Você está na página 1de 145

NARRATIVA MIDIÁTICA

autor
MARCO AURELIO REIS

1ª edição
SESES
rio de janeiro 2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima

Autor do original marco aurelio reis

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção andré lage, luís salgueiro e luana barbosa da silva

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media

Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo patrícia cristina de lima, maria alice de faria nogueira

Imagem de capa microgen | shutterstock.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

R375n Reis, Marco Aurelio


Narrativa midiática / Marco Aurelio Reis.
Rio de Janeiro: SESES, 2019.
144 p: il.

isbn: 978-85-5548-678-4.

1. Audiovisual. 2. Narrativa. 3. Impressos midiáticos. 4. Midiática.


I. SESES. II. Estácio.
cdd 302.23

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio 5

1. O que é narrativa? 7
Narrar é um verbo 8

Narrador: do livro às redações 21

O narrador pós-moderno 28

2. Metodologia para análise crítica da narrativa 35


Analisar narrativas 36

Narratologia e a análise das narrativas humanas 43

Análise crítica da narrativa 45

3. Narrativa em impressos midiáticos 59


Narrar na mídia off-line 60

Noticiabilidade como elemento da narrativa midiática 64

Muito além do texto 73

Gêneros do discurso 78

4. Narrativa em audiovisual 83
Narrar a partir dos sons e das imagens em movimento 85

O som e o silêncio como narrativas 92

Uma imagem no lugar de mil palavras 99

Certificação como conceito da narrativa midiática 105


5. Narrativa na web: multimídia e transmídia 109
Narrativa nas nuvens 110

Persona no cenário digital 119

Narrativa do consumo 123

Narrativas jornalísticas e publicitárias por games e por história


em quadrinhos 127
Prefácio

Prezados(as) alunos(as),

Narrativas fazem parte de nossa vida desde a infância. Foram fundamentais


para conhecermos as histórias da família, para nos divertir e entender quem so-
mos, entre outros elementos centrais de nossa existência. Neste momento, você é
convidado a entender o que é narrativa e o potencial dela na mídia, elemento solar
em sua formação como jornalista e como publicitário.
Neste livro, você vai encontrar as bases teóricas e metodológicas para refletir
sobre as práticas das duas profissões e, ao mesmo tempo, garantir a você elemen-
tos para compreender e empreender novas formas de narrar que, certamente, vão
surgir ao longo dos próximos anos, deslizando dos suportes atuais para outros que
ainda serão criados por outras pessoas, podendo ser você uma delas.
Nestas páginas, você vai navegar entre os elementos narrativos ao longo do
tempo. Vamos falar da narrativa impressa, em audiovisual e na web. Teremos con-
tato com alguns conceitos que você voltará a ver ao longo de seu curso, sobretudo
nas disciplinas de laboratório de jornalismo e de publicidade.
Esse primeiro contato aumentará seu aproveitamento do curso, uma vez que,
ao criar, por exemplo, uma narrativa jornalística imersiva ou um storytelling pu-
blicitário para uma marca, terá elementos suficientes para compreender todo o
processo de elaboração, tomando decisões criativas de forma segura.
O livro está dividido em cinco partes. A primeira vai levar você a tomar co-
nhecimento de teorias relevantes para compreender a narrativa e seu papel nas
sociedades, incluindo o cinema. Na segunda parte, o convite é para você domi-
nar uma metodologia científica de análise das narrativas. Tal método é usado em
conceituados programas de pós-graduação em jornalismo e publicidade e poderá
servir de ferramenta de análise para o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).
A terceira e a quarta partes são fundamentais para você deixar de ser mero
consumidor de mídia para se tornar um produtor de conteúdo midiático. Na
terceira parte, veremos a narrativa impressa e, na quarta, a narrativa em rádio e
TV. Prepare-se para entender como se formam essas narrativas, desde o papel da
imagem em um outdoor, passando pelo silêncio no rádio e pela imagem ao vivo
na TV.

5
Na quinta e última parte, tomaremos contato com a chamada narrativa mul-
timidiática e seus desdobramentos. Conceitos como pirâmide deitada e narrativa
do consumo vão enriquecer seus conhecimentos. Por fim, o deslizamento das nar-
rativas de games e de histórias em quadrinhos para os conteúdos publicitários e
jornalísticos vai revelar que não há limites para a narrativa midiática.
Em todos os capítulos você vai encontrar links para aprofundar seus conhe-
cimentos e também referências que foram usadas para sustentar o conteúdo que
você está vendo. Já nas últimas páginas de cada capítulo, você vai se deparar com
questões de concursos públicos que abordam os conteúdos que você viu. Essas
questões servirão para você ter contato com a forma como os conceitos da nar-
rativa midiática são cobrados pelas bancas organizadoras das seleções para órgãos
públicos das três esferas de poder.

Bons estudos!
1
O que é narrativa?
O que é narrativa?
A arte e o desejo de contar histórias acompanha a humanidade e faz parte da
própria essência do ser humano. O homem, por meio de desenhos nas cavernas,
contou como caçava; por meio de cartas, cantou o amor; e, ouvindo relatos jorna-
lísticos no rádio, informou-se. No Ensino Médio, a professora deve ter falado para
você e seus colegas sobre as narrativas e a paixão humana por elas. Ora, você já é
um especialista quando o assunto é narrar!
Você certamente já deve ter, mentalmente, respondido à questão que dá título
a esse capítulo. Mas o que é narrativa midiática?
Narrativa midiática é a forma de contar dos jornais, das emissoras de rádio
e TV, dos sites e das redes sociais digitais. Mas que forma é essa? O que faz uma
narrativa se tornar uma narrativa midiática? Qual a diferença entre uma crônica de
Clarice Lispector numa coletânea em livro e uma crônica do jornalista Pedro Bial
na TV? Em qual momento uma narrativa se torna midiática?
O convite é mergulhar nesses questionamentos ao longo deste capítulo e ao
longo deste livro. Vamos começar pela chamada narrativa literária e conhecer os
professores Afrânio Coutinho e Angélica Soares, autores que dedicaram longos
estudos a pensar sobre as particularidades desse gênero textual e seus elementos.
Vamos conhecer o papel do narrador, o que une narrador e narratividade e come-
çar a mergulhar na chamada narratologia. Vamos lá?

OBJETIVOS
• Entender a narrativa literária como matriz da narrativa midiática;
• Conhecer os elementos da narrativa e a relação entre narrador e narratividade;
• Reconhecer o papel do narrador e mergulhar nos debates em torno desse elemento
da narrativa.

Narrar é um verbo

Os dicionários, como o Silveira Bueno (2007), definem narrar como “contar,


expor minuciosamente, historiar” e narrativa como “ação de narrar” e “exposição

capítulo 1 •8
de fatos”. Você vem encontrando tais definições ao longo de sua vida estudantil;
afinal, narrativa é um gênero textual estudado desde os bancos escolares.
Nos livros didáticos, você aprendeu que “narração é um tipo textual bastante
popular, certamente o primeiro a entrar em nossas vidas; afinal de contas, toda
criança adora contos de fadas e histórias recheadas de personagens e acontecimen-
tos, elementos capazes de nos transportar para o incrível universo da literatura”.1
Esse trecho entre aspas logo acima, produzido pelos profissionais da Rede
Omnia (responsável pelos sites “Brasil Escola” e “Escola Kids”, entre outros), abre
um conjunto de informações sobre narrativa que, de diferentes formas, todos vi-
mos nos bancos escolares, tendo a autora Cândida Gancho (1995) como referên-
cia. Vamos recordar o que estudamos a partir do que nos informa o site “Escola
Kids” sobre narrativa?

LEITURA
Narrativa é o tipo textual baseado em uma sequência de ações e de fatos. Essa trama en-
volve personagens que agem em determinado tempo e espaço. Tal ação é chamada de enre-
do. Os personagens ganham corpo quando são descritos fisicamente e até psicologicamente.
A estrutura da narrativa segue passos bem determinados:
• Apresentação/Introdução;
• Conflitos/Desenvolvimento;
• Clímax/Ápice da história;
• Conclusão/Desfecho.

Na introdução, são apresentados os personagens e informados o tempo e o espaço da


narrativa. No desenvolvimento, surgem os conflitos, os personagens desenvolvem ações, e
os fatos são informados até o momento em que a história chega ao seu ponto alto, que cha-
mamos de clímax. Na conclusão, ocorre o desfecho dessas ações.
Resumo a partir do texto do site “Escola Kids”. Disponível em: <https://escolakids.uol.
com.br/como-escrever-um-texto-narrativo.htm>. Acesso em: 07/05/2017.

Não é por acaso, portanto, que, quando pensamos no lide (lead) jornalístico,
seguimos um roteiro parecido com o descrito na leitura acima. A reportagem e a
notícia são narrativas, as chamadas narrativas do fato.

1 In <https://escolakids.uol.com.br/como-escrever-um-texto-narrativo.htm>. Acesso em 07/05/2017.

capítulo 1 •9
CONCEITO
Na estrutura narrativa de uma notícia, o “lead” ou lide (na forma aportuguesada) é uma
técnica que abre a notícia.

Acompanhe o raciocínio: as perguntas do lide são seis (o que, quem, quando,


por que, como e onde). O “quando” é o tempo da narrativa. O “onde”, o lugar. O
“quem” é o personagem da reportagem, tão facilmente identificável em narrativas
jornalísticas como o perfil. Já “o que”, “como” e “por que” compõem o enredo,
sendo “o que” e “como” o desenvolvimento e o “por que”, quase sempre, o desfe-
cho, a explicação.

CONCEITO
Perfil ou reportagem-perfil faz parte do gênero jornalístico informativo. E, dentro dessa
classificação, podemos inseri-lo na categoria dos textos noticiosos chamados de feature, ou
seja, uma notícia apresentada em dimensões que vão além do seu caráter factual e imediato,
em estilo mais criativo e menos formal. Nessa categoria estão incluídos os perfis e as histó-
rias de interesse humano.
Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, no livro Técnica de reportagem – notas sobre a
narrativa jornalística (1986), explicam que perfil, em jornalismo, ‘significa dar enfoque na
pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado é protagonista
da história: sua própria vida’”.
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/diretorio-academico/
o-personagem-em-destaque/>. Acesso em: 14/05/2018.

Como você viu (ou verá) ao estudar História do Jornalismo, Jornalismo e


Literatura sempre caminharam juntos no Brasil e em outras nações do ocidente.
Nos primórdios da imprensa em nosso solo, as duas áreas se confundiam. Os
primeiros jornais brasileiros são de 1808, neles, os primeiros jornalistas eram
literatos. Durante todo o período monárquico, os literatos militavam em jornais
para bancar a vida de escritor, que não garantia o sustento, uma vez que o número
de leitores assíduos (e também de alfabetizados) era bem reduzido.

capítulo 1 • 10
CURIOSIDADE
Com a vinda de D. João VI e sua família para o Brasil, em 1808, foi fundada a Imprensa
Régia, parte da estrutura burocrática do Império, destinada a imprimir documentos, decretos
e livros, entre outros papéis. Foi a primeira imprensa legalizada do Brasil e surgiu unicamen-
te em função da vinda da família real portuguesa, tocada da Europa por Napoleão. Todo o
maquinário foi trazido da Europa como parte da bagagem de D. João VI e sua família. Se,
até então, publicar qualquer texto jornalístico em solo brasileiro era expressamente proibido
pela coroa portuguesa, as coisas mudaram com o surgimento da Gazeta do Rio de Janeiro,
cujo conteúdo, para ser publicado, deveria passar antes pela vistoria da Junta Diretora de
Impressão Régia, órgão formado por nomes de extrema confiança do rei D. João VI. Meses
antes da Gazeta, mas ainda em 1808, surgira outro jornal por aqui, o Correio Braziliense, que
rodava na Europa e não passava pela censura régia.

Nessa aproximação entre Jornalismo e Literatura, elementos da narrativa lite-


rária se mesclaram com a narrativa midiática e, em alguns momentos históricos,
foram muito valorizados, e, em outros, menos. O estudo na narrativa literária nos
ajuda, então, a entender a narrativa midiática. Vamos recorrer, portanto, à teoria
literária para entender essa matriz chamada narrativa literária.

AUTOR

Figura 1.1 – O crítico literário Afrânio Coutinho. Disponível em:


<http://www.letras.ufrj.br/olacdigital/?glossary=Afrânio-coutinho>.

capítulo 1 • 11
O médico baiano Afrânio Coutinho (1911-2000) foi um dos mais importantes críticos
literários brasileiros, sendo o responsável pela introdução no Brasil, nos anos 1950, do New
Criticism norte-americano. Em 1948, após ter morado nos Estados Unidos, criou a primeira
cátedra de teoria e técnica literária do país, na Faculdade de Filosofia do Instituto Lafayette,
no Rio de Janeiro. Em 1958, tornou-se catedrático de Literatura Brasileira e diretor da Fa-
culdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição que dirigiu de 1968
até a aposentadoria. Em seu livro As formas da Literatura Brasileira (1984), apresentou
interessante definição sobre narrativa literária.
Fonte: A partir de resumo biográfico em: <http://www.letras.ufrj.br/
olacdigital/?glossary=Afrânio-coutinho/>.

CONCEITO
New Criticism é um modelo de crítica que encara as obras literárias aplicando nelas
ferramentas de análise com uma atitude antibiográfica e anti-histórica, valorizando o texto
em si. Saiba mais em: http://www.virtual.ufc.br/solar/aula_link/llpt/Q_a_Z/Teoria_da_Lite-
ratura_II/aula_02-7458/02.html

CONCEITO
No livro As formas da Literatura Brasileira, o teórico Afrânio Coutinho (1984, p. 30-41)
distingue narrativa de ficção das chamadas narrativas “dominadas” por fatos reais, tais como
a história e a biografia. Em compensação, elenca três perguntas para a narrativa de ficção
que servem de bom roteiro para uma reportagem. Essas perguntas são as seguintes:
1. Quem participa dos acontecimentos?
2. O que acontece?
3. Onde e em quais circunstâncias acontecem?

Para mergulhar nessa conceituação, leia a seguir, pensando nas perguntas aci-
ma, uma reportagem do site G1 sobre um acidente em uma festa de boiadeiro.
Note que, no texto, a jornalista Pâmela Fernandes ora se baseia em um registro

capítulo 1 • 12
policial, ora em um vídeo postado na plataforma de compartilhamento de vídeos
“Youtube”, alterando sua forma de narrar, mas mantendo uma lógica narrativa
que continua atendendo às três perguntas:

Peão morre após ser pisoteado por touro em festa de Alvorada

Vítima participava de montaria quando caiu no chão e foi atingida pelas patas do animal.
Homem não usava capacete de segurança.

Por Pâmela Fernandes, G1 Ji-Paraná e Região Central.


<Globo.com> 25/06/2017 17h03. Atualizado 25/06/2017 17h39
Um peão de 24 anos morreu neste fim de semana após ser pisoteado por um touro,
durante uma montaria no distrito de Terra Boa em Alvorada do Oeste (RO), a 460 qui-
lômetros de Porto Velho. Conforme informações do registro policial, o rapaz participava
da montaria em uma festa, quando caiu e acabou sendo atingido pelas patas do animal.

Um vídeo gravado por espectadores do rodeio da festa mostra o momento em que o


jovem, que era peão profissional, monta no touro e a porteira é aberta. Poucos segundos
depois o peão se desequilibrou, caiu do animal e foi pisoteado. Os palhaços então ten-
tam afastar o touro do jovem, que ficou caído no meio da arena.
Na sequência o boi volta na direção dos palhaços e rodopia novamente sobre a vítima.
Assustado, o público da arquibancada começa a gritar e o locutor pede ajuda médica.
Nas imagens também é possível ver que o peão não utilizava capacete de segurança
durante a montaria, mas sim um chapéu.
De acordo com testemunhas, o homem chegou a ser socorrido e encaminhado ao hos-
pital, entretanto, não resistiu aos ferimentos.
Disponível em: <https://g1.globo.com/ro/ji-parana-regiao-central/noticia/peao-
-morre-apos-ser-pisoteado-por-touro-em-festa-de-alvorada-ro-video.ghtmlm>.
Acesso em: 14/05/2018.

Após ler a reportagem do G1, pensemos nas perguntas para avançar no que
fala Afrânio Coutinho a partir delas:

Ora, o peão, os palhaços, o locutor, o público e o boi. Os


QUEM PARTICIPA DOS cinco são personagens, sendo o peão o protagonista; o
ACONTECIMENTOS? boi, o antagonista; os palhaços e o locutor, personagens
secundários. O público assume o papel de coro.

capítulo 1 • 13
Peão morre em decorrência de ferimentos após ser pi-
O QUE ACONTECE? soteado por um boi.

Foi no distrito de Terra Boa, em Alvorada do Oeste (RO),


a 460 quilômetros de Porto Velho (onde), durante uma
boiada chamada na região de montaria (circunstâncias).
ONDE E EM QUAIS O jovem peão, que não usava equipamentos de segu-
rança, caiu. Na queda, foi pisoteado pelo animal, não
CIRCUNSTÂNCIAS OS morrendo no local graças a intervenções de animadores
FATOS ACONTECEM? conhecidos como palhaços. O locutor do evento pediu
ajuda médica pelo microfone, diante de um público aos
gritos, mas o rapaz não resistiu aos ferimentos e morreu
no hospital (circunstâncias detalhadas).

CONCEITO
Coro, no teatro grego, é um grupo homogêneo, não individualizado, que comenta com
uma voz coletiva a ação dramática que está acontecendo.

