Você está na página 1de 7

A PEDAGOGIA ESPÍRITA E A PRÁXIS DOS JOVENS PALHAÇOS DO

GRUPO FANTASIA

Aline da Silva Sousa1

ERA UMA VEZ...

Um grupo de jovens espíritas que decidiram usar a menor máscara do mundo - o


nariz de palhaço – e através dela realizar visitas fraternas na comunidade de Maracanaú,
Região Metropolitana de Fortaleza, especificamente a crianças carentes de um sorriso e de
afeto em abrigos, hospitais, instituições que atendem crianças portadoras de necessidades
especiais e centros espíritas. Este é o Grupo Fantasia, grupo voluntário com o objetivo de
levar uma prática de Educação Moral aos seus assistidos. Neste trabalho pretendemos
apresentar os princípios filosóficos e pedagógicos do Grupo Fantasia, identificando seus
pontos de intercessão com a Pedagogia Espírita, entendida como uma proposta de
educação integral em construção.

Palavras-chaves: Pedagogia Espírita – Grupo Fantasia – Prática

VAI COMEÇAR A BRINCADEIRA...

Este trabalho faz parte de um projeto de dissertação recém aprovado no Mestrado em Educação
Brasileira da Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal do Ceará (UFC), cujo título é
A Educação Moral de Pestalozzi e a Pedagogia Espírita: Um estudo de caso sobre os educadores
(palhaços) do Grupo Fantasia.
O projeto está inserido na linha de Movimentos Sociais, Educação Popular e Escola, no eixo de
pesquisa Educação Ambiental, Juventude, Arte e Espiritualidade, cujos professores estão
desenvolvendo a ação inovadora de estudar e pesquisar o campo da Espiritualidade nas suas relações
com a educação popular.

1
Graduada em Pedagogia, Mestranda em Educação Brasileira na Universidade Federal do Ceará e Coordenadora
Pedagógica do Instituto de Pedagogia Espírita do Ceará - IPE-CE. E-mail: alinepestalozzi@gmail.com
Objetivamos neste trabalho realizar um estudo acerca deste grupo de jovens palhaços
freqüentadores da Mocidade Espírita Nova Geração (MENGE), da Sociedade Espírita de Maracanaú
(SOESMA), Centro Espírita situado na região metropolitana de Fortaleza, valorizando a atuação social
da juventude espírita apresentando as práticas e princípios deste grupo, comparando-os aos da
Pedagogia Espírita, destacando a prática de Educação Moral de Pestalozzi, um dos seus precursores.
Para tanto, utilizamos uma abordagem etnográfica com observação participante e registros no
caderno de campo. Também realizamos pesquisa bibliográfica e análise documental.

E O PALHAÇO O QUE É?

