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CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO E

RELIGIOSO DO SÉCULO IV COM


ENFOQUE NAS RELAÇÕES
ENTRE HOMENS E MULHERES
Contexto sociopolítico e cultural
Sistema cultural religioso no modelo político

 Segundo o historiador e jurista, Giovanni Pacchioni, o Império


Romano estava no século IV numa caminhada de forte decadência e
ruína. O terreno estava sendo preparado para anunciar, de forma
diferenciada e radical, uma ruptura com o passado. Iniciado por
Diocleciano e Constantino, o modelo político que se instala no
século IV é a autocracia. Este modelo apresenta como resultado um
princípio eletivo de sucessão ao trono seguido de aclamação popular,
caracterizado pelo princípio da hereditariedade, tradição, e, no final,
concilia-se o princípio da eleição com o da hereditariedade
(PACCHIONI, 1944: 243-247). A este processo conjuga-se também
um outro fator importante, o princípio religioso, que até então era de
neutralidade. A partir de Constantino, acontece uma ascensão do
cristianismo e desenvolve-se uma reunificação do Império com a
religião.
 1. dar uma nova identidade aos cristãos à medida em
que a velha identidade se desfalecia na luta contra o
Estado; 2. determinar o clero como um novo poder, num
novo contexto sociopolítico em que o laicato daria aos
clérigos a liderança romana como lugar de poder; 3. a
pressão de ordem emocional e física passada em torno
do mundo romano urbano e em expansão; 4. uma
urbanização inquietante dos cristãos que perderam seus
vínculos tribais e rurais à medida que se converteram
em habitantes das cidades; 5. e a divisão da mitologia
religiosa em duas: pagãs e cristãs, porque cada uma
delas revitalizava a outra (HEYWARD, 1996: 43-44).
 Antes da entrada do cristianismo os imperadores
pagãos mais sábios já haviam tentado traduzir em leis,
ordenamentos políticos e administrativos do Império à
idéia de uma pacífica união entre os povos. Os cristãos
com esta nova prerrogativa oferecem uma nova
religião da fraternidade com uma base moral comum e
um credo único. Assim, através da religião cristã,
Roma consegue dar uma cultura e uma consciência
unitária a todos os povos do Ocidente nesta nova
unidade. Como observamos, o cristianismo passa a
exercer uma autoridade religiosa e Estado e Igreja se
articulam no campo político e religioso.
 Constantino resolve mudar radicalmente a política
tradicional. Comunidades cristãs são estabelecidas por
motivos políticos, e a religião se torna capaz para
reforçar a união do Estado. Constantino é o grande
continuador da obra política e administrativa de
Diocleciano e inaugura a nova política religiosa com
seu edito de tolerância. Primeiramente (312 d.C),
concílios são convocados para tentar dar fim a
inúmeros conflitos que dividiam os cristãos e, depois,
para apaziguar as controvérsias teológicas (Concílio de
Nicea ano 325 d.C.), com um amplo reconhecimento
de jurisdição eclesiástica e, por último, com sua
própria conversão. Assim, foi firmado um novo
império, aceitando e protegendo o cristianismo e
fundando a “Nova Roma” (PACCHIONI, 1944:219-247).
 O símbolo sagrado, o “Sol invictus”, levado no
estandarte dos guerreiros, na figura do
imperador e cunhado nas moedas romanas,
torna-se um símbolo com multiplicidade de
valores, tanto para os cristãos que
associavam metaforicamente a Cristo, como
para os pagãos, da mitologia persa, e evocava
sentimentos morais e estéticos que foram
incorporados aos acontecimentos públicos. É
desta forma, que a sociedade se estrutura e
ritualiza suas crenças religiosas que
confrontam-se entre si e confirmam-se nas
conquistas das batalhas.
 Este símbolo, que tem uma profunda conotação
no imaginário e uma iconografia imperial
harmônica entre o divino e o terrestre, passa a
encorajar e exigir uma devoção ao imperador e a
Cristo, desenvolvendo suas normas de conduta.
Como observamos, a religião tem o poder de ligar
humanos e divindades, guerreiros e símbolos
sagrados e organizar um espaço e tempo. A
religião não apenas sacraliza o espaço e o tempo,
mas também os seres humanos e objetos. Dá
novo sentido e cria novas formas de interpretação
no campo simbólico através da figuração e
ritualização do sagrado, que neste contexto está
presente no emblema do “Sol invictus”.
 No modelo político erigido a partir do século
IV, o sagrado e o profano são os
componentes essenciais de um governo
monárquico absolutista, triunfante em toda
orla mediterrânea. Também há que se
considerar que o modelo político da
autocracia vem para estabilizar a anarquia
militar antes existente e assume um caráter
salvador e hierárquico, no plano político e na
argumentação teológica. Assim, evidencia um
universo de princípios de autoridade civil,
militar e divina.
 Contudo, este novo modelo político da
autocracia, segundo o autor Claude Nicolet,
produz uma forte reação que pouco a pouco vai
acentuando a desigualdade e passa a ser o
princípio de organização política e social,
estruturada em torno da hierarquia, estendendo-
se ao direito privado e penal, cujo status se torna
oficialmente hereditário. É interessante notar que
os privilégios bem como status de cidadania
acontecem através do direito matrimonial e
testamentário especial (NICOLET,1992:25). O
fator jurídico marca profundamente a cidadania,
e este é um fato objetivo nas estruturas de poder
nas relações em Roma.
 Como fato decisivo, a religião adotada pelo
