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Por trás deste diálogo há uma história cem pelo menos um século de vida. É a história
da produção do titulo da notícia, uma atividade, infelizmente, relegada a segundo
plano dentro de boa parte das salas de aula dos cursos brasileiros de jornalismo. É
pena, pois produzir um título deveria ser encarado, pelos profissionais e estudantes de
jornalismo, como algo muito mais nobre que a aplicação de algumas regras básicas.
Afinal, é este um momento ímpar da produção do texto noticioso; é o instante em que
o jornalista sintetiza em uma frase a notícia que tem em mãos e que deseja revelar ao
seu leitor.
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Nota do professor: “Um capitão irlandês”
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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1833 no "The Sun". O título ocupava a largura de apenas uma coluna, escrito em
caixa-alta e no mesmo tamanho da fonte usada na reportagem.
Foi em 1860, com a guerra civil americana, que os editores perceberam a importância
dos títulos. Passaram a dedicar-lhes mais , atenção, chegando a usar toda uma coluna
(na vertical!) para escrevê-la, Como se pode imaginar, eram títulos desconfortáveis
para se ler, limitados em termos de possibilidades estéticas e muito irregulares, dando
a impressão de existirem várias notícias num mesmo espaço vertical, uma abaixo da
outra. Inversamente ao que teria feito Colombo, com o ovo, o título, foi colocado na
horizontal somente a partir de 1890, por ocasião da guerra hispano-norte-americana,
quando os editores Joseph Pulitzer, do "New York Journal", e Willian Randolph Hearst,
do "New York World", lutavam pela conquista de mercados. "Ambos perceberam
prontamente a influência do aspecto tipográfico na venda dos jornais. Na tentativa da
supremacia, foram até à manchete de, oito colunas, cujo uso se propagou rapidamente
aos mais conservadores jornais" (DOUGLAS, 1966: 19). Em relação à imprensa
brasileira, que já havia incorporado o modelo americano, uma grande novidade nos
títulos só veio a ocorrer em 1966, quando o "Jornal da Tarde" passou a usá-los para
conversar com seus leitores. "Leia as novidades da infiltração na imprensa brasileira"
(:23) era um destes títulos onde o leitor era instado a dialogar com o Jornal.
***
"Nos textos noticiosos, o título deverá obrigatoriamente ser extraído. do lead; se isso
não for possfvel, refaça o lead, porque ele não estará incluindo as informações mais
importantes da matéria". (OESP, 75)
Refazer o lide, como se sabe, é uma das tarefas mais desagradáveis que se pode
realizar numa redação de jornal. Tanto para o editor, que acumulará um trabalho
extra, como para o repórter, que se sentirá desprestigiado, uma vez que seu trabalho
final acaba sendo refeito por seu superior imediato. O mais grave é que, depois de um
certo tempo refazendo lides, o superior imediato pode querer pensar em refazer sua
equipe de trabalho. E aí, adeus emprego, o que é ruim para o jornalista que, mesmo
tendo freqüentado quatro anos de faculdade, mostra-se incapaz de adaptar-se a um
padrão de qualidade um pouco mais exigente.
No caso de jornais de menor porte, geralmente com editores menos experientes, quem
sai perdendo não é o repórter, e sim o leitor, ou o jornalismo em um horizonte mais
amplo. Isto por que, muitas vezes sem a experiência necessária para elaborar bons
lides ou títulos o editor acaba aceitando o texto que o repórter lhe coloca nas mãos. E
dá-lhe qualquer título. Desde que o nome da principal fonte e a circunstância em que
foi feita a matéria estejam ali retratados, as partes dão-se por satisfeitas. Então, surge
aquele título fatal, do gênero “Prefeito explica renúncia aos vereadores", quando
poderia ser explorada no título a razão da atitude: "Preferi ficar com minha amante,
diz prefeito": É claro que não é todo dia que alguém renuncia a um cargo público por
causa de uma paixão incontida, mas o exagero do exemplo dá a devida dimensão de
como um título precisa estar à frente da mera burocracia. Neste caso, quem perdeu
não foi o repórter, foi o jornalismo, que perdeu em emoção, em velocidade e,
provavelmente, em número de leitores.
