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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE CAMPINAS

CENTRO DE LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO


Jor

Títulos no jornalismo diário, ou a difícil


arte de dizer apenas o essencial
ZANOTTI, C. A. . Títulos no jornalismo diário, ou a difícil arte de
dizer apenas o essencial. Revista de Estudos de Jornalismo,
Campinas, v. 1, n. 2, p. 45-58, 1998.

Carlos Alberto ZANOTTI


Professor das disciplinas Introdução às Técnicas do Jornalismo e Técnicas de Produção
em Jornalismo Especializado da PUC-Campinas e mestre em Ciências da Comunicação
pela Universidade de São Paulo (USP)
-Professor, posso colocar ponto no título?
-Não, não pode, nenhum jornalfaz isso.
-Porque?
-Você já viu algum jornal colocar ponto final nos títulos?

Por trás deste diálogo há uma história cem pelo menos um século de vida. É a história
da produção do titulo da notícia, uma atividade, infelizmente, relegada a segundo
plano dentro de boa parte das salas de aula dos cursos brasileiros de jornalismo. É
pena, pois produzir um título deveria ser encarado, pelos profissionais e estudantes de
jornalismo, como algo muito mais nobre que a aplicação de algumas regras básicas.
Afinal, é este um momento ímpar da produção do texto noticioso; é o instante em que
o jornalista sintetiza em uma frase a notícia que tem em mãos e que deseja revelar ao
seu leitor.

Como se sabe, ao ingressar na faculdade o jovem aluno de jornalismo não é um leitor


muito atento do modelo de texto que precisará produzir quando formado. O acadêmico
chega à sala de aula achando que o título deve, obrigatoriamente, chamar a atenção
do leitor e convidá-lo a, forçosamente, permanecer no texto do diário, o que não é
verdade. Já em 1930, o então editor do "Cleveland News", Earle Martin, estava
firmemente convencido de que “não mais de um leitor em dez lê alguma coisa além do
bloco mais vistoso do título” (DOUGLAS, 1966: 20). Martin, por sinal bastante
intuitivo, eliminou todos os demais elementos acessórios ao título principal que
existiam dentro do texto (como uma série de sub-títulos, palavras em corpo maior,
novos títulos dentro do texto, trechos em caixa-alta etc.) e transformou os títulos de
seu jornal em blocos informativos. A idéia propagou-se pelo mundo e vigora até hoje.
Mas não foi esta, a principal revolução do título noticioso ao longo da história do
jornalismo. Nas décadas iniciais do século XIX, os jornais americanos, por exemplo,
costumavam usar o que se convencionou chamar, para efeito de classificação, "título-
rótulo". É o título que anuncia apenas o campo em que se dará a informação. Um
1
exemplo é a notícia "AN IRISH CAPTAIN" , publicada na edição de 3 de outubro dé

1
Nota do professor: “Um capitão irlandês”
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
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1833 no "The Sun". O título ocupava a largura de apenas uma coluna, escrito em
caixa-alta e no mesmo tamanho da fonte usada na reportagem.

Foi em 1860, com a guerra civil americana, que os editores perceberam a importância
dos títulos. Passaram a dedicar-lhes mais , atenção, chegando a usar toda uma coluna
(na vertical!) para escrevê-la, Como se pode imaginar, eram títulos desconfortáveis
para se ler, limitados em termos de possibilidades estéticas e muito irregulares, dando
a impressão de existirem várias notícias num mesmo espaço vertical, uma abaixo da
outra. Inversamente ao que teria feito Colombo, com o ovo, o título, foi colocado na
horizontal somente a partir de 1890, por ocasião da guerra hispano-norte-americana,
quando os editores Joseph Pulitzer, do "New York Journal", e Willian Randolph Hearst,
do "New York World", lutavam pela conquista de mercados. "Ambos perceberam
prontamente a influência do aspecto tipográfico na venda dos jornais. Na tentativa da
supremacia, foram até à manchete de, oito colunas, cujo uso se propagou rapidamente
aos mais conservadores jornais" (DOUGLAS, 1966: 19). Em relação à imprensa
brasileira, que já havia incorporado o modelo americano, uma grande novidade nos
títulos só veio a ocorrer em 1966, quando o "Jornal da Tarde" passou a usá-los para
conversar com seus leitores. "Leia as novidades da infiltração na imprensa brasileira"
(:23) era um destes títulos onde o leitor era instado a dialogar com o Jornal.