Você notou como as perguntas do roteiro de ficção se encaixam como uma


luva para a reportagem? Notou, ainda, que o texto no portal G1 reporta um fato
policial a partir do registro e de um vídeo postado no Youtube? Perceba, agora,
que a narrativa no portal se diferencia por apresentar mais elementos: reprodução
do vídeo da hora do acidente e fotos, além de um comercial do programa do ator
Rodrigo Hilbert na TV. Ou seja, a narrativa no portal ganhou mais elementos.
A esses acréscimos damos o nome de narrativa midiática, por reunir elementos
típicos de todas as narrativas, inclusive as ficcionais e as factuais, e informações
adicionais típicas da mídia (como, no exemplo acima, fotos e vídeo).

capítulo 1 • 14
Figura 1.2 – Portal do G1 Rede Amazônica noticia acidente com morte em festa
de boiadeiro. Fonte: Reprodução de interface do portal G1. Disponível em: <https://
g1.globo.com/ro/ji-parana-regiao-central/noticia/peao-morre-apos-ser-pisoteado-
por-touro-em-festa-de-alvorada-ro-video.ghtml>. Acesso em: 11/05/2018.

RESUMO
Consolidando o que fala o crítico Afrânio Coutinho (1984, p 32-36) sobre os elementos
da narrativa ficcional, temos, além da figura do narrador (que veremos em detalhe mais adian-
te): personagem, enredo e ambiente.

capítulo 1 • 15
Pessoa ou pessoas que aparecem em uma história ou que parti-
PERSONAGEM cipam de uma ação.

É o que acontece, o conjunto de incidentes que compõem a


ENREDO narrativa.

É o local onde os acontecimentos ocorrem. É o cenário, a locali-


AMBIENTE zação ou mesmo a situação.

AUTOR

Figura 1.3 – Capa do livro referencial para o estudo da narrativa


literária. Disponível em: <http://livrandante.com.br/2017/08/01/
angelica-soares-generos-literarios/>. Acesso em: 12/05/2018.

A professora Angélica Maria Santos Soares, cofundadora do Núcleo Interdisciplinar de


Estudos da Mulher na Literatura, da Faculdade de Letras da UFRJ, é outra referência obri-
gatória quando o assunto é narrativa literária. Falecida em 2013, a professora publicou, em
1989, o estudo Gêneros literários, no qual dedicou atenção ao gênero narrativo.
Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/docente/angelicasoares.html>.

capítulo 1 • 16
CONCEITO
A professora Angélica Soares define que gênero narrativo é formado pelos elementos
como vimos acima (o tempo, o lugar, o enredo ou situação e as personagens) e o narrador
(que veremos a seguir). A autora afirma que, nesse gênero literário, há variações de escrita
bem peculiares. Dessas variações surgem estilos e formas, sendo elas: a epopeia (ou o épi-
co), o romance, a fábula, o conto, a crônica, a novela e o ensaio.

No mesmo livro Gêneros literários, a professora Angélica Soares (1989) recor-


re a exemplos da Literatura Brasileira para ajudar no reconhecimento desses estilos
de narrativa. Para a epopeia, cita O Uraguai (1769), poema épico do brasileiro
José Basílio da Gama, que narra, em versos, a expedição de espanhóis e portugue-
ses contra os índios e os jesuítas habitantes da Colônia de Sete Povos das Missões,
no Uruguai. A autora usa o exemplo para definir a narrativa épica.

Sendo a epopeia uma longa narrativa literária de caráter heroico, grandioso e de inte-
resse nacional e social, ela apresenta, juntamente com todos os elementos narrativos
(o narrador, o narratário , personagens, tema, enredo, espaço e tempo), uma atmosfera
maravilhosa que, em torno de acontecimentos históricos passados, reúne mitos, heróis
e deuses, podendo-se apresentar em prosa (como as canções de gesta medie-
vais) ou em verso (como Os lusíadas).”

SOARES, 2007. p. 38.

Continuando com a demonstração da aproximação da narrativa midiática


com a narrativa literária, devemos nos recordar de Os sertões, epopeia em prosa de
1902 do escritor Euclides da Cunha. O texto de 600 páginas foi escrito a partir
de 22 reportagens publicadas no jornal A Província de S. Paulo (hoje O Estado de
S. Paulo). Ele narra em detalhes o início e o fim da rebelião de Canudos (1896-
1897). Estas reportagens, com mais textos, seria publicada em livro em 1902, sen-
do que as primeiras páginas a se tornarem públicas aparecem no “Estadão”, ainda
em 1898, sob o título Excerto de um livro inédito. Ou seja, essa epopeia em prosa
deixa clara a filiação da narrativa midiática com a narrativa literária.

capítulo 1 • 17
CONCEITO
Narratário – Esse termo denomina a entidade da narrativa a quem o narrador dirige o seu
discurso. Como define Roland Barthes, “o narratário é uma entidade fictícia, um ‘ser de papel’
com existência puramente textual, dependendo diretamente de outro ‘ser de papel’”. In. E-dicio-
nário de termos literários. Disponível em: <http://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/narratario/>.
Excerto: substantivo masculino, o mesmo que fragmento, extrato, trecho.

LEITURA
Confira o estilo narrativo de Euclides da Cunha lendo um dos mais importantes trechos
de encerramento da epopeia em prosa Os sertões:

Canudos não se rendeu


Fechemos este livro.
Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento
completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer,
quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho,
dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.
Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo.
Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la
vacilante e sem brilhos.
Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva
maior, a vertigem...
Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se
amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos fi-
lhos pequeninos...
E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular
de não aparecerem mais, desde a manhã de três, os prisioneiros válidos colhidos na véspera,
e entre eles aquele Antônio Beatinho, que se nos entregara, confiante — e a quem devemos
preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa História?
Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir, desmanchando-lhe as casas, 5.200,
cuidadosamente contadas.
CUNHA, 1984, p. 264/265.

capítulo 1 • 18
Detalhando o que foi dito anteriormente, a professora Angélica Soares elenca
como narrativas o romance, o conto e a novela. Como narrativas dramáticas, ou
seja, próprias para a encenação, a autora aponta a tragédia, a comédia e o próprio
drama. E, como formas especiais de narrativa, a crônica e o ensaio. Em todas elas
a professora destaca os elementos que já citamos no início deste capítulo. Ao tratar
da trajetória histórica do romance, por exemplo, destaca a vertente realista que
aproxima essa narrativa literária da narrativa midiática.

CONCEITO
Aqui, a referência é a novela em texto. O termo vem do italiano novella: narração de
acontecimento real ou imaginário. Tal tipo de narrativa é breve, sendo, porém, maior do que
um conto e menor do que um romance.

A professora recorda que o romance não existiu na Antiguidade, mas já pode-


ria ser identificado na Idade Média, com o romance de cavalaria. Bem diferente
da epopeia, nesse romance já aparece a ficção sem nenhum compromisso com
o relato de fatos históricos passados. No Renascimento, diz a autora, esse tipo
de narrativa aparece como romance pastoril e sentimental, logo seguido pelo ro-
mance barroco, de aventuras complicadas e inverossímeis, bem diferente do ro-
mance picaresco, da mesma época. Ela cita, no entanto, D. Quixote, de Cervantes
(primeira edição publicada em Madri em 1605), como marco do nascimento da
chamada narrativa moderna por apresentar constantes transformações. Angélica
Soares destaca, ainda, que o romance moderno se impôs desde o século XIX,
quando — quase sempre publicado em folhetins — se caracterizou, sobretudo,
pela crítica de costumes ou pela temática histórica. (SOARES, 2007. p. 42)

CONCEITO
O folhetim é uma narrativa literária seriada, dentro dos gêneros prosa de ficção e roman-
ce, que tem como característica sua publicação em partes ou inteira em um jornal ou revista.
É dividido em capítulos, o que força o leitor a esperar a próxima edição para acompanhar
o texto. “Cabe aqui, baseado na pesquisadora M. Meyer, definir folhetim como o romance
industrial, publicado em capítulos nos jornais, para ser acompanhado dia a dia pelos leitores.
Gênero nascido na França no século XIX, encontraria eco no Brasil do mesmo período, tendo

capítulo 1 • 19
em vista a centralidade francesa naquele tempo. Aqui teria José de Alencar e outros autores
românticos como seguidores”. REIS, Marco Aurelio. A crônica de Léo Montenegro – um olhar
sobre o Carnaval do subúrbio do Rio entre 1965 e 2003. UFRJ, Rio de Janeiro, 2010.
Disponível em: <http://posciencialit-letras-ufrj-br.umbler.net/images/Posciencialit/
td/2010/7-marcoaurelioreis_acronicadeleo.pdf>.

Cabe acrescentar, a partir da reflexão acima, a ligação do romance moderno,


não por acaso, com a consolidação do jornalismo industrial. Ambos caminham
juntos, de modo que, no formato folhetim, trechos dos romances saíam rodeados
de notícias nos jornais impressos. É nessa proximidade física que outras formas
narrativas citadas por Soares (o conto e a crônica) também se filiam à narrativa
midiática, como define a pesquisadora Vera Follain de Figueiredo (2010).

O entrelaçamento entre a prosa literária e a reportagem está na origem das conven-


ções de representação que caracterizam o romance realista, do mesmo modo que a
proximidade com a nascente cultura periodística abre caminho para o surgimento do
conto policial e da crônica moderna.

FIGUEIREDO, 2010, p. 12.

O conto é narrativa de fôlego, com personagens complexos, mas menor que


o romance a ponto de ser tratado como de difícil definição. SODRÉ e FERRARI
(1986) acrescentam que o mesmo se pode dizer da crônica. Eles afirmam que con-
to geralmente é uma história curta que “apresenta uma centelha, um momento,
uma fatia temporal da existência de um personagem” (Ibidem, p. 75). Já a crônica
apresenta um narrador em “posição observadora ou reflexiva (é raro que se intro-
meta, por exemplo, em pensamentos de personagens)” (Ibidem, p. 86), sendo, por
vezes, mais curta ainda que o conto. Em ambas as narrativas, desponta a figura do
personagem que humaniza o relato dos fatos, pois gera identificação.

CONCEITO
“(...) À figura do personagem associam-se a natureza impressionista do relato, que
aproxima público e acontecimento, e a objetividade, como um estilo direto e conciso, que
mantém o máximo de distanciamento possível. Possível porque não se pode falar em objeti-

capítulo 1 • 20
vidade total, uma vez que, mesmo tentando isentar-se de opiniões, o jornalista tem sua nar-
rativa influenciada por seus valores e pelo contexto socioeconômico em que vive. (SODRÉ;
FERRARI, 1986, p. 86)

Resta, ainda, destacar que as demais formas narrativas literárias elencadas pela
professora Angélica Soares encontram (como o romance, o conto e a crônica) eco
nas narrativas midiáticas, como veremos ao longo deste livro. Afinal, a novela,
ficção seriada centrada em personagens, vai inspirar as narrativas jornalísticas em
série e a chamada fulanização do noticiário sensacionalista, que busca dramas pes-
soais para encher de carga emocional o Jornalismo. Como narrativas dramáticas,
cabe lembrar o tom de drama que carrega um momento de silêncio no radio-
jornalismo e, ainda no rádio, o tom de comédia de programas policiais, como o
Patrulha da Cidade, da Rádio Tupi do Rio.

CONCEITO
Em seus quase 60 anos de existência, o Patrulha da Cidade é o mais antigo programa
da Rádio Tupi do Rio. Na apresentação de Mario Belisário e dos radioatores, “a Patrulha
retrata o dia a dia do Rio de Janeiro, em linguagem popular. Fatos policiais e curiosos são
contados de forma bem-humorada (sic), fazendo um verdadeiro sucesso entre os ouvintes.
Toda quinta-feira o público acompanha a transmissão ao vivo no Facebook”. Disponível em:
http://www.tupi.am/programas/patrulha-da-cidade/. Acesso em: 14/05/2018.

Narrador: do livro às redações

Elemento fundamental das narrativas, como defendem COUTINHO (1984)


e SOARES (2007), o narrador merece atenção especial quando pensamos na nar-
rativa midiática e sua filiação com a narrativa literária.
O teórico Afrânio Coutinho define narrador como aquele que narra a histó-
ria: “podendo ser o protagonista (narrativas em primeira pessoa) ou um persona-
gem secundário, ou uma pessoa de fora da ação, que não toma parte na história”
(COUTINHO, p. 33).

capítulo 1 • 21
Já a professora Angélica Soares relaciona o que considera importante ao se
observar o narrador:
1. se participa da história narrada, sob a forma de um "eu" (narrador
inserido na trama narrativa, ou homodiegético), que pode ser até mes-
mo o protagonista ou uma personagem secundária. O narrador pode, ain-
da, ser apenas um “observador, que acompanha cada passo das persona-
gens, convivendo com elas, analisando-as, sem influenciar no curso dos
acontecimentos”;

CONCEITO
Diegese, termo do qual derivam os conceitos elencados pela autora Angélica Soares,
tais como homodiegético, é um conceito dos estudos da narrativa, dos estudos literários e
dramatúrgicos e de cinema. Diz respeito à dimensão ficcional de uma narrativa. A diegese é a
realidade própria da narrativa ("mundo ficcional", "vida fictícia"), à parte da realidade externa
de quem lê (o chamado "mundo real" ou "vida real").

2. se está ausente da história narrada (estando fora da trama narrativa ou


heterodiegético). Nesse caso, é onisciente. Em terceira pessoa, é o contador
da história, sem participar ativamente dela, mas conhecendo os sentimen-
tos mais internos das personagens. (SOARES (2007, p. 46)

CURIOSIDADE
Resumindo o que dizem os dois autores referenciais, podemos definir três tipos de
narrador:

Participa da história que ele mesmo conta e, dessa maneira,


NARRADOR- assume dois papéis, o de personagem e o de narrador. Conta
PERSONAGEM a história em 1ª pessoa.

NARRADOR- Observa, não participa da história e não interfere nos fatos. A


OBSERVADOR narrativa se dá na 3ª pessoa.

capítulo 1 • 22
Sabe de tudo que acontece na história, incluindo os pensa-
NARRADOR- mentos e as emoções dos personagens. Também conta a
ONISCIENTE história em 3ª pessoa.

SPOILER
Aproximando os conceitos sobre o papel do narrador literário daquele que atua na nar-
rativa midiática, podemos antecipar que encontramos os três tipos também no Jornalismo,
sendo o mais comum o observador.2
Já o chamado narrador-personagem da ficção encontra na narrativa midiática aquele
jornalista que abre os bastidores da apuração, como vem ocorrendo no Telejornalismo (con-
forme promete o repórter Caco Barcellos, no seu programa Profissão Repórter, na grade fixa
da TV Globo desde 2008. Disponível em: <http://g1.globo.com/profissao-reporter/>) e nas
seções “Eu vivi o problema”, do jornal O Dia, do Rio de Janeiro, e “Nós testamos”, que era
publicada no Jornal do Brasil.

Figura 1.4 – Profissão repórter: narrador-personagem no Jornalismo. Disponível em:


<http://gshow.globo.com/TV-Verdes-Mares/noticia/2015/07/profissao-reporter-
mostra-situacoes-judiciais-no-ceara-dia-14.html>. Acesso em: 14/05/2018.

2 In RESENDE, Fernando. O Jornalismo e suas narrativas: as brechas do discurso e as possibilidades do


encontro. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p.31-43, dez. 2009.

capítulo 1 • 23
O narrador-onisciente da narrativa literária encontra similares na narrativa
midiática, em locais tais como o Jornalismo, o documentário, alguns livros-repor-
tagem e as chamadas narrativas de vida. Como definem os pesquisadores Marta
Regina Maia e Felipe Rodrigues (MAIA, RODRIGUES, 2006), trata-se de pro-
duções da narrativa jornalística com o uso de recursos de captação que vão além da
narrativa convencional. Trata-se de um narrador que rompe com esse discurso es-
perado do Jornalismo, abrindo espaço para os anônimos como protagonistas. Os
dois pesquisadores citam livros-reportagem como exemplo. A referência usada pe-
los autores é Abusado: o dono do morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcellos,
em que o repórter usou o método da observação participante em todo processo
de produção da obra. O narrador-onisciente midiático é, portanto, um elemento
de ruptura com a narrativa meramente observadora, convencional e bem mais
ousado que o narrador-personagem midiático.
A fluência dos narradores literários e midiáticos no mundo contemporâneo
levantou forte debate desde o início do século passado, despertando a atenção dos
pensadores Walter Benjamin e Silviano Santiago.

AUTOR
©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 1.5 – Walter Benjamin, reflexão sobre o “fim do narrador”


quatro anos antes de se suicidar fugindo do nazismo.

capítulo 1 • 24
Walter Benjamin (1892, Berlim/Alemanha a 1940, Port Bou/Espanha) doutorou-se pela
Universidade Bern, em 1919, com a tese O conceito de crítica de arte no romantismo alemão.
Em 1936, o pensador publica O narrador, texto clássico baseado na obra do escritor russo
Nikolai Leskov. Nele, Benjamin faz uma reflexão sobre o que chamou de desaparecimento
do narrador: “São cada vez mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente” (1994, p.
197). Dessa forma, ele defende a tese de que a arte de narrar histórias estaria em extinção.

ATENÇÃO
“O narrador”
No texto O narrador, Walter Benjamin afirma que as melhores narrativas escritas são “as
que menos se distinguem das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos”
(Ibidem, p. 198). Com esse pensamento, divide os narradores em dois grupos:
• um representado pelo camponês sedentário (narrador que sempre viveu em um mesmo
território);
• o outro representado pelo marinheiro comerciante (narrador que vem de longe).

CONCEITO
Ibidem (abreviado, ibid.) é um termo de origem latina que significa "no mesmo lugar".
É usado nas citações de um texto para referir uma fonte repetida, na nota subsequente, da
mesma obra (consequentemente, do mesmo autor) e variando as páginas.

