giro angular → área de Wernicke → Fascículo arqueado →
área de Broca → córtex motor da boca e lábios
Modelo Wernicke-Geshwind

• Modelo Localizacionista clássico, com várias falhas e simplificações


• A informação visual pode chegar diretamente na Area de Broca sem passar
pelo córtex angular
• A gravidade das afasias depende da quantidade de córtex lesado além dos
limites das áreas de Wernicke e Broca. Maioria envolve ambas deficiências.
• O processamento cortical não tem diferenças funcionais tão rígídas
• A afasia também podem ser influenciadas por estruturas como tálamo e
estriado, não incluías no modelo
• Na recuperação após AVC, outras áreas corticais podem compensar
Estimulação elétrica cerebral
• Efeitos da estimulação cerebral em três pacientes sob
tratamento da epilepsia. Os pacientes estavam acordados
e eram anotados as dificuldades na fala e leitura.
• (N) Dificuldade em nomear objetos com a fala intacta
(anomia); (A) Suspensão da fala; (G) Erros gramaticais; (J)
Uso e jargões ou gírias (fluência na fala, mas com erros
frequentes); (R) Falha de leitura; (M) Erros nos
movimentos faciais

• Resultados muito variáveis entre sítios corticais próximos e


entre indivíduos.
• Áreas da linguagem no cérebro são mais complexa e
extensas que o sugerido pelo modelo de Wernicke-
Geshwind.
Modelos recentes de processamento da
linguagem
Palavra falada Palavra escrita
Processamento auditivo inicial Processamento visual inicial
Cortex auditivo primário Cortex visual primário

Reconhecimento auditivo Reconhecimento visual


Cortex tempoparietal (giro angular) Cortex visual secundário
e córtex temporal superior anterior
Associação semântica
Lesada na afasia Cortex frontal inferior
de Wernicke
Codificação pré-motora
Área motora suplementar

Controle motor da fala


Lesada na afasia
Cortex motor primário de Broca

Fala Escrita
Experimentos com comissurotomizados

Processamento assimétrico da linguagem nos hemisférios cerebrais


Estimulação visual de um hemisfério em humanos
Após a cirurgia os comissurotomizados são incapazes de descrever qualquer
coisa à esquerda do seu ponto de fixação visual. Hemisferio direito não fala.

X
Imagens do campo visual direito e mão Imagens do campo visual esquerdo e mão
direita vão para o hemisfério esquerdo e esquerda vão para o hemisfério direito e
podem ser reconhecidas e descritas sem não podem ser identificados.
dificuldade Paciente não escreve com a mão esquerda
Hemisfério Direito
• Pode ler, compreender números, letras e pequenas palavras desde que a resposta não seja
verbal
• Determinantes afetivos da linguagem, tom, ritmo: prosódia
• Pode ser melhor em figuras complexas, perspectivas tridimensionais, quebra-cabeças,
nuances de sons
• Os dois hemisférios funcionam independentemente e apresentam diferentes habilidades para
a linguagem
• Exemplo: Em um experimento foi mostrado uma palavra para o hemisfério direito. O
esquerdo diz que não viu nada. Mas a mão esquerda pode escolher um cartão com a figura
correspondente a palavra.
• Lesão no lobo parietal posterior do hemisfério direito causa heminegligência e apraxia
construcional
Prosódia no hemisfério direito
Entonação emocional
E D

Identificação fonética de vogais


Distúrbios de leitura e escrita
• Congênitos: dislexias / Adquiridos: alexia ou dislexia adquirida
• Alexias: perturbação na capacidade de ler
• Agrafia perturbação na escrita
• Alexia sem agrafia: PACIENTE CEGO DO CAMPO VISUAL DIREITO
Tinha lesão do córtex visual esquerdo e corpo caloso posterior. Campo visual
esquerdo era processado pelo córtex visual direito, mas não podia transferir
informação para as áreas de linguagem no hemisfério esquerdo
• Alexia com agrafia: lesão do giro angular ou supramarginal (integração)
Não conseguem conectar símbolos visuais com o som que representam
Não conseguem ler em Braile.
• Dislexias como resultado de lesões cerebrais
• Anormalidades das conexões entre áreas visuais e da linguagem
Assimetria anatômica e linguagem

