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POEMAS SIMBOLISTAS

1. João da Cruz e Sousa (Nossa Senhora do Desterro, 1861- Sítio, MG,


1898)
• -Tropos e fantasias (1885)
• - Missal (1893)
• - Broquéis (1893)
• - Evocações (1898)
• - Faróis (1900)
• - Últimos sonetos (1905)
BRAÇOS
Bra/ços/ ner/vo/sos,/ bran/cas/ o/pu/lên/cias, A
Bru/mais/ bran/cu/ras,/ fúl/gi/das /bran/cu/ras, B
Al/vu/ras/ cas/tas,/ vir/gi/nais /al/vu/ras, B
Lac/tes/cên/cias/ das/ ra/ras/ lac/tes/cên/cias. A
 
As fascinantes, mórbidas dormências A
Dos teus abraços de letais flexuras, B
Produzem sensações de agres torturas, B
Dos desejos as mornas floerescências. A
 
Braços nervosos, tentadoras serpes C
Que prendem, tetanizam como os herpes, C
Dos delírios na trêmula coorte... D
 
Pompa de carnes tépidas e flóreas, E
Braços de estranhas correções marmóreas, E
Abertos para o Amor e para a Morte! D
 
 
CRUZ E SOUSA, João da. Missal/Broquéis. São Paulo:Martins Fontes, 1993, p.147.
- poema decassílabo

-esquema de rimas: ABBA, ABBA, CCD, EED

- metonímia: figura a partir da qual o poema se desenvolve, pois toma uma parte do
corpo, os braços, para falar de um todo maior, do corpo e de seus movimentos. É
possível ver na escolha metonímica uma preocupação com a ideia de correspondência
no entrelaçamento da parte com o todo e vice-versa.

-o poeta não olha para o alto, mas para seu plano, haja vista que se volta para algo
bastante concreto, os braços, a partir dos quais outras questões, como o amor e a
morte, também plenamente assentados na vida, são colocadas em cena.

- repetição de frases nominais


-estrutura - justaposição cumulativa
(musicalidade estrutural)
- adjetivação reiterativa
sons plosivos: b, p, t
aliteração sons sibilantes : s, v
sonora sons nasais

sons abertos: a, ó
Musicalidade assonância
sons fechados: ê, u

frases nominais (série metafórica)


estrutural justaposição cumulativa
ausência de conexão sintática entre as palavras
- BRAÇOS : aspectos dual, ambíguo
Nervosos brancos
Mórbidas dormências virginais
Agres torturas fúlgidos
Correções mamóreas fascinantes
Tentadoras serpes mornas florescências
Tetanizam tépidos e flóreos
Morte (Tânatos) amor (Eros)

- a ambiguidade apresenta-se não


apenas no jogo contrapontual com - no jogo sonoro, a alterar, do início ao fim, sons abertos e fechados,
termos e expressões de significação fluidos e resistentes
contrária, ou, no mínimo, destoante,
como colocado acima, mas também: -na alternância de sensações agradáveis e incômodas
- nas imagens impactantes - total brancura
- tortura
- serpe
- herpes
-flores

- movimento: revela-se não através dos verbos, mas de termos que a inquietude,
como NERVOSOS, FLEXURAS, SERPES, TRÊMULA

-parecem alcançar a dimensão do símbolo, pois se abrem para a plurissignificação.


-BRAÇOS: -metáfora que aponta para a dimensão complexa, paradoxal e intercambiante da
aparências das coisas, dos sentidos, das sensações, das emoções, do ser, da existência,
enfim, da vida.
-fusão entre Eros e Tânatos, Amor e Morte. A última estrofe, diferentemente das demais,
apresenta uma estrutura mais racional e menos sugestiva e aponta para uma definição dos
braços enquanto o encerramento de uma realidade paradoxal indissolúvel. Assim, o primeiro
verso destaca o aspecto acolhedor e radiante dos braços; o segundo, o estranho, a solidez e a
frieza (correções marmóreas); e o último a une os dois polos distintos com o
conectivo e, eliminando a distância entre um aspecto e outro. Por isso, os braços
estão abertos para o Amor (carnes tépidas e flóreas) e para a Morte (estranhas
correções marmóreas) e não apenas para uma coisa ou outra.

