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SOCIOLOGIA – WESLLEY MATOS

PROBLEMATIZANDO A NOÇÃO DE “RAÇA” E


SEUS DIVERSOS USOS
Já o Movimento Negro e vários estudiosos, atualmente,
Dependendo da maneira como é utilizado, o conceito quando usam o termo “raça”, não o fazem alicerçados
na ideologia nazista. Ao contrário, eles rejeitam a ideia
raça pode ter uma conotação
própria do de que existam raças superiores e inferiores. Os grupos
políticos lançam mão do conceito, dando-lhe um outro
campo das ciências naturais. Nesse
campo, trata-se de um conceito utilizado para definir reconhecimento
significado, relacionado ao
classes de animais que têm origem em um tronco da diferença entre grupos
comum, com características e potencialidades físicas
específicas relativas a cada raça. Durante a II Guerra humanos, sem atribuir qualidades
Mundial (1939-1945), o Nazismo lançou mão da positivas ou negativas, ao reconhecimento
aplicação desse conceito, com um sentido biológico, da condição, das origens ancestrais e identidades
próprias de cada um deles. Esse uso tem um sentido
supremacia dos
para justificar a suposta social e político, que diz respeito à história da

brancos e arianos (considerados pelos população negra no complexa


Brasil e à
nazistas como uma raça pura e branca) sobre outros
grupos, promovendo a segregação, a dominação e a
relação entre raça, racismo,
morte de milhões de pessoas. preconceito e discriminação racial.
MUNANGA, Kabengele & Nilma Lino Gomes. O MUNANGA, Kabengele & Nilma Lino Gomes. O Negro
Negro no Brasil de Hoje. 2º Ed. – São Paulo: Global, no Brasil de Hoje. 2º Ed. – São Paulo: Global, 2016, p.175.
2016, p.174-175.
“RAÇA” COMO CONSTRUÇÃO
SÓCIO-HISTÓRICA
Nesse contexto, podemos compreender que a identificação de raças é, na realidade, uma construção social,
política e cultural produzida no interior das relações sociais e de poder ao longo do processo histórico. Não
significa, de forma alguma, um dado da natureza. É no contexto da cultura que aprendemos a enxergar as
raças. Isso significa que aprendemos a ver os negros e brancos como diferentes na forma como somos
educados e socializados a ponto dessas ditas diferenças serem introjetadas em nossa forma de ser e ver o outro,
na nossa subjetividade, nas relações sociais mais amplas. Aprendemos, na cultura e na sociedade, a perceber
as diferenças, a comparar, a classificar. Se as coisas ficassem só nesse plano, não teríamos tantos

também vamos aprendendo


complicadores. O problema é que, em variados contextos,

a tratar as ditas diferenças de forma desigual.