Segundo Benjamin, cada um desses dois narradores, a partir de suas carac-


terísticas, desenvolveu formas de narrar, o primeiro representando quem conta
o que lhe foi contado e o que acumulou ao longo de sua vivência sedentária; e o
segundo, quem conta o que viveu em suas viagens. Assim, narrar se tornou um
ofício, uma sabedoria que estaria definhando como arte, porque “a sabedoria [...]
está em extinção” (Ibidem, p.201).
Benjamin localiza, no surgimento do romance na Era Moderna, o início do fim
do narrador. Ligado ao livro, o romance não remeteria à oralidade e à essência da
narrativa. Assim, a substituição do narrador pelo papel de autor se dá pelo caminho
da informação, da ausência de experiência, que coloca em crise o próprio romance.

capítulo 1 • 25
O mérito da informação, diz, limita-se ao instante em que ela é nova, recente. A
informação vive somente naquele instante imediato, comprometida com o tempo.
Já com a narrativa, defende Benjamin, ocorre o contrário do que acontece
com a informação. Na narrativa, não há amarras ao tempo. A narrativa conserva
coesa a sua força e é capaz de desdobramento mesmo depois de passado muito
tempo. “Ela não se entrega. Ela conserva suas forças e depois de muito tempo
ainda é capaz de se desenvolver.” (Ibidem, p.204)
Fica evidente que Benjamin não valoriza a narrativa jornalística, a narrativa
midiática, na qual o estreito e ingênuo laço entre o narrador e o ouvinte, típico da
oralidade, desaparece.
Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histó-
rias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações.
Em outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo
está a serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações.

BENJAMIN, 1994, p. 220

Para Benjamin, um narrador de qualidade tem as raízes fincadas no povo, nas


camadas artesanais. Nesse aspecto, ele dá como exemplo o autor russo Nikolai
Leskov, que, atuando como agente russo de uma firma inglesa, viajou por toda a
Rússia, garantindo valor à sua obra literária, uma vez que, como viajante, reuniu
experiência e conhecimento para suas narrativas.
O mundo da informação, diz Benjamin, cada vez mais instantâneo e ime-
diatista, não tem deixado espaço para narradores como Leskov, autor que “figura
entre os mestres e os sábios”. (Ibidem p.221)

MULTIMÍDIA
No vídeo disponível no link <https://youtu.be/V-HMYaj9ew8>, confira um pouco sobre
a obra do escritor russo Nikolai Leskov com o resumo da novela Lady Macbeth do Distrito de
Mtsensk, publicada em 1865. A novela aborda o papel submisso das mulheres na sociedade
europeia do século XIX, o adultério e a vida provinciana. A personagem principal, Katerina,
planeja e executa assassinatos, o que explica o título inspirado em Lady Macbeth, tragédia
de Shakespeare. Na narrativa, fica evidente a forma de contar do narrador que viajou pela
Rússia.

capítulo 1 • 26
Figura 1.6 – Capa do livro Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk e cena de
ópera inspirada na mesma obra. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/
Lady-Macbeth-Mtsensk-Ilustrados-Spanish-ebook/dp/B016QT3MT4>.

Figura 1.7 – Capa do livro Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk e


cena de ópera inspirada na mesma obra. Disponível em: <https://
playstosee.com/lady-macbeth-mtsensk-district/>.

ATENÇÃO
A referência ao link está aqui pela curiosidade sobre quanto de conteúdo multimídia você
pode encontrar sobre a obra de Leskov, mas não esqueça que referências como esta podem
não ser mais encontradas quando você lê estas linhas. Afinal, uma das características de
ações colaborativas, como o Youtube, é que o conteúdo pode ser removido por quem postou
quando aquele colaborador assim desejar.

capítulo 1 • 27
AUTOR

Figura 1.8 – O pensador Silviano Santiago, autor do texto


“O narrador pós-moderno”. Disponível em: <https://www.companhiadasletras.
com.br/autor.php?codigo=00442>. Acesso em: 14/05/2018.

Nascido em 1936, Silviano Santiago tem vasta obra, que inclui romances, contos, ensaios
literários e culturais. Doutor em Letras pela Sorbonne, começou a carreira lecionando em uni-
versidades norte-americanas, depois deu aulas na PUC-RJ e na UFF-RJ, recebendo por três
vezes o prêmio Jabuti. Ele é o autor do texto “O narrador pós-moderno” (SANTIAGO,1989),
que dialoga diretamente com os conceitos de Benjamin.

O narrador pós-moderno

No ensaio de 1989, sobre “O narrador pós-moderno”, incluído no livro Nas


malhas da letra, Santiago apoia-se na reflexão de Benjamin sobre o narrador, para,
a partir dos contos de Edilberto Coutinho3, conceituar o que chama de narrador
pós-moderno.

3 Saiba mais sobre o contista, ensaísta, jornalista e professor universitário José Edilberto Coutinho (Bananeiras
PB 1933 - Recife PE 1995) em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa4451/edilberto-coutinho. Acesso em
14/05/2018.

capítulo 1 • 28
Quem narra uma história é quem a experimenta, ou quem a vê? Ou seja: é aquele que
narra ações a partir da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir
de um conhecimento que passou a ter delas por tê-las observado em outro?
No primeiro caso, o narrador transmite uma vivência; no segundo caso, ele passa uma
informação sobre outra pessoa. Pode-se narrar uma ação de dentro dela, ou de fora
dela. (...) Num caso, a ação é a experiência que se tem dela, e é isso que empresta
autenticidade à matéria que é narrada e ao relato; no outro caso, é discutível falar de
autenticidade da experiência e do relato porque o que se transmite é uma informação
obtida a partir da observação de um terceiro. O que está em questão é a noção de
autenticidade. Só é autêntico o que eu narro a partir do que experimento, ou pode ser
autêntico o que eu narro e conheço por ter observado?
(Silviano Santiago faz essas considerações para definir o narrador pós-moderno como
aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude semelhante à de um repórter
ou de um espectador).
Ele narra a ação enquanto espetáculo a que assiste (literalmente ou não) da plateia,
da arquibancada ou de uma poltrona na sala de estar ou na biblioteca; ele não narra
enquanto atuante. Trabalhando com o narrador que olha para se informar (e não com
o que narra mergulhado na própria existência), a ficção de Edilberto Coutinho dá um
passo a mais no processo de rechaço e distanciamento do narrador clássico, segundo
a caracterização modelar que dele fez Walter Benjamin, ao tecer considerações sobre
a obra de Nicolai Leskov. É o movimento de rechaço e de distanciamento que torna o
narrador pós-moderno.

SANTIAGO, 1989.

Santiago, no ensaio, retoma Benjamin para caracterizar três estágios evolutivos


por que passa a história do narrador:

O narrador clássico, cuja função é dar ao seu ouvinte a oportunida-


PRIMEIRO de de um intercâmbio de experiência” (único valorizado no ensaio de
ESTÁGIO Benjamim);

SEGUNDO O narrador do romance, cuja função passou a ser a de não mais poder
ESTÁGIO falar de maneira exemplar ao seu leitor;

O narrador que é jornalista, ou seja, aquele que só transmite pelo nar-


TERCEIRO rar a informação, visto que escreve não para narrar a ação da própria
ESTÁGIO experiência, mas o que aconteceu com x ou y em tal lugar e a tal hora.

Benjamin, diz Santiago, desvaloriza o narrador jornalista, enquanto o pós-


-moderno o valoriza.

capítulo 1 • 29
LEITURA
Confira a íntegra do texto “O narrador pós-moderno” em https://docslide.com.br/
documents/silviano-santiago-o-narrador-pos-moderno.html.

CONCEITO
Ainda dois outros conceitos precisam ser abordados neste primeiro contato com a nar-
rativa. São eles: narratividade e narratologia.
• Por narratividade entende-se a relação do receptor com a narrativa (RICOEUR, 1989).
Trata-se de uma posição funcional, o processo pelo qual o receptor constrói a história a partir
da matéria narrada fornecida pelo meio narrativo. O receptor pode até saber que a narrativa
não é real, mas suprime esse dado para ver a ficção como se ela tratasse da realidade, um
fenômeno que não se limita aos textos literários, mas se verifica ainda no cinema e em outras
formas da expressão artística narrativa. É graças a esse dado, conhecido pelo termo “narra-
tividade”, que se forma o conceito “certificação”, que veremos mais à frente neste livro e que
é fundamental para a compreensão da narrativa midiática e para o entendimento da notícia
como narrativa.
• Já narratologia entende-se como estudo de narrativas, tanto as de ficção quanto as de
não ficção. Ou seja, unindo as narrativas fictícias e as narrativas do fato. São os franceses
que começam a tratar do tema, depois seguidos pelos russos, sendo Tzetan Todorov quem
introduziu o termo (oriundo do vocábulo francês ‘narratologie’) para o russo na obra Gra-
mática do Decameron (1969). É, porém, o filósofo italiano Umberto Eco que mais teoriza
sobre narratologia. A relação de franceses e russos com a narrativa será, porém, mais bem
detalhada no próximo capítulo.

CONEXÃO
Nesta parte do livro, você vai encontrar questões sobre narrativa aplicadas em concursos
públicos. Elas servem para você ficar sabendo como nosso conteúdo é cobrado pelas bancas
organizadoras das seleções e, ao mesmo tempo, avaliar seu aprendizado.

capítulo 1 • 30
01. (2015-COMPERVE-UFRN) Na estrutura narrativa de uma notícia, o lead é uma técnica
que
a) intercala parágrafos.
b) antecede títulos.
c) identifica fotos.
d) abre notícia.

02. (2008-CESGRANRIO-BNDES) A narrativa jornalística que apresenta uma pessoa ao


leitor, narrando detalhes de sua vida e ouvindo pessoas que o cercam, chama-se
a) biografia.
b) currículo.
c) história.
d) personagem.
e) perfil.

03. (2010-CESPE-SERPROP) A notícia não é o acontecimento, mas a narrativa des-


se acontecimento.
a) Certo
b) Errado

04. (2014-FCC-TJ-AP) Em O narrador, considerações sobre a obra de Nikolai Leskov, Wal-


ter Benjamin afirma que:

Cada manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histó-
rias surpreendentes. A razão é que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em
outras palavras: quase nada do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a
serviço da informação. Metade da arte narrativa está em evitar explicações.
In BENJAMIN, 1994, p. 220.

De acordo com esse autor, a informação


a) compõe o caráter miraculoso da narrativa.
b) é sinônimo de saber.
c) é elemento intrínseco da narrativa.
d) não é saber.
e) pode ser convertida em saber se vista em si e para si.

capítulo 1 • 31
05. (2014-IADES-FUNPRESP-EXE) Segundo Maria Helena Ferrari e Muniz Sodré (1986),
em Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística, “a reportagem é o lugar por
excelência da narração jornalística". Fundamentada, sobretudo, na predominância da forma
narrativa, a reportagem tem outros elementos relevantes, que são o (a)
a) detalhamento de informações e dados numéricos (quando houver); a versatilidade na
narração ou descrição dos fatos; e a subjetividade, característica presente nas reporta-
gens, principalmente na abordagem de assuntos polêmicos.
b) descrição precisa para ilustrar com perfeição o acontecimento; a emotividade carregada
de depoimentos e testemunhas que completem a reportagem; e a objetividade, como
um estilo direto e conciso, que mantém o máximo de distanciamento possível.
c) distanciamento do leitor, mantido pela objetividade do texto ou reportagem; a atualidade
que garante o “furo" da matéria; e a verdade isenta de julgamentos.
d) homogeneidade dos fatos expostos na reportagem; a proximidade com o leitor/especta-
dor, com foco sempre na emoção; e a avaliação feita pela pesquisa de mídia.
e) humanização no relato dos fatos, pois gera identificação com as personagens na nar-
rativa; a natureza impressionista do relato que aproxima público e acontecimento; e a
objetividade, como um estilo direto e conciso, que mantém o máximo de distanciamento
possível. Possível porque não se pode falar em objetividade total, uma vez que, mesmo
tentando isentar-se de opiniões, o jornalista é influenciado por seus valores e pelo con-
texto socioeconômico em que vive.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BENJAMIN, Walter. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: Magia e técnica,
arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 197-221.
COUTINHO, Afrânio. As formas da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Bloch, 1984.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: Três, 1984.
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Rio de Janeiro:
PUC-RJ: 7 Letras, 2010.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 1995.
MAIA, Marta Regina; RODRIGUES, Felipe. Narrativa onisciente no jornalismo: a possibilidade de
ampliação da captação. In: VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo UMESP, novembro
de 2008. Anais... São Paulo, 2006.
RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 74. ed. Rio de Janeiro: Record, 1998.

capítulo 1 • 32
RESENDE, Fernando. O Jornalismo e suas narrativas: as brechas do discurso e as possibilidades do
encontro. Revista Galáxia, São Paulo, n. 18, p.31-43, dez. 2009
RICOEUR, Paul. On Narrativity – New Literary History: A Journal of Theory and Interpretation.
Maryland: The Johns Hopkins University Press, 1989.
SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
SOARES, Angélica. Gêneros literários. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007.
SODRÉ, Muniz; FERRARI, Maria Helena. Técnica de reportagem: notas sobre a narrativa jornalística.
São Paulo: Summus, 1986.

capítulo 1 • 33
capítulo 1 • 34
2
Metodologia para
análise crítica da
narrativa
Metodologia para análise crítica da narrativa
A análise das narrativas instiga o pensamento humano há séculos. Remonta à
Grécia Antiga, ao pensador Aristóteles, um dos textos iniciais com reflexões sobre
os aspectos da narrativa. Tempos depois, os avanços linguísticos e filosóficos da
humanidade deram impulso nos estudos narrativos, a chamada narratologia. As
narrativas jornalísticas, midiáticas, teriam de esperar esse século para ganhar me-
todologias específicas para sua análise.
Neste capítulo, você é convidado a navegar no esforço humano para entender
as narrativas, partindo de reflexões em torno das motivações para empreender tal
jornada. Vamos nos aprofundar na narratologia, no campo de estudo que come-
çamos a ver no capítulo anterior e que é tão relevante para o entendimento das
narrativas de ficção e não ficção.
Vamos, ainda, empreender uma leitura sobre o livro do professor Luiz Gonzaga
Motta, que propõe uma metodologia própria para análise crítica das narrativas.
E ver como tal metodologia, aplicada, já rende bons frutos para entendimento de
narrativas históricas, como os episódios que marcaram o golpe militar de 1964,
cujo detalhamento ainda carece de estudos aprofundados das narrativas, midiáti-
cas e não midiáticas, sobre esse triste episódio do Brasil.

OBJETIVOS
• Entender o porquê de ser tão importante estudar narrativas;
• Conhecer a metodologia específica para análise crítica das narrativas;
• Reconhecer como a análise das narrativas contribui para a ressignificação de fatos históri-
cos, de textos jornalísticos e de produtos midiáticos.

Analisar narrativas

É notória a escassez de metodologias específicas para pesquisa da narrativa


jornalística. Em 2010, o professor Elias Machado Gonçalves, da UFSC, chegou
a fazer um levantamento das metodologias4 e concluiu que, em mais de um sécu-
lo de pesquisas acadêmicas sobre o Jornalismo, havia sido publicado apenas um
4 Disponível em: <https://bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/245>. Acesso em: 26/05/2018.

capítulo 2 • 36
livro em inglês com essa temática. No Brasil, durante décadas, a única referência
era a obra do professor José Marques de Melo, da USP, de 1972. A obra Estudos
de Jornalismo comparado estava amparada pelo pensamento do francês Jacques
Kayser, presente no livro Une semaine dans le monde. Etude comparée de 17 grands
quotidiens pendant 7 jours.5
Novas obras de referência para a pesquisa autônoma em Jornalismo aparece-
riam apenas no início deste milênio, amparadas em metodologias consagradas da
Análise do Discurso e da Análise do Conteúdo. O que falar, então, da pesquisa
sobre a narrativa midiática, assunto deste livro?

CONCEITO
Análise do Discurso é uma metodologia com forte influência linguística que reúne
elementos para análise da estrutura de um texto buscando identificar construções ideológi-
cas e elementos sociológicos, sendo seus autores expoentes os franceses Michel Pêcheux,
Dominique Maingueneau e Patrick Charaudeau e a brasileira Eni Orlandi. (Saiba mais lendo
ORLANDI, Eni. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2012.) Já
a chamada Análise do Conteúdo é outra metodologia, com influência das Ciências Sociais,
para estudos de conteúdo dos textos, propondo um levantamento quantitativo, ou seja, su-
gere uma análise numérica, medindo a frequência em que ocorrem repetitivamente termos,
construções e referências em um mesmo texto. Em Comunicação, a Análise de Conteúdo
(quantitativa) é encarada como contraponto da Análise do Discurso (com predominância
qualitativa), porém há correntes que defendem que as duas metodologias podem ser usa-
das simultaneamente.

Em 2012, em trabalho pioneiro dos professores Célia Ladeira Mota, Luiz


Gonzaga Motta e Maria Jandyra Cunha, as narrativas midiáticas foram discutidas
em artigos que abordaram diversos aspectos dessa temática, das séries de TV aos
textos jornalísticos. Mas foi no ano seguinte que o professor Luiz Gonzaga Motta
lançou uma proposta metodológica para análise das narrativas. No estudo, apon-
tou elementos de uma metodologia que passaram a ser adotados em pesquisas
de graduação em Comunicação Social e em Jornalismo, bem como em cursos de
pós-graduação dessas áreas em universidades em todo o país.
5 Em tradução livre, “Uma semana no mundo. Estudo comparativo de 17 grandes jornais por 7 dias”. Disponível em:
http://unesdoc.unesco.org/images/0006/000628/062870fo.pdf. Acesso em: 26/05/2018.

capítulo 2 • 37
AUTOR
Professor Titular da Universidade de Brasília, Luiz Gonzaga Motta é jornalista pela Uni-
versidade Federal de Minas Gerais (1968), Master of Arts em Jornalismo pela Indiana Uni-
versity (1973) e professor-doutor em Comunicação de Massa pela University of Wisconsin
- Madison (1977). Coordena o Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da UnB.
Foi editor da revista “Brazilian Journalism Research” e do observatório de “Mídia & Política”,
além de ser autor do livro referencial Análise crítica da narrativa, lançado em 2013 pela UnB.

