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EDUCAÇÃO NA IDADE MÉDIA: AS SETE

ARTES LIBERAIS (TRIVIUM E


QUADRIVIUM)
Ministrante: Thiago Martins Moura
Orientador: Prof. Douglas Mota Xavier de Lima
Ao pensar Educação, ainda
nos vem à mente espaços e
sistemas muito específicos e
consagrados em nossa
sociedade contemporânea
enquanto ambientes
verdadeiramente ou
exclusivamente educativos.

Imagem anterior: “As sete artes


liberais”. Giovanni di Ser Giovanni
Guidi, (1460) | Atualmente alojado
no Museu Nacional de Arte da
Catalunha .

Imagem ao lado: Sala de aula,


Colégio dos Órfãos (década de
1920). Fonte: Arquivo Histórico
Municipal do Porto.  
O QUE PODEMOS DEFINIR COMO
EDUCAÇÃ O?
O QUE PODEMOS DEFINIR COMO EDUCAÇÃ O
E O QUE COMPÕ E TAL PROCESSO HOJE?
“O termo educação abrange tanto um
certo tipo de atividade desenvolvida pela
geração adulta com relação às crianças e
aos jovens, e cristalizada em instituições,
quanto às ideias ou concepções
expendidas a respeito da formação
humana.” (NUNES, 1979)

Ou seja, trata-se de um processo que


fornece ideias, concepções,
conhecimentos e técnicas necessárias a
uma formação humana, cultural e social
que permita ao individuo certa
localização no mundo.
A EDUCAÇÃ O MEDIEVAL

Caravaggio (1571-1617). São Jerônimo escrevendo (c. 1606. óleo sobre tela, 112x157, Galleria
Borghese, Roma.
“Durante séculos, sob os auspícios da
filosofia greco-romana, a Igreja
incentivou o desenvolvimento da
razão pelo cultivo da memória e uma
existência humana ética e religiosa.
Na leitura, interpretação de textos e
construção de argumentos próprios
devidamente embasados residiam os
elementos formadores de homens
doutos. Livres dos afazeres
repetitivos e pouco criativos do
cotidiano, estes homens edificaram
suas obras sobre o alicerce cultural
do cânon que por séculos guiou a
sociedade ocidental.”
(LANZIERI JUNIOR, 2017, p. 73-74)

Um dedicado grupo de discípulos estuda uma lição com


seu mestre. Iluminura do século XIII . (Bibliothèque
Sainte-Geneviève, Paris, MS 2200, folio 58).
AMBIENTES EDUCATIVOS

• Escolas monacais e
paroquiais –
Principalmente do século V
- VIII;
• Escolas de Catedrais e
Oficinas – séculos XI - XII;
• Universidades – século XIII
em diante.

Acima: Monges copistas trabalhando no Scriptorium.


Libro de los juegos, XIIIe s., monastère de l'Escorial;
Abaixo: Visão lateral da Catedral de Chartres
COMPLEMENTARIEDADE
DO SER E DO CONHECER.
[...] há dois objetivos para os
quais a força da alma racional
despende todo o empenho: o
primeiro referente ao
conhecimento da natureza das
coisas pela investigação
racional; o segundo, iniciando-
se pelo conhecimento, e que,
em seguida, a dignidade moral
concretizará (HUGO DE SÃO
VÍTOR, Didascalicon, Livro I,
cap. 3: p. 31).
“Um jovem sendo apresentado às sete artes liberais”. Sandro
Botticelli. Cerca de 1483-1485 | Atualmente alojado no
Museu do Louvre.
AS ARTES LIBERAIS Ars, artis: recta ratio
factibilium..
O estudo e aplicação das
artes sempre produzem
algo, não somente
“implicam conhecimento”;
a gramática constrói as
possibilidades da língua; a
Retórica, do discurso; a
Dialética, os silogismos; a
Aritmética, dos números; a
Geometria, das medidas; a
Música, as melodias; a
Astronomia, os cálculos
sobre o uso dos astros
(LE GOFF, 2011, p. 88).