Em oposição aos títulos-rótulos, praticados no início da imprensa, os chamados títulos-


notícias só foram implantados no momento em que a própria notícia se transformou
em mercadoria" (MELO, 1994: 86). Foi essa dimensão industrial que exigiu, em
primeiro lugar, que os títulos se comportassem como uma verdadeira propaganda da
notícia existente logo abaixo, no texto; e, num segundo momento, exigiu
procedimentos padronizados, que garantissem uma identidade visual e um ritmo
industrial para a publicação.

***

Ao tentar reproduzir em sala de aula o ambiente de uma redação, o docente solicita ao


aluno que elabore o texto e deixe para um hipotético editor a tarefa de redigir o título.
Como a figura do editor não existe em sala de aula, o texto é elaborado meio que
atropeladamente, sem que o aluno seja sequer levado a pensar em que título teria sua
matéria antes de redigi-la propriamente. Só que o título, no jornalismo, é
precisamente a síntese da notícia que se quer dar ao público. Em resumo, em muitos
casos, escreve-se a notícia sem que nela se pense em termos de síntese - o que,
francamente, também ocorre em muitos jornais brasileiros.

O que se proporá aqui é exatamente o oposto do que, via de regra, se propõe de


forma equivocada em algumas salas de aula: pensar primeiro o título e, somente
depois, redigir o lide e o restante do texto. Isso porque, o título, a bem da verdade,
não é um problema do editor. Ele é um problema de comunicação que precisa ser
resolvido no campo da comunicação, sendo o repórter o principal mediador desta
história e, por formação acadêmica, o profissional mais habilitado a resolvê-lo. Tanto é
verdade que o problema do título está nas mãos do repórter que um dos principais
jornais brasileiros, o "O Estado de S. Paulo", faz a seguinte recomendação aos seus
editores:

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"Nos textos noticiosos, o título deverá obrigatoriamente ser extraído. do lead; se isso
não for possfvel, refaça o lead, porque ele não estará incluindo as informações mais
importantes da matéria". (OESP, 75)
Refazer o lide, como se sabe, é uma das tarefas mais desagradáveis que se pode
realizar numa redação de jornal. Tanto para o editor, que acumulará um trabalho
extra, como para o repórter, que se sentirá desprestigiado, uma vez que seu trabalho
final acaba sendo refeito por seu superior imediato. O mais grave é que, depois de um
certo tempo refazendo lides, o superior imediato pode querer pensar em refazer sua
equipe de trabalho. E aí, adeus emprego, o que é ruim para o jornalista que, mesmo
tendo freqüentado quatro anos de faculdade, mostra-se incapaz de adaptar-se a um
padrão de qualidade um pouco mais exigente.

No caso de jornais de menor porte, geralmente com editores menos experientes, quem
sai perdendo não é o repórter, e sim o leitor, ou o jornalismo em um horizonte mais
amplo. Isto por que, muitas vezes sem a experiência necessária para elaborar bons
lides ou títulos o editor acaba aceitando o texto que o repórter lhe coloca nas mãos. E
dá-lhe qualquer título. Desde que o nome da principal fonte e a circunstância em que
foi feita a matéria estejam ali retratados, as partes dão-se por satisfeitas. Então, surge
aquele título fatal, do gênero “Prefeito explica renúncia aos vereadores", quando
poderia ser explorada no título a razão da atitude: "Preferi ficar com minha amante,
diz prefeito": É claro que não é todo dia que alguém renuncia a um cargo público por
causa de uma paixão incontida, mas o exagero do exemplo dá a devida dimensão de
como um título precisa estar à frente da mera burocracia. Neste caso, quem perdeu
não foi o repórter, foi o jornalismo, que perdeu em emoção, em velocidade e,
provavelmente, em número de leitores.

