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PSICOLOGIA

SOCIAL

Márcia dos Reis Fagundes


Docente Psicologia Social/Psicóloga CRP 06/83552
IDENTIDADE
QUEM É
VOCÊ?

QUEM SOU
EU?
SERÁ TÃO FÁCIL
DIZER QUEM
SOMOS?
Vejamos as respostas para a
pergunta “
Quem sou eu?”
Algumas pessoas enfatizam as
identidades dos papéis( por
exemplo, filha, especialização
em psicologia), ENQUANTO
outras mencionam
principalmente as qualidades
pessoais ( por exemplo,
simpática, sociável).
• A Identidade pode ser representada pelo nome, pelo pronome eu
ou por outras predicações como àquelas referentes ao papel
social.
Para qual finalidade existimos? Quem sou eu? Para onde vou?
Gastamos toda a nossa vida para responder estas simples perguntas. E é
impressionante que muitos de nós chegam à idade adulta sem
conseguir nenhuma pista para poder respondê-las, pois, de simples,
elas não têm nada.

Estes são questionamentos profundos em nossa alma. A identidade é o


que define uma pessoa: nome, sobrenome, filiação, local e data de
nascimento, foto. Ela também vai determinar o nosso estilo de vida,
tipo de alimentação, cultura, gostos pessoais, e se você é uma pessoa
sofisticada ou despojada. Uma pessoa que nasceu no interior de
Rondônia vai ter costumes bem diferentes daquela que nasceu em
Porto Alegre, ou na Inglaterra.

Devemos considerar este assunto pois justamente na nossa


identidade, na imagem que fazemos de nós mesmos. Se
minha identidade foi corrompida, minhas atitudes também
serão influenciadas por isso.
A importância conferida ao
estudo da Identidade foi
variável ao longo da trajetória
do conhecimento humano,
acompanhando a relevância
atribuída à individualidade e
às expressões do eu nos
diferentes períodos históricos.
Os historiadores se referem à
descoberta da individualidade nos
séculos XI, XII e XIII, o que se reflete
na linguagem, na literatura, nas artes
plásticas. O movimento romântico
representa o ápice do culto do
egocentrismo e à introspecção já por
influência do protestantismo e das
formas capitalistas de produção, o
que vai se refletir na abundância de
produções teóricas sobre o tema
Identidade, inclusive na área da
Psicologia em seus primórdios como
ciência independente.
Os estudos sobre Identidade no âmbito psicológico passam, em geral,
pela Psicologia Analítica do EU e pela Psicologia Cognitiva. Em geral,
caracterizam o desenvolvimento por estágios crescentes de autonomia,
e consideram a identidade como gerada pela socialização e garantida
pela individualização.

Segundo a perspectiva de Erick Erickson em (1972), um dos autores


cujos estudos sobre o tema são bastante difundidos, a Identidade tem
como modelo o individuo em situação de competência e eficácia
sociais; “crise de identidade”, “cisão de identidade” são terminologias
empregadas que sugerem uma forma abstrata, a-temporal e a-história
de concebê-la.
Como os autores
conceituam a
Identidade?
Quando se referem ao conceito
de Identidade, os autores
empregam expressões distintas
como imagem, representação e
conceito de si; em geral, referem-
se a conteúdos como conjunto de
traços, de imagens, de
sentimentos que o individuo
reconhece como fazendo parte
dele próprio.
Possuir um EU significa ser
dotado da capacidade de
executar ações-reflexivas –
planejar, observar, guiar o
próprio comportamento e a ele
reagir (Bandura,1982c; Mead,1934).
O Eu tanto é ativo ( fonte que dá origem ao
comportamento reflexivo) como passivo ( o objeto
a quem é direcionado o comportamento
reflexivo).
É interessante considerarmos o EU como um processo
contínuo (Gecas e Burke,1995). A ação que envolve o EU
começa com o EU ativo – dotado de impulso para atuar.
Para tomarmos o EU como objeto da ação,
Autodiferenciaçãodevemos – no mínimo - ser capazes de nos
reconhecermos, ou seja, de distinguir nossos
próprios rostos e corpos dos rostos e corpos
alheios.
Os estudos sobre o momento em que
a criança passa a se reconhecer no
espelho sugerem que a maioria delas
consegue distinguir sua própria
imagem da dos outros com cerca de
18 meses ( Beetenthal e Fischer,1978).