O exemplo acima mostra que a novidade que se deseja contar ao leitor é exatamente
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aquela que dará início ao texto, o lide, e da qual sairá o título da notícia . Dito de outra
forma, o lide é a amplificação do título; e o título, t;ma síntese do lide. Em seu manual
de redação, a "Folha de S. Paulo" dá um bom motivo para que o jornalista capriche no
título no sentido de informar e não de evitar chegar ao que se deseja dizer:
"A maioria dos leitores de um jornal lê apenas o título da maior parte dos textos
editados. Por isso, ele é de alta importância. Ou o título é tudo que o leitor vai ler sobre
o assunto ou é o fator que vai motivá-lo ou não a enfrentar o texto” (FOLHA, 168)
Assim, se o título for "tudo" o que o leitor vai ler, que fique muito bem informado
daquilo que precisa saber em torno do tema. No exemplo anterior, o interessado teria
que ler o texto para saber, no primeiro título, qual o motivo da renúncia do prefeito,
enquanto que o segundo título já lhe expunha que as razões eram de ordem
sentimental. Se por um motivo ou outro, o leitor sentisse interesse em compartilhar o
drama do mandatário da cidade, então iria ao texto. Caso contrário, tendo lido apenas
o segundo título e não se inteirado no texto, não se surpreenderia numa roda de
amigos, quando alguém mencionasse os motivos da renúncia. É isto que o leitor de
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A este respeito, sugerimos que o leitor recorra ao texto "O Paradoxo do Lide", deste
autor, publicado na edição anterior desta revista, onde o lide é apontado como espaço
onde dois distintos fatores se encontram, a sedução e o afastamento.
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
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jornais espera do material que adquire em bancas: informação correta, rápida e fácil
de ler. Não custa repetir que jornalismo não é literatura e que, portanto, não há que se
revelar ao leitor, apenas na última linha, que o crime foi praticado pelo mordomo. O
jornalismo escancara a informação e o faz com honestidade, como propõe CHAPARRO:
"É preciso que, na estética do relato veraz haja a explicitação das intenções, pela
evidência das relevâncias nos elementos de titulação e introdução do texto, para que o
leitor possa, livremente e com lucidez, decidir se a mensagem lhe interessa ou não"
(1994: 121)
É óbvio que no jornal nem tudo é notícia, havendo espaço para o comentário, que
exige um outro procedimento em sua titulação. Mas antes de entrar neste particular, é
bom ressaltar que o gênero relato (leia-se notícia) representa, no Brasil, 85,6% do
espaço ocupado pelos conteúdos jornalísticos contra apenas 14,3% do gênero
comentário (CHAPARRO, 1998: 135). No caso português, para citar um país
culturalmente próximo, os relatos ainda ganham 1 % em relação ao modelo brasileiro.
O dado esteve presente nos jornais "Folha de S. Paulo", "O Estado de S. Paulo", "O
Globo" e "Jornal do Brasil", entre 1992 e 1995, sendo portanto bastante atual
Feita a ressalva, sabe-se que os textos de caráter não narrativo, como os de opinião e
análise, que se enquadram entre os argumentativos, aceitam uma outra fórmula de
titulação. O editorial, por exemplo, não tem a função de informar, por isso requer
outro tipo de estrutura. Ele é, na verdade, a defesa explícita de uma tese devendo
contar com aquela estrutura clássica de "introdução, argumentação, conclusão", Neste
caso, o título se reporta ao "pé do texto" – a conclusão. "Razões do coração" seria um
bom título para o editorial do jornal que publicou a reportagem sobre a renúncia do
prefeito.
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Manchete que ocupou a primeira páginado jornal paulistano "Gazeta de Pinheiros", à
época de orientação petista, na primeira edição depois de decretado o que a imprensa
chamou à época de “bloqueio de ativos circulantes”.
Outros títulos podem, também, ser recortados da fala da fonte. É comum, nas crônicas
do jornalismo, diário, retirar frases inteiras do interior dos textos e guindá-las à
condição de títulos. Ou ainda colocar entre aspas uma afirmação forte do entrevistado,
reservando-se ao chapéu, olho de abertura ou linha fina a tarefa de apresentá-lo e dar
o contexto ao público leitor. "Fi-lo porque qui-lo" seria um exemplo histórico, que na
verdade jamais existiu, desta possibilidade de encontrar na fala da fonte o título da
entrevista. No plano da realidade, serve como exemplo o título que a revista "lstoÉ"
deu a uma de suas matérias nas páginas vermelhas: "Mamãe é uma doença". Tratava-
se de uma entrevista com o psicólogo José Ângelo Gaiarça, vasculhando o interior
humano e criticando a superproteção das mães brasileiras em relação aos seus filhos.
***
Albert KIENTZ (1975), em um de seus trabalhos mais conhecidos; faz uma análise
sistemática de jornais e revistas franceses e acaba criando a expressão "conflitívoro"
para descrever a principal característica do leitor de diários. É aquele que se alimenta
de conflitos, que, se interessa especialmente pela discórdia, Assim, para o
pesquisador, no jornalismo diário o aspecto conflitual acaba por ser o núcleo da
notícia. E em sendo seu núcleo, o conflito é portanto o principal elemento do título;
Conflito este que, nas sociedades civilizadas, se traduz por verbos como "atacar”,
"critica", "acusa", “revela", "derrota", "lamenta", "propõe", "agride", "quer"... De onde
se conclui que título bom tem que ter verbo, uma vez que este elemento da frase é o
seu componente de ação.