O exemplo acima mostra que a novidade que se deseja contar ao leitor é exatamente
2
aquela que dará início ao texto, o lide, e da qual sairá o título da notícia . Dito de outra
forma, o lide é a amplificação do título; e o título, t;ma síntese do lide. Em seu manual
de redação, a "Folha de S. Paulo" dá um bom motivo para que o jornalista capriche no
título no sentido de informar e não de evitar chegar ao que se deseja dizer:

"A maioria dos leitores de um jornal lê apenas o título da maior parte dos textos
editados. Por isso, ele é de alta importância. Ou o título é tudo que o leitor vai ler sobre
o assunto ou é o fator que vai motivá-lo ou não a enfrentar o texto” (FOLHA, 168)

Assim, se o título for "tudo" o que o leitor vai ler, que fique muito bem informado
daquilo que precisa saber em torno do tema. No exemplo anterior, o interessado teria
que ler o texto para saber, no primeiro título, qual o motivo da renúncia do prefeito,
enquanto que o segundo título já lhe expunha que as razões eram de ordem
sentimental. Se por um motivo ou outro, o leitor sentisse interesse em compartilhar o
drama do mandatário da cidade, então iria ao texto. Caso contrário, tendo lido apenas
o segundo título e não se inteirado no texto, não se surpreenderia numa roda de
amigos, quando alguém mencionasse os motivos da renúncia. É isto que o leitor de

2
A este respeito, sugerimos que o leitor recorra ao texto "O Paradoxo do Lide", deste
autor, publicado na edição anterior desta revista, onde o lide é apontado como espaço
onde dois distintos fatores se encontram, a sedução e o afastamento.
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jornais espera do material que adquire em bancas: informação correta, rápida e fácil
de ler. Não custa repetir que jornalismo não é literatura e que, portanto, não há que se
revelar ao leitor, apenas na última linha, que o crime foi praticado pelo mordomo. O
jornalismo escancara a informação e o faz com honestidade, como propõe CHAPARRO:

"É preciso que, na estética do relato veraz haja a explicitação das intenções, pela
evidência das relevâncias nos elementos de titulação e introdução do texto, para que o
leitor possa, livremente e com lucidez, decidir se a mensagem lhe interessa ou não"
(1994: 121)

É óbvio que no jornal nem tudo é notícia, havendo espaço para o comentário, que
exige um outro procedimento em sua titulação. Mas antes de entrar neste particular, é
bom ressaltar que o gênero relato (leia-se notícia) representa, no Brasil, 85,6% do
espaço ocupado pelos conteúdos jornalísticos contra apenas 14,3% do gênero
comentário (CHAPARRO, 1998: 135). No caso português, para citar um país
culturalmente próximo, os relatos ainda ganham 1 % em relação ao modelo brasileiro.
O dado esteve presente nos jornais "Folha de S. Paulo", "O Estado de S. Paulo", "O
Globo" e "Jornal do Brasil", entre 1992 e 1995, sendo portanto bastante atual

Feita a ressalva, sabe-se que os textos de caráter não narrativo, como os de opinião e
análise, que se enquadram entre os argumentativos, aceitam uma outra fórmula de
titulação. O editorial, por exemplo, não tem a função de informar, por isso requer
outro tipo de estrutura. Ele é, na verdade, a defesa explícita de uma tese devendo
contar com aquela estrutura clássica de "introdução, argumentação, conclusão", Neste
caso, o título se reporta ao "pé do texto" – a conclusão. "Razões do coração" seria um
bom título para o editorial do jornal que publicou a reportagem sobre a renúncia do
prefeito.