2. Alphonsus de Guimaraens (Ouro Preto, 1870-


Mariana, 1921)
 
- Septenário das Dores de Nossa Senhora (1899)
- Dona Mística (1899)
-Kyriale (1902)
- Pauvre Lyre (1921)
-Pastoral dos crentes do amor e da morte (1923)
 
ISMÁLIA
Quan/do Is/má/lia em/lou/que/céu, A
Pôs/-se /na/ to/rre, a /so/nhar... B
Viu /u/ma/ lu/a /no/ céu, A
E como um anjo pendeu A
Viu/ ou/tra /lu/a /no/ mar. B As asas para voar... B
  Queria a lua do céu, A
Queria a lua do mar... B
No sonho em que se perdeu, A
 
Banhou-se toda em luar... B
Queria subir ao céu, A
Queria descer ao mar... B
  As asas que Deus lhe deu A
E, no desvario seu, A Ruflaram de par em par... B
Sua alma subiu ao céu, A
Na torre pôs-se a cantar... B Seu corpo desceu ao mar... B
Estava perto do céu, A
Estava longe do mar... B

 
GUIMARAENS, Alphonsus de. Melhores poemas. 4 ed. São Paulo:Global, 2001, p.101.
- versos de sete sílabas (redondilhas maiores)
 
- rimas: ABAB (intercaladas)
 
- vocabulário simples e repetitivo, mas que vai alcançando um tom mais dramático verso a verso
 

- figura que alicerça o poema

-presente nas rimas intercaladas


na terminação única das rimas em todo o poema: eu e ar
na oposição entre o alto e o baixo - céu x mar
- ANTÍTESE: - uma x outra
-subir x descer
- perto x longe
- alma x corpo

- dilaceração do sujeito: ocorre em razão da dicotomia, da impossibilidade de fusão dos pares


antitéticos.
- estado de loucura, de sonho, de desvario (fora da ordem, da normalidade).

-não faz distinção entre a aparência e a essência, entre o real e a ilusão (para ela, a lua é real nos dois
lugares, tanto no céu quanto no mar).

-posição espacial intermediária: TORRE (pode ser entendida também como a loucura).

-no estado de fantasia em que se encontra, transforma a ilusão (reflexo) em verdade e seu desejo em
condição única e última de sua existência (No sonho em que se perdeu/Banhou-se toda em luar).
- ISMÁLIA
- ser tomado pela vontade, pelo desejo, que leva às últimas consequências ao lançar para fora da torre,
do espaço fechado e limitador, para a abertura do mundo, de suas promessas e ilusões (lua do céu e lua
do mar).
 
- no poema, o lançar-se para fora de Ismália é tratado eufemisticamente, com a transformação da
mulher em um anjo de asas, também nada real, concreto, como a lua espelhada no mar.
Concretamente, sua busca é suicida, ainda que possa não ter consciência disso em razão de sua
condição de enlouquecimento, de desvario.
 
- morte : expressa a impossibilidade humana de alcançar os desejos de forma completa. Assim como
a lua, que aparece em dois pólos díspares para Ismália, céu e mar, também ela própria se divide em
corpo e alma.
Em uma analogia com a lua, que concretamente está no alto, no espaço, sendo sua imagem no
mar uma ilusão, um reflexo, a morte pode levar ao entendimento de que o verdadeiro, assim
como a lua, é a alma, que sobe ao céu, ao encontro da divindade, sendo o corpo, assim como o
reflexo da lua no mar, uma ilusão.

-A antítese entre corpo e alma, entre céu e terra, entre o verdadeiro e o ilusório é uma
constante nos poemas de Alphonsus de Guimarães e, de acordo com Eduardo Portella em “O
universo poético de Alphonsus de Guimaraens” (In: GUIMARAENS, Alphonsus. Obra completa.
Rio de Janeiro:Aguilar, 1960, p. 25), deve ser observada à luz da circunstância de “seu mundo
circundante: por Mariana, sua vida e sua paisagem místicas.”
 