Além de ter verbo, o título precisa também conter uma informação completa. Ou seja:
é preciso dizer ao leitor qual a ,"ração diária de novidade” que se encontrará no texto,
ainda no dizer de Kientz. Não é tarefa das mais simples, pois é necessário intuir quais
conhecimentos o leitor médio tem em torno do assunto relatado. Pessoas que
habitualmente freqüentam as páginas de jornais não precisam, por exemplo, ser
reapresentadas todos os dias no título. Não será o caso do nosso prefeito apaixonado,
de uma cidadezinha qualquer, quando sua renúncia virar notícia na "grande imprensa".
O título é também descrito como algo "apelativo" no trabalho de AMARAL (1978: 86).
O autor certamente não se refere ao sentido de distorção do fato, o que o termo
muitas vezes insinua, mas sim ao sentido de apelar ao universo de sensações dos
leitores, em torno das quais se chamará sua atenção para o fato narrado. Distorcer o
fato no título apenas com o propósito de chamar a atenção do leitor, para depois repor
a verdade, é ser desonesto para com o público, o que não constitui base para
nenhuma relação que se pretende duradoura. A menos que queiramos nos especializar
em trabalhar em jornais de vida curta.
viaja para a Alemanha", onde o jornal informa a viagem do prefeito e aproveita para
dar sua avaliação do fato. Marques de Melo vê com ingenuidade esta recomendação.
Ele dedica um capítulo inteiro de um de seus livros para revelar que o texto é, apesar
de todas as dissimulações, um verdadeiro mecanismo de expressão opinativa, não
escapando ao título esta propriedade.
"Por mais objetiva que seja uma informação, no sentido de registrar fatos verdadeiros,
reais, é óbvio que a percepção dos fatos depende do prisma da observação. Toda
notícia é portanto angulada. Pode conter informações fidedignas, comprovadas, mas
essa informação aparecerá de modo diferente em diversos jornais. Logo, a notícia dá
sentido ao fato; o titulo, ao refleti-Ia, também sugere esse sentido". (1994: 87-88)
Marques de Meio, em seu trabalho, afirma que há, portanto, dois tipos de títulos: os
que emitem claramente um ponto de vista e os que "dissumulam" o conteúdo
ideológico inerente ao texto. Os do primeiro tipo seriam aqueles reservados aos
editoriais e às matérias ditas "opinativas" em geral. Os que "dissimulam", até para
demarcar o falso limite dos textos ditos "informativos", seriam os utilizados para as
notícias e reportagens não opinativas em geral. Reservada a essência desta discussão
para um outro momento, vamos nos fixar naquilo que Melo chama de títulos
dissimuladores da opinião. Ou seja, aqueles que seriam os pretensamente
informativos, ou os da chamada imprensa informativa.
Contudo, não basta seguir o manual para que se consiga elaborar um bom título para
uma reportagem. Elcias LUSTOSA lembra que "a titulação de uma notícia exige do
redator um amplo conhecimento da língua, tendo em vista que é preciso substituir
palavras longas por outras com o mesmo significado e com menor número de letras"
(1996: 150). Conhecimento que, no contexto do autor, não assume o significado de
erudição, uma vez que as palavras contidas nos títulos precisam estar ao alcance do
leitor médio. É preciso trocar 6 por meia-dúzia e não pela raiz quadrada de 36.
manchetes. Nada mais quadrado que o ufanismo de “O Globo”, falando em sonho não
realizado por uma simples questão de adiamento. Nada mais obtuso que "Lance", com
sua inconformada pergunta na primeira página, para a qual o jornal não ofereceu
resposta; e que, se tivesse oferecido, teria que ter colocado no lugar da pergunta, uma
vez que ninguém lê jornal pelas interrogações que o periódico faz, mas sim pelas
respostas que consegue produzir
No plano internacional, o "The Times" liga o imaginário coletivo (de uma França
revolucionária) à derrota brasileira; se carrega nas cores, ao menos procura sair da
mesmice que contaminou a todos. O jornal italiano, por sua vez, não conseguiu ir além
da dor-de-cotovelo que ainda alimenta pelo resultado desfavorável que a seleção de
Roberto Baggio conseguiu, diante do Brasil, na fif1al da Copa de 94, O jornal
colombiano, então, foi o que ofereceu a menor taxa de novidade. Na realidade,
nenhum jornal conseguiu informar o que todo mundo queria saber: o que teria
acontecido com a última Seleção Brasileira treinada por Zagallo.
E você, se tivesse que escolher uma das publicações acima pelo título, qual dos jornais
teria comprado na manhã do dia seguinte?