Nas revistas semanais, no rádio ou no telejornalismo, os títulos também precisam ter


funções específicas com papéis diferenciados daquele que desempenham nos jornais
diários. O mesmo aconteceria em relação às publicações mobilizatórias, como por
exemplo um boletim sindical: "Todos à greve". Nas associações, os títulos convocam
porque é esta a função da informação que a diretoria da entidade faz distribuir entre
seus associados. Nos periódicos não diários dificilmente haverá novidade a se contar
ao leitor, mas há muito a se aprofundar e em tomo do que emitir pareceres. Quando o
ex-presidente Collor de Mello bloqueou o acesso às contas bancárias de todos os
brasileiros, querendo acabar com a inflação a partir de um "tiro certeiro", uma
3
publicação semanal paulistana saiu com a seguinte manchete: "CALLOTE" Estava tudo
ali, escancarado e analisado aos olhos do leitor.

Nas publicações segmentadas, os títulos também desempenham papéis próprios.


Muitas de suas expressões acabam funcionando como códigos de ligação com seu
público leitor. Imagine, por exemplo, uma publicação especializada em música rap. O

3
Manchete que ocupou a primeira páginado jornal paulistano "Gazeta de Pinheiros", à
época de orientação petista, na primeira edição depois de decretado o que a imprensa
chamou à época de “bloqueio de ativos circulantes”.

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universo de seus apreciadores é totalmente próprio, com expressões de uso


praticamente exclusivo. Então, recorra-se a elas, o que pode tornar incompreensível
aos olhos de um leigo um título bom para seus leitores assíduos. Não precisa ir longe.
Pense em uma revista feminina que apresenta uma imensa foto colorida de uma vitrine
com as delícias da Brunella. Abaixo, o título "Atração fatal". Precisa dizer algo mais?

Outros títulos podem, também, ser recortados da fala da fonte. É comum, nas crônicas
do jornalismo, diário, retirar frases inteiras do interior dos textos e guindá-las à
condição de títulos. Ou ainda colocar entre aspas uma afirmação forte do entrevistado,
reservando-se ao chapéu, olho de abertura ou linha fina a tarefa de apresentá-lo e dar
o contexto ao público leitor. "Fi-lo porque qui-lo" seria um exemplo histórico, que na
verdade jamais existiu, desta possibilidade de encontrar na fala da fonte o título da
entrevista. No plano da realidade, serve como exemplo o título que a revista "lstoÉ"
deu a uma de suas matérias nas páginas vermelhas: "Mamãe é uma doença". Tratava-
se de uma entrevista com o psicólogo José Ângelo Gaiarça, vasculhando o interior
humano e criticando a superproteção das mães brasileiras em relação aos seus filhos.

***

Albert KIENTZ (1975), em um de seus trabalhos mais conhecidos; faz uma análise
sistemática de jornais e revistas franceses e acaba criando a expressão "conflitívoro"
para descrever a principal característica do leitor de diários. É aquele que se alimenta
de conflitos, que, se interessa especialmente pela discórdia, Assim, para o
pesquisador, no jornalismo diário o aspecto conflitual acaba por ser o núcleo da
notícia. E em sendo seu núcleo, o conflito é portanto o principal elemento do título;
Conflito este que, nas sociedades civilizadas, se traduz por verbos como "atacar”,
"critica", "acusa", “revela", "derrota", "lamenta", "propõe", "agride", "quer"... De onde
se conclui que título bom tem que ter verbo, uma vez que este elemento da frase é o
seu componente de ação.

Além de ter verbo, o título precisa também conter uma informação completa. Ou seja:
é preciso dizer ao leitor qual a ,"ração diária de novidade” que se encontrará no texto,
ainda no dizer de Kientz. Não é tarefa das mais simples, pois é necessário intuir quais
conhecimentos o leitor médio tem em torno do assunto relatado. Pessoas que
habitualmente freqüentam as páginas de jornais não precisam, por exemplo, ser
reapresentadas todos os dias no título. Não será o caso do nosso prefeito apaixonado,
de uma cidadezinha qualquer, quando sua renúncia virar notícia na "grande imprensa".

