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Alien Nation

Se alguém me tivesse dito, há vinte ou trinta anos atrás, que as nossas terras se iriam
encher de muitas e desvairadas gentes eu ter-lhe-ia observado que se tinha esquecido de
tomar os comprimidos ou então, virando a cabeça a três quartos e cobrindo a boca com
a mão, teria segredado aos meus botões: tal é a bebedeira do chibo!
Mas, veja-se o que aconteceu: russos e iranianos, suíços e chineses, bósnios e croatas,
brasileiros e ucranianos, de tudo por aqui se encontra agora, amassando o pão de cada
dia, uns melhor outros pior, uns a cavar outros a ver cavar, uns a vender outros a
comprar, uns a labutar de dia outros exclusivamente em horários nocturnos, tal como
nós desde sempre fizemos, em demanda de índias e brasis.
Há quem se arreceie da sua presença, quem diga cobras e lagartos deles mas, por mim,
podem cá ficar o tempo que quiserem. O meu receio é outro, ou melhor, são os Outros,
os que já cá estão há mais tempo, falando sem sotaque, sem fisionomia que os aponte
nem estatura que os distinga; os que se multiplicaram silenciosamente, sem dar nas
vistas, ocupando os lugares chave, minando, elegendo, controlando…esses sim, esses
metem-me cá um destes cagaços!
Ora, eu não sabia nem tão pouco suspeitava, até há pouco, da sua existência. Mas,
depois, apercebi-me de incongruências, de aberrações, de pequenos detalhes aqui e ali,
na vida de pessoas que julgava conhecer que me conduziram, não sem espessa
relutância da minha parte, à conclusão de que eram extraterrestres.
Como tal, tinham desenvolvido uma capacidade mimética soberba. Esta, porém, traía-os
assim como a arquitectura alienígena dos cérebros e enzimas que, inexoravelmente, os
prendia a uma outra realidade, muito diversa da nossa, sem disso se darem conta.
Querem exemplos? Aqui vão: quantas pessoas conhecem vocês que só usam o carro
para ir de casa para o emprego e do emprego para casa, que até nem são distantes; às
compras ao hipermercado no fim-de-semana, que fazem dez ou vinte mil quilómetros
por ano e compram um carro topo de gama que gasta dez ou onze aos cem, polui em
proporção e se desvaloriza cinco ou dez por cento assim que sai do stand, factores que
nada pesam na decisão da aquisição porque aí impera a lógica do mimetismo, o
imperativo do parecer o que não se é? São extraterrestres.
Ou ainda aqueles que andam sempre com três telemóveis nas mãos e nos bolsos,
esquecidos que agora só têm uma boca e dois ouvidos. São extraterrestres.
É claro que se alguém falar nisto tentando expor a cabala, eles esgrimem logo o
argumento de maior peso nos tempos que vão correndo: Você diz isso porque é um teso,
um looser…e pronto. Qualquer réplica, ainda que justa, fica desde logo condenada ao
fracasso pelo anátema da inveja.
Estes, porém, são os inofensivos, o peixe miúdo. A verdadeira ameaça são os que, num
persistente trabalho de sapa foram ocupando os altos cargos, ascendendo ora pela
íngreme escada do voto ora no rápido ascensor da falcatrua. Julgava eu, na minha
ingenuidade, que não houvessem chegado tão alto mas, estava enganado. Tive a
revelação há não muito tempo. Foi assim: o país estava a arder de lés a lés,
incontrolavelmente. Os bombeiros, as populações, os autarcas locais, enfim, a nação,
pedia mais meios, sobretudo aviões ou helicópteros que pudessem pôr rédeas e bridões
às chamas que pastavam em abusiva liberdade e o que é que fez um dos ministros mais
poderosos do elenco governamental? Comprou dois submarinos! Era um extraterrestre.
Daquela espécie que começa sempre a contar pelo dedo polegar.
Mas não é só cá. Vejam o caso da pátria de Voltaire: faz-se um plebiscito para aprovar
não sei o quê do mais elevado interesse do povo. O povo dispara à desfilada para o Não
e os políticos, supostamente seus legítimos representantes, atiram-se de cabeça para o
Sim. São extraterrestres
Atentem, do outro lado do Atlântico, nas palavras do grande Dubya: As relações
fronteiriças entre o Canadá e o México nunca foram melhores. Outro extraterrestre,
particularmente distraído, que nem sequer sabe onde fica o país que tão coerentemente o
elegeu…
Já não tenho ilusões. A Grande Conspiração triunfou. Julguei que encontraria paz aqui,
no país profundo, mas depressa percebi que eles se tinham antecipado: a maior parte da
gente das aldeias com quem tenho o prazer de falar confidencia-me que as suas maiores
carências são um televisor para a cozinha, uma fábrica de qualquer coisa e uma praia
fluvial…
Alguém me arranja o mail do Fox Moulder?

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