Figura 2.1 – Professor Luiz Gonzaga Motta. Foto de Marcelo Allgayer para o blog da
Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJOR). Disponível em: <http://
sbpjor.blogspot.com.br/2006_11_06_archive.html>. Acesso em: 28/05/2018.

MULTIMÍDIA
Veja, clicando em <https://youtu.be/w4D8xjAo0M0>, conferência concedida em 2014
pelo professor Luiz Gonzaga Motta sobre a “Mudança de paradigmas na pesquisa em comu-
nicação na América Latina”, para o Fórum Permanente para a Integração da América Latina
e Caribe (UNILA).
As referências do Youtube ao logo desse livro estão aqui pela curiosidade, mas não esque-
ça, como você viu ou verá na disciplina Arquitetura da Informação, que essas referências podem
não ser mais encontradas quando você ler estas linhas. Uma das características de ações
colaborativas, como o Youtube, é que o conteúdo pode ser removido por quem postou quando
aquele colaborador assim desejar. Corra lá e veja se ainda encontra ativo o link sugerido.

capítulo 2 • 38
De acordo com o professor Luiz Gonzaga Motta, a primeira versão do livro
Análise crítica da narrativa surgiu na época em que ele lecionava Leitura dos Meios
de Comunicação na Universidade de Brasília (UnB). A disciplina introduzia os
alunos ao estudo dos Meios de Comunicação e apresentava formas para os alu-
nos fazerem uma análise dos conteúdos desses meios. No entanto, Motta (2013)
sentia falta de uma bibliografia mais elaborada para o tema, além de acreditar que
a abordagem de seus conteúdos ensinava aos alunos uma análise crítica, mas não
pragmática das narrativas. Isso acabava atribuindo juízos de valor, que, na verdade,
não interessam para essa área de estudo da Comunicação Social e do Jornalismo.
O livro de Motta é uma importante referência para a análise das narrativas de
natureza comunicacional, com foco nas jornalísticas. Análise crítica da narrativa
tem sete capítulos, divididos em duas partes:
1. Teoria da narrativa;
2. Metodologia da análise pragmática.

LEITURA
No primeiro capítulo do livro “Análise Crítica da Narrativa”, Motta abre o questionamento
a respeito da motivação para estudar as narrativas. Como resposta, lista seis razões:
1. Compreender quem somos, como construímos nossas autonarrações, uma
vez que, como defende o psicólogo dos EUA Kenneth Gergen, “sonhamos narrando,
imaginamos narrando, relembramos narrando, acreditamos, duvidamos, construímos,
conversamos, aprendemos, amamos e odiamos narrando porque queremos alcançar
algum objetivo com as nossas narrativas, alguma meta, ainda que distante e mesmo
inconsciente, em alguns casos”. (MOTTA, 2013, p. 7)
2. Entender como representamos o mundo; afinal, como humanos, nós criamos
representações e apresentações simbólicas do mundo no qual atuamos. Dessa manei-
ra, conforme o autor, o estudo das narrativas é necessário para entender como nós, hu-
manos, representamos nosso mundo e nossa realidade, bem como para perceber como
atuamos dentro desse mundo representado. “Vivemos numa época em que as pessoas
são cada vez menos testemunhas diretas ou oculares dos fatos.” (MOTTA, 2013, p. 32)
3. Esclarecer as diferenças entre representações factuais e fictícias do mun-
do, uma vez que as fronteiras entre as formas de expressão humana são imprecisas e
culturalmente variáveis. E mais: ora é o fictício que penetra na representação realista,
ora o contrário. (MOTTA, 2013, p. 35). Deve-se ficar claro que, como narrativas fictícias,
estão aquelas ilusórias e inventadas, como aquelas histórias em que animais falam e

capítulo 2 • 39
que quem assiste não contesta e aceita aquele universo. Já como narrativas fáticas
estão o Jornalismo e a Historiografia, ambos presos ao fato.
4. Entender como representamos o tempo, tornando-o um tempo humano. Afinal,
como diz o crítico e historiador da literatura brasileira Alfredo Bosi (2006), contar exige que
se diga o ano, o mês, o dia e a hora. “Uma estória descreve uma série de ações e de expe-
riências levadas a cabo por alguns personagens reais ou imaginários. Tais personagens são
representados em situações que mudam e também em suas reações a essas mudanças.
Seguir uma estória consiste em compreender as ações, os pensamentos e sentimentos
sucessivos que se desenvolvem em uma direção específica. O desenvolvimento da estória
nos impulsiona a continuar e respondemos a esse impulso mediante expectativas que se
referem ao começo e ao fim do processo narrativo.” (MOTTA, 2013, p. 47-48)
5. Verificar como as narrativas estabelecem consensos a partir da falta de en-
tendimento, os chamados dissensos. Para entender a formulação, basta recorrer à
psicologia popular (ou senso comum) “que recorre continuamente à narração e à interpre-
tação narrativa para realizar a negociação de sentidos”. (MOTTA, 2013, p. 53). E a com-
preensão fica mais clara se observamos a sociedade mediada em que vivemos hoje. “Ex-
periências diretas e testemunhais são cada vez menos frequentes. Relatos variados nos
proporcionam a maior parte do nosso conhecimento sobre o mundo. Além das conversas
presenciais, diversos meios tecnológicos – jornais, revistas, televisão, rádio, internet e re-
des sociais – propiciam relatos que nos informam sobre tudo e nos proporcionam saber o
que se passa no bairro, cidade, país e no mundo. Eles tornam menos caótica a complexa
e desordenada realidade em que vivemos, nos ajudam a classificar e compreender os
incidentes” mesmo que eles sejam os mais inusitados.” (MOTTA, 2013, p. 54-55)
6. Estudá-las para melhor contá-las (storytelling). “O cinema, a literatura, a histó-
ria em quadrinhos, a biografia e mais recentemente os videoclipes, blogs (...) mensagens
via Facebook (narrativas abertas, eternamente em desenvolvimento, que não parecem
ambicionar o fim da estória) são algumas das incontáveis formas narrativas que persis-
tem e se renovam continuamente, trazendo novos desafios à arte e à técnica de contar
estórias” (MOTTA, 2013, p. 58). Estudar narrativas ajuda a desenvolver formais cada vez
mais criativas de contar.

CONCEITO
Storytelling é termo em inglês que significa a capacidade de contar histórias relevantes.
Em inglês, "tell a story" é "contar uma história", e storyteller é um contador de histórias. Mas que

capítulo 2 • 40
capacidade é essa de contar histórias de forma relevante? Ora, usando recursos audiovisuais
juntamente com as palavras. Muito usado no marketing, o storytelling estreita a relação entre
uma marca e o consumidor final a partir do compartilhamento de ideias por meio de uma narrativa.
Tal tática narrativa é usada, ainda, na gestão de comunidades digitais na qual são usados textos,
fotos, vídeos e memes, entre outros, na construção de histórias únicas e reais sobre temas de
interesse dos membros dessa comunidade digital, criando engajamento e proximidade.

MULTIMÍDIA
Assista, em <https://youtu.be/XXGPAFp3PC0>, ao filme O contador de histórias, biografia
de Roberto Carlos Ramos, ex-menino em situação de rua. Hoje, pedagogo, mestre pela Unicamp
e pós-graduado pela PUC, foi eleito um dos dez maiores contadores de histórias do Brasil.
Ficha técnica:
• Direção: Luiz Villaça;
• Elenco: Maria de Medeiros, Marco Antonio Ribeiro e Teuda Bara, entre outros;
• Gênero: Drama.

Figura 2.2 – Capa do DVD “O contador de Histórias”. Disponível em:


<https://www.gamecover.com.br/2011/07/capa-dvd-o-contador-de-historias.html>.
Acesso em: 18/05/2018.

Cabe, nesse ponto, destacar que, na comunicação narrativa, não interessa so-
mente a narrativa em si, mas o processo de comunicação, as relações de poder entre
o narrador e o destinatário, as intencionalidades implícitas ou explícitas. Afinal, a
narrativa vai muito além do discurso. Constitui uma relação entre interlocutores,

capítulo 2 • 41
estabelecendo poderes e sentidos. Nada é dito por acaso. Nossa própria biografia é
uma narrativa formada por meio de acontecimentos que marcaram nossas vidas e
servem como marcos que estabelecem quem somos e como vemos o mundo.
Estudar a narrativa transcende a literatura, propiciando-nos noções de cunho
antropológico, religioso e social. Todas as características à nossa volta contribuem
para a formação da narrativa e vice-versa.
Tomemos como exemplo personagens que ficam célebres em telenovelas. Na
trama da TV Globo “Amor à vida” (exibida em horário nobre, entre 20 de maio
de 2013 e 31 de janeiro de 2014, em 221 capítulos), ocorreu o primeiro entre
homens (“beijo gay”) na TV brasileira. Foi no 221º capítulo. Nele, os personagens
Félix (interpretado pelo ator Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) se beijam
após Félix brilhar como vilão durante toda a trama. Escrita por Walcyr Carrasco,
em 2016, a telenovela foi vencedora do GLAAD Media Awards (Prêmio da
Associação Contra a Difamação de Gays e Lésbicas) na categoria Melhor Novela.
Na construção do personagem Félix, o caloroso debate de cunho antropológico,
religioso e social fez o vilão ser amado pelo público. Ou seja, a forma narrativa
telenovela (ficção) levou a um debate (factual) sobre a homoafetividade masculina
e a um reconhecimento público (factual) com o prêmio da GLAAD Media.

CONEXÃO
Confira cenas de Félix na trama em <https://globoplay.globo.com/v/2958061/>.

Figura 2.3 – O primeiro “beijo gay” da TV brasileira.


Fonte: Reprodução / Rede Globo de Televisão.

capítulo 2 • 42
Narratologia e a análise das narrativas humanas

Conforme vimos no capítulo anterior, narratologia é o estudo de narrativas,


tanto as de ficção quanto as de não ficção. Partindo do princípio segundo o qual
narrar é relatar eventos de interesse humano enunciados em um suceder temporal
encaminhado a um desfecho, narratologia atribui uma centralidade da narração
nas relações humanas, todas subjetivas, de modo a dar centralidade da vida física
e cultural do ser humano. (MOTTA, 2013, p. 71 e p. 79)
Essa análise da narrativa nasce vinculada aos movimentos que rejeitavam a
crítica literária baseada em elementos históricos e na subjetividade dos autores e
leitores e se voltavam para o texto narrativo como elemento central. Notadamente,
dois movimentos marcam essa virada teórica:
1. O formalismo russo;

CONCEITO
Escola de crítica literária que existiu na Rússia de 1910 até 1930, voltada para o estu-
do da linguagem poética, tendo entre seus autores consagrados Viktor Chklovsky, Vladimir
Propp e Roman Jakobson.

2. O estruturalismo antropológico e literário francês.

CONCEITO
O termo estruturalismo aparece pela primeira vez no livro Curso de Linguística Geral,
compilado escrito por alunos do professor francês Ferdinand de Saussure em 1916. A pro-
posta é abordar qualquer língua como um sistema, em um conjunto de relações internas que
formam uma estrutura. Além de Saussure (Línguística), são autores que consagraram essa
teoria os franceses Claude Lévi-Strauss (Antropologia), Jean-Paul Sartre (Filosofia Exis-
tencialista), Roland Barthes e Jacques Derrida (Literatura), além de Jacques Lacan e Jean
Piaget (Psicologia).

A partir dessas bases teóricas, foi construída a teoria que busca estudar as
narrativas, elemento cultural humano, como estamos vendo, uma vez que contar

capítulo 2 • 43
histórias remete às nossas raízes ancestrais e à forma como organizamos e com-
preendemos a realidade de modo narrativo.

AUTOR
Tendo publicado em 1983 os três volumes da obra Temps et récit (“Tempo e narrativa"),
Paul Ricoeur (1913-2005) faz importante reflexão filosófica sobre a natureza da narrativa.
Expoente filosófico do período logo posterior à Segunda Guerra Mundial, para ele há uma
analogia entre contar história e o caráter temporal da experiência humana na Terra.

Figura 2.4 – O pensador francês Paul Ricoeur. Disponível em: <http://dererummundi.


blogspot.com/2018/03/obra-sobre-paul-ricoeur-on-line.html>. Acesso em: 16/06/2018.

Tal corrente de pensamento vai identificar as raízes da análise narrativa na


Grécia antiga, na obra Arte poética, que reúne, em dois volumes, lições do filósofo
Aristóteles concedidas por volta do ano 335 antes da Era Cristã (a.C.). Dos dois
volumes, apenas o primeiro foi preservado. É nesse texto que surgem alguns dos
principais elementos da narratologia, como mimese (imitação do real), os efeitos
provocados pela tragédia (catarse/purificação, comoção e purgação) e poesia. Tal
obra, traduzida para o latim durante a Idade Média, figurou por séculos como
única referência para análise das narrativas humanas.
Tal quadro mudaria em 1928, quando o folclorista e pensador estruturalis-
ta russo Vladimir Propp (1895-1970) publicou a primeira edição de seu livro
Morfologia do conto maravilhoso, mudando o fluxo da análise das narrativas, sendo
uma referência para a narratologia desde que o antropólogo francês Lévi-Strauss,
a partir da tradução inglesa de 1958 da obra, nos Estados Unidos, o redescobre e
aplica aquele pensamento em seus estudos.

capítulo 2 • 44
Figura 2.5 – Capa do livro referencial Morfologia do conto maravilhoso.
Disponível em: <https://www.saraiva.com.br/morfologia-do-conto-maravilhoso-2-
edicao-198657.html>. Acesso em: 15/07/2018.

MULTIMÍDIA
Confira o que defende o pensador Vladimir Propp em seu livro referencial no link:
<https://monoskop.org/images/3/3d/Propp_Vladimir_Morfologia_do_conto_maravilhoso.pdf>.
E no Youtube em: <https://youtu.be/IYDXAscFRE0>.

De acordo com MOTTA (2013, p. 76), a obra de Propp “é considerada fun-


dadora da narratologia moderna em função do esforço do autor para conferir
status científico à crítica literária (até então de caráter humanista e intuitivo)” e
por “pontuar a forma comum e constante das estórias populares maravilhosas”. Ao
chegar a essas conclusões, o pensador levanta as bases teóricas e metodológicas que
dão sustentação às tentativas posteriores de formular uma metodologia específica
para análise das narrativas, inclusive as midiáticas, como a que estamos vendo
neste capítulo desenvolvida pelo professor Luiz Gonzaga Motta.

Análise crítica da narrativa

Em seu livro, baseado nos termos e recursos oriundos dessas outras teorias
de análise da narrativa, Motta cria um modus operandi próprio. Aproveitando-se

capítulo 2 • 45
de elementos da narratologia, mas indo além do texto e do discurso do narrador,
ele procura destacar a relação entre os interlocutores e os sentidos que podem ser
gerados a partir da experiência narrativa.
O autor considera que o analista deve empreender sete movimentos que, jun-
tos, auxiliam o processo de entendimento:
1. Compreender a intriga como síntese do heterogêneo;
2. Entender a lógica do paradigma narrativo;
3. Deixar surgir novos episódios;
4. Permitir ao conflito dramático revelar-se;
5. Perceber o personagem como metamorfose de pessoa a persona;
6. Identificar as estratégias argumentativas; e
7. Permitir aflorar as metanarrativas (aqui como narrativa contida dentro
ou além da própria narrativa).

Aplicados à narrativa midiática, os movimentos resolvem um problema, uma


vez que, primeiramente, ao contrário da narrativa de ficção, uma notícia jorna-
lística dificilmente produz um sentido completo. As reportagens sobre determi-
nado assunto não seguem uma periodicidade nem indicam quando o tema será
novamente abordado. Cabe ao analista fazer uma apuração minuciosa das notícias
postadas ao longo de determinado tempo, com o intuito de reorganizá-las de uma
nova forma, proporcionando um novo sentido para um todo, que ainda se rela-
ciona com os anteriores.
Segundo Motta, analisar uma narrativa jornalística envolve diversos fato-
res que vão além do discurso. É preciso, assim como na literatura, identificar o
conflito, a causa do acontecimento daquele fenômeno. E mais, pontuar quais os
lados que estão envolvidos na intriga e quais suas motivações. Assim, como na
Narratologia, elementos desse conflito surgirão em episódios, que servem para dar
diferentes nuances e proporcionar diferentes emoções no receptor.
O suspense, por exemplo, é arma recorrente do narrador midiático. Deixar
uma notícia sem total desfecho causa uma curiosidade instintiva no leitor, que fica
ansioso por mais nas edições seguintes.
A narrativa jornalística também tem seus personagens. Ao longo dos episó-
dios, são apresentados os protagonistas, os antagonistas e diversos outros arqué-
tipos. Cada um cumprirá um papel diferente na formação do sentido total da
narrativa do fato. É importante que o analista perceba que não importa quem a

capítulo 2 • 46
pessoa retratada é na vida real, mas a forma que ela é retratada pelo jornalista e
o porquê de isso acontecer. A construção desse personagem se dá ao longo dos
acontecimentos isolados e depende também da forma como o receptor interpreta
e enxerga essa pessoa, ou seja, importa ver a dialogia

CONCEITO
Dialogia deriva de dialogismo, que, segundo o pensador russo Mikhail Bakhtin, é o pro-
cesso de interação entre textos que se dá ao mesmo tempo na escrita e na leitura. Trata-se
de um diálogo típico de toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja. Ao narrar, o
sujeito tem sua intenção e movimento calcados em seu repertório individual (formativo, me-
morialístico, acadêmico etc.), e o ouvinte/leitor recebe tal narrativa e a decodifica também a
partir de seu repertório. O termo fundamental da linguística bakhtiniana é, portanto, a palavra
diálogo: “As relações dialógicas são de índole específica: não podem ser reduzidas a relações
meramente lógicas (ainda que dialéticas) nem meramente linguísticas (sintático-composicio-
nais)”. (BAKHTIN, 2010, p. 323)
Para o autor, a dialogia está diretamente ligada à essência do humano: [...] “ser significa
ser para o outro e, por meio do outro, para si próprio”. (Idem p.341)

Algumas das características da atividade jornalística, além da construção de


personagens, dizem respeito à conquista e manutenção da credibilidade (com-
promisso com o factual comprovável pelo receptor, seja ele um leitor, ouvinte ou
telespectador) e ao mito da objetividade, segundo o qual o profissional dessa área
precisa narrar sem evidenciar que está interpretando os fatos, dando a impressão
ao receptor de que é apenas o transmissor de um acontecimento e de que sua visão
e opinião em nada interferem no que é narrado.
Para se aproximar da objetividade inalcançável, existem técnicas linguísticas
que passam a impressão de total respeito ao factual – por exemplo, os elementos
que compõem o lide/lead. Informar local, data e personagens passa a impressão
de impessoalidade e de não interferência de opinião. No entanto, é preciso criar
um laço dialógico-afetivo com o receptor. A utilização de imagens e verbos que
transmitem emoção e dão um ar poético para a história também é bem-vinda na
narrativa jornalística.

capítulo 2 • 47
CONCEITO
Como estudamos em História do Jornalismo, a industrialização da imprensa e a neces-
sidade de otimizar cada vez mais o processo de produção jornalística fez surgir o Lide (ou
Lead, em inglês). Essa forma de apresentar ao leitor, ainda no primeiro parágrafo da matéria,
o maior contingente de informações possíveis tem como proposta responder sempre inda-
gações básicas da informação: o que?, quem?, quando?, onde?, como? e por quê? O Lide
passou a nos proporcionar uma visão cada vez mais comercial do jornal como um produto, e
continuar categorizando os periódicos como sendo mais reflexivos do que informativos tor-
nou-se inviável. Em sua tradução mais fiel, a palavra de origem inglesa lead está relacionada
a termos como conduzir ou guiar. Uma forma engessada para muitos, mas que conseguiu
prevalecer nos informativos desde sua origem, nos EUA, durante o final do século XIX, no
Brasil por volta da década de 50, até os dias atuais.