• MUNANGA, Kabengele & Nilma Lino Gomes. O Negro no Brasil de Hoje. 2º Ed. – São Paulo: Global, 2016,
p.176.
“RAÇA”, UM CONCEITO AMBÍGUO:
POR QUE NÃO ABANDONAR ESSA NOÇÃO?
(...) do ponto de vista da genética, a ideia de raça é desprovida de conteúdo ou
valor científico. Raça não é um conceito operacional. Portanto, não permite
Ao longo das últimas décadas do século XX e no início do XXI, com o
acelerado desenvolvimento teórico-metodológico da genética, fixar, na área da pesquisa genética, sistemas de classificação universal. (...) A
acumularam-se evidências deconceito história da humanidade confirma
que “raça”, se a
apropriado para a biologia de algumas inconsistência da noção de raça pura. Misturas
biológicas são a constante. Do ponto de vista da genética, não existe raça
espécies animais, é de pouca utilidade no branca ou negra. Não existe raça ariana ou latina. Também não existe raça
brasileira. Os povos nunca cessaram de se misturar uns aos outros. Daí a
caso dos humanos. (...) Ademais, os estudos em biologia evidente diversidade dos tipos físicos que formam a população mundial. Se a
classificação de raças segundo o modelo da taxinomia clássica (brancos,
molecular indicam que as características utilizadas nos esquemas de negros, amarelos etc.) é, geneticamente falando, impossível, será preciso então
classificação racial, tais como cor de pele, formato dos olhos, cor e abandonar o conceito de raça? Em relação à indeterminabilidade do conceito de
textura do cabelo, dentre outras, são codificadas por um número raça, do ponto de vista da biologia e de seu uso corrente pela população, (...) o
homem comum tem formas de percepção que nada têm a ver com os
relativamente pequeno de genes (algumas poucas dezenas). O genoma
complexos modelos teóricos dos geneticistas contemporâneos. Ele não percebe
da espécie humana alcança entre 25 e 30 mil genes . (...) seus vizinhos com os olhos do espírito científico, pois ele entende o discurso
As ciências sociais contemporâneas, ao mesmo tempo que integram ao cientificamente autorizado dos geneticistas anti-racistas
seu corpo teórico e metodológico a perspectiva de que a categoria “raça” como algo distante, abstrato, angelical, sustentado pelas elites do saber e
não é cientificamente válida para a espécie humana, reconhecem a desprovido do conhecimento corriqueiro das raças socialmente percebidas. O
homem comum (...) não vendo a continuidade genética nem a diversidade
enorme relevância antropológica e sociológica do conceito, uma vez que genética que torna os geneticistas tão otimistas, continuará a tipificar e a
indivíduos e sociedades, orientados por seus referenciais culturais,
classificam os outros e são cotidianamente classificados com base em
classificar os indivíduos segundo suas características
características físicas. Assim, mesmo que “raça” não seja uma realidade perceptíveis e, mais particularmente,
biológica, percepção sobre
padrões de as visíveis.
Jacques d’Adesky. Pluralismo étnico e multi-culturalismo: racismos e anti-
características físicas associam-se à produção de relações racismos no Brasil. Rio de Janeiro: Pallas, 2005, p. 43-45.
políticas, sociais e econômicas que geram desigualdades.
 MAIO, Marcos Chor (org.) Raça como questão: história, ciência e identidades no Brasil. Rio
A DIVERSIDADE DE TIPOS FÍSICOS
AFRICANOS NO BRASIL E HIERARQUIZAÇÃO
se é bem verdade que raças não
(...)
existem, as aparências físicas entre
grupos de seres humanos
efetivamente existem. Desse modo, os
diversos tipos de seres humanos possuem vários tipos
de cabelos, tonalidades de cor de pele, alturas,
formatos faciais e de olhos entre outras
características que são transmissíveis
raças não
intergeracionalmente. (...) Em suma,
existem, mas os tipos físicos, com
toda a carga de valoração
hierarquizadora que esses contêm,
sim. (GOMES, F. S. e DOMINGUES, F. Da nitidez Retratos de negros e negras em Pernambuco feitos por
e invisibilidade: legados do pós-emancipação no volta de 1870 pelo fotógrafo de origem germânica
Brasil. Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2013, p.321) Alberto Henschel (1827-1882)
COLONIZAÇÃO E RACISMO:
DIFERENÇA E DOMINAÇÃO
Atribui-se ao processo de expansão colonial europeu um papel de
destaque na centralidade que o conceito de raça veio a adquirir a partir
do final do século. O anatomista Johann Blumenbach cunhou o termo
“caucasoide” nos setecentos (século XVIII) para se referir aos europeus,
em contraposição aos “mongoloides” (asiáticos), “etíopes” (africanos),
“ameríndios” (povos nativos das américas) e “malaios” (polinésicos). A
influente classificação de Blumenbach e as muitas outras propostas que
se seguiram estiveram associadas ao encontro dos colonizadores
com povos com características físicas e tradições
socioculturais próprias em várias partes do mundo. Já nesse
período, estavam imiscuídas nas classificações raciais
noções de hierarquia, o que teve papel fundamental na
justificação das práticas de dominação.

MAIO, Marcos Chor. Raça como questão: história, ciência e


identidade no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2010,
p. 19.
TRÁFICO E MERCADO DE PESSOAS NEGRAS
AFRICANAS ESCRAVIZADAS NO BRASIL

Mercado de escravos no Recife. Aquarela sobre o Mercado da Rua do Valongo, litografia sobre o papel
papel de Zacharias II Wagner, 1641. de JeanBaptiste Debret, 1835.
COTIDIANO DE VIOLÊNCIA SOBRE PESSOAS
NEGRAS ESCRAVIZADAS NO BRASIL
A ilustradora Maria Graham
esteve no Brasil entre 1821 e 1823
e registrou em seus livros: “Não
tínhamos dado cinquenta passos
em Recife quando ficamos
totalmente enjoados pela
impressão causada por um
mercado de escravos. Era a
primeira vez que eu e os garotos
estávamos em um país
escravocrata; e por mais fortes e
pungentes possam ser os
sentimentos em nosso país
quando a imaginação representa
a escravidão, são nada
comparados à abaladora visão
de um mercado de escravos.
Cerca de cinquenta criaturas
jovens, garotos e moças, com
todas as características de
doença e fome, estavam
Punições públicas : praça Santa Ana. sentados e deitados aqui e ali, Execução de punição de flagelo.
Johann Moritz Rugendas, após misturados aos mais imundos Jean-Baptiste Debret, antes de
1827 antes de 1835. animais das ruas”. 1830.
COTIDIANO DE VIOLÊNCIA SOBRE PESSOAS
NEGRAS ESCRAVIZADAS NO BRASIL NO ESPAÇO
DOMÉSTICO

Jean-Baptiste Debret: Uma senhora brasileira em seu lar, litografia em


Um jantar brasileiro, 1827 papel de Jean-Baptiste Debret, 1835

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