Pesquisas indicam que a criança


torna-se capaz de representar
contingencias do eu-outro (por
exemplo, “Se eu fizer X, o outro faz
Y.”) com 18 a 24 meses de idade
(Higgins, 1989).
Aprender o próprio nome é uma
das primeiras e mais importantes
etapas da aquisição do EU. Assim
como afirma Allport(1961), ouvindo
repetidas vezes o seu nome, a
criança aos poucos começa a se
enxergar como um ponto de
referencia distinto e recorrente.

O nome adquire significado para a


criança no segundo ano de vida.
A percepção madura do EU envolve o reconhecimento de que nossos
pensamentos e sentimentos são propriedades íntimas, ou seja, são
exclusivamente nossos. Crianças pequenas muitas vezes confundem
processos de sua própria mente com os acontecimentos externos
(Piaget, 1954).

Por volta dos 4 anos, a criança relata que seu pensamento


e seu conhecimento estão “dentro da sua cabeça”.
Mudança na fala da criança também
revelam que ela começa a perceber a
capacidade do Eu de acessar
informações intimas.
Quando ela começa a falar, durante os
primeiros anos de vida, seus padrões de
fala são os mesmos ao falar alto consigo
mesma ou ao dirigir a palavra aos
outros.
Aos poucos, no entanto, ela começa a
diferenciar entre a sua fala para si da
fala para os outros (Vygotsky,1962).
Assim que nos tornarmos capazes de nos
distinguir dos outros, também passamos a ser
capazes de reconhecer que cada pessoa
enxerga o mundo de um ponto de vista
diferente.
Adoção de
Papéis A segunda etapa fundamental na gênese do
EU é a adoção de papéis – processo
imaginário de ocupar a posição de outra
pessoa e enxergar o eu e a situação do ponto
de vista dessa pessoa (Hewitt,1997).
É necessário adotar o papel do eu e do outro ao mesmo tempo. A
maioria das crianças adquire domínio total do uso do eu e do você
com cerca de 3 anos e meio (Clark,1976).

Isso indica que a criança , nessa idade, está efetivamente adquirindo


a capacidade de adoção de papéis. Os estudos indicam que a criança
desenvolve a habilidade de presumir os pensamentos e as
expectativas dos outros entre os 4 e 6 anos (Higgins, 1989).
Nosso alto esquema é produzido em nossas
relações sociais. Ao longo da vida, conforme vamos
conhecendo novas pessoas e fazendo parte de
novos grupos, nossa visão do eu vai se modificando
de acordo com o feedback recebido dos outros.
As origens
Sociais do Este feedback não constitui uma realidade objetiva
EU e diretamente assimilável, ao contrário, precisamos
interpretar as reações dos outros para descobrir a
imagem que eles fazem de nós. Incorporamos,
assim, no nosso alto esquema a visão que os
outros tem de nós.
Para representar a ideia da origem social do eu,
Cooley(1902), cunhou o termo eu no espelho. A
imagem espelhada mais importante para a
criança são os pais e os familiares mais próximos
e, em seguida, seus amigos. Eles constituem os
outros significativos da criança – pessoas cujas
imagens refletidas tem grande influencia nos
auto conceitos da criança.

A medida que vamos crescendo, o círculo


progressivo de amigo e parentes, professores,
religiosos e colegas de trabalho vai nos
proporcionando os outros significativos. As
imagens do eu em contínua mudança que
adquirimos ao longo da vida depende das
relações sociais estabelecidas.
Thomas Cooley