"Filosofia e As Sete Artes liberais". De Herrad de Landsberg da obra Hortus


Deliciarum (século XII).
O Trivium – as três artes da Linguagem O Quadrivium – as quatro artes da
pertinentes à mente: quantidade pertinentes ao mundo:
• Gramática: A arte de combinar • Aritmética: teoria do número, ou da
símbolos para expressar quantidade descontínua
pensamento. • Música: a medição das quantidades
• Retórica: A arte de comunicar discretas em movimento
pensamento de uma mente à outra • Geometria: A teoria do espaço, ou
ou de adaptar a linguagem às da quantidade contínua
circunstâncias.
• Astronomia: a aplicação da arte
• Dialética (lógica): a arte de pensar anterior.
"Mas visto que essas damas [as sete artes liberais] que louvo não são
facilmente encontradas todas juntas entre as mesmas pessoas, será
válido aderir a doutos de diversos povos. Mande para a memória o que
encontrar de mais elegantemente expresso entre cada um deles. Pois
aquilo que os estudos galeses ignoram, aqueles do outro lado dos Alpes
irão desatar; o que não aprender entre os latinos, gregos eloquentes
ensinarão a você" (ADELARDO DE BATH, Sobre o mesmo e o diferente,
p. 69 e 71).
“As sete artes são como instrumentos e treinamentos, pelos quais se
prepara um caminho para o espírito alcançar o conhecimento da
verdade filosófica. O nome dado a elas é ‘trivium’ e ‘quadrivium’, sendo
que é justamente por meio delas (como se fossem caminhos) que o
espírito vivo penetra nos segredos da Sabedoria.” (HUGO DE SÃO VITOR.
Didascálicon. Livro III. Capítulo 3. p, 113)
A GRAMÁ TICA

• Estrutura da língua
Latina;
• Etimologias;
• Leitura treinada;
• Crítica.

"Através de mim, todos podem


aprender quais são as palavras,
as sílabas e as letras."

O aspecto gramatical do Trivium visava a análise e


memorização de textos, além de sua produção.
Clássicos, como Virgílio e os manuais de Donato e
Priscian, foram alguns dos textos estudados, além de
muitos textos da Patrística latina.

Imagem anterior: A Filosofia apresenta as sete Artes Liberais a Boécio (c. 1460-1470). Iluminura atribuída ao Mestre
Coëtivy (ativo entre 1450 e 1485).
Imagem do canto superior direito: Detalhe do portal oeste da Catedral de Chartres
“Bernardo [de Chartres] dobrava-se em esforços diários para fazer com
seus estudantes imitassem o que ouviam. Em alguns casos, ele se fiava
na exortação, em outros, recorria a punições tais como surras” (JOÃO
DE SALISBURY, Metalogicon, Livro I, cap. 24, p. 68).
“Alguns dizem não ser a gramática uma parte da filosofia, mas mero
apêndice ou instrumentos dela. Contudo, Boécio ensinou, na teoria da
argumentação, que ela é parte, e também instrumento da filosofia,
como se fosse um órgão instrumental do corpo[...] Pelo viés das
desinências, a gramática é nome, verbo, particípio, pronome, advérbio,
preposição, conjugação, interjeição, palavras articuladas, sílabas,
métricas, acentos, pontuação, notas, ortografia, analogia, etimologia,
glosas, diferenças, barbarismos, solecismo, vícios de linguagem,
metaplasmos, esquemas, tropos, prosas, metros, fábulas e histórias.”
(HUGO DE SÃO VITOR. Didascálicon. Livro III. Capítulo 3. p, 113)
A RETÓ RICA
"Graças a mim, orgulhoso orador, seus
discursos ganharão força".

A Retórica é a ciência de falar bem nas


questões cívicas e com os adequados
recursos da eloquência para persuadir o
que é justo e o que é o bem [...] O orador
é um homem bom, perito na arte de falar.
A retidão do homem se baseia em sua
natureza, em seus costumes e em suas
qualidades. Sua experiência se baseia em
uma eloquência regulada por normas e
que tem cinco partes: invenção,
disposição, elocução, memória e
pronunciação. (SANTO ISIDORO DE
SEVILHA, Etimologias, II, 1, 1-2.).

Detalhe da iluminura 2 do Breviculum (Badischen Landesbibliothek


Karlsruhe aus der Klosterbibliothek Sankt Peter Signatur: St. Peter
perg. 92).
•"Privados do dom da fala, os homens se degenerariam à condição de
animais brutos e as cidades se pareceriam mais com currais para porcos do
que comunidades compostas por seres humanos unidos por um elo comum
com a proposta de viver em sociedade, servindo um ao outro e cooperando
como amigos. Se a intercomunicação verbal fosse retirada, que contrato
seria devidamente concluído, que instrução seria dada sobre fé e moral e
que acordo e entendimento mútuo poderia existir entre os homens? Assim,
pode ser observado que nosso 'Cornificius', inimigo ignorante e
malevolente dos estudos pertencentes à eloquência, ataca não meramente
um ou mesmo algumas pessoas, mas toda a civilização e organização
política" (JOÃO DE SALISBURY, Metalogicon, Livro I, cap. 1, p. 11).
Os Cornificianos argumentam que a própria natureza gratuitamente garante
a todos a eloquência [...], visto que ela arbitrária e irrevocavelmente a
recusa e nega aos fadados a nunca se tornarem eloquentes. Concluem que
os esforços para adquirir eloquência são inúteis e supérfluos" (JOÃO DE
SALISBURY, Metalogicon, Livro I, cap. 8, p. 28).
A DIALÉ TICA OU RATIO

St Thomas Aquinas kneeling and offering his works to


the Roman Catholic Church. Ludwig Seitz (1844-
1908). Museo Pio-Clementino, Galleria dei
Candelabri.
ARITMÉ TICA MÚ SICA
Ou a teoria do número, ou da quantidade Ou a medição das quantidades
descontínua. discretas em movimento
A MÚ SICA OU HARMONIA
• A música como ciência e
disciplina matemática;
• A música como Propriedade
universal das coisas;
• O Canto Gregoriano;
• A notação como conhecemos.