O título é também descrito como algo "apelativo" no trabalho de AMARAL (1978: 86).
O autor certamente não se refere ao sentido de distorção do fato, o que o termo
muitas vezes insinua, mas sim ao sentido de apelar ao universo de sensações dos
leitores, em torno das quais se chamará sua atenção para o fato narrado. Distorcer o
fato no título apenas com o propósito de chamar a atenção do leitor, para depois repor
a verdade, é ser desonesto para com o público, o que não constitui base para
nenhuma relação que se pretende duradoura. A menos que queiramos nos especializar
em trabalhar em jornais de vida curta.

Boa parte dos manuais profissionais e das recomendações acadêmicas prescrevem a


adoção do título não editorializado. Seria o título do gênero "Apesar da crise, prefeito
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viaja para a Alemanha", onde o jornal informa a viagem do prefeito e aproveita para
dar sua avaliação do fato. Marques de Melo vê com ingenuidade esta recomendação.
Ele dedica um capítulo inteiro de um de seus livros para revelar que o texto é, apesar
de todas as dissimulações, um verdadeiro mecanismo de expressão opinativa, não
escapando ao título esta propriedade.

"Por mais objetiva que seja uma informação, no sentido de registrar fatos verdadeiros,
reais, é óbvio que a percepção dos fatos depende do prisma da observação. Toda
notícia é portanto angulada. Pode conter informações fidedignas, comprovadas, mas
essa informação aparecerá de modo diferente em diversos jornais. Logo, a notícia dá
sentido ao fato; o titulo, ao refleti-Ia, também sugere esse sentido". (1994: 87-88)
Marques de Meio, em seu trabalho, afirma que há, portanto, dois tipos de títulos: os
que emitem claramente um ponto de vista e os que "dissumulam" o conteúdo
ideológico inerente ao texto. Os do primeiro tipo seriam aqueles reservados aos
editoriais e às matérias ditas "opinativas" em geral. Os que "dissimulam", até para
demarcar o falso limite dos textos ditos "informativos", seriam os utilizados para as
notícias e reportagens não opinativas em geral. Reservada a essência desta discussão
para um outro momento, vamos nos fixar naquilo que Melo chama de títulos
dissimuladores da opinião. Ou seja, aqueles que seriam os pretensamente
informativos, ou os da chamada imprensa informativa.

Para demarcar o espaço do título e chamar a atenção do leitor, muitos comunicadores


de várias áreas, entre jornalistas, publicitários e assessores de comunicação entre
outros, preferem produzir títulos em caixa-alta. Quando perguntados dos motivos,
respondem que é para "atrair a atenção do leitor", "destacar o texto", "ressaltar" e
assim por diante. Há textos publicitários (para os quais ainda não se produziu manuais
de redação, por razões óbvias) e jornalísticos (em publicações de menor porte),
escritos inteiramente em letras maiúsculas, ou "em caixa-alta", como se diz no jargão
da imprensa. São textos, a partir de seu formato, que podem ser considerados
perfeitamente ilegíveis, tamanha a dificuldade de fluidez que impõem aos seus leitores.
Sabe-se, de longa data, que o olho humano lê por blocos (de letras, de palavras ou até
de frases). Ou seja, ninguém lê somando letra por letra, mas sim reconhecendo
palavras, grupos de palavras ou mesmo frases inteiras (BERTHOUD, 1992: 44).
Colocá-las em caixa-alta pode ser atraente para o autor, que sabe o que ali está
escrito, mas para o leitor é um verdadeiro castigo.