Por seu hábito de escrever diários, existe


notável clareza e solidez nos relatos
acerca da retraída infância de Charles
Cooley, que foi caracterizada pela
fragilidade física, pelo comportamento
introspectivo e pelo sombreamento de
um pai “ambicioso, intenso e
ferozmente competitivo” (CZITROM, 1982, p.94).
O processo de trocas que formam um
indivíduo não ocorre da mesma forma
com toda a sociedade, mas com uma
intensidade variável em que os grupos
Thomas primários (familiares, amigos, colegas
Cooley profissionais e religiosos) são os
principais responsáveis pela herança
social (linguagem, fé, ética, usos e
costumes) de um indivíduo. (COSER, 1971,
p.307).
A filosofia social de Cooley estava
fundada na ideia de que o progresso
humano envolve contínua expansão da
simpatia humana, de forma que os
ideais do grupo primário se alastrariam
da família para a comunidade local,
para a nação e, finalmente, para a
comunidade global. (COSER, 1971, p.309)
Thomas Cooley

A IMAGINAÇÃO DO “EU” A psicologia individual está para a mentalidade social


como um único instrumento está para uma orquestra. “A mente é uma
integridade orgânica constituída por individualidades cooperantes, em certa
maneira, da mesma forma que a música de uma orquestra é constituída por
sons divergentes, mas relacionados” (COOLEY, 1909, p.03).
Com essa analogia, Cooley quer mostrar que todas as ações e pensamentos de
um indivíduo são influenciados e influenciadores do comportamento social ao
qual participa.
O indivíduo herda da
sociedade as palavras com
as quais pensa, mas por que
quando o indivíduo se
imagina, ele se imagina para
alguém, ele se imagina para
e como o outro.
• É desse raciocínio que surge a comparação do self social com um
espelho (self-looking glass). O “eu” é social porque quando nos
olhamo-nos, quando nos percebemos, não percebemos apenas sob
nosso ponto de vista, mas também sob o ponto de vista do “outro”.

• “Então, na imaginação, nós observamos na mente de outra pessoa


alguns pensamentos sobre nossa aparência, maneiras, objetivos,
façanhas, caráter, amigos e assim por diante, e somos diversamente
afetados por isso” (COOLEY, 1922, p.184).
São nos primeiros anos da infância, nesse estágio primário de sociabilidade que as
crianças desenvolvem os amigos imaginários.

“Não é uma pratica casual, mas, inclusive, uma necessária forma de pensar...” (COOLEY, 1922,
p.88). A partir do momento em que aprendem a falar, a necessidade de se comunicar
inunda suas imaginações e todos os pensamentos se tornam conversas.
A passagem do diálogo imaginário
para a reflexão introspectiva
equivaleria à transição entre a leitura
em voz alta para a leitura silenciosa.
Tanto a mente das crianças, quanto a
dos adultos, afirma Cooley, estão em
constante conversação.

“É uma daquelas coisas que nós


raramente notamos somente porque
são muito familiares e involuntárias;
mas nós podemos percebê-las se
tentarmos” (COOLEY, 1922, p.90).
Cooley faz notar que não existe, do
ponto de vista social, diferença entre
um amigo imaginário e um amigo
real. Isso porque todas as pessoas
reais só passam a existir socialmente
para um indivíduo quando interagem
ou chegam, através da comunicação,
ao conhecimento desse indivíduo.
“A presença sensível é importante
principalmente por nos estimular a
fazer isso [criar uma identidade
imaginária da pessoa com quem
socializamos].” (COOLEY, 1922, p.96)
Auto Avaliação

A visão de nós mesmos que percebemos dos outros normalmente implica


avaliações positivas ou negativas. Essas avaliações também tornam-se parte do
eu que construímos as relações julgadas pelos outros de forma favorável
contribui para a formação de auto conceitos positivos. Por outro lado as ações
reprovadas ou punidas pelos outros podem resultar em auto conceitos negativos.
As auto avaliações também influenciam a
forma como expressamos identidades de
papéis. Uma artista por exemplo, buscará
oportunidades para apresentar-se em
público de forma mais persistente se
enxergar a si mesma como sendo
competente do que se achar que nunca será
suficientemente boa.
Identidades são significados atribuídos para o eu
pelo eu de alguém e pelos outros(Gecas e Burke, 1995).