Os palhaços do Grupo Fantasia são figuras lúdicas que usam de sua alegria natural para
proporcionar uma Educação Moral a crianças.
Esta idéia surgiu em 11 de outubro de 2001, véspera do dia das crianças quando alguns jovens
da Mocidade Espírita Nova Geração (MENGE) da Sociedade Espírita de Maracanaú (SOESMA) foram
a uma instituição que atende crianças portadoras de necessidades especiais, realizar a doação de
brinquedos arrecadados pelas crianças da SOESMA. Este é o marco de fundação do Grupo Fantasia.
Atualmente com 14 voluntários, sendo a maioria jovens entre 16 e 26 anos de idade, o Grupo
Fantasia realiza suas visitas somando uma proposta de Educação Moral a atividades artísticas com
músicas, teatro, teatro de bonecos, dinâmicas grupais, escultura de balões, contação de histórias,
desenho, pinturas, atividades manuais, etc.
O grupo é totalmente constituído por espíritas, contudo, desde o início não fora seu objetivo
levar o ensino desta Doutrina ou formar adeptos da mesma, mas sim tomá-la como base para a vivência
de princípios universais como o amor, a caridade, amizade, solidariedade, fé, etc.
O grupo realiza visitas dois dias na semana: aos domingos em três abrigos infantis de
Maracanaú e no Hospital da mesma cidade. Essas visitas são alternadas, dois abrigos são visitados a
cada quinze dias, o terceiro uma vez por mês e o hospital semanalmente; as quintas-feiras o grupo
visita as crianças portadoras de câncer no Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS), em Fortaleza, como
voluntários da Associação Peter Pan (APP), vinculados ao Ação Plantão da Alegria, projeto criado pela
APP para dar espaço de visitas diferenciadas as crianças do HIAS.
Ao longo do ano o Grupo Fantasia também realiza visitas esporádicas a Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais de Maranguape (APAE), Região Metropolitana de Fortaleza, além de
realizar atividades com as crianças do centro espírita de origem do Grupo, a SOESMA.
O trabalho desempenhado pelo Grupo Fantasia se tornou conhecido pelo Movimento Espírita
Cearense através de participações em eventos espíritas e especialmente através das atividades
pedagógicas e artísticas desenvolvidas no Encontro de Mocidades Espírita do Ceará (EMECE), evento
realizado anualmente no período do carnaval com o objetivo de reunir e proporcionar estudos e opção
diferenciada aos jovens espíritas neste período. Neste evento o Grupo Fantasia fica responsável pela
programação realizada com pré-adolescentes. Foi em um desses eventos que o Grupo Fantasia teve a
oportunidade de estudar sobre os precursores da Pedagogia Espírita, conhecendo um pouco mais desta
proposta.
Contudo, o primeiro contato do Grupo Fantasia com tal proposta foi através de sua participação
no 1° Congresso Nordestino de Pedagogia Espírita (CNPE), realizado pelo Instituto de Pedagogia
Espírita do Ceará (IPE-CE) em 2005, apresentando uma peça teatral com base no tema do evento. Em
2007 o grupo tornou a contribuir com o 2º CNPE tanto com a apresentação de nova peça elaborada
especialmente para o evento, quanto na participação em oficinas no espaço infanto-juvenil do
Congresso.
O grupo tem conhecimentos mínimos sobre a proposta da Pedagogia Espírita, contudo, até o
dado momento não buscou aprofundamento, a não ser através de estudos e interesses específicos de
alguns membros do grupo.

E A PEDAGOGIA ESPÍRITA O QUE É?

No século XVIII, o educador Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) defendia a educação moral
do homem, preparar o ser humano para a vida ao invés de supervalorizar o campo intelectual como
nossa sociedade prefere e, ainda, destacava que o verdadeiro objetivo da educação de um jovem é o de
torná-lo feliz.
Rousseau não era o único a defender os princípios de uma educação moral. Johann Heinrich
Pestalozzi (1746 – 1827), seguidor das idéias de Rousseau e pedagogo suíço do século XIX, apresentou
nos campos teórico e prático, inovações na educação moderna, dentre elas o enaltecimento da
afetividade no processo educacional. Pestalozzi teve sua prática sempre voltada ao desenvolvimento
integral do indivíduo, em seus aspectos intelectual, físico e moral. Ele afirmava: “Devemos nos
convencer de que o objetivo final da educação não é o de aperfeiçoar as noções escolares, mas sim o
de preparar para a vida.”2

2
PESTALOZZI apud INCONTRI, Dora. Pestalozzi, Educação e ética. São Paulo, Scipione, 1997. p. 96.
Incontri, no início de seu livro Pestalozzi , Educação e Ética, afirma que “dentro da própria
obra pestalozziana, assim como em Rousseau, a questão da realização do homem como ser moral deve
ser o objeto básico de toda a operação pedagógica, de toda a crença religiosa e de toda organização
social.” 3
Rousseau e Pestalozzi, por seus princípios e vivências, servem como base para uma proposta de
educação integral: a Pedagogia Espírita. Tal proposta tem como precursores Sócrates, Jesus, Comenius,
Rousseau, Pestalozzi e o professor Rivail, educador Francês que estudou no Instituto de Yverdon,
dirigido por Pestalozzi e que ao sair de lá assumiu o papel de discípulo do mestre suíço, propagando
suas idéias pedagógicas na França.
O professor Rivail mais tarde assumiria o pseudônimo de Allan Kardec, sendo responsável pela
codificação do Espiritismo, doutrina esta fundamenta uma Pedagogia Espírita.
No livro Pedagogia Espírita José Herculano Pires destaca o diferencial desta proposta para as
demais Pedagogias:

