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Elementos de uma ética para um

mundo conflagrado

Um estudo sobre a crise dos Direitos Humanos à luz da Teoria da Complexidade


O contexto histórico

 Direitos humanos são um processo de normatização do fundamento ético da civilidade


 A Declaração Universal: após o triunfo e a queda da barbárie nazifascista, foi preciso normatizar o processo
civilizatório (1948)
 A Guerra Fria: retrocesso, conflitos localizados, pacto nuclear
 Os trinta anos gloriosos, expansão do consumo no Ocidente, a cultura do ”eu”
 Revolução científico-tecnológica, corrida espacial, cibernética, cultura digital
 Globalização acelerada, dinamização do capital, ciclos mais curtos na economia
 As duas humanidades e os excluídos – sem terra, sem teto, sem pátria: sem humanidade
O desafio

 O homem está preso a uma filosofia do conhecimento, mas o conhecimento não se democratiza nem
distribui seus benefícios com equanimidade
 A sociedade se desenvolve em torno da informação, que gera conhecimento, que nem sempre gera sabedoria
 Conhecimento e Sabedoria, Direito e Justiça
 A superficialidade do processo dialógico e a sobreposição do discurso banal nas mídias
 Radicalização de posições ideológicas inconciliáveis dificulta acesso ao significado profundo da ética e gera
comunidades de informação homogêneas
 Como conceituar a ética num mundo de superficialidades e confrontações?
 Edgar Morin e o pensamento complexo (aquilo que é tecido em conjunto) – “O Paradigma
perdido: a natureza humana” (1973)
Edgar Morin: o pensamento complexo

 Aborda a relação entre ciência do homem e ciência da natureza, mas em vez de buscar a certeza, coloca a incerteza das
possibilidades como horizonte, num contexto intelectual em que o mundo e o homem, com sua complexidade, interagem sem
transcender um ao outro, transformando-se um ao outro: "A complexidade é um progresso de conhecimento que traz o
desconhecido e o mistério. O mistério não é apenas privativo; ele nos libera de toda racionalização delirante que pretende reduzir o
real à ideia. Ele nos traz, sob forma de poesia, a mensagem do inconcebível".
 Livro 1: A natureza da natureza (tudo que existe se justifica por simplesmente existir; religar as ciências, reorganizar o
pensamento integrando os processos de ordem, desordem e organização, formando o tetragrama com a interação)
 Livro 2: A vida da vida (tudo que tem vida se inter-relaciona em eco-organização e autoeco-organização; o sujeito, nesse contexto,
existe como ser egocêntrico – “eu apenas eu” – e como ser social (nós, a casa, a família, o clã, a sociedade, a espécie); o sujeito é
autônomo, não se sujeita à natureza, tem uma identidade complexa (genérica, pessoal e de pertencimento) mas precisa da natureza
 Livro 3: O conhecimento do conhecimento (revisita origens biológicas do conhecimento, religando-as às ciências cognitivas –
psicológicas, neurociências, tecnologias disruptoras, inteligência artificial, vida artificial – rompendo as barreiras entre as formas
fragmentadas de conhecimento, buscando a compreensão)
O pensamento complexo