Até que ponto nossos papéis influenciam as


identidades que incluímos em nosso eu?
Identidades : o
Como a participação em grupos influenciam o
EU que que conhecemos?
conhecemos
Como provar ser o eu que conhecemos baseado
nas relações que percebemos dos outros?

Que aspectos do eu observados pelas pessoas


variam de uma situação para outra?
Cada um de nós ocupa inúmeras posições
na sociedade – estudante, amigo, filho ou
filha, consumidor, representando,
portanto, diversos papéis sociais
diferentes.
Identidades
dos Papéis Construímos identidades com a nossa
representação desses papéis. Para cada
papel que representamos, desenvolvemos
uma visão um tanto diferente de quem
somos – uma identidade.
Cada um de nós associa certas
características a integrantes de grupos
específicos. Se você se definir como
integrante do grupo, essas
características tornam-se padrão para o
seu pensamento, os seus sentimentos e
Identidades as suas ações.

Sociais Se suas interações com integrantes de


outro grupo confirmarem a importância
dos seus atributos, eles tornam-se
parte do eu que você conhece.
Os integrantes do grupo normalmente
percebem o grupo – e assim, percebem
a si mesmos – em termos positivos.
Se tivéssemos de nos descrever em várias
ocasiões diferentes, as identidades, as qualidades
pessoais e as auto avaliações mencionadas não
permaneceriam as mesmas. Isso não se deve a
erros de relato; ao contrário, isso demonstra que
os aspectos do eu entram em nossa consciência e
que mais nos importam dependem da situação.
O EU Situado
O EU situado é o subconjunto de autoconceitos
escolhidos de nossas identidades, qualidades e
auto avaliações que constitui o eu que
conhecemos em determinada situação
(Hewitt,1997).
Cada um de nós possui muitas identidades
diferentes. Cada uma delas indica suas próprias
Escolha de linhas de ação.

uma
Identidade O que influencia a decisão de representar uma
ou outra identidade?
para
Representar
Diversos fatores afetam essa escolha.
De que forma a autoconsciência influencia o
comportamento?
As pessoas que são extremamente
autoconscientes são mais propensas a serem
Efeitos da sinceras e relatarem com mais exatidão a
Autoconsciência respeito do seu estado de espirito, dos seus
problemas.
Em geral, as pessoas autoconscientes atuam
de forma mais coerente com os padrões
sociais e pessoais (Wicklund,1975 e Frey, 1980); o
comportamento dessas pessoas é controlado
de modo mais consciente pelo seu EU.
• https://www.youtube.com/watch?v=wDScIZgh2dE
Resumo: A natureza e a Gênese do EU
O eu é a fonte da ação quando planejamos, observamos e controlamos nosso próprio
comportamento. O eu é objeto da ação quando pensamos em quem somos.

Bebês recém nascidos não tem noção do eu. Mais tarde, passam a reconhecer que são fisicamente
separados dos outros. Assim que adquirem a linguagem, aprendem que seus próprios pensamentos
e sentimentos também são separados.

Por meio da adoção de papéis, as crianças passam a se ver por meio dos olhos dos outros. Assim,
conseguem observar, julgar e regular seu próprio comportamento.

As crianças constroem suas identidades baseadas na forma como imaginam se parecer para os
outros. Elas também desenvolvem autoavaliações com base nos julgamentos percebidos dos outros.
O eu que conhecemos inclui identidades múltiplas.
Algumas identidades estão ligadas aos papéis sociais que
representamos.

Identidades: o Algumas identidades estão ligadas à nossa participação em


EU que grupos ou em categorias sociais. Essas identidades podem
Conhecemos estar associadas ao favorecimento do grupo ou à criação
do estereótipo do grupo.

Formamos os autoconceitos principalmente por meio de


aprendizagem e da adoção de identidades sociais e dos
papéis. O eu que conhecemos varia com a situação.
Importamo-nos mais com os aspectos de nosso eu que
seja distintivos e relevante na atividade em
processamento.
Identidades: O EU que representamos
O eu que representamos expressa a nossa identidade. Escolhemos comportamentos para provocar respostas
dos outros que confirmem identidades particulares. Para confirmar com êxito as identidades, devemos
compartilhar com os outros a nossa compreensão do significado desses comportamentos e dessas
identidades. A adoção desses significados pode conduzir a um desempenho mais fraco quando
experimentamos a ameaça do estereótipo.