Estado constituiu um grande fator de
transformações. Permite o surgimento de
uma nova classe de dependentes dos
recursos não apenas do Estado, mas também
do número crescente de fiéis.
Progressivamente, molda os quadros da
administração (clero secular) e da
organização social como um todo
(monaquismo), à medida que se organiza
enquanto Igreja e passa a acumular um
crescente patrimônio em terras (TAVEIRA,
2002: 270-272).
 O modelo político religioso, no âmbito de
natureza religiosa, contribuiu de forma
fundamental para uma determinada visão da
moral na sociedade, e teve como base
autoridades clássicas, os Pais da Igreja, que
travaram discussões e permaneceram ao longo
dos séculos. Como exemplo, podemos citar
Santo Agostinho com sua obra sobre o pecado
original que passou a enfatizar a
responsabilidade individual e coletiva. Outro
exemplo de modelo político no âmbito jurídico
foi a legislação justiniana, que desenvolveu
toda uma legislação reformadora do direito
romano.
 Peter Brown observa a ascensão do cristianismo ligada
a questão pública e celibatária e a união do império
romano tardio como uma sociedade dominada
explicitamente por uma aliança entre os servidores do
imperador e os grandes proprietários de terras que
colaboram para controlar os camponeses sujeitos ao
imposto e para impor a lei e a ordem nas cidades. Para
tanto, Peter Brown pontua que quando a Igreja assume
o poder, o celibato ganha força na linguagem do poder,
ela se alia de forma ostensiva na cena do cotidiano na
vida urbana romana. Isto porque os celibatários são
considerados “desligados do mundo”. Uma vez que a
vida pública exerce uma grande dimensão no cotidiano
dos cidadãos romanos, o celibato é atributo necessário
para legitimar a integridade da moral na vida pública.
 Peter Brown afirma que apesar da Igreja
conquistar um certo poder junto ao Estado, a
Igreja do século IV continua marginal em
relação ao mundo, cujas estruturas principais
evoluem sob as fortes pressões do poder e da
necessidade de segurança e hierarquia. O
cristianismo ainda é periférico, mesmo que
tenha se tornado a fé nominal dos poderosos.
Peter Brown menciona que “Santo Agostinho
nota, porém, que muitas vezes o fazem esperar
na antecâmara dos grandes e que gente mais
importante entra antes dele”(BROWN, 1990:
265).
 Neste período, numerosas e magníficas igrejas são
construídas graças às doações imperiais e através
de uma visão modelo imperial, a basílica, edifício
muito semelhante a uma sala de audiência do
imperador e ao trono do juízo de Deus, religião e
império marcam sua relação. O clero pode se
beneficiar com exonerações e alocações de
alimento a título de privilégio. O bispo tem acesso
aos governadores, e intervém sobre tudo a favor
dos pobres e oprimidos. Ao olhar de seus
dirigentes, a igreja é uma nova comunidade pública
unida por extraordinária importância atribuída a
três temas delimitados com uma intensidade até
então não existente no mundo antigo: o pecado, a
pobreza e a morte (BROWN, 1990: 265-266).
 O pecado – o pecado é assunto extremamente
importante nesta época, pois é neste período que serão
desenvolvidas muitas interpretações sobre o pecado
original. As questões são profundamente íntimas
ligadas aos costumes sexuais ou as opiniões pessoais
sobre o dogma cristão que estão sendo julgados pelos
membros do clero como poder coercitivo para condenar
e justificar um ato público e vibrante de exclusão da
Igreja Cristã. Um sistema inteiramente público de
penitência e culpa que impera nesse período do século
IV, se assim pudéssemos chamar de a própria inquisição
da sexualidade. A excomunhão acarreta a exclusão
pública da eucaristia e seus efeitos só podem ser
revogados por um ato igualmente público de
reconciliação com o bispo (BROWN, 1990: 266).
 A pobreza – a esmola aos pobres constitui
uma parte essencial da longa reparação dos
penitentes e o remédio normal para os
pecados leves, passíveis de desculpas, tais
como, a preguiça e os pensamentos impuros e
fúteis, que demandam penitência pública. Tal
simbolismo era indispensável para a regra da
antiga comunidade cívica de cidadãos,
concede ao pobre a privilegiada posição de
símbolo da miserável condição da humanidade
da qual participa seu eu, que é pecador. A
esmola torna-se uma analogia poderosa da
relação de Deus com o homem pecador.
 A morte – A passagem dos séculos II e III para o século IV expressa
quão pouco valor se dava para a morte ou talvez, segundo Peter
Brown, é com a ascensão da cristandade, que a Igreja se introduz
entre o indivíduo, a família e a cidade, com uma sólida doutrina
cristã sobre o além, pregada pelo clero, e passa a esclarecer aos
vivos sobre o sentido da morte. O clero passa a ter uma percepção
para a preservação da memória dos mortos, desenvolve uma
tradição de celebração nos cemitérios, oferendas na eucaristia,
orações em que os nomes dos mortos sejam lembrados. Festas
anuais em memória dos mortos são celebradas. Grandes
cemitérios cristãos são administrados pelo clero, que tem o poder
de recusar oferendas para membros não convertidos e pecadores
não arrependidos e de suicidas No final do século IV, o privilégio
de ser enterrado perto do túmulo dos mártires garante que, se a
comunidade cristã exigia uma hierarquia de estima entre seus
membros, o clero, que controlava o acesso a esses lugares
consagrados, erigia-se em árbitro de tal hierarquia (BROWN, 1990:
273-274).

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