ATENÇÃO
Existe uma espécie de “contrato” informal entre os interlocutores. O narrador conta uma
parte, utiliza alguns elementos e técnicas e espera que, em troca, o receptor utilize de sua
memória e ciclo social e cultural para preencher as lacunas, dando um sentido à interpreta-
ção da narrativa de forma dialógica.

Em sua obra, Luiz Gonzaga Motta (2013) cria um manual para a análise das
narrativas. Sua percepção da narrativa é de uma relação que não segue somente
um único caminho, criando um leque de possibilidades que contribuem para a
compreensão da comunicação humana. A narrativa vai muito além da linguagem
e da comunicação social. Dela, diz o autor, podemos extrair traços importantes de
diversas culturas, além de suas interpretações. Como exemplo podemos começar a
entender o porquê de textos religiosos gerarem tantas interpretações, que depen-
dem de todo um contexto sociocultural das sociedades ao longo do tempo.
Outro ponto a ser destacado é que o autor parte do princípio, como dito no
início deste capítulo, de que os estudos comunicacionais são recentes e estão em
constante renovação e, portanto, a metodologia que ele propõe pode e deve ser
aperfeiçoada por futuros pesquisadores.

capítulo 2 • 48
LEITURA
Confira as orientações de Motta (2013) para quem for aplicar a metodologia dele para
analisar narrativas ficcionais e factuais, midiáticas e não midiáticas:
“O foco deve estar no exterior, no contexto comunicativo. É inconcebível fazer a análise
de um objeto linguístico (a narrativa) como se ele pairasse isolado no espaço estético ou
epistemológico. A narrativa é apenas o nexo de uma relação entre interlocutores, e são
os aspectos dessa relação que interessa compreender.” (p.120)
“As narrativas são dispositivos argumentativos produtores de significados e sua estru-
turação, na forma de relatos, obedece a interesses do narrador (individual ou institucional)
em relação direta com seu interlocutor, o destinatário ou audiência. (...) Além do mais, as
narrativas criam significações sociais, são produtos culturais inseridos em certos
contextos históricos, cristalizam as crenças, os valores, as ideologias, a política, a
cultura, a sociedade inteira.” (p.121)
“Análise pragmática é o estudo dos princípios que regulam o uso da linguagem na comu-
nicação, ou seja, as condições que determinam tanto o emprego de um enunciado concreto
por parte de um emissor concreto em uma situação comunicativa concreta como sua inter-
pretação por parte de um destinatário concreto. (...) privilegia o uso da linguagem. (...) E assu-
me que mesmo os aspectos tipicamente gramaticais (...) estão determinados por fatores de
tipo intencional, situacional e contextual: o projeto dramático do sujeito narrador que en-
volve necessariamente o receptor desde sua premeditação como ato de fala.” (p.128)
“Insisto na necessidade de observar o texto narrativo como um elo da relação entre
sujeitos interlocutores ativos envolvidos em um ato de comunicação. (p. 196)
“No caso do jornalismo, a retórica está presente nas hipérboles das manchetes, na ironia
do texto, etc. Outras vezes, os textos jornalísticos escancaram seu caráter narrativo,
como em muitas reportagens do chamado jornalismo literário.” (p. 198)
“A estratégia textual principal do narrador realista é provocar o efeito de real, fazer
com que os leitores e ouvintes interpretem os fatos narrados como verdades, como
se os fatos estivessem falando por si mesmos. Na narrativa jornalística [...] esse efeito de real
se obtém através de diversos recursos de linguagem e com a fixação de seu centro no aqui
e no agora, no momento presente.” (p. 199)
“Ainda que não sejam a realidade, as narrativas jornalísticas, históricas e bio-
gráficas têm veracidade, recorrem a recursos de linguagem para parecerem factuais,
objetivas e verdadeiras. Produzem o efeito de real, a veracidade. Esse é o efeito pretendi-
do.” (p. 200)

capítulo 2 • 49
“Minha hipótese é que o texto jornalístico é produto de uma permanente e sutil
negociação de interesses entre o veículo, os jornalistas e as fontes (posteriormente,
personagens). Cada um desses atores detém certo capital nesta negociação, nela interfe-
rindo com diferentes pesos e dimensões.” (p. 223)

Tendo em vista os comportamentos de pesquisa listados acima e outros tam-


bém previstos no texto, Motta (2013) propõe sua metodologia com base nos sete
movimentos que vimos acima:
1. Compreender a intriga como síntese do heterogêneo;
2. Entender a lógica do paradigma narrativo;
3. Deixar surgir novos episódios;
4. Permitir ao conflito dramático revelar-se;
5. Perceber o personagem como metamorfose de pessoa a persona;
6. Identificar as estratégias argumentativas;
7. Permitir aflorarem as metanarrativas (aqui como narrativa contida den-
tro ou além da própria narrativa).

Integrantes do grupo de pesquisa “Narrativas Midiáticas e Dialogias/CNPq”


elaboraram uma tabela com um passo a passo explicativo da análise narrativa pro-
posta pelo professor Luiz Gonzaga Motta. Confira a seguir a versão desse estudo
com foco nas narrativas midiáticas (tendo como objeto exemplar um webdocu-
mentário), sabendo que ele também pode ser pertinente nas análises de narrativas
orais, como depoimentos.

OS SETE
MOVIMENTOS CATEGORIA EFEITOS DE SENTIDO
ELENCADOS POR NARRATIVA
MOTTA
Uma estória só pode ter seus desdobramentos analisa-
dos quando se conhece o enredo integral no qual ela se
estrutura. Antes de analisar um webdocumentário, por
Enredo
1° movimento: exemplo, o movimento inicial é assistir a todo o produto
Compreender a antes de começar qualquer análise e de modo a desco-
intriga como sín- brir sua trama, seu enredo.
tese heterogênea. Esses são os pontos colocados por Motta como as
Pontos de ações que podem modificar a estória narrada. Tendo vis-
ataque to o documentário, é listar os pontos que mais prendem
a atenção do expectador.

capítulo 2 • 50
OS SETE
MOVIMENTOS CATEGORIA EFEITOS DE SENTIDO
ELENCADOS POR NARRATIVA
MOTTA
Para Motta, é esse projeto que deixa claras no enre-
do as estratégias e intenções do narrador, conferindo
dentro da narrativa os objetos carregados de mais de
Projeto uma significação. Nesse movimento sobre um webdo-
dramático cumentário, cabe identificar BGs, sob sons e silêncios
na narrativa, bem como uso de movimentos não habi-
tuais, como high-speed (alta velocidade) e slow motion
2° movimento: (câmara lenta).
Compreender a
lógica do paradig- Dêiticos espa-
ma narrativo. ço-temporais, ou
A relação espaço-temporal é discutida por Motta como
seja, elementos
outra estratégia argumentativa do narrador. Como o mo-
que localizam o
vimento sugere, é buscar o tempo e o espaço sugeridos
fato no tempo
na narrativa. No nosso exemplo, identificar de que forma
e espaço sem
o webdocumentário permite ao receptor identificar o lu-
defini-lo, tais
gar e a época onde e quando a narrativa se desenvolve.
como “lá”, “aqui”,
“agora” etc.

O script (escrita, argumento etc.) é uma representação


do narrador. É uma escrita que traz o acúmulo de tudo
3° movimento:
Script (dominan- que é desenvolvido e memorizado durante a vida do nar-
Deixar surgir no-
te temática) rador, tais como influências familiares, filmes e mitos. O
vos episódios.
esforço é identificar esse script no produto final, como o
webdocumentário.

Motta descreve, em sua obra, a ligação da busca pelo


4° movimento: significado com a reconstituição das situações coloca-
Permitir ao con- das em determinadas narrativas. Esses “frames” são os
Frame
flito dramático momentos em que, por exemplo, o narrador se coloca
revelar-se. dentro da estória, em que um fato inusitado muda a
narrativa.

Os narradores costumam criar, em suas narrativas,


conflitos, enredos, personagens (alguns em papéis fa-
5° movimento:
cilmente identificáveis, como vilões e mocinhos) para
Personagem: A centralidade
preencher de significados a versão da estória contada.
metamorfose da do personagem
Nesse movimento, listar os personagens citados e de-
pessoa a persona.
finir o papel deles na narrativa ajuda a compreender o
que é narrado.

capítulo 2 • 51
OS SETE
MOVIMENTOS CATEGORIA EFEITOS DE SENTIDO
ELENCADOS POR NARRATIVA
MOTTA
Para Motta, as narrativas realistas tencionam ser “verdadei-
ras”, reivindicando uma fidelidade ao real e prezando pelo
Representação
racional. O objetivo é se parecer com o factual. É quando,
da realidade ou
por exemplo, no webdocumentário, o narrador descreve os
efeitos de real
cheiros de um ambiente, ajudando a dar a impressão de
6° movimento: que aquele lugar de fato existe fora da narração.
As estratégias Paralelas aos efeitos de real, as estratégias de produ-
argumentativas ção de efeitos estéticos dão às narrativas característi-
Estratégias de cas que as tornam de natureza dramática e retórica tão
produção de rica quanto a arte. No rol estão, por exemplo, termos
efeitos estéticos cheios de significado e construções frasais peculiares,
sotaques etc. No webdocumentário, nesse rol estão os
closes, os planos abertos e os movimentos de câmara.

De acordo com Motta, toda narrativa (fictícia, jorna-


lística ou fática) se constrói “contra um fundo ético
e moral”. Isto é, toda narrativa é baseada num pano
de fundo seguindo a ordem ética, um posicionamento
Princípios político ou filosófico do narrador. Nesse movimento
éticos cabem sensibilidade e conhecimento de mundo para
7° movimento: entender o pano de fundo da narrativa. Trata-se de
Permitir algo do plano da intencionalidade do narrador que
aflorarem as pode ser percebida pelo receptor – no nosso exemplo,
metanarrativas. o webespectador.

Nenhuma história é contada sem que um fundo moral


Moral da a situe, afirma Motta. Toda narrativa está amparada por
história questões culturais e ideológicas que inspiram nossas
histórias e traçam as biografias.

A proposta de Motta (2013) é de que o analista faça os sete movimentos de


modo a identificar, na narrativa analisada, elementos capazes de evidenciar sua
construção, a fim de compreender, com clareza, mesmo nas narrativas mais trun-
cadas, a história narrada, seus personagens, seus desdobramentos e sua significação.
Confira no link abaixo a dissertação de mestrado da jornalista Glória Maria de
Oliveira Baltazar intitulada Um trem no caminho da ditadura militar. Aplicando
a metodologia proposta por Motta, a autora reconstrói um momento históri-
co do Brasil a partir de depoimentos para a Comissão da Verdade de Juiz de
Fora (MG). Orientada pela professora doutora Cláudia Thomé (líder do grupo
Narrativas Midiáticas e Dialogias/CNPq, do qual Glória Baltazar faz parte), a
dissertação destaca, nos depoimentos à Comissão da Verdade de Juiz de Fora,

capítulo 2 • 52
detalhes sobre a resistência empreendida por ferroviários contra o golpe militar de
1964, na noite em que tanques do Exército seguiram de Juiz de Fora para a cidade
do Rio de Janeiro com o objetivo de depor o presidente João Goulart. Os ferro-
viários estacionaram um trem na linha férrea, obrigando os tanques a dar uma
volta maior e atrasando, mesmo que por poucas horas, a ação dos golpistas. Um
ferroviário foi morto e toda a estória, antes pouco conhecida, ficou pública graças
à análise das narrativas dos depoentes.

CONCEITO
Comissão da Verdade em Juiz de Fora é uma derivação da Comissão Nacional da
Verdade, ou simplesmente CNV, instituída pelo governo brasileiro pela Lei 12.528, de 2011,
para investigar, a partir de depoimentos de vítimas e de agentes da repressão, as violações
de direitos humanos cometidas no Brasil por ditaduras civis e militares entre 18 de setembro
de 1946 e 5 de outubro de 1988.

CONEXÃO
Confira a dissertação de Glória Maria de Oliveira Baltazar em: <https://repositorio.ufjf.
br/jspui/bitstream/ufjf/4494/1/gloriamariadeoliveirabaltazar.pdf>.

MULTIMÍDIA
Vamos botar a mão na massa? Assista ao documentário da jornalista Eliane Brum intitu-
lado Uma história severina. Postada na internet em 2010, a narrativa é descrita desta forma
pela autora:

Eliane Brum, gaúcha de Ijuí, nascida em 1966, é uma jornalista, escritora e documenta-
rista. Formada pela PUC do Rio Grande do Sul (1988), conquistou mais de 40 prêmios
nacionais e internacionais de reportagem.

Severina é uma mulher que teve a vida alterada pelos ministros do Supremo Tribunal
Federal. Ela estava internada em um hospital do Recife com um feto sem cérebro dentro da
barriga, em 20 de outubro de 2004. No dia seguinte, começaria o processo de interrupção da

capítulo 2 • 53
gestação. Nesta mesma data, os ministros derrubaram a liminar que permitia que mulheres
como Severina antecipassem o parto quando o bebê fosse incompatível com a vida. Severina,
mulher pobre do interior de Pernambuco, deixou o hospital com sua barriga e sua tragédia.
E começou uma peregrinação por um Brasil que era feito terra estrangeira – o da Justiça
para os analfabetos. Neste mundo de papéis indecifráveis, Severina e seu marido Rosivaldo,
lavradores de brócolis em terra emprestada, passaram três meses de idas, vindas e desen-
tendidos até conseguirem autorização judicial. Não era o fim. Severina precisou enfrentar en-
tão um outro mundo, não menos inóspito: o da Medicina para os pobres. Quando finalmente
Severina venceu, por teimosia, vieram as dores de um parto sem sentido, vividas entre choros
de bebês com futuro. E o reconhecimento de um filho que era dela, mas que já vinha morto. A
história desta mãe severina termina não com o berço, mas em um minúsculo caixão branco.
O documentário está no link <https://youtu.be/65Ab38kWFhE>. Após assistir, siga os
movimentos propostos na tabela acima e responda qual efeito Eliane Brum obtém ao optar
por não apresentar um narrador explícito em seu documentário.

ATIVIDADES
A partir daqui, como no primeiro capítulo, você encontra questões sobre narrativa aplica-
das em concursos públicos. Elas servem para você ficar sabendo como nosso conteúdo é co-
brado pelas bancas organizadoras das seleções e, ao mesmo tempo, avaliar seu aprendizado.

01. (2011-CESPE-EBC) A análise de conteúdo, metodologia de enfoque quantitativo tem


como referenciais básicos a frequência com que determinados valores semânticos aparecem
na mídia e a mensuração dos espaços concedidos a uma temática.
a) Certo
b) Errado

02. (2015-FCC-TRT-3ª Região (MG)) A tática narrativa usada na gestão de comunidades


digitais na qual são usados textos, fotos, vídeos e memes, entre outros, na construção de
histórias únicas e reais sobre temas de interesse dos membros dessa comunidade digital,
criando engajamento e proximidade, é chamada de:
a) gatekeeping. d) spoiler.
b) casting. e) storytelling.
c) newsmaking.

capítulo 2 • 54
03. (2007-FCC-MPU) A escola norte-americana trouxe para o jornalismo o conceito de
objetividade, as seis questões fundamentais (lead) e a gradação das informações (pirâmide
invertida). Por outro lado, da escola europeia temos o conceito de honestidade e lealdade,
em vez de objetividade, caráter mais opinativo e analítico, e a hierarquização menos rígida das
informações. Observe o texto abaixo.