A Pedagogia Espírita distingue-se das várias Pedagogias religiosas e da


chamada Pedagogia Geral por incorporar os dados da Ciência Espírita. Esses
dados são revolucionários por darem (...) uma visão inteiramente nova do
homem e portanto do educando. (...) Na Pedagogia Espírita a concepção real
do educando vai muito além da concepção pedagógica habitual ou comum. A
primeira e mais simples definição do educando que ela nos dá provoca um
choque e muitas vezes uma repulsa dos que a recebem: O educando é um
reencarnado.4

Eis, então, o grande diferencial da Pedagogia Espírita, a sua concepção de educando como um
espírito reencarnado. No livro Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes,5 podemos
encontrar os elementos da Pedagogia Espírita destacados por Incontri: O ser interexistente, a criança, a
vida, o mundo, a educação e o educador. Os princípios da Pedagogia Espírita destacados pela autora
são: o amor, a liberdade, a igualdade com singularidade, a naturalidade, a ação e a educação integral.
As aplicações práticas da Pedagogia Espírita destacadas são: Escola livre e afetiva, Atividades éticas,

3
INCONTRI, Dora. Pestalozzi, Educação e ética. São Paulo, Scipione, 1997. p. 22.
4
PIRES, José Herculano. Pedagogia Espírita. São Paulo. EDICEL, 1986. p. 125 e 133.
5
INCONTRI, Dora. Manifesto da Pedagogia Espírita. In: Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança
Paulista, Editora Comenius, 2004, p. 241-265.
Produções estéticas, Produções intelectuais, Abolição de castigos e recompensas, Cultivo da
espiritualidade, Autogestão administrativa, Cogestão pedagógica, Escola social e Escola universal.

UNI, DUNI, TÊ...