Os principais diários brasileiros já incorporaram este conhecimento às suas normas


internas há um bom tempo, determinando aos seus editores que escrevam os títulos
com as mesmas regras aplicadas aos textos. Mas algumas normas, no entanto,
parecem pré-históricas. É o caso, por exemplo, da regra vigente no "Estadão", de
obrigar os títulos a ocuparem todo o espaço útil acima do texto. Isto tem levado seus
editores a produzirem pérolas como "O Corinthians não é páreo para o Palmeiras", com
adoção exagerada de artigos, usados aqui só para preencher os espaços brancos que
sobrariam no título citado. Ou, pior ainda; usando o recurso de "forçar justificativa"
para "esticar" o título de um extremo ao outro do espaço. Com isto, as letras, que
antes eram redondinhas e que tinham um determinado espaçamento entre si, agora
ficarão larguinhas (ou compridinhas) e com espaçamento maior (ou menor) entre elas,
tudo em nome da estética do espaço. O problema é que esta estética do espaço acaba
descaracterizando o padrão visual da publicação e, pior ainda, desfigurando as feições
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da própria letra, o que, como já se viu, dificulta a leitura. Além de se pensar na


estética da espacialidade é bom que se pense também na estética da legibilidade.

Tentando regulamentar internamente o assunto, a "Folha" tem um verbete especial em


seu manual para dar conta do tema. Em relação aos títulos que publica, o verbete
informa que o jornal:
a) Não usa ponto, dois pontos, ponto de interrogação, ponto de exclamação,
reticências, travessão ou parênteses;
b) Evita ponto-e-vírgula;
c) Jamais divide sílabas em duas linhas e evita fazer o mesmo com nomes próprios de
mais de uma palavra;
d) Preenche todo o espaço destinado ao título no diagrama;
e) Evita a reprodução literal das palavras iniciais do texto.
Nos textos noticiosos, o título da "Folha" deve, em geral:
a) Conter verbo, de preferência na voz ativa;
b) Estar no tempo presente, exceto quando o texto se referir a fatos distantes no
futuro ou no passado;
c) Empregar siglas com comedimento (FOLHA, 168-169)
Estas recomendações contidas no manual da "Folha de S. Paulo" não representam, na
realidade, um conjunto de normas exclusivas desta publicação. Elas servem para o
modelo de jornalismo que se propõe "objetivo", ou "dissimulador" nas palavras de
Meio, e ancorado nas atuais práticas de mercado. Neste jornal, tais normas foram
implantadas no bojo daquilo que se convencionou chamar de "Projeto Folha". O grande
mérito do jornal, ao editar e comercializar seu manual, foi ter conseguido nele reunir
algumas informações normativas antes esparsas, seja na prática profissional seja na
academia ou nos livros, e colocá-las ao alcance do público.

Contudo, não basta seguir o manual para que se consiga elaborar um bom título para
uma reportagem. Elcias LUSTOSA lembra que "a titulação de uma notícia exige do
redator um amplo conhecimento da língua, tendo em vista que é preciso substituir
palavras longas por outras com o mesmo significado e com menor número de letras"
(1996: 150). Conhecimento que, no contexto do autor, não assume o significado de
erudição, uma vez que as palavras contidas nos títulos precisam estar ao alcance do
leitor médio. É preciso trocar 6 por meia-dúzia e não pela raiz quadrada de 36.

Mais que conhecimento da língua, a elaboração de um título exige um certo grau de


bom senso por parte de seu redator. Uma medida deste bom senso é saber, por
exemplo, até que ponto aquilo que se diz ao leitor seria, de fato, uma novidade para
ele. O título "São Paulo registra temperatura alta", referindo-se ao dia anterior, não
seria novidade para nenhum habitante da cidade. Se todo mundo já havia sentido o
problema literalmente na pele, é bom que eu.dê uma informação nova: "Temperatura
atinge 40 graus na sombra"ou "Temperatura bate recorde dos últimos 20 anos", por
exemplo.

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Examine-se agora um título publicado na primeira página do Jornal "Folha de S.