 Livro 4: As ideias (são como deuses, nascem na mente humana mas adquirem realidade e poder dos quais não
podemos escapar – somos reféns dos mitos que criamos, e nosso processo de libertação depende de travarmos um
diálogo consciente com essas ideias); vivemos, portanto, sob dois paradigmas básicos, a disjunção, ou afastamento
da natureza pela cultura, e a conjunção, ou necessidade de buscar a dualidade natural e cultural; a revolução
paradigmática significa conciliar essa dualidade
 Livro 5: A Humanidade da humanidade – a identidade humana: a partir do paradigma triplo (espécie, indivíduo e
sociedade), de modo que ”eu apenas eu” no centro do universo pode evoluir para se agregar, se integrar ao “nós” e
passar a agir pelo bem comum (ética); isso porque o Homo sapiens é também o Homo faber e Homo Economicus;
mas o Homo sapiens também pode ser o Homo demens, quando age contra seus interesses e os interesses da
espécie; o Homo faber (técnico) é também o Homo mithologicus pois também é capaz de crer; o Homo economicus
é também Homo ludens, porque se diverte (arte); em sua visão aberta da humanidade, Morin mostra que o homem
não é apenas um animal racional
 Livro 6: A Ética – junta os saberes fragmentados do Ocidente sobre o ser humano, cunhando o conceito da “fé
ética”, o amor, o dever ético do homem de preservar a racionalidade dentro de uma relação amorosa com a natureza
e a condição humana; como yin/yang, essa dualidade deve guiar a consciência nas escolhas que fazemos
Utopia

 “A igualdade é impossível num estado em que a posse é particular e absoluta; porque cada um se apoia em
diversos títulos e direitos para atrair para si tudo quanto possa, e a riqueza nacional, por maior que seja,
acaba por cair na posse de um reduzido número de indivíduos que deixam aos outros apenas a indigência e
miséria” – Thomas More
 Paliativos: “Decretar um máximo de posse individual em terras e dinheiro; leis severas contra o despotismo e
a anarquia; não traficar a magistratura; suprimir o fausto e a representação nos altos cargos, a fim de que o
funcionário, para sustentar sua posição, não se entregue à fraude e à rapina (...)”.
 Utopia é expressão polissêmica – com vários significados: não lugar; não-ser (ainda)
 Obra contraposta ao “Elogio da Loucura” (1509), de Erasmo de Roterdã.
O contexto da Utopia original

 Na origem, a palavra Utopia era uma composição de origem híbrida grega e latina
 A correspondência entre Morus e Erasmus revela o movimento dialógico entre a ironia sobre a loucura e a
afirmação otimista sobre um mundo possível
 O nome original da Utopia era Abraxas (“lugar inexistente”), nome que Erasmus tinha dado à terra dos
loucos
 Morus trocou Abraxas por Nusquama, para não dar à terra ideal o mesmo nome da terra dos loucos. Sua
intenção era ressaltar a possibilidade real de um mundo melhor
 Utopia passa a significar “não-lugar” (ainda)
 Revolução Francesa (1789-1799) aplicou algumas das ideias da Utopia (a primeira Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão) e destruiu o absolutismo; o fim da revolução republicana fez surgir a modernidade
Utopia e Distopia

 “Distopia” foi expressão usada por Gregg Weber e John Stuart Mill, em discurso no parlamento britânico em
1868, como antítese de “utopia” – crítica às condições da revolução industrial, defesa dos direitos civis e da
autonomia das mulheres
 Mais recentemente, o termo tem sido usado para afirmar a descrença em ”utopias” ou projetos de uma
sociedade ética: derrotismo, fatalismo, niilismo
 “Distopia”, tomada em seu contexto original, equivale a ”status quo”
 O antônimo mais apropriado para “utopia” seria ”ilusão”
 Utopia é a vontade de bem (ética) fundamentada pelo conhecimento+sabedoria
 É preciso levar em conta as circunstâncias em que as expressões são criadas e a intenção ideológica de quem
as apresenta
Razão e consciência

 René Descartes: “Penso, logo existo” marca o eixo do Iluminismo – a razão humana como única forma de
existência (“Puisque je doute, je pense; puisque je pense, j’existe”)
 Descartes parte da dúvida para chegar à conclusão de que, se ele duvida, ele existe
 No entanto, constatar sua própria existência como a primeira realidade irrefutável não o torna humano – falta
a contraparte, o outro, o semelhante (e divergente)
 A modernidade no Ocidente se constituiu a partir dessa premissa do “eu”, o que levou à barbárie como um
dos ciclos recorrentes da História
 Que tal: penso que me pensam, logo existo?
Alteridade

