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FILOSOFIA MORAL

Prof. Luciano Vorpagel da Silva


INTRODUÇÃO

Objetivos: Apresentar as principais correntes da Filosofia Moral,


destacando conceitos e perspectivas elementares.

Pontos a serem estudados: A ética cristã segundo Agostinho e Tomás de


Aquino; O sentimento moral de David Hume; A ética do dever de
Immanuel Kant; O utilitarismo ético de Jeremy Bentham e John Stuar Mill;
A ética de Nietzsche; A ética do discurso de Habermas.
A ÉTICA CRISTÃ SEGUNDO AGOSTINHO E TOMÁS DE
AQUINO

Santo Agostinho pertenceu ao período da Patrística e recebeu fortes


influências do pensamento antigo: Platão e Neoplatonismo.

Tomás de Aquino pertenceu ao período da Escolástica e também recebeu


fortes influências da Antiguidade: Aristóteles.
1. A ÉTICA EM SANTO AGOSTINHO

A vida de Agostinho de Hipona (354-430) é marcada por duas grandes fases:


a) Fase de juventude: quando Agostinho era adepto do maniqueísmo.

b) Fase de maturidade: quando Agostinho se converte ao Cristianismo.

Um dos principais problemas enfrentados pelo filósofo foi: qual a origem do


mal?

A questão é: existe o mal? Se sim, como isso é possível?


a) Se Deus é criador de tudo, então tudo o que existe só existe porque Deus quis.

b) Se Deus é sumamente Bom, então tudo o que procede das mãos divinas também é bom.

c) Diante disso, como é possível o mal existir?


1. A ÉTICA EM SANTO AGOSTINHO

Agostinho distingue duas formas de existências: a existência ontológica


(substancial) e a existência acidental (contingente).

Deus é uma existência ontológica, mas o mal é uma existência acidental.

Deus criou tudo perfeito, inclusive o Homem.

Mas, o Homem é dotado de livre-arbítrio (faculdade de escolher), o que gera a


possibilidade de o homem se afastar de Deus.

Assim, só existe o Bem, que é Deus, de modo que e o mal é apenas falta de
Deus (semelhante à escuridão, que é apenas falta de luz).

O mal uso do livre-arbítrio leva a Humanidade a se afastar de Deus (pecar),


dando origem ao mal (distanciamento de Deus).
1. A ÉTICA EM SANTO AGOSTINHO

Segundo Agostinho, o homem é livre para pecar, mas não é livre para sair do
pecado sozinho. Só a graça de Deus salva a Humanidade.

O papel da Religião é converter os homens para reconduzi-los (religá-los) ao


caminho da graça (da salvação).

Esta graça se manifesta em Jesus, a pedra angular da Igreja.

Mas, por que Deus dotou o Homem de livre-arbítrio? Por que não o fez incapaz
de pecar?

O livre-arbítrio não foi dado como faculdade de pecar, mas como faculdade de...

O amor de Deus é a mais pura prova de liberdade, pois é incondicionado


(independe de qualquer mérito humano).
2. A BUSCA PELA FELICIDADE SEGUNDO TOMÁS DE
AQUINO
Tomás de Aquino recebe influências da filosofia aristotélica. Assim como
Aristóteles, Tomás de Aquino acredita que as ações humanas visam a um
bem e que o sumo bem é a felicidade.

Mas, é necessário distinguir dois tipos de felicidades:


a) Felicidade humana (terrenal)

b) Felicidade divina (celestial)

Segundo Tomás de Aquino os homens já podem atingir a felicidade divina


neste mundo (ainda que não a felicidade perfeita) se observarem as leis de
Deus, amarem a Deus e ao próximo.
O SENTIMENTO MORAL DE DAVID HUME

Ao contrário dos pensadores ilustrados alemães e franceses, os filósofos da


ilustração inglesesa se situam mais próximo do empirismo e destacam o
papel que tem o sentimento como fundamento da moral.

Toda ética pressupõe uma certa antropologia:


a) Hobbes concebia o homem como egoísta;

b) Anthony Ashley é o primeiro a conceber um sentimento moral nos homens: “um olho
interior”;

c) Hutcheson pensa que não é o egoísmo, mas a benevolência que os homens mais
aprovam (admiram).
O SENTIMENTO MORAL DE DAVID HUME

A maioria dos filósofos ingleses da época ilustrada conceberá o homem


como um ser compassivo e benevolente.

Exceções a essa regra é Bernard de Mandeville, que representa um


regresso à posição hobbesiana.

David Hume adota a ideia de um sentido moral originário para explicar a


distinção entre o bem e o mal.

Para Hume, os juízos morais não são racionais, pois a razão não motiva a
ação (é inerte).

O que move as ações humanas são as paixões. A razão é escrava das


paixões.
O SENTIMENTO MORAL DE DAVID HUME

A razão não faz distinção entre o bem e o mal, mas simplesmente é capaz
de distinguir entre o falso e o verdadeiro. Trata-se de um conceito
pragmático de razão.