Morgan Stanley dá US$ 54 mil em acordo por discriminar mulher

A Morgan Stanley concordou, na segunda-feira, em pagar US$ 54 milhões (cerca de R$


162 milhões) para encerrar um processo de discriminação sexual, em vez de ir a julgamento.
A empresa estava sendo acusada pelo governo federal de negar salários e promoções iguais
a mulheres em uma divisão de seu banco de investimentos.
O acordo, que pode envolver até 340 mulheres, é o segundo maior fechado pela Comis-
são de Oportunidade de Emprego Igual (EEOC) com uma empresa e o primeiro com uma
grande firma de investimentos. O acordo foi firmado pouco antes de um advogado da agência
ligar o projeto e mostrar evidências estatísticas contra a firma e evitou a possibilidade de um
júri decidir que a Morgan Stanley, uma das mais prestigiadas firmas de Wall Street, foi culpada
de discriminação sexual.
The New York Times, 13/07/04.

Pode-se afirmar que


a) evidencia as contribuições da escola europeia, com o caráter opinativo no título (uso de
adjetivos substantivados); uso de termos próximos da literatura e não há apego exces-
sivo à objetividade.
b) evidencia as contribuições da escola norte-americana, com título desprovido de qualifi-
cativos (adjetivação), já reunindo alguns elementos que aparecerão no lead, presença de
5 das 6 questões que compõem o lead clássico (quem, quando, o que, por que e como)
e não há uso de termos próximos às narrativas literárias.
c) evidencia as contribuições da escola europeia, com a utilização de conceitos de hones-
tidade e lealdade, em vez de objetividade, caráter mais opinativo e analítico, além das
6 (seis) questões fundamentais (lead) de caráter clássico e de uso permanente nos
textos narrativos.
d) evidencia as contribuições da escola europeia, com a utilização do conceito de objetivi-
dade e das seis questões fundamentais (lead).
e) não é possível afirmar que o texto tem características de qualquer uma das escolas.

capítulo 2 • 55
04. Quanto ao termo narratologia, pode-se afirmar:
( ) Narratologia é o estudo que dá centralidade à narração nas relações humanas.
( ) Narratologia entende que narrar é relatar eventos sem necessidade de uma suces-
são temporal ou de um desfecho.
( ) Narratologia estuda somente as narrações de ficção.
( ) Narratologia estuda tanto as narrações de ficção quanto as de não ficção.
( ) Narratologia entende que narrar é relatar eventos enunciados em um suceder tem-
poral encaminhado a um desfecho.

Considere as afirmações acima, identifique as verdadeiras e as falsas e marque, a seguir,


a relação certa.
a) F–V–F–V–F c) V–F–V–V–F e) V–F–F–V–F
b) V–F–F–V–V d) V–F–F–F–V

05. São autores referenciais nos estudos da narrativa:


a) Ferdinand de Saussure c) Ferdinand Bull
Vladimir Putin Vladimir Propp
Paul McCartney Paul McCartney
Mikhail Bakhtin Mikhail Gorbachev

b) Ferdinand de Saussure d) Ferdinand de Saussure


Vladimir Putin Vladimir Propp
Paul Ricœur Paul Ricoeur
Mikhail Gorbachev Mikhail Bakhtin

e) Ferdinand Boeuf
Vladimir Propp
Paul Ricoeur
Mikhail Gorbachev

REFLEXÃO
Neste capítulo, você foi apresentado à metodologia para análise crítica das narrativas.
Viu que estudamos narrativas para compreender quem somos, para entender como repre-
sentamos o mundo, para esclarecer as diferenças entre representações factuais e fictícias,

capítulo 2 • 56
para entender como transformamos o tempo em um elemento humano, para conferir como
os relatos estabelecem consensos a partir da falta de entendimento e para melhor contar
estórias.
Foi apresentado, ainda, a um roteiro metodológico para a análise das narrativas. Tal rotei-
ro, muito complexo à primeira vista, muito o ajudará quando você se deparar com trabalhos
acadêmicos, como o de Conclusão de Curso, e tiver como objeto narrativas como as que
encontramos em jornais, em livros, em rádios, na TV, no cinema e na Internet. Tire proveito
da tabela para ver as narrativas midiáticas com outros olhos, olhos acadêmicos, que des-
constroem o que é narrado em busca de entendimento do processo narrativo como um todo.
Nos próximos capítulos, olhando a mídia e seus elementos narrativos, identificar dialo-
gias, entender o papel de personagens e de imagens e sons e valorizar os aspectos tempo-
rais da narração será mais fácil a partir da metodologia estudada agora.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. O problema do texto na Linguística, na filologia e em outras ciências
Humanas. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. 4 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2010. p. 307-336.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa, Portugal: Edições 70, LDA, 2009.
BOSI, Alfredo. O tempo e os tempos. In: NOVAES, Adauto. Tempo e história. São Paulo: Companhia
das Letras, 2006.
MOTTA, Luiz Gonzaga. Análise crítica da narrativa. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2013.
ORLANDI, Eni. Discurso em análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas: Pontes, 2012.
PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1984.

capítulo 2 • 57
capítulo 2 • 58
3
Narrativa em
impressos
midiáticos
Narrativa em impressos midiáticos
A narrativa midiática começa impressa. Jornais, livros-reportagem, outdoors,
anúncios em revistas, fotos jornalísticas e infográficos, entre outros suportes, tra-
zem narrações sobre fatos, produtos, pessoas, lugares etc. O que levar em conside-
ração quando nos deparamos com essas narrativas é o tema deste capítulo.
Nele vamos ver que uma narrativa impressa prevê um público letrado, e não
simplesmente alfabetizado. Vemos que é o processo narrativo que torna um acon-
tecimento em notícia jornalística e que tanto jornalistas quanto publicitários po-
dem usar os critérios de noticiabilidade para atrair a atenção para suas histórias,
sobretudo as impressas.
Por fim, teremos contato mais próximo com a dialogia, aquela relação entre
narrador e seu público. Mais precisamente, veremos que deslizamentos e migra-
ções narrativas fazem parte de nosso cotidiano sem que muitos de nós nos demos
conta desse processo.

OBJETIVOS
• Conhecer os conceitos de letramento, narração do fato, dialogia e deslizamento narrativo;
• Entender as questões espaço-temporais das narrativas midiáticas e o poder da imagem
como narrativa impressa;
• Reconhecer critérios que fazem uma narrativa midiática atrair a atenção.

Narrar na mídia off-line

A experiência narrativa em meios impressos pressupõe um emissor e um re-


ceptor, um em situação de escrita, e o outro, em situação de leitura. Essa experiên-
cia é muito maior que uma simples decodificação e leva a uma discussão inicial
sobre a distinção entre alfabetização e letramento.

capítulo 3 • 60
CONCEITO
Mídia off-line ou simplesmente mídia impressa é uma forma de comunicação por meio
de materiais, de caráter publicitário ou jornalístico, impressos em gráficas ou birôs de impres-
são, podendo ser jornais, revistas, painel publicitário, cartaz ou outdoor etc.

A alfabetização, como explica a professora Magda Soares (2002), é o desenvol-


vimento da habilidade de ler e escrever. Letramento abrange o uso competente da
leitura e da escrita nas práticas sociais. Um sujeito letrado consegue informar-se
por meio de jornais e interpretar textos em revistas, outdoors e livros.
Como narradores dos meios impressos, prevemos leitores com níveis dis-
tintos de letramento, distinguindo textos destinados a públicos-alvo de classes
populares, classes dominantes, mais jovens, com mais idade etc. O conceito de
letramento também ajuda a entender a distinção entre conteúdos das narrativas
jornalísticas e publicitárias, tendo como exemplos suas variações entre editorias de
Economia e Política e peças publicitárias informativas e de duplo sentido.

CONCEITO
Termo derivado do marketing, público-alvo aqui é entendido como grupo de consumi-
dores de notícias, reportagens e demais textos informativos. Em marketing, esse conceito é
também apresentado pelo termo em inglês target e engloba segmentação do mercado para
atingir melhores resultados em comunicação e em persuasão.

O pressuposto do letramento direciona, portanto, à narração do fato em fun-


ção do leitor, a alteridade para quem se destina o que se está contando.

NARRAÇÃO DO FATO
Conceito “consensualmente difícil” (SODRÉ, 2009), notícia é cerne, a medula, da narra-
ção do fato. Diante da dificuldade, a frase “Se um cachorro morde um homem, não é notícia,
mas, se um homem morde um cachorro, é notícia” , do jornalista norte-americano Amus Cum-
mings, passou a ser usada como modelo explicativo, mesmo restringindo a conceituação de
que o inusitado é notícia, e o cotidiano, não. Em um esforço acadêmico, o professor Muniz

capítulo 3 • 61
Sodré desenvolveu, no fim da década passada, um estudo detalhado em busca da definição
da narração do fato. Para tanto, definiu acontecimento (“desdobramentos do fato”) e buscou
uma conceituação:

“Parte-se do ‘fato em bruto’ (ou ‘fato bruto’), isto é, das qualidades ainda indiferencia-
das de uma ocorrência para transformá-lo em ‘acontecimento’ por meio da interpreta-
ção em que implica a notícia, esse microrrelato que, desdobrado ou ampliado, nos dará
possibilidade de acesso argumentativo ao ‘fato social’” (p. 71).

Feita essa distinção, Sodré classifica as notícias de acordo com tempos e modos de
ocorrência tais como previstas (anunciadas com antecedência), imprevistas (de caráter ines-
perado) e mistas (reúnem o previsto e o imprevisto). É importante notar que os elementos da
narrativa, estudados nos dois primeiros capítulos, ajudam a classificar as notícias por tempo,
lugar, personagens, enredo, entre outros elementos.

Figura 3.1 – Acontecimento imprevisto é notícia. Disponível em: <https://extra.globo.com/


noticias/brasil/menino-de-11-anos-morde-pitbull-para-se-defender-de-ataque-em-
minas-gerais-546783.html. Acesso em: 24/06/2018>. Exemplo
sugerido na obra Narração do fato (SODRÉ, 2009, p. 20.)

capítulo 3 • 62
AUTOR
O baiano Muniz Sodré (1942) é jornalista, sociólogo e tradutor. Tem graduação em Di-
reito pela Universidade Federal da Bahia (1964), mestrado em Sociologia da Informação
e Comunicação pela Université de Paris IV (Paris-Sorbonne) (1967), doutorado em Letras
(Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1978) e é Livre-Docen-
te em Comunicação pela UFRJ. Atualmente, é professor emérito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, bolsista pesquisador nível 1A do CNPq, colaborador do Observatório da
Imprensa e diretor da Trajectos – Revista de Comunicação, Cultura e Educação (Lisboa/
Portugal). Foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional de 2005 a 2011 e tem cerca de
30 livros publicados nas áreas de Comunicação e Cultura.
Disponível em: <http://www.eco.ufrj.br/index.php/about-us/departamentos/docentes/
47-professores/fundamentos/246-muniz-sodre>. Acesso em: 26/06/2018.

Figura 3.2 – Muniz Sodré. Disponível em: Frame do Youtube (in https://youtu.be/
Af5_KX0cp8Y), intitulado “Professor Muniz Sodré explica o
que é ‘bios midiático’”. Acesso em: 22/07/2018.

Em resumo de seu pensamento sobre a experiência narrativa do fato, Sodré


(2009, p. 138) destaca que a notícia (como “construção textual paradigmática da
informação jornalística”) é um gênero sociodiscursivo, ou seja, depende de uma
experiência comunicacional para existir. É essa dependência que devemos observar
quando analisamos a narrativa midiática. Ou seja, mantendo o foco no tema deste

capítulo 3 • 63
capítulo, é observar a experiência de leitura de jornais, revistas e livros-reportagem
como algo além da mera interpretação das informações relatadas, mas atentar para
alguns aspectos, como vimos no capítulo anterior a partir do estudo do professor
Luiz Gonzaga Motta (2003). São eles:
1. A forma como essa narrativa se apresenta (texto, foto, infográfico,
anúncio publicitário, literatura de cordel, tabela etc.)
2. Quais interesses estão em jogo (pensando nas fontes ouvidas para ela-
boração dos textos, em quem contratou a publicidade que segue impressa,
nos donos do meio que serve de suporte para a narrativa etc.)
3. A linha editorial da publicação e a experiência profissional e pessoal do
narrador implícitas no texto.
4. As escolhas feitas por esse narrador no ato narrativo (escolha das fon-
tes, dos personagens, do fato mais relevante, das imagens etc.)
5. Qual fundo ético e moral aflora do texto, entre outros movimentos de
análise.

MULTIMÍDIA
Confira a resenha do livro Narração do fato, do professor Muniz Sodré, elaborada em
2011 pela pesquisadora Poliana Souza de Queiroz Lopes, mestre pela UFPB e integrante
do grupo de pesquisa sobre o Cotidiano e o Jornalismo (Grupecj/CNPq). Confira no link:
<http://www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/tematica/article/view/30160/15940>.

Noticiabilidade como elemento da narrativa midiática

Como estamos falando de uma narrativa midiática que envolve os conceitos


tais como acontecimento e notícia, cabe recordar (ou ter o primeiro contato) a
conceituação de “valores-notícia”, que já vimos (ou veremos mais a fundo – ops,
um spoiler!) nas disciplinas teóricas e práticas do Jornalismo e da Publicidade.
Vamos a esse conceito (GALTUNG e RUGE,1965, e Wolf, 1999), mas com olhar
sobre o que eles representam para a narrativa.

VALORES- Amplitude e utilidade


-NOTÍCIA

capítulo 3 • 64
Quanto maior o número de pessoas envolvidas no acontecimento, maior
será a probabilidade de o fato ser noticiado e chamar a atenção. O mes-
mo ocorre quando o maior número for atingido pelo fato (noticiar o rea-
CONCEITO juste do salário mínimo é um bom exemplo dessa vasta abrangência,
da mesma forma que falar de um surto de febre amarela em um estado
brasileiro ajudará a chamar a atenção para a propaganda sobre vacina-
ção contra essa doença em postos de saúde).

Neste aspecto, as pessoas envolvidas são personagens, atuam como


um Coro (do grego: χορός, khoros). Esse grupo homogêneo é não in-
PAPEL NA dividualizado. Ao tratar deles como grupo, a narrativa resume a histó-
NARRATIVA ria ajudando o receptor a acompanhar o que é contado. Exatamente
como em algumas peças gregas, o coro transmite o que os persona-
gens principais não podem dizer, como medos.

EXEMPLO
Cidade de Deus volta às manchetes, mas segue esquecida por Estado
Recordista de tiroteios em janeiro, bairro não conta com uma escola de ensino médio 50
anos após sua criação
Por Saulo Pereira Guimarães 16 fev 2018, 16h35 - Publicado em 16 fev 2018, 07h30

“Atenção, população.” A voz vinha de alto-falantes e lembrava a dos compradores de ferro-ve-


lho que circulam em Kombis e caminhonetes pelos bairros. O som saía de um jipe militar, lotado
de soldados usando uniformes camuflados, que havia acabado de entrar, naquela tarde de quar-
ta-feira (7), na Rua Daniel, na Cidade de Deus. Ali, os logradouros têm nome de profetas, herança
do início do loteamento, na década de 60. Com prédios pintados de verde de um lado e uma praça
do outro, a via dedicada ao herói bíblico da cova dos leões estava vazia. “Estamos presentes para
garantir a sua segurança e a de sua família. Cidadão de bem, a sociedade não suporta mais ser
vítima do crime organizado”, informava a voz masculina, com um telecoteco de tamborim ao fundo,
às vésperas do Carnaval, que começaria dali a três dias. “Juntos, somos 6 milhões de agentes de
segurança”, encerrava a fala, numa convocatória à colaboração de todos os habitantes do Rio.”
Disponível em: <https://vejario.abril.com.br/cidades/cidade-de-deus-volta-as-
manchetes-mas-segue-esquecida-por-estado/>. Acesso em: 27/06/2018.

capítulo 3 • 65
VALORES- Personalização e referência a pessoas (e países) que integram a elite.
-NOTÍCIA
O público valoriza as mensagens que apresentem pessoas envolvi-
das com o fato; assim, esse receptor passa a ter com quem se iden-
tificar. Assuntos relacionados a países da elite têm maior destaque
CONCEITO do que aqueles relacionados a países de menor expressão política e
econômica. O mesmo acontece com histórias sobre pessoas ricas,
poderosas, influentes e famosas em relação às pobres, sem poder ou
fama e menos influentes.

De novo, estamos falando do papel dos personagens nas narrativas.


PAPEL NA Observe que, como na ficção, países podem ser “personagens”; da
NARRATIVA mesma forma, pessoas em uma situação familiar e um ambiente lu-
xuoso são muito usadas para comerciais de margarina).

EXEMPLO

Figura 3.3 – Crítica aos critérios de noticiabilidade. Disponível em: <https://ponte.org/


ataque-terrorista-somalia-charge-juniao-ponte/>. Acesso em: 28/06/2018.

CONEXÃO
Junião é jornalista e ilustrador da Ponte Jornalismo e publica no site <https://ponte.org/>,
charges com temas relacionados a racismo, direitos humanos e segurança pública.

capítulo 3 • 66
VALORES Frequência, ineditismo e caráter inesperado.

Quanto menor for a duração do acontecimento (ocorreu de forma


rápida e poucos puderam acompanhar) e quanto mais inusitado for
CONCEITO o fato (como no exemplo do menino que mordeu o cachorro), maior
a probabilidade de ele ser narrado como notícia.

Pensando na lógica do paradigma narrativo, o contexto do aconte-


PAPEL NA cimento o torna adequado para narrativa midiática. Os marcadores
NARRATIVA espaço-temporais são fundamentais para evidenciar esse contexto.