Escolhemos qual identidade expressar com base na sua saliência, na necessidade de apoiá-la e nas
oportunidades situacionais para representá-la.

Obtemos coerência em nosso comportamento com o passar do tempo, esforçando-nos para representar
identidades importantes. Também empregamos diversas estratégias para induzir à verificação dos nossos
autoconceitos.
O EU no Pensamento e no Sentimento
O eu afeta tanto o pensamento como o sentimento. Percebemos e processamos a informação
com maior eficácia se ela estiver relacionada às nossas identidades importantes. Aprendemos e
lembramos melhor a informação se ela estiver relacionada ao eu.

Quando a atenção volta-se para o eu, tornamo-nos autoconscientes e assumimos maior


controle do nosso comportamento. As discrepâncias entre os componentes do eu podem
causar tristeza, depressão, medo ou inquietude.

As emoções que experimentamos também dependem do eu. Nossas identidades fazem-nos


observar sensações particulares e influenciam as interpretações e as rotulações emocionais que
atribuímos a elas. Quando nossas emoções parecem socialmente inadequada, tentamos
modificar nossos sentimentos. A adoção de papéis pode provocar diversas emoções.
A autoestima é um componente de avaliação do
eu. A maioria das pessoas tentam manter uma
autoestima positiva. A autoestima geral depende
das avaliações das nossas identidades dos papéis
específicos.
Autoestima

A autoestima origina-se de três fontes:


experiencias familiares de aceitação e disciplina,
feedback direto da eficácia das ações e
comparações dos nossos próprios sucessos ou
fracassos com os dos outros.

Pessoas com autoestima elevada tendem a ser


mais populares, assertivas, ambiciosas, bem
sucedidas academicamente, mais bem ajustadas e
mais felizes.
A literatura, o cinema, a TV, as histórias em quadrinhos, as artes num sentido
bem amplo também lidam com o problema da identidade e podem nos ensinar
muito a respeito.
Como muitos de nós que escondemos algum aspecto de nossa identidade e
morremos de medo que os outros descubram esse nosso lado “oculto”.
Exemplo : Super heróis que não querem que a sua verdadeira identidade seja descoberta.
O meu nome é Severino não tenho outro de pia.

O poema tem início com a personagem principal, Severino,


explicando quem é; por aí se percebe que o primeiro recurso
de que lança mão é fornecer seu nome, seu nome próprio, o
único que lhe foi dado e com o qual se identifica.

Recorre a um substantivo (“uma palavra que nomeia o ser”)


para indicar sua identidade. Mas apesar de usar um
substantivo próprio, seu nome não suficiente para que sua
identidade seja reconhecida por outros:
Como há muitos Severinos
“que é santo de romaria”
deram então de me chamar
Severino de Maria
como a muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
Do finados Zacarias.
Recorre a outros substantivos
próprios: os nomes da mãe e do
pai. Com isso, define uma
posição social: está localizado
numa família determinada.
Começasse a definir pelas
relações sociais mais primárias; é
filho de Maria órfã de Zacarias.
São 3 personagens que se
definem reciprocamente: pai,
mãe, filho. É suficiente?
Mas isso ainda diz pouco:
há muitos na freguesia,
por causa de um coronel
que se chamou Zacarias
e que foi o mais antigo
senhor desta sesmaria.
Coloca-se dentro de uma
perspectiva histórica, falando
algo do passado. Com isso,
revela a função
homogeneizadora do poder
que produziu muitos
Severinos, que tem
dificuldade de se distinguir.
Faz nova tentativa:
Como então dizer quem fala
ora a Vossas Senhorias?
Vejamos: é o Severino
da Maria do Zacarias,
lá da serra da Costela,
limites da Paraíba.
Procura precisar melhor a região
geográfica de onde é originado. E
está delimitação deixa clara a
impossibilidade de se fazer
conhecer apenas com nomes
próprios – seu ou dos pais – que
possam identifica-lo, pois o nome
já não é um substantivo próprio;
torna-se substantivo comum.
Declara isso ao continuar:
Mas isso ainda diz pouco:
se ao menos mais cinco havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu vivia.
Buscando a diferença encontra
igualdade: se é diferente de seus
pais , Maria e Zacarias, é igual a
outros Severinos, igualmente filhos
de iguais diferentes- Zacarias e
Marias.
Insiste. Se a articulação da
igualdade e da diferença se mostrou
insatisfatória na tentativa que faz de
dizer quem é, talvez a discrição de
seu físico- seu corpo- poderá
individualiza-lo, identificando-o.
mas é em vão:
Somos muitos Severinos