 Ética: origens, desvios, a questão histórica da desigualdade, o outro como apêndice


 A vontade do bem, os homens (e mulheres) de boa vontade
 O outro e eu: René Descartes (conhecimento), Emmanuel Lévinas (relação ética)
 Diversidade, semelhanças, singularidades
 A sociedade dos aflitos, o retrocesso
 A consciência social é substituída pelo politicamente correto
 Moral e ética: imanência e transcendência
Restaurar a Utopia

 A busca de uma Utopia exige a aceitação do outro em sua transcendência


 Para conhecer o outro, é preciso compreender que o “eu” se constitui a partir do outro
 A modernidade se desenvolve a partir da premissa oposta: eu > o outro
 A modernidade conjuga tudo na primeira pessoa
 Quem atua no campo dos Direitos Humanos deve atentar para essa política das relações
 A razão de si deve evoluir para a consciência da alteridade (processo utópico): em princípio, o outro é
diverso de mim, mas não contra mim
Uma filosofia da comunicação

 A filosofia do conhecimento nos afasta da Utopia


 Uma filosofia da comunicação é a primazia da ética nas relações
 A ética sempre foi vista como associada ao conhecimento: ilusão
 A ética é anterior ao conhecimento e independe dele
 A ética é o sistema imunológico da consciência
 Questionar intensamente a informação: que tipo de conhecimento ela propõe? Qual a
intencionalidade da informação? O que ela propõe como visão de mundo?
A filosofia na carne

 A ideia de que a mente é dissociada do corpo fez a sociedade desenvolver relações antinaturais que
dificultam a percepção da realidade
 George Lakoff e Mark Johnson: pesquisa de sete anos com cientistas de doze especialidades sobre a origem
do pensamento humano (Philosophy in the flesh)
 A mente está “incorporada”, implícita em todo o corpo
 A linguagem se estrutura dinamicamente: a) para expressar um sentido; b) de acordo com estratégias de
comunicação; c) conforme os mais profundos aspectos da cultura; d) brotando do sistema neuro-motor; e)
metáforas primárias são comuns a todo o gênero humano; e) derivam do corpo-mente e do seu uso (vivência)
A filosofia na carne

 Formulamos naturalmente metáforas a partir da percepção corporal


 Algumas dessas metáforas comuns a todas as culturas estudadas: Pensar é mover-se; ideias são locações; a
razão é a força; pensar sobre X é mover-se em torno de X; o pensamento racional é um movimento direto,
deliberado, passo-a-passo e de acordo com a força da razão; ser incapaz de pensar é ser incapaz de se
mover, é estar paralisado
 O pensamento é tido como manipulação de objetos; ideias são objetos manipuláveis; comunicar é enviar;
entender é agarrar; a memória é um armazém; lembrar é recuperar
 Aquisição de ideias é tida como ato de alimentar-se: interesse em ideias é apetite; boa ideia é alimento
saudável; ideias úteis são nutritivas; ideias ruins são veneno; aceitar uma ideia é engolir; ideias inaceitáveis
são indigestas; informar é alimentar etc.
Percepção da realidade
Intensidade das vivências

Percepção Linguagem
Compreensão
Compromisso

Novo nível de
consciência

Insight

Tempo
Um caminho sem fim

 A epopeia do homem é objetivar o inconsciente e encaixá-lo na realidade


 Tudo que se desenvolve no inconsciente aspira a se tornar real
 A personalidade deseja vivenciar a realidade como totalidade, mas nunca sabe o que é real ou totalmente
verdadeiro
 A comunicação com o outro, aproximação e alteridade, é sempre um processo incompleto e insatisfatório,
pois ambos estão em transformação constante
 A empatia (uma busca nunca completada) é a única forma de compor essa dualidade
 O caminho oposto (isolamento na comunidade homogênea) desumaniza o “eu” porque nega a humanidade
ao outro
 A grande utopia do nosso tempo é o encontro

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