EXEMPLO
29/11/2016 03h42 - Atualizado em 29/11/2016 18h58
Avião com equipe da Chapecoense cai na Colômbia e deixa mortos
Unidade de desastres diz que 71 corpos foram resgatados; 6 sobreviveram.
Avião decolou de Santa Cruz de la Sierra (Bolívia) com destino a Medellín.
Do G1, em São Paulo
Um avião que levava a delegação da Chapecoense para Medellín, na Colômbia, caiu na
madrugada desta terça-feira (29) a poucos quilômetros da cidade colombiana.
O Diretor Geral da Unidade Nacional para Gestão de Risco e Desastres colombiana,
Carlos Iván Márquez Pérez, disse que as operações de busca e resgate foram encerradas
com o seguinte balanço: 6 feridos e 71 mortos.
Anteriormente a Aeronáutica Civil havia informado que 72 corpos foram resgatados, mas
o órgão já corrigiu a informação para 71. Os corpos serão levados para uma base da Força
Aérea, de onde seguirão para o Instituto Médico Legal de Medellín.
ACOMPANHE A COBERTURA EM TEMPO REAL

VALOR Negatividade

Más notícias interessam mais do que as boas. Quanto pior a notícia,


CONCEITO mais atenção desperta. O noticiário que envolve mortes tem mais
impacto. Ironizar a notícia ruim também tem força.

PAPEL NA Neste aspecto, a atenção nossa deve voltar-se para o enredo, que,
NARRATIVA sabidamente ruim, se apresenta como síntese do heterogêneo.

capítulo 3 • 67
EXEMPLO

Figura 3.4 – Ironia com a morte para atrair a atenção. Disponível em:
<http://brasilatento.blogspot.com/2011/08/tai-um-exemplo-de-
propaganda-que-cumpre.html>. Acesso em: 27/06/2018.

VALOR Clareza

Eventos, situações, notícias com implicações bastante claras ven-


CONCEITO dem mais do que aquelas que podem apresentar mais do que uma
interpretação.

PAPEL NA Estamos falando de estratégias argumentativas. Um argumento claro,


NARRATIVA identificável, faz a narrativa midiática atrair mais a atenção.

capítulo 3 • 68
EXEMPLO
O executivo da Fiat Chrysler Automóveis no Brasil, Antonio Filosa, ciente desse critério,
vem usando a frase “O carro atual é um smartphone com quatro rodas” ao anunciar o lança-
mento de seus novos modelos. Com isso, deixa claras as vantagens tecnológicas e comuni-
cacionais dos carros, usando um conceito (smartphone) amplamente conhecido.

Figura 3.5 – Clareza na mensagem de executivo do setor automobilístico.


Disponível em: <http://www.autoinforme.com.br/o-carro-atual-e-um-
smartphone-com-quatro-rodas/>. Acesso em: 28/06/2018.

capítulo 3 • 69
VALOR Significado

A proximidade geográfica e cultural que a mensagem possa ou não


CONCEITO ter com o público-alvo torna essa mensagem mais noticiável e inte-
ressante, por ter maior significado para esse destinatário.

Esse critério se encaixa na estratégia argumentativa chamada dêiti-


PAPEL NA co espaço-temporal, ou seja, elementos que localizam a narrativa no
NARRATIVA tempo e no espaço.

EXEMPLO
Um outdoor, como elemento do espaço urbano, voltando para os passantes, usa esse
princípio. O lead jornalístico e suas seis perguntas (o que, quem, quando, onde, como e por
que) são outro bom exemplo.

Figura 3.6 – Agência 11:21 criou para Cerveja Rio Carioca um outdoor
provocando o prefeito carioca Marcelo Crivella (mandato entre 2017 e 2020)
em relação a suas muitas viagens para o exterior no primeiro ano de mandato.
Disponível em: <https://www.janela.com.br/2017/11/03/1121-alfineta-
crivella-em-outdoor-da-cerveja-rio-carioca/>. Acesso em: 28/06/2017.

capítulo 3 • 70
Figura 3.7 – Lead clássico em jornal (atenção para o “quem”, o “onde”, o
“quando”, o “o que”, o “como” e o “por que”). Disponível em: <https://www1.
folha.uol.com.br/esporte/2018/06/brasil-vence-servia-e-enfrenta-fregues-
mexico-nas-oitavas-da-copa.shtml>. Acesso em: 28/06/2018.

Os demais valores interessam mais aos jornalistas, por estarem ligados direta-
mente à rotina das redações. No entanto, eles dizem respeito, quando se pensa à
narrativa midiática, ao narrador-jornalista, ou melhor, dizem respeito à lógica do
paradigma narrativo midiático. Esses valores são:

Editores, repórteres e redatores têm expectativas sobre deter-


minados acontecimentos que, se ocorrerem, terão maiores pro-
CONSONÂNCIA babilidades de ser publicados como notícia. Nesses casos, são
narrados com maior facilidade.

Uma notícia, uma vez publicada, fica mais clara e tem mais
CONTINUIDADE chance de ter seus desdobramentos publicados.

Esse critério diz respeito às decisões editoriais. Nem tudo cabe


COMPOSIÇÃO nas páginas dos jornais e das revistas; assim, uma história só
sai publicada quando for mais relevante que outra.

capítulo 3 • 71
O momento da publicação faz muita diferença. Publicar infor-
mação exclusiva sobre um episódio (como uma reunião ou um
acordo político) antes que ele aconteça é mais interessante do
OPORTUNIDADE que publicar essa informação depois que a história se torne
pública. Na publicidade, esse critério vira até mesmo o nome de
um tipo de anúncio.

CONCEITO
Anúncio de oportunidade é uma estratégia narrativa que gera comentários entre as
pessoas, por ser inspirado em algum fato que virou notícia.

Figura 3.8 – Anúncio da W/Brasil para Bombril usando notícia que havia sido publicada
sobre o jogador de futebol Ronaldo Fenômeno. Disponível em: <http://ego.globo.com/
Gente/Noticias/0,,MUL469788-9798,00-CONFUSAO+DE+RONALDO+
FENOMENO+COM+TRAVESTIS+VIRA+ANUNCIO+PU
BLICITARIO.htm>. Acesso em: 01/07/2018.

capítulo 3 • 72
Na nota do site Ego (extinto em 2017), uma informação relevante para entender a nar-
rativa chamada publicidade de oportunidade: "Usamos a linguagem bem-humorada de
sempre, sem querer desmerecer ninguém. Voltamos a fazer anúncios em cima de fatos
jornalísticos, não é uma piada gratuita", explica o publicitário Sergio Franco, redator da
W/Brasil. Sergio conta ainda que a personalidade escolhida, como no caso de Ronaldo,
tem que atingir todas as classes, como é o produto.

Figura 3.9 – A notícia que inspirou o anúncio de oportunidade da Bom Bril. Disponível em:
<https://extra.globo.com/noticias/rio/ronaldo-fenomeno-acusado-de-nao-pagar
-programa-travesti-502277.html>. Acesso em: 01/07/2018.

Aqui no sentido de plausível, por ser possível ou provável, por não contrariar a verdade.

Muito além do texto

Quando pensamos na narrativa midiática impressa, temos de levar em consi-


deração que a história a ser contada dispõe de elementos gráficos facilitadores da
compreensão da mensagem, como fotos, legendas, ilustrações, infográficos, títulos
em letras maiores, subtítulos, olhos (caixas de texto em letras maiores), divisão por
retrancas, fundos coloridos etc.

capítulo 3 • 73
Tais elementos direcionam a leitura e ajudam a narrativa, dando a ela outros
elementos para tornar a contação mais verossímil ou de mais fácil interpretação.

Figura 3.10 – Elementos gráficos na narrativa midiática impressa. Atenção para a


narrativa imagética como predominante. Disponível em: <https://www.otempo.com.br/
infogr%C3%A1ficos/os-gr%C3%A1ficos-da-
trai%C3%A7%C3%A3o-1.1335510>. Acesso em 29/06/2018

capítulo 3 • 74
Figura 3.11 – Elementos gráficos na narrativa midiática impressa.
Atenção para a narrativa imagética como predominante. Disponível
em: <http://www.hortifruti.com.br/comunicacao/>.

É importante notar, nas duas imagens acima, a dialogia que vimos no primei-
ro capítulo, ou seja, o sentido das duas mensagens é completado pela experiência
narrativa do público. O “sinal amarelo” do gráfico jornalístico e a referência ao
romance de Jorge Amado “Dona Flor e seus dois maridos” precisam ser decodifi-
cados para a narrativa se completar nos dois casos.
Em outro olhar, devemos observar, também a partir das figuras acima, so-
bretudo a do outdoor da rede de hortifruti do Rio de Janeiro, o lugar comum
que se tornou nas narrativas não apenas recontar histórias clássicas com um estilo
autoral, mas também combinar histórias de diferentes culturas e épocas, relacio-
nando-as (FIGUEIREDO, 2010), misturando seus personagens e textos, fazendo
citações para serem reconhecidas.
Essa caraterística das narrativas, tanto as ficcionais quanto as do fato, foi cuida-
dosamente estudada pela professora Vera Follain de Figueiredo na obra Narrativas
migrantes: literatura, roteiro e cinema (2010). Voltada para relações entre narrati-
va literária e cinematográfica, a professora destaca os deslizamentos narrativos em
diferentes suportes com um elemento a ser observado.
Com base nesse aspecto, podemos olhar a clássica narrativa de Dom Quixote,
obra do espanhol Miguel de Cervantes e Saavedra (1547-1616). Lançado em
1605, esse livro inaugurou o romance moderno, tendo como título original O en-
genhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Traduzida para quase todos os idio-
mas contemporâneos, impressa na forma de histórias em quadrinho e roteirizada
no cinema, essa narrativa, por sua importância, deslizou e desliza midiaticamente
para as mais diversas direções. Vale observar mais profundamente duas delas.

capítulo 3 • 75
1. Os seis minutos mais belos da história do cinema. Nesse deslizamen-
to, no olhar de Orson Welles, Dom Quixote está em uma sala de cinema
e ataca a tela quando uma personagem feminina se encontra em perigo. A
cena destacada pelo filósofo italiano Giorgio Agamben em um ensaio clássico
(leia em <https://revistapolichinelo.blogspot.com/2012/07/os-seis-minutos
-mais-belos-da-historia.html> e veja em <https://youtu.be/S4GtxJC6D1U>)
é um ótimo exemplo de narrativa migratória, deslizando do livro para a tela.
2. "Terra de gigantes" (<https://youtu.be/LU9deI7Czy8>) e “Dom Quixote”
(<https://youtu.be/kA9JbfToPPc>), canções da banda gaúcha Engenheiros do
Hawaii, ressignificam a narrativa clássica espanhola de forma poético-musical.
Nesses deslizamentos, a narrativa se desdobra e, como no filme de Welles, atua-
lizam a bela história de 1605, mostrando o poder migratório das narrativas.

Cabe, também, pensando no elemento narrativo visual impresso fotojorna-


lístico, notar a importância que o público dá para os deslizamentos. Um bom
exemplo é a foto do fotojornalista Marcelo Carnaval vencedora do Prêmio Esso
e Prêmio Rei da Espanha de 2006. Intitulada “Pietá carioca”, a referida foto des-
liza a imagem neoclássica de 1499 do pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano
Michelangelo. Estampada na primeira página do jornal O Globo, a foto revela o
projeto dramático do narrador Marcelo Carnaval ao retratar a violência urbana.
©© STANISLAV TRAYKOV | WIKIMEDIA.ORG

Figura 3.12 – Pietá deslizando 500 anos no imaginário imagético.

capítulo 3 • 76
Figura 3.13 – Pietá deslizando 500 anos no imaginário imagético. Disponível em: http://
memoria.oglobo.globo.com/jornalismo/premios-jornalisticos/a-
pietaacute-carioca-19231643. Acesso em: 30/06/2018.

Cabe, ainda, pensar, no livro-reportagem, a notícia que, aprofundada, ga-


nha fôlego de romance, deslizando de um suporte para outro. Todo estudante de
Jornalismo vai ver mais a fundo esse conceito em outras disciplinas, mas aqui va-
mos olhar para esse produto sob o ponto de vista da narrativa midiática que desliza.
No Brasil, o romance-reportagem começou a ser produzido durante a Ditadura
Militar – afinal, a censura à imprensa naquela época levou vários jornalistas a mi-
grar para o formato livro, uma vez que não havia propriamente espaço na grande
mídia impressa para esse tipo de jornalismo aprofundado e analítico.
O livro com uma grande reportagem tinha um público já cativado pela
Revista Realidade (que circulou entre 1966 e 1976), a qual, em função da ditadu-
ra, também estava em crise. Havia igualmente uma crise instaurada na ficção, mais
especificamente no romance, que no Brasil tendia para um novo realismo brutal.
Havia, ainda, uma esteira aberta pelo jornalista estadunidense Truman Capote,
com A sangue frio (1966), obra chamada por ele de romance de não ficção.

capítulo 3 • 77
Figura 3.14 – Revista Realidade nº 13, de abril de 1967: olhar crítico para a
influência dos EUA no regime ditatorial militar brasileiro. Disponível em: <https://
produto.mercadolivre.com.br/MLB-817797717-revista-realidade-abril-1967-
antiamericanismo-carlos-lacerda-_JM>. Acesso em: 01/07/2018.

Atualmente, narrativas no formato romance-reportagem, livro reportagem ou


romance de não ficção são um produto midiático impresso de grande sucesso de
vendas, podendo ser uma compilação de textos publicados em um veículo de
comunicação sobre determinado assunto ou conter material totalmente inédito.
Uma das autoras de livros-reportagem de destaque é a jornalista mineira
Daniela Arbex, que escreveu, entre outros livros, a obra Todo dia a mesma noite
(2018), sobre a tragédia da boate gaúcha Kiss.

CONEXÃO
Saiba mais em: <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/escritora-premia-
da-daniela-arbex-lanca-o-livro-todo-dia-a-mesma-noite-sobre-a-tragedia-da-kiss.ghtml>.
Acesso em: 01/07/2018.

Gêneros do discurso

Roteiro de cinema, letra de música, notícia de jornal, anúncio publicitário,


livro-reportagem, crônicas são gêneros do discurso que podemos compreender
como narrativas. Com base em Mikhail Mikhailovich Bakhtin, podemos identifi-
car tais narrativas dentro do chamado gênero discursivo.

capítulo 3 • 78
Tais gêneros são, segundo Bakhtin, formas de dizer mais ou menos estáveis em
nossa sociedade. Todo público letrado sabe o que é e reconhece uma notícia, um
anúncio publicitário, uma carta, uma receita de bolo etc. Ao fazer esse reconheci-
mento, cria uma expectativa de leitura que deve ser atendida pela narrativa para
sua total compreensão no chamado campo ou esfera social. Cabe aqui o conceito
de contrato de leitura.

CONCEITO
“O conceito de contrato é uma espécie de espaço imaginário onde percursos múltiplos
são propostos ao leitor, paisagens onde o leitor pode escolher um caminho mais ou menos
de liberdade, onde zonas nas quais ele possa se perder, ou seja, perfeitamente balizado.
Ao longo da estrada o leitor encontra personagens diversos que lhe propõem atividades
várias, através das quais se vêm possíveis traços de relações, segundo as imagens que estes
lhes passam. Um discurso é um espaço habitado de atores, de objetos e ler é colocar em
movimento este universo, aceitando ou recusando, indo mais além à direita ou à esquerda,
investindo mais esforços (...). Ler é fazer.”
VERÓN, 2004, p.216.

Ou seja, uma notícia de jornal, atendendo aos critérios de noticiabilidade que


vimos acima, cria a expectativa de consumo de algo informativo, característica
típica do discurso da mídia. Esse reconhecimento se dá pela forma de composição
dos textos, levando em consideração temas e funções, além do estilo de linguagem.
Tais elementos, sobretudo a forma composicional, o tema e o estilo, não podem
ser dissociáveis. Para Bakhtin, tema é mais que um simples conteúdo; é um conteú-
do enfocado em uma apreciação de valor dada pelo narrador. Tal apreciação deixa
o texto único, particular e irreproduzível, uma vez que é por ele que a ideologia
circula. Forma de composição e estilo aparecem a serviço do tema. O estilo integra
o projeto dramático do narrador por meio de suas escolhas linguísticas (“vontade
enunciativa”): vocabulário, estrutura frasal e registro formal, informal, de gírias etc.
Já a forma de composição é a organização e o acabamento de toda narrativa.
Está relacionada à “estrutura” do texto, que envolve a progressão temática, a coe-
rência e a coesão do texto.
Na narrativa impressa, os gêneros discursivos são de fundamental importância
para sua compreensão. Um cordel, por exemplo, é um gênero específico da cultura

capítulo 3 • 79
popular do interior nordestino. Marcado pela oralidade, tem a função social de
informar e divertir. Nós, leitores, quando nos deparamos com esse gênero, temos
atendida nossa expectativa de nos informar e nos divertir. É a essa característica,
de experiência satisfatória com a narrativa, que devemos nos atentar quando pen-
samos na relação entre gênero do discurso e narrativa midiática.
O mesmo ocorre quando pensamos nas crônicas jornalísticas, narrativas híbri-
das capazes de transitar entre a Literatura e o Jornalismo, que foram amplamente
trabalhadas por autores consagrados, entre eles Olavo Bilac e Machado de Assis.
Narrativa capaz de transportar o leitor para uma realidade fictícia ou não, descrita
minuciosamente nos mais ínfimos detalhes do cotidiano mais banal, a crônica,
que aparece pela primeira vez em um jornal ainda no século XIX, é marcada
pela espontaneidade com que o autor dialoga constantemente com o leitor. Entre
o informativo e o entretenimento literário, esse gênero discursivo nos orienta a
observar, quando pensamos em narrativa midiática, na força do estilo narrativo
como elemento de fidelização do público.

ATIVIDADES
A partir daqui, como nos capítulos anteriores, você encontra questões sobre narrativa
aplicadas em concursos públicos. Elas servem para você ficar sabendo como nosso con-
teúdo é cobrado pelas bancas organizadoras das seleções e, ao mesmo tempo, avaliar
seu aprendizado.

