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INTERPRETAÇÃO DO DIREITO

Introdução ao Estudo do Direito


Flávia Piva Almeida Leite
Conceito de interpretação em geral
A palavra interpretação possui amplo alcance, não se limitando à
Dogmática Jurídica. Interpretar é o ato de aplicar o sentido de alguma
coisa; é revelar o significado de uma expressão verbal, artística ou
constituída por um objeto, atitude ou gesto. A interpretação consiste
na busca do verdadeiro sentido das coisas e para isto o espírito
humano lança mão de diversos recursos, analisa os elementos, utiliza-
se de conhecimentos da lógica, psicologia e, muitas vezes, de
conceitos técnicos, a fim de penetrar no âmago das coisas e identificar
a mensagem contida.
Todo objeto cultural, sendo obra humana, está impregnado de
significados, que impõem interpretação.
O trabalho do intérprete é decodificar e, para isto, percorre
inversamente o caminho seguido pelo codificador.
Interpretação do Direito

Como todo objeto cultural, o Direito encerra significados.


Interpretar o Direito representa revelar o seu sentido e alcance.
Temos assim:
a) revelar o seu sentido;
b) fixar o alcance das normas jurídicas: significa delimitar o seu
campo de incidência.
O significado dos textos de lei não é unívoco, mas equívoco. Faz-se
necessário um esforço de quem os lê ou escuta, para captar o
mandamento que nela contém.
Exemplo: se o legislador emprega a palavra veículo, o leitor
apressado pode imaginar um automóvel, quando ele queria se referir
a um jornal, como veículo de comunicação....
Vontade da lei ou do legislador como critério
hermenêutico
Desde fins do século XIX até nossos dias, duas teorias da interpretação
se enfrentam, numa grande polêmica relativa ao critério metodológico
que o intérprete ou aplicador deve seguir para desvendar o sentido da
norma:
 teoria subjetiva, tendo por adeptos, Savigny, Heck, Stammler etc,
entende que a meta da interpretação é estudar a vontade histórica-
psicológica do legislador expressa na norma.
 teoria objetiva, tendo como representantes Scheler, Larenz,
Radburch, Sauer, etc, preconiza que, na interpretação, deve-se ater
à vontade da lei, a mens legis, que, enquanto sentido objetivo,
independe do querer subjetivo do legislador, porque após o ato
legislativo a lei desliga-se do seu elaborador, adquirindo existência
objetiva.
Vontade da lei ou do legislador como critério
hermenêutico
Ensina Tércio Sampaio Ferraz que nenhuma das duas teorias da
interpretação resolve, de modo satisfatório, a questão de saber se é
mens legis ou se a mens legislatoris que deve servir de guia ao
intérprete.
A subjetiva favorece, em certa medida, o autoritarismo, por preconizar
a preponderância da vontade do legislador; a objetivista, ao dar
posição de destaque à equidade do intérprete, deslocando a
responsabilidade do legislador, no que atina à criação da norma, para o
intérprete favorece o anarquismo.
A hermenêutica jurídica deve criar condições para que os eventuais
conflitos possam ser solucionados com um mínimo de perturbação
social; para tanto deverá elucidar a norma de modo que os problemas
pareçam razoavelmente decidíveis.
Técnicas de Interpretação 
Para orientar a tarefa do intérprete e do aplicador há várias técnicas ou
processos interpretativos: gramatical ou literal, lógico, sistemático,
histórico e sociológico ou teleológico. Tais processos nada mais são do
que meios técnicos, lógicos ou não, utilizados para desvendar as várias
possibilidades de aplicação da norma.
 Gramatical - também conhecida como técnica literal, semântica ou
filológica, o hermeneuta busca o sentido literal do texto normativo,
tendo por primeira tarefa estabelecer uma definição, ante a
indeterminação semântica dos vocábulos normativos, que são, em
regra, vagos ou ambíguos, quase nunca apresentando um sentido
unívoco. Primeiro passo na interpretação seria verificar o sentido dos
vocábulos do texto, ou seja, sua corres
 Lógico - o que pretende é desvendar o sentido e o alcance da norma,
estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da
lei e combinando-os entre si, com o escopo de atingir perfeita
compatibilidade.
Técnicas de Interpretação 

 Sistemático - é o que considera o sistema em que se insere a norma,


relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto.

 Histórico - baseia-se na averiguação dos antecedentes da norma.


Refere-se ao histórico processo legislativo, desde o projeto de lei, sua
justificativa ou exposição de motivos, emendas, aprovação e
promulgação, ou às circunstâncias fáticas que a precederam e que
lhe deram origem, às causas ou necessidades que induziram o órgão
a elaborá-las , ou seja, às condições culturais ou psicológicas sob as
quais o preceito normativo surgiu (occasio legis).
Técnicas de Interpretação 

 Sociológico ou Teleológico - objetiva adaptar a finalidade da norma


às novas exigências sociais. A norma se destina a um fim social, de
que o magistrado deve participar, ao interpretar o preceito
normativo. Essa técnica procura o fim, a ratio do processo
normativo, para a partir dele determinar o seu sentido.