Hino de São João por Guido d’Arezzo


Ut queant laxis Sancte Ioannes.
Resonare fibris
Mira gestorum
Famuli tuorum
Solve polluti
Labii reatum “Para que estes teus
servos possam
exaltar a plenos
pulmões suas
maravilhas, perdoe a
O papa Gregório Magno (c. 540-604) dita seu canto gregoriano para seu discípulo e amigo
falta Pedro, o
de nossos lábios
Diácono (Johannes Hymonides, †antes de 885, biógrafo do papa), com a pomba do Espírito Santo a
impuros, ó São João”.
lhe inspirar (em seu ouvido direito).15 Iluminura de um Antifonário do Mosteiro de Saint-Gall, séc. XI
(Cod. Sang. 390, p. 13).
GEOMETRIA E ASTRONOMIA
Ou a teoria e aplicação da medida da quantidade contínua

"É com exatidão que inspeciono o chão". "Eu mantenho os nomes dos corpos
celestes e conheço seu curso futuro".
A astronomia e a astrologia se diferenciam pelo fato de a astronomia ter
derivado o seu nome da lei dos astros, a astrologia do discurso sobre os
astros. De fato, nomía significa lei e logos discurso. E assim, a astronomia é a
ciência que discute a lei dos astros e a revolução do céu, investigando as
regiões, as órbitas, os movimentos, o raiar e pôr-se das estrelas e as razões
do nome de cada uma.

A astrologia, por sua vez, considera os astros em seu influxo sobre o


nascimento ou a morte ou qualquer outro evento, influxo que é em parte
natural e em parte supersticioso. Tal influxo é natural sobre a complexão dos
corpos, os quais variam de acordo com o ritmo dos corpos superiores, como
é o caso da saúde, doença, tempestade, estiagem, fertilidade e esterilidade;
mas esse influxo é supersticioso com relação às coisas contingentes ou que
dependem do livre-arbítrio. (HUGO DE SÃO VÍTOR. Didascálicon. Da arte de
ler, Livro II, cap. 10)

Imagem anterior: Esquema cosmográfico medieval. Atlas catalão, século XIV. In: BNF, ESP 30.
A relação de influência dos signos nos quatro
elementos do mundo sublunar. Barthélemy
l'Anglais. O Livro das Propriedades das Coisas,
século XV. In: BNF, FR 135.

A cosmologia de Gautier de Metz (séc. XIII).


REFERÊ NCIAS
LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Outros anões sobre ombros de gigantes: o questionamento da ruptura entre locais
destinados à formação do saber (séculos XI e XII). Revista Territórios e Fronteiras, Cuiabá, v.7, n.1, jan-jun, 2014.
p. 231-246. Disponível em: http://www.ppghis.com/territorios&fronteiras/index.php/v03n02/article/view/225 .
NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979.
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. 4. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2011.
COSTA, Ricardo da. A Educação na Idade Média. A busca da Sabedoria como caminho para a Felicidade: al-Farabi e
Ramon Llull. In: Dimensões - Revista de História da UFES 15. Dossiê História, Educação e Cidadania. Vitória:
EDUFES, 2003, p. 99-115. (ISSN 1517-2120).
LANZIERI JÚNIOR, Carlile. Homens de pedra: tradição, memória e harmonia na pedagogia de João de Salibury e
outros mestres medievais. Cuiabá: Serata, 2017.
COSTA, Ricardo da. A Ciência no Pensamento Especulativo Medieval. In: SINAIS – Revista Eletrônica. Ciências
Sociais. Vitória: CCHN, UFES, Edição n.05, v.1, Setembro. 2009. pp. 132-144.
CASSAGNE, Inés. Valorización y educación del Niño en la Edad Media. (Disponível em
http://www.vallenajerilla.com/berceo/inescassagne/pueriedadmedia.htm).
HUGO DE SÃO VÍTOR. Didascalicon: A arte de ler. Trad. de Tiago Todinelli. Campinas, SP: Vide Editorial, 2015.
LAUAND, Jean Luiz. Deus Ludens - O Lúdico no Pensamento de Tomás de Aquino e na Pedagogia Medieval.
(Disponível em http://www.hottopos.com/notand7/jeanludus.htm . acessado no dia 25 de Julho de 2018 às 23:24)
SAN ISIDORO DE SEVILLA. Etimologías. Madrid: BAC, MM, 2 volúmenes.
GILSON, Étienne. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
JOSEPH, Ir. Miriam. O Trivium: As Artes Liberais da Lógica, da Gramática e da Retórica. Tradução e adaptação de
Henrique Paul Dmyterko. São Paulo: Érealizações, 2008.

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