- vida: pode ser entendida como uma grande ilusão, um estado de devaneio, de sonho, de
loucura.
 

3. Augusto de Carvalho Rodrigues do Anjos (Engenho


Pau D’Arco-PB, 1884-Leopoldina-MG, 1914)
 
- Eu (1912)
 
- Eu e outras poesias (1919)
PSICOLOGIA DE UM VENCIDO
 
 Eu, /fi/lho /do/ car/bo/no e/ do a/mo/ní/a/co, A
Mons/tro /de es/cu/ri/dão /e/ ru/ti/lân/cia, B
So/fro,/ des/de a e/pi/gê/ne/se/ da in/fân/cia, B
A in/fluên/cia/ má /dos/ sig/nos/ do/ zo/dí/aco. A

Profundissimamente hipocondríaco, A
Este ambiente me causa repugnância... B
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia B
Que escapa da boca de um cardíaco. A
 
Já o verme – este operário das ruínas – C
Que o sangue podre das carnificinas C
Come, e à vida em geral declara guerra, D
 
Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E
E há de deixar-me apenas os cabelos, E
Na frialdade inorgânica da terra! D

ANJOS, Augusto de Carvalho Rodrigues dos. Eu e outras poesias. 43 ed. Eu e outras poesias. Rio de
Janeiro:Bertrand do Brasil, 2001, p. 98.
- soneto decassílabo
 
- esquema de rimas: ABBA – ABBA – CCD – EED
 
- gosto por vocabulário científico: carbono, amoníaco, epigênese (tentativa de conceituação do eu pelo viés da matéria e não
apenas do metafísico)
 
- preferência pelas palavras proparoxítonas: amoníaco, zodíaco, hipocondríaco, epigênese, análoga, cardíaco, inorgânica
(termos esdrúxulos, assim como o eu, fora do lugar, de uma definição precisa, é “monstro”)
 
- musicalidade impactante, não fluida, dada pela exploração de sons agudos, nasais e plosivos: í, p, t, k, b, d, g, n
 
- título: ideia de falência, de derrota
 
- matéria: carbono, amoníaco
-mistério indescritível: monstro de escuridão e rutilância ( o jogo antitético aponta para o
aspecto paradoxal do eu)
- ser impotente: vencido desde a sua origem (presença do pensamento de Schopenhauer, para que
Eu o sujeito está condenado ao sofrimento, à VONTADE (WILLE) cega, ao aniquilamento)
- determinado por um sofrimento original e incontrolável: desde a epigênese da infância (condição
natural da vida) e influenciado pelos signos do zodíaco (força cósmica maior da qual não se tem
controle)
- orgânico: frágil, sujeito ao fim, à morte (condenado à destruição do verme)
 
não está isolado do eu, mas a ele se apresenta igualmente doente e melancólico,
“profundissimamente hipocondríaco”. O adverbio de modo, usado na forma superlativa, intensifica ao
extremo o sofrimento existencial que atravessa o sujeito desde a “epigênese da infância”.
 
Ambiente A construção de um eco na segunda estrofe com o uso das palavras “repugnância”, “ânsia” ( esta
usada duas vezes no mesmo verso) e “boca”, no terceiro e quarto versos, colaboram para a construção
de um ambiente hostil, nauseante, tanto no aspecto mais literal da náusea, movimento de se colocar
para fora aquilo que está fazendo mal ao organismo, quanto no sentido conotativo e mesmo filosófico
da palavra, que diz respeito à compreensão da liberdade da existência, do estar aí lançado no mundo.
 
 
- operário das ruínas
 
- inimigo da vida
 
-traiçoeiro (fica na espreita)
Verme
-aliado da morte

-revela ao homem a gratuidade da existência (“E há de deixar-


me apenas o cabelo/Na frialdade inorgânica da terra”)

- forte
 

O poema começa com o EU, o homem, e termina por entronar o VERME. A visão pessimista, marcadamente
melancólica, perpassa o poema do título ao último verso, definindo a condição última do EU: ser vencido,
derrotado por sua própria condição de existente e, mas que tudo, por ser consciente dessa condição.
 

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