Convém lembrar, ainda, que as diversas técnicas interpretativas não


operam isoladamente, não se excluem reciprocamente, antes se
completam, mesmo porque não há, na teoria jurídica interpretativa,
uma hierarquização segura das múltiplas técnicas de interpretação.
Efeitos ou resultados do ato interpretativo
 interpretação extensiva - hipótese em que o jurista, ou o aplicador,
lança mão para completar uma norma, ao admitir que ela abrange
certos fatos-tipos, implicitamente. A interpretação extensiva
desenvolve-se em torno de um preceito normativo, para nele
compreender casos que não estão expressos em sua letra, mas que
nela se encontram, virtualmente incluídos, conferindo, assim, à
norma o mais amplo raio de ação possível, todavia, sempre dentro
do sentido literal.
Exemplo, ao se interpretar a norma, "o proprietário tem direito de
pedir o prédio para seu uso", constante da Lei de Inquilinato, deve-se
incluir o usufrutuário entre os que podem pedir o prédio para uso
próprio, porque a finalidade do preceito é beneficiar os que têm sobre
a coisa um direito real. O fato já está contido na norma, mas as suas
palavras não o alcançaram
Efeitos ou resultados do ato interpretativo
 interpretação restritiva - outras vezes, o intérprete e o aplicador da
norma devem valer-se desse efeito, limitando a incidência do
comando normativo, impedindo que produza efeitos injustos ou
danosos, porque suas palavras abrangem hipótese que nelas, na
realidade, não se contêm.
Por exemplo, naquela norma, "o proprietário tem direito de pedir o
prédio para seu uso", deve-se interpretar que o nu-proprietário tem
apenas a nua propriedade e não o direito de uso e gozo do prédio, não
podendo beneficiar-se dessa lei. Apesar de proprietário, o nu-
proprietário não poderá pedir o prédio para seu uso.
Efeitos ou resultados do ato interpretativo

 interpretação declarativa - apenas quando houver correspondência


entre a expressão linguístico-legal e a voluntas legis, sem que haja
necessidade de dar ao comando normativo um alcance ou sentido
mais amplo ou mais restrito.
Tal ocorre porque o sentido da norma condiz com a sua letra, de modo
que o intérprete e o aplicador tão somente declaram que o enunciado
normativo contém apenas aqueles parâmetros que se depreendem de
sua letra.
Lacunas da lei

Pode ocorrer que o caso submetido ao juiz não seja previsto em


nenhum texto legal. Assim, nem sempre o código ou a lei dá ao juiz
solução jurídica para o caso sub judicie. Apesar disso. Mesmo que a
previsão legislativa não tenha sido feliz ou tenha ignorado alguma, ou
algumas, hipóteses fáticas, cumpre ao julgador sentenciar, suprindo as
falhas decorrentes da insatisfatória previsibilidade, suprindo o que se
denomina lacunas.
Conceito de lacunas da lei

Lacunas da lei são espaços juridicamente vazios, em razão do silêncio


do sistema legal.

Lacuna não significa impossibilidade de julgamento, pois o julgamento


é sempre possível e até obrigatório, mas se refere à inexistência de lei
explícita aplicável ao caso a ser julgado. Lacuna existe, ou pode existir,
como reconhece nossa legislação, e precisa ser suprida, em
conformidade com as regras estabelecidas no próprio sistema.
Meios supletivos das lacunas
 Analogia - duas coisas podem ser idênticas, contraditórias ou
possuírem pontos em comum, elementos coincidentes, semelhantes,
em razão do que se dizem análogos.
Para integrar a lacuna, o juiz recorre, preliminarmente, à analogia, que
consiste em aplicar, a um caso não contemplado no direito ou
específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma
hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado. Larga é a
aplicação da analogia.
Larga é a aplicação da analogia:
- o artigo 640 do Código Civil de 1916, dizia: o condômino, que
administrar sem oposição dos outros, presume-se mandatário
comum", foi estendido por aplicação analógica aos casos de
usufruto de que são titulares os cônjuges separados judicialmente; o
que administrar, sem oposição do outro, presumir-se-á mandatário
comum (hoje a matéria rege-se pelo art. 1324 do novo Código Civil)
Meios supletivos das lacunas
 Costume – as pessoas se relacionam sob determinada forma
constante, ainda que inexista lei a respeito. Esse modus vivendi é, ao
mesmo tempo, um fato e uma regra, ou seja, é fato que as pessoas
convivem de tal forma, e a repetição desse fato ocorre porque ele é
inspirado por uma regra implícita, acolhida pela maioria.

A origem é antiga dos costumes, radicada talvez no inconsciente


coletivo, de origem anônima, porque ninguém sabe seu autor.

Exemplo: cheque pós-datado, vulgarmente conhecido como pré-


datado - o costume descaracterizou o cheque como ordem de
pagamento à vista.
Meios supletivos das lacunas

 Princípios gerais do Direito – quando a analogia e os costumes


falham no preenchimento da lacuna, o magistrado a supri adotando os
princípios gerais do direito .
Princípios do direito são aqueles que estão presentes, embora
implícitos, no sistema positivo, e nele (e só nele) podem ser
encontrados. Correspondem aos postulados lógicos que inspiram os
legisladores na explicitação das leis positivas.

Exemplo: faz o bem evita o mal; viver honestamente e não prejudicar


ningúem, nullum crimen nulla poena sine lege, irretroatividade da lei,
princípio da anterioridade, ampla defesa etc
Meios supletivos das lacunas
 Equidade - sentimento do justo concreto, em harmonia com as
circunstâncias e adequado ao caso.

Exemplo: em agosto de 2016, a Previdência Social do Rio Grande do Sul


concedeu, depois de recurso pela via administrativa, concedeu o salário
maternidade para um homem em união homoafetiva.

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