A razão julga sobre o que é, enquanto a moral julga sobre o que deve ser.

As determinações do que dever-ser (de como os homens devem agir) não


procedem da razão e nem mesmo de entidades metafísicas. Hume propõe
um elemento empírico para estas determinações: o sentimento moral.

Trata-se de um sentimento originário, presente na natureza humana,


dotado de um aspecto positivo e outro negativo: sentimento de aprovação
e sentimento de reprovação.
O SENTIMENTO MORAL DE DAVID HUME

O sentimento moral não pode ser confundido com o sentimento de prazer e


desprazer. O primeiro corresponde à benevolência humana (que possibilita
a sociabilidade) e o segundo corresponde ao egoísmo humano (ligado à
individualidade).

PORTANTO: a razão apenas determina axiomas lógicos (que algo é ou não


é; que é verdadeiro ou falso). Que algo deva acontecer ou não deva
acontecer, isto só o sentimento moral pode determinar.
A ÉTICA DO DEVER DE IMMANUEL KANT

Diferentemente de David Hume, Kant realiza uma fundamentação


metafísica da moral.

Em primeiro lugar, Kant distingue dois tipos de razão: razão teórica e razão
prática. A primeira se ocupa do ser, enquanto a segunda está voltada ao
dever.

O fundamento da razão prática é a liberdade, que possui muitos sentidos:


liberdade transcendental, liberdade prática (interna e externa, negativa e
positiva).

A liberdade transcendental é apenas uma ideia da razão pura, que pode ser
pensada, mas não pode ser conhecida.
A ÉTICA DO DEVER DE IMMANUEL KANT

A consciência da liberdade prática é dada pela consciência da lei moral, a


qual é imediatamente dada (como um fato da razão), indubitável e
irresistível. Este fato não é empírico e, portanto, incognoscível à razão
teórica. É um postulado da razão prática.

A consciência da lei moral se manifesta para os homens de forma


imperativa, isto é, como dever.

Na FMC, Kant distingue dois tipos de imperativos:


a) Imperativos hipotéticos: aqueles em que a razão determina condicionalmente,
determinando os meios para a realização de fins particulares da vontade;

b) Imperativos categóricos: aqueles em que a razão determina incondicionalmente,


independentemente dos fins particulares da vontade.
A ÉTICA DO DEVER DE IMMANUEL KANT

A lei moral é um imperativo categórico.

Kant distingue a razão prática em: razão prática ética (vontade do próprio
sujeito) e razão prática jurídica (vontade unificada de todos). A primeira
produz a liberdade prática interna (moralidade) e a segunda produz a
liberdade prática externa (legalidade).

Desse modo, Kant divide a moral em: ética (legislação interna e liberdade
interna) e direito (legislação externa e liberdade externa).
A ÉTICA DO DEVER DE IMMANUEL KANT

Kant também distingue três tipos de ações em relação ao dever (lei moral):

a) Ação contrária ao dever: quando a ação do sujeito contradiz


inteiramente o que a lei moral determina;

b) Ação conforme ao dever: quando a ação do sujeito é objetivamente


conforme ao dever, porém subjetivamente contrária ao dever;

c) Ação por dever: quando a ação do sujeito é objetivamente e


subjetivamente conforme ao dever. A ação é realizada por respeito à lei
e o sujeito adquire boa vontade.
A ÉTICA DO DEVER DE IMMANUEL KANT

Kant também distingue entre autonomia e heteronomia:

a) Autonomia: quando a ação é realizada por dever.

b) Heteronomia: quando a ação não é realizada por dever, mas apenas


conforme ao dever;

A autonomia pertence à ética. Porém, os deveres jurídicos também podem


ser cumpridos com civismo, isto é, com ética. Neste caso, a autonomia
também é possível para o direito.
O UTILITARISMO ÉTICO DE
BENTHAM E MILL
O UTILITARISMO ÉTICO DE BENTHAM

Bentham é o pai do utilitarismo, corrente filosófica que afeta concepções


da ciência econômica, política e filosofia moral.

O primeiro objetivo da utilitarismo inglês será superar o aspecto metafísico


(a priori, transcendental) dos princípios e normas morais.

O utilitarismo se apoiará na experiência, mais especificamente, na


psicologia.

O utilitarismo parte do seguinte pressuposto indiscutível: todos os homens


aspiram à felicidade.

Por isso, o critério da moralidade, para os utilitaristas, será: a felicidade da


maioria.
O UTILITARISMO ÉTICO DE BENTHAM

O precedente desta teoria é a filosofia de Hume, que introduziu o método


experimental de raciocinar nas questões morais.

Segundo Bentham, a filosofia moral deve ser prática (útil) e não metafísica
(vã, abstrata, formal, utópica, inútil).

O objetivo da filosofia moral é: encontrar uma maneira de harmonizar a


felicidade individual com a felicidade coletiva.

O utilitarismo ético de Bentham se caracteriza como: um cálculo sobre


quais prazeres são mais convenientes para o conjunto da sociedade,
entendida como a soma dos seus indivíduos.