iguais em tudo na vida:

na mesma cabeça grande

que a custo é que se equilibra,

no mesmo ventre crescido

sobre as mesmas pernas finas,

e iguais também porque o sangue

que usamos tem pouca tinta.


Será membro de uma
espécie seres homogêneos e
homônimos condenados a
mesmice? É o que parece,
pois eles não só vivem a
mesma vida mas também
morrem a mesma morte:
E se somos Severinos

iguais em tudo na vida, que é a morte de que se morre


morremos de morte igual, de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte,
mesma morte severina:
de fome um pouco por dia
Vida e morte iguais; produção da mesmice. É como se o substantivo próprio, que se
transformou em substantivo comum, se torna-se um adjetivo: O Severino é um
severino severino ( este último termo qualificando o anterior).
O Severino é um severino severino. Homogeneização absoluta.
Nada os distingue, nada o singulariza: nem seu nome, nem seus pais, nem o passado,
nem o corpo, nem o lugar onde vivem, nem a vida, nem a morte o individualizam. Sua
identidade transcende uma individualidade.
Sua identidade se constitui também por vidas não vividas e por morte não morridas,
mas que já estão contidas em suas condições atuais e que emergiram como
desdobramento de um tempo Severino:
(de fraqueza e de doença

é que a morte severina

ataca em qualquer idade,

e até gente não nascida).


Presente e passado... Sim, mas há o futuro; como é o
projeto Severino?
Somos muitos Severinos
a de tentar despertar
iguais em tudo e na sina:
terra sempre mais extinta,
a de abrandar estas pedras a de querer arrancar
suando-se muito em cima, algum roçado da cinza.
Tudo parece igual: presente, passado e futuro.
Cada novo esforço em descrever sua identidade revela que sua existência é a encarnação de um momento da
História, fazendo com que o seu tempo seja um tempo severino.
Um tempo severino que é vivido como um cotidiano estruturado na luta pela sobrevivência. O cotidiano o
produz e ele o reproduz severino. Está sua sina!
Sua identidade é a história personificada- não se tratando de ver alguém apenas sendo afetado por condições
históricas determinadas que pudessem ser destacadas dele ou ele delas pudessem ser separado: ser Severino é
personificar a História, é a História se concretizando.
Devem então renunciar a identificar a não ser coletivamente , como um representante de uma categoria, como
membro de um conjunto? Ver na severinidade a expressão, a manifestação de uma natureza severina, de uma
sociedade severina, de um tempo severino? Desistir de buscar também o que diferencia e se contentar em se
identificar pela igualdade ( o melhor pela equivalência) com outros semelhante que, então, precisam
permanecer idênticos a si mesmos. Como ele mesmo também idêntico sempre, como dois termos de uma
igualdade que subsiste enquanto seus termos permanecem iguais? Manutenção do status quo, reprodução da
mesmice.
Severino parece perceber a impossibilidade de dizer quem é, desta
forma. Falou de uma identidade coletiva, que compartilha com
outros Severinos, mas sua individualidade, sua singularidade, sua
identidade pessoal permanece oculta. Percebe que não deve
permanecer como substantivo ou como adjetivo; precisa se fazer
verbo, fazer-se ação.
Por isso, encerra seu discurso de alto apresentação, preparando-se
para se transfigurar num ator:
Mas, para que me conheçam

melhor Vossas Senhorias

e melhor possam seguir

a história de minha vida,

passo a ser o Severino

que em vossa presença emigra.

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