Como exposto acima, o Grupo Fantasia não tem práticas assumidamente pedagógicas espíritas,
no sentido de que, não desenvolvem estudos, aprofundamentos e reflexões constantes sobre o assunto.
Mas, possuem uma proposta de educação moralizada, bem como ocorre também na Pedagogia Espírita.
Desta forma, podemos destacar alguns pontos de intersessão entre a prática deste grupo e a proposta
aqui destacada:
A CRIANÇA E A IGUALDADE COM SINGULARIDADE
A valorização e o respeito pela criança é destaque na prática dos jovens palhaços. Isso fica claro
ao observarmos a opção dos jovens por trabalhar prioritariamente com o público infantil, especialmente
aquelas a margem da sociedade residente em abrigos, em tratamento em hospitais e portadoras de
necessidades especiais. A atenção, carinho e respeito à individualidade de cada uma delas,
resguardando suas histórias de vida, as dificuldades que desde tenra idade muitas enfrentam somados
ao aprendizado adquirido pelos jovens através da força de um sorriso e da meiguice de um olhar
representam o valor desses princípios no cotidiano do grupo.
A VIDA, O MUNDO, AS PRODUÇÕES ESTÉTICAS E ABOLIÇÃO DE CASTIGOS E
RECOMPENSAS
A valorização e o respeito à vida se repercutem especialmente quando o grupo lida com
crianças em situação de risco: em atividades com crianças marginalizadas, que têm a violência em seu
cotidiano, o grupo se adequa a essa realidade. Em momento algum o grupo busca ressaltar práticas de
violência física ou moral através de brincadeiras, músicas ou premiações e castigos. O grupo procura
destacar o respeito ao próximo, a si mesmo e cuidado com o mundo em que vivemos usando de
recursos musicais, teatrais, jogos, brincadeiras e etc.
O AMOR E A AÇÃO
Ação e amor são palavras chaves no vocabulário da palhaçada. Dentro das programações das
visitas o desenvolvimento de atividades pelas próprias crianças é prioridade. O grupo não faz apenas
apresentações ou animações, ele desenvolve com as crianças e jovens ações que possam proporcionar
reflexão e compreensão acerca da temática abordada. A afetividade é constante em todas as ações
palhaçais, o clima de amizade, carinho e união é valorizado entre os integrantes do grupo e as crianças
visitadas.
A EDUCAÇÃO E O EDUCADOR – PALHAÇO
Os jovens palhaços do Grupo Fantasia sabem que em posse de seu nariz de palhaço, suas roupas
nada discretas e de seus apetrechos palhaçais, tornam-se não apenas palhaços, mas entram também na
categoria de educadores, visto que, toda ação realizada durante a visita possui um propósito educativo.
Temas são seguidos e ações são planejadas a cada visita para atingir os objetivos propostos pelo grupo,
que não é apenas proporcionar um sorriso alheio, mas um sorriso verdadeiro, uma alegria de viver e a
acima de tudo buscam a formação de um ser humano que siga o caminho do bem.
EDUCAÇÃO MORAL, CULTIVO DA ESPIRITUALIDADE E AS ATIVIDADES ÉTICAS
Baseados nesses objetivos o Grupo Fantasia, utiliza temas extraídos dos livros: O Evangelho
Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos. A intenção é abordar temas morais e universais,
respeitando todas as crenças das crianças visitadas. Um dos abrigos que o grupo visita é coordenado
por freiras, as irmãs da congregação de Nossa Senhora das Dores, elas conhecem de perto o trabalho do
grupo e sabem da opção religiosa dos jovens. Também sabem de seus objetivos e por isso respeitam e
valorizam as ações dos jovens palhaços, encarando essa prática como uma atuação social juvenil que
deve ser estimulada independente da religião, visto que, possui fins cristãos.
CONCEPÇÃO DE ESPÍRITO REENCARNADO
Sendo todos os integrantes do grupo jovens estudantes da Doutrina Espírita, esta concepção
diferencia o grupo de outros que realizam animações, visitas ou apresentações teatrais na cidade. A
visão da criança como um reencarnado aguça o olhar dos jovens em seus planejamentos, ações e
avaliações, sendo constantemente levada em consideração a interferência do plano espiritual nas
atividades do grupo.

E VIVERAM FELIZES PARA SEMPRE....

Apresentar a prática deste grupo de jovens espíritas não significa apenas fazer uma comparação
ou uma busca de pontos de interligação dela com a Pedagogia Espírita. A atuação desses jovens é o
reflexo da formação espírita que receberam, de uma Educação Espírita assimilada por eles e de suas
construções de vidas.
Como diz Freire: “Homens e mulheres se fazem ao longo de sua história, produzindo sua
existência pelo trabalho, o amor, a arte, o divertimento, o conflito, o que pressupõe a relação com os
outros e com a natureza.”
Finalizamos com o destaque de Olinda afirmando que “a juventude é a fase da vida, por
excelência, do assumir-se.”6 No caso dos integrantes do Grupo Fantasia está sendo a fase de assumir-se
enquanto jovem espírita e a forma de efetivar essa assunção é através da atuação pedagógico - social -
espírita do Grupo Fantasia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

INCONTRI, Dora. Pedagogia Espírita, um projeto brasileiro e suas raízes. Bragança Paulista, Editora
Comenius, 2004.
______________ Pestalozzi, Educação e ética. São Paulo, Scipione, 1997.
OLINDA, Ercília Maria Braga (Org) e FIGUEIREDO, João Batista de Albuquerque (Org). Formação
humana e dialogicidade em Paulo Freire. Fortaleza: editora UFC, 2006.
PIRES, José Herculano. Pedagogia Espírita. São Paulo. Edicel, 1986.
ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou da Educação. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2001.

6
OLINDA, Ercília Maria Braga (Org) e FIGUEIREDO, João Batista de Albuquerque (Org). Formação humana e
dialogicidade em Paulo Freire. Fortaleza: editora UFC, 2006. p. 45.

Você também pode gostar