A felicidade se mede por seus resultados (pelas consequências das ações).


O UTILITARISMO ÉTICO DE BENTHAM

O objetivo da ética é calcular para encontrar as ações que produzam a


maior satisfação para o maior número possível de indivíduos.

Para isso, o cálculo deve medir os prazeres conforme os seguintes critérios:


intensidade
a) Intensidade

b) Duração

c) Certeza

d) Proximidade
O UTILITARISMO ÉTICO DE MILL

John Stuar Mill foi discípulo e admirador de Bentham; fundou a sociedade


chamada Utilitarian Society para difundir o pensamento de Bentham.

Mas, Mill, aos poucos, se afasta da posição de Bentham, pois se dá conta


de que a ética não poderia se reduzir ao cálculo individual ou social de
vantagens e desvantagens.

Segundo Mill, a solidariedade social é muito mais do que um cálculo de


interesses ou de prazeres.

Mill corrige o critério do cálculo proposto por Bentham e propõem um


princípio utilitarista que seria válido para toda a humanidade: o sentir da
consciência da humanidade.
O UTILITARISMO ÉTICO DE MILL

Mill parte do mesmo ponto de Bentham: o utilitarismo é uma teoria da


felicidade, ou seja, as ações são justas na medida em que promovem a
felicidade e injustas quando promovem a infelicidade.

Tanto Bentham como Mill compreendem felicidade como: prazer e


ausência de dor.

Esta teoria se apoia na teoria da vida segundo a qual prazer e ausência de


dor são os únicos fins desejáveis.

Assim como Bentham, Mill concebe ao utilitarismo ético o objetivo de


harmonizar o interesse privado ao público.
O UTILITARISMO ÉTICO DE MILL

Mas, Mill não reduz a busca desta harmonia apenas por meio de um
cálculo das vantagens (prazeres). Mill confia no poder da educação e da
opinião pública para:
a) estabelecer na mente das pessoas a associação entre os interesses privados e gerais; e

b) aprender quais ações são convenientes não só para o particular, mas para todos.

O diálogo entre as pessoas para definir um interesse comum e a


aprendizagem sobre quais ações são mais convenientes é possível porque
os homens são dotados de um sentido humano (sentimento social).
A ÉTICA DE NIETZSCHE

Em A genealogia da moral Nietzsche realiza uma reconstrução dos


fundamentos morais estabelecidos ao longo da história. O objetivo é
mostrar que todos os fundamentos morais não são o que pretendem ser,
isto é, absolutos, universais, primordiais.

Filosofia do martelo: Nietzsche destrói os valores postos pela tradição


(cristianismo e metafísica) para propor a transvaloração dos valores. A
filosofia do martelo produz niilismo.

A tradição estabelece os valores da moral do fraco.

A vontade de poder (potência) é a possibilidade da construção de valores


(moral do forte, do super-homem, dos espíritos livres).
A ÉTICA DE NIETZSCHE

Mas, a vontade de potência só pode aflorar se os valores da tradição forem


destruídos, pois estes valores reprimem.

Libertar a vontade de potência implica destruir os valores tradicionais.

Dois são os fundamentos dos valores tradicionais:


a) Deus (figura do camelo)

b) Razão (figura do leão)

Para Nietzsche, o fundamento da verdadeira liberdade humana está na


vontade de potência (figura da criança). Constitui a moral do forte.
A ÉTICA DO DISCURSO DE HABERMAS

Habermas realiza uma reformulação discursiva da moral kantiana.

Para Kant, o imperativo categórico é a lei suprema da moralidade porque é


a norma que todos podem aceitar (validade universal).

Para Kant, o imperativo categórico é válido porque é um factum da razão


(está a priori na consciência do sujeito).

Para Habermas, as normas morais são válidas se podem ser aceitas por
todos, isto é, depende do consenso (pressupõe uma interação linguística,
uma ação comunicativa).
A ÉTICA DO DISCURSO DE HABERMAS
Neste sentido, Habermas reformula o imperativo moral de Kant em termos
discursivos.

O imperativo categórico é reconstruído, em termos consensuais, como o


princípio da reciprocidade generalizada, ou o princípio de universalização
(PU).

Habermas concebe uma razão prática comunicativa.

O PU é um critério para o acordo (consenso) entre seres racionais


comunicativos. O consenso é a regra de validade de uma regra moral.

O que a ética discursiva de Habermas propõe não são conteúdos morais,


mas um procedimento para determinar a validade dos acordos normativos
(das regras morais).
A ÉTICA DO DISCURSO DE HABERMAS

O imperativo categórico (PU) da ação comunicativa é formulado assim:


“Só podem pretender validade as normas que encontram (ou poderiam encontrar)
aceitação por parte de todos os afetados como participantes em um discurso prático”
(Habermas).

PORTANTO: Enquanto, para Kant, a validade da lei moral está no fato de ela
coincidir com a boa vontade (autonomia da vontade do sujeito), para
Habermas a validade das normas morais está no fato de serem aceitas por
todos numa comunidade de falantes.

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