Paulo", na edição de uma segunda-feira do dia 22 de março deste ano de 1999: Abaixo
de Uma foto do rosto sofrido do compositor Wellington José de Camargo, jornal
noticiava o fim do seqüestro deste irmão dos cantores da dupla Zezé de Camargo e
Luciano, depois de 94 dias de cativeiro, com o seguinte título: "Termina seqüestro de
Wellington". No entanto, para o grande público, a notícia já era sabida desde as 10
horas da manhã de domingo, quando as maiores redes brasileiras de televisão,
incluindo Globo e SBT, passaram a cobrir o caso em seus plantões. Na véspera do
título que a "Folha" deu à notícia, uma verdadeira avalanche de informações era
despejada nos lares brasileiros que costumam sintonizar Sílvio Santos, Gugu Liberato e
Faustão -e que não são poucos- sobre o fim do seqüestro. Nos noticiosos daquela
noite, o fato também foi largamente explorado. O que sobraria para os jornais
impressos, no dia seguinte? Talvez aquilo que a Folha deu nas linhas finais da
chamada de capa, que seria a prisão dos primeiros cinco suspeitos. Em vez "puxar"
seu título por ali, o jornal preferiu a burocracia, o óbvio, o largamente sabido.
"Wellington reaparece; suspeitos estão presos" teria sido uma aí tentativa melhor.

Na mesma linha de vasculhar alternativas, vale a pena examinar o comportamento de


vários jornais, nacionais e intemacionais, ao noticiar um determinado mesmo assunto:
o resultado do último jogo da Copa do Mundo de Futebol de 1998. Seguem abaixo os
títulos que os principais diários envolvidos na Cobertura atribuíram a um fato de amplo
conhecimento público já em sua véspera de publicação, tendo sido aqui reescritos
conforme foram publicados (em uma ou duas linhas):

MANCHETES E TÍTULOS DE CAPA PUBLICAÇÕES


França é campeã do mundo; Brasil sofre sua pior derrota Folha de S. Paulo

Era uma vez o penta Folha da Tarde (SP)


França leva sonho do penta A Tribuna (Santos - S P)

Brasil decepciona e França é campeã do mundo invicta Jornal do Brasil (RJ)


França goleia Brasil e leva a copa O Estado de S. Paulo

França adia sonho do penta O Globo (RJ)

Por quê? Lance (SP)


França em júbilo comemora sua primeira copa do mundo Le Monde (França)

“É nossa” Le Parisien (França)


França campeã, Brasil humilhado Corriere Della Serra (Itália)
França causa uma revolução mundial The Times (Inglaterra)

Finalmente chegou o dia de glória da França The New YorkTimes (EUA)

França teve a festa que merecia Clarín (Argentina)

França; campeã 98 EI Espectador (Colômbia)

Viva o novo rei. França campeã do mundo Noticias (Paraguai)

Os jornais brasileiros comportaram-se burocraticamente frente à elaboração de seus


títulos. Nada mais óbvio que a "Folha de S. Paulo" ou "O Estado de S. Paulo" em suas
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manchetes. Nada mais quadrado que o ufanismo de “O Globo”, falando em sonho não
realizado por uma simples questão de adiamento. Nada mais obtuso que "Lance", com
sua inconformada pergunta na primeira página, para a qual o jornal não ofereceu
resposta; e que, se tivesse oferecido, teria que ter colocado no lugar da pergunta, uma
vez que ninguém lê jornal pelas interrogações que o periódico faz, mas sim pelas
respostas que consegue produzir

No plano internacional, o "The Times" liga o imaginário coletivo (de uma França
revolucionária) à derrota brasileira; se carrega nas cores, ao menos procura sair da
mesmice que contaminou a todos. O jornal italiano, por sua vez, não conseguiu ir além
da dor-de-cotovelo que ainda alimenta pelo resultado desfavorável que a seleção de
Roberto Baggio conseguiu, diante do Brasil, na fif1al da Copa de 94, O jornal
colombiano, então, foi o que ofereceu a menor taxa de novidade. Na realidade,
nenhum jornal conseguiu informar o que todo mundo queria saber: o que teria
acontecido com a última Seleção Brasileira treinada por Zagallo.

E você, se tivesse que escolher uma das publicações acima pelo título, qual dos jornais
teria comprado na manhã do dia seguinte?

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