•Fissura lateral de Sylvius esquerda é mais longa e menos inclinada que a direita
•Plano temporal, por dentro da fissura de Sylvius, ESQUERDO é maior que o direito
•Essa assimetria aparece nos fetos humanos e macacos
•A fala tornou-se dominante no hemisfério esquerdo pela diferença preexistente
em seu tamanho. 90% dos humanos são destros
•Hemisfério esquerdo é especializado no controle motor fino
Estudos de linguagem com
estimulação elétrica cerebral
• Sítios onde a estimulação cerebral
afeta a linguagem.
• Amarelo: A estimulação do córtex
motor bilateral causa vocalização
e suspensão da fala por ativar a
musculatura facial.
• Verde: Em outros locais a
estimulação no hemisfério
esquerdo causa parada afásica na
qual a linguagem é agramatical e
se observa anomia.
Reorganização cerebral
Ouvindo imagens e vendo sensações táteis
Subtraída a imagem não-específica A
Vermelho maior atividade, amarelo menor
A) Linguagem escrita lida por não-surdos
Atividade maior esquerda
B) Linguagem de sinais vista por não-surdos B
Sem ativação específica
C) Linguagem de sinais vista por surdos
Ativação da área de Broca, Wernicke
giro temporal superior do hemisfério
esquerdo C
Grande atividade do hemisfério direito.
Recrutamento de áreas auditivas na
linguagem de sinais: ouvindo imagens
D) Leitura Braile: atividade do córtex Imagens de Ressonância magnética funcional
somatosensorial, lobo occipital
Utilização de áreas visuais
vendo sensações táteis D
Sistema encefálico para reconhecimento de palavras.

Esquerda

Direita

Ressonância magnética funcional


Modelo hierárquico para processamento da fala (Binder et all, 2000)
córtex auditivo primário bilateral → giro temporal superior
→ sulco temporal superior (distinção entre sons da fala e outros sons)
→ Giro Temporal Médio (aspectos fonológicos) e Giro TemporaI inferior
(aspectos léxicos e semânticos) das palavras → Giro angular e polo temporal
Córtex temporal inferior: Substrato neural do léxico
mental e conhecimento conceitual
.

Lesão cerebral Tomografia de Emissão de


Pósitrons (TEP)
Localização de lesões
encefálicas correlacionadas a Ativação determinada por TEP em indivíduos
deficiências seletivas na sem prejuízos neurológicos durante a designação
designação de pessoas, de pessoas, animais e ferramentas (adaptada de
animais e ferramentas. Damasio et all,1996).
TEP / Eletroencefalograma
• A B
Combinação de técnicas permitiu revelar
a sequência temporal de ativação e
processamento linguístico da leitura.

• A) TEP mostra atividade quando o indivíduo


lê uma palavra (ex:sabão) e fala sua utilidade
(ex: lavar).

• B) EEG representado topografica-mente,


amplitude codificada em cores.
• 100ms atividade em V1 (não mostrado)
200ms → Cortex associativo
visual 200ms → Cortex cingulado
(atenção) 250ms → área de Broca (programa
motor) 650ms → área de Wernicke
(interpretação) Modificado de M.I. Posner e Y.
G. Abdullaev (1996). La
Recherche 289: 66-69.
Modelo temporal de processamento da leitura,
linguagem escrita
por neuroimagens funcionais e EEG

Modificado de La Recherce, v. 289, p. 66-69, 1996.


Modelo conexionista da linguagem falada

Surge a partir do estudo dos sintomas de pacientes com pequenas lesões, neuro
imagens funcionais de indivíduos realizando tarefas linguísticas e postulados de
psicolinguistas. (W) Wernicke, (PF) cortex pre-frontal, Ang (giro angular)
Bibliografia
• BEAR, M. F.; CONNORS, B. W.; PARADISO M. A. Neurociências:
Desvendando o Sistema Nervoso. 2 ed. Porto Alegre, Editora Artmed,
2002.

• GAZZANIGA, M. S.; IVRY, R. B.; MANGUN, G. R. Neurociência Cognitiva:


A Biologia da Mente. 2 ed. Porto Alegre, Editora Artmed, 2006.

• KANDEL, E.R.;SCHWARTZ, J. M.; JESSEL, T. M. Fundamentos da


Neurociência e do Comportamento. 1 ed. Rio de Janeiro, Editora
Guanabara-Koogan, 2000.

• LENT, R. Cem Bilhões de Neurônios. 1. ed. São Paulo, Editora Atheneu,


2001.
Á alunas da
Fonoaudiologia - UFBA

Com amor

Suzana Braga de Souza

Você também pode gostar