01. (2010-FCC-TRF) Leia o texto abaixo e responda:

Bakhtin entende o signo como sendo uma entidade necessariamente ideológica. A


significação pertence a uma palavra enquanto traço de união entre os interlocutores,
ela só se realiza no processo da compreensão em que há ação e interação. Sob este
prisma, o signo, ideológico, se realiza, então, na Y. Há que se compreender que cada
palavra emitida, segundo Bakhtin (1981, p. 113), "é determinada tanto pelo fato de
que alguém". A significação é efeito da interação do locutor e do receptor, produzindo
através do material de um determinado complexo sonoro. Podemos ainda nos reportar
à Bakhtin, quando este nos mostra que a realidade da consciência são linguísticos.
Portanto, sem linguagem não se pode falar em psiquismo humano, mas somente em
processos fisiológicos ou processos do sistema nervoso, pois não há uma atividade
mental independente da linguagem.

Adaptado de Ribeiro, O. M. "Direito e linguística: uma relação de complementari-


dade". Revista Jurídica Unijus vol. 3, n. 1, Nov. 2000, Uberaba, UNIUBE. p. 85.

capítulo 3 • 80
A palavra que denomina o conceito bakhtiniano explicado e preenche corretamente a
lacuna Y é
a) dialogia. c) sociedade. e) sincronia.
b) ideologia. d) diacronia.

02. (2017-FUNDEP-CRM-MG) Conforme Wolf (1995, p. 170), “noticiabilidade trata-se de


um conjunto de requisitos relativos aos acontecimentos – do ponto de vista das rotinas de
produção e da ideologia profissional dos jornalistas – que lhe conferem as características
básicas de uma notícia”.
São critérios de noticiabilidade, exceto:
a) a atualidade da notícia. c) a ambiguidade.
b) a relevância do fato. d) o interesse público.

03. (2014-IADES-CONAB) Assinale a alternativa que define fotojornalismo corretamente.


a) Fotografia produzida por um jornalista.
b) Fotografia publicada em um jornal.
c) Fotografia publicada em um jornal, em uma revista ou em qualquer outro meio jornalístico.
d) Narrativa clara e objetiva produzida por meio de imagens.
e) Registro da realidade atual.

04. (2017-UFPA-UFPA) A infografia


a) torna o texto mais agradável de ler.
b) é empregada somente em matérias sobre pesquisas eleitorais.
c) é um gênero narrativo jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para apresentação
sucinta e atraente de determinadas informações.
d) é a junção da fotografia digital com a analógica.
e) é um recurso gráfico utilizado em matérias que tratam de dados estatísticos de produ-
tos primários.

05. Uma compilação de textos publicados em um veículo de comunicação sobre determina-


do assunto pode transformar-se em um livro-reportagem, mas um livro-reportagem também
pode conter material totalmente inédito.
a) Certo
b) Errado

capítulo 3 • 81
REFLEXÃO
Neste capítulo, você navegou pelas narrativas midiáticas impressas, também conhecidas
como narrativas off-line. Viu que fotos, infográficos, títulos, legendas e outros elementos
gráficos são narrativas que podem e devem ser observadas como tal.
Percebeu como critérios de noticiabilidade podem ser vistos sob o ponto de vista da
narrativa, um olhar útil tanto para jornalistas quanto para publicitários. Entendeu, ainda, que
o conceito dialogia é fundamental para a construção das narrativas, uma vez que prevê um
sistema narrativo que leva em consideração o narrador e seu leitor.
Tomou conhecimento de conceitos como letramento, narração do fato e deslizamento
narrativo e como eles são fundamentais para a construção das narrativas midiáticas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, SP: Hucitec, 1981
(1929).
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Os gêneros do discurso. In: _____. Estética da criação verbal. Trad.
Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (1979). p. 261-306.
GALTUNG, Johan; RUGE, Mari Holmboe. The structure of foreign news: the presentation of the
Congo, Cuba and Cyprus crises in four Norwegian newspapers. Journal of Peace Research, v. 2,
n. 1, p. 64-91, 1965.
FIGUEIREDO, Vera Lúcia Follain de. Narrativas migrantes: literatura, roteiro e cinema. Rio de Janeiro:
PUC; 7Letras, 2010.
SODRÉ, Muniz. A narração do fato: notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis, RJ: Vozes,
2009.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo: UNISINOS, 2004.
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo: Martins Fontes: 1999.

capítulo 3 • 82
4
Narrativa em
audiovisual
Narrativa em audiovisual
No capítulo anterior, falamos da pesquisa da professora Vera Lúcia Follain
de Figueiredo sobre o deslizamento das narrativas pelos meios comunicacionais.
Agora vamos mergulhar neste tema, afinal as narrativas jornalísticas e publicitárias
deslizaram dos meios impressos para o cinema (fim do século XIX), para o rádio
(dos anos 1920 em diante) e para a TV (dos anos 1950 em diante) em meio a um
processo ofuscado pelas novidades tecnológicas dos três suportes.
Narrar pelo rádio e narrar pelo cinema e pela TV é mergulhar nas possibilidades
narrativas do som, do silêncio e das imagens em movimento. O cinema (do grego
κίνημα – “movimento”) já havia, desde sua estreia, em 1895, pelas mãos dos irmãos
franceses Lumière, levado as narrativas para locais antes inimagináveis. Agora, elas
entravam por um universo diferente, recebido com entusiasmo, como você verá.
Neste capítulo, vamos aprofundar essas formas narrativas midiáticas, chama-
das de narrativas audiovisuais. Veremos como o rádio e a TV pegaram o bastão do
cinema (que começa mudo, sem som) e fizeram do som, no caso do rádio, e do
som e da imagem, no caso da TV, elementos narrativos midiáticos que, do século
passado a este, vêm evoluindo e deslizando para plataformas virtuais e móveis.
Essas novas frentes são, no entanto, assunto de nosso último capítulo.
Vamos, então, a este mergulho?

O termo mídia, como já temos visto, origina-se da palavra media, do latim, que significa
“meio”. Em Língua Portuguesa, usamos o termo para tratar dos meios de comunicação.
Tendo esse pressuposto, a mídia audiovisual, ou simplesmente mídia dos sons e das
imagens, trata de todo meio de comunicação em que há uso conjunto de elementos
visuais (imagens em movimento e também fotografias, desenhos, gráficos etc.) e sono-
ros (voz, música, silêncio, efeitos sonoros etc.). Sim, mídia audiovisual é a que pode ser
vista e ouvida.

OBJETIVOS
• Conhecer as especificidades da narrativa no cinema, no rádio e na TV;
• Entender que os deslizamentos dos impressos para esses meios e de um meio para outro
são uma característica constante a ser observada;
• Reconhecer que som e, sobretudo, imagem são elementos certificadores, típicos da nar-
rativa midiática.

capítulo 4 • 84
Narrar a partir dos sons e das imagens em movimento
Quando o cinema entrou para nossas vidas, era sábado, 28 de dezembro de
1895. Auguste e Louis Lumière e o mágico Georges Méliès foram os pioneiros.
Os irmãos rodavam o que passou posteriormente a se chamar documentário, e
Méliès, cenas de ficção. Como conta o cineasta e produtor cinematográfico por-
tuguês Ricardo Costa (1997), Méliès relataria seu primeiro contato com o cinema
dizendo ter ficado “perplexo” com a novidade.
Quem apresentou o cinema a Méliès foi o pai dos irmãos Lumière. Pintor e
fotógrafo, Antoine Lumière marcou com Méliès em um café para mostrar o que
deixaria maravilhado seu convidado. Méliès contou que, primeiro, Antoine proje-
tou imagens propositalmente imóveis com seu aparelho. Até aí não havia novida-
de, mas, subitamente, as pessoas que apareciam na imagem passaram a se mover
na tela. “Ficamos todos completamente perplexos!”, resumiu Méliès, que, dife-
rentemente dos Lumière, via na novidade algo muito além do interesse científico.

ATENÇÃO
Local de entretenimento que funcionou entre 1880 e 1930, onde imagens em movimen-
to formavam uma atração a mais. O público, predominantemente masculino, ia extravasar as
emoções, sem freio moral nenhum. Nesses locais, uma atração era o Tableau Vivant. Nessa
parte do espetáculo, um acontecimento era exibido em um quadro, um cinema rudimentar.
Como a decodificação do que estava sendo exibido era complicada, a exibição era de cenas
conhecidas, como, por exemplo, um trem seguindo nos trilhos. Um narrador que ficava ao vivo
na sala de exibição ajudava na compreensão do filme.

Figura 4.1 – Vaudeville. Disponível em: <https://artificielles.wordpress.com/tag/


vaudevilles/>. Acesso em: 16/07/2018.

capítulo 4 • 85
Para o mágico Méliès, o cinema tinha vocação comercial e, diante da recusa
dos Lumiére, deu outro rumo para a novidade.

Méliès construiu o seu próprio aparelho, baseando-se no invento dos irmãos Lumière,
e passou a utilizá-lo para fins que desvirtuavam inteiramente a intenção inicial dos
inventores. Até 1914 Méliès realiza centenas de filmes cuja eficácia se fundamenta
na ilusão e fantasia, cria imagens alucinantes e chega a fabricar atualidades trucadas.
Constrói hábil e cuidadosamente cenários que lhe permitem criar no filme a ilusão da
realidade. A partir de então, com Méliès, o cinema invadiu o mundo, reproduzindo-se
numa onda crescente, tornando-se a arte mais perfeita da verossimilhança. (COSTA,
1982)

Daquela distante data aos dias de hoje, o cinema passaria a ter som (com a pe-
lícula O cantor de jazz, de 1927, da Warner Bros6) e cores (com o filme Vaidade e
beleza, da Becky Sharp, 19357). Depois viriam os desenhos animados (com Branca
de Neve e os Sete Anões, dos estúdios Walt Disney, 19378), a tecnologia 3D (primei-
ro com Bwana Devil, 19529, e popularizado com Avatar, em 200910, este último
uma mistura de animação com atores live-action, marcando a entrada definitiva
do 3D em nossas vidas), o fracassado Smell-o-vision (cinema com cheiro, lança-
do em 1960, com Scent of Mystery11), o formato IMAX (a melhor resolução de
imagem, com Tiger child, em 1968), o som Dolby Stereo (com Apocalypse now, de
1979), o desenho animado em 3D (com Toy story, em 199512), o suporte digital
para gravação sem película (em 2002, com Star wars: ataque dos clones13) e a ima-
gem em 48 quadros por segundo (com o filme Hobbit14, de 2012, dando maior
naturalidade de movimentos da imagem).
Ou seja, em cada novidade tecnológica descrita acima, saltos na forma de nar-
rar foram dados. Esses saltos são elementos da narrativa midiática cinematográfica
que devemos observar com maior atenção daqui em diante.

6 Confira como foi em <https://youtu.be/mW6GfJ5Tvms>. Acesso em: 15/07/2018.


7 Confira em <https://youtu.be/a-P_Ira6kgE>. Acesso em: 15/07/2018.
8 Esse você já viu na TV, mas confira em <https://youtu.be/5RBv8H88SrE>. Acesso em: 15/07/2018.
9 Conferir em <https://youtu.be/Qa8wiw9z6cU>. Acesso em: 15/07/2018.
10 Conferir em <https://youtu.be/9y-lRkq_ExUm>. Acesso em: 15/07/2018.
11 Conferir em <https://youtu.be/d7jNGsLEn2U> e explicado em <https://youtu.be/mRdEbb3_YEE>. Acesso
em: 15/07/2018
12 Conferir em <https://youtu.be/PIYGoJkmygU>. Acesso em: 15/07/2018
13 Conferir em <https://youtu.be/5NWacXGA4nY>. Acesso em: 15/07/2018
14 Conferir em <https://youtu.be/40sMS27Ql_w>. Acesso em: 15/07/2018.

capítulo 4 • 86
Neste século de cinema, a narratividade cinematográfica, ou seja, a relação direta
da narrativa com o receptor, evoluiu muito – que o diga quem já foi a uma sessão
3D. Para termos uma ideia dessa evolução, as primeiras plateias do cinema conta-
vam, como dito acima, com a ajuda de um narrador, uma vez que a linguagem era
tão nova que as imagens precisavam de um decodificador delas (COSTA, 1995).
O exemplo clássico dessa primeira característica da narrativa cinematográfica é
o filme O homem com uma câmera, de Vertov15. Na exibição, um pianista, elemento
comum nas salas de projeção, tinha de narrar ao vivo os acontecimentos e dirigir
a atenção do espectador, que estava aprendendo a ver cinema:

A velocidade que marca o homem elétrico perfeito, a aproximação do homem com a


máquina e as imbricações entre som e imagem em O homem com uma câmera nos
colocam no cerne do pensamento de Marsahll MacLuhan. O espaço acústico próprio
das sociedades orais, retribalizado com os meios eletrônicos, cria uma imagem multi-
facetada no filme de Vertov que até hoje nos intriga. Até mesmo essa pedagogia de
educar novos homens encontra eco em MacLuhan ao pensar o cinema, o rádio e, por
conseguinte, a televisão como “salas de aula sem paredes”. O flâneur operador de
câmara é também uma espécie de detetive e jornalista (documenta a vida da massa),
mas também um professor que dirige pela cidade o olhar, que ensina o espectador as
potências amplificadas das lentes. (OLIVEIRA FILHO, 2017, p. 40)

CONCEITO
Flâneur, termo francês que significa "errante", "vadio", "caminhante" ou "observador", é
um tipo literário do século XIX. É o pensador Walter Benjamin que tira o termo da poesia de
Charles Baudelaire, que trata esse observador urbano como uma experiência moderna. A
partir de Benjamin, o flâneur vira um símbolo para estudiosos, artistas e escritores.

Nós, humanos, contadores e plateias das histórias ao longo de séculos, estáva-


mos diante de novas narrativas, agora definitivamente midiáticas, em que imagens
em movimento e, depois, som e, por fim, imagens em movimento com sons,
davam-nos novas possibilidades de contar e novas experiências como público.
Aprendemos com essas novas formas de narrar. E, a cada nova experiência com es-
sas narrativas, mais hábeis nos tornamos para entender narrativas só com imagens
em movimento, com sons e imagens em movimentos, com sons e silêncios etc.
15 Conferir em <https://youtu.be/QZoddf7_GmQ>. Acesso em: 15/07/2018.

capítulo 4 • 87
Voltando à experiência do cinema, temos de notar que se trata de uma mídia
que, por princípio, passa por um processo de intelectualização, ou seja, um produ-
to que passa a contar com um trabalho midiático para ser reconhecido no circuito
regulado pela indústria cultural, obtendo classificações como cinema-arte e cine-
ma-comercial. O cinema passa ser classificado quando se fala dele, e essa fala se
faz através dos meios de comunicação. Esse aspecto é interessante porque vemos,
então, que a narrativa cinematográfica existe a partir de olhares externos a ela, seja
no trailler que vemos do filme que vai ser lançado, seja na crítica sobre o filme
que lemos no jornal, seja no comercial sobre o filme que vemos no Youtube, seja
no comentário feito por alguém no Facebook etc. Esse é um elemento relevante
nessa narrativa.

Figura 4.2 – Lançamentos do cinema são agendados e aguardados.


Disponível em: <http://www.adorocinema.com/noticias/filmes/
noticia-141515/>. Acesso em: 16/07/2018.

Estamos, portanto, diante de uma arte mediada pela tela de projeção e midia-
tizada, por exemplo, pela crítica cinematográfica. Midiatizada? Mediada?

CONCEITO
O professor Muniz Sodré explica os dois conceitos, propondo claramente a passagem
de mediação para midiatização. O professor diz “[...] está presente na palavra mediação o

capítulo 4 • 88
significado da ação de fazer ponte ou fazer comunicarem-se duas partes”; Já midiatização
é “[...] uma ordem de mediações socialmente realizadas caracterizadas por uma espécie de
prótese tecnológica” (SODRÉ, 2006, p. 20). Tal prótese se dá pela mídia, que, no caso de
nossa ilustração acima, é o site Adoro Cinema.

Arte midiatizada, o cinema tem características narrativas próprias, além das


que já vimos, tais como enredo, personagens, marcadores especiais e temporais,
narrador etc. São essas características próprias que fazem dessa narrativa algo pe-
culiar. Desde Lumière e Méliès, ora o cinema busca reproduzir fatos, enveredando
para o documentário, ora mergulha na ficção e suas peculiaridades, enveredando
pelo cinema comercial e pelo cinema-arte.
Mas, nesses caminhos, o cinema nos mostra que imagens podem substituir
palavras e falas. Revela que personagens podem ser apresentados por seus atos,
e não apenas por descrições. Indica, ainda, que a existência de fundos sonoros
pode fornecer informações narrativas, tais como o som de passos em uma escada
sugerem que alguém está subindo até o quarto onde está sendo mostrada a cena
ou um fundo musical de suspense aumentar a expectativa sobre o que vai ocorrer.

ATENÇÃO
Para entender o que está sendo dito aqui, vale recordar da célebre cena do assassina-
to em um banheiro do filme Psicose (1960), do mestre Alfred Hitchcook. Financiado pelo
próprio diretor, que gastou 800 mil dólares, Psicose rendeu 32 milhões nas bilheterias dos
Estados Unidos.

Figura 4.3 – Cena clássica de Hitchcook: aula de narrativa midiática cinematográfica.


Disponível em: <https://youtu.be/MVejA4oNvYI>. Acesso em: 17/07/2018.

capítulo 4 • 89
Reveja a cena e note: toda a ação se desenrola por meio de imagens e sons, movimen-
tos de câmera, closes e contraplanos. Não são necessárias palavras. A presença de uma
segunda pessoa no banheiro é percebida de forma insinuada até o BG (background). O som
se ouve em segundo plano e vai assumindo papel de destaque, dando o suspense e o terror
necessários para aquela narrativa.

Elementos da narrativa midiática impressa, a verossimilhança e o efeito de real


são dois aspectos que ganham importância ao se analisar a narrativa audiovisual.
O que querem dizer esses dois elementos? Vamos recorrer ao professor Marcelo
BULHÕES (2009) para explicar essa questão:
1. Verossimilhança – Este elemento é o que garante harmonia entre fa-
tos e as ideias em uma obra de ficção, mesmo que tais fatos e ideias sejam
imaginosos ou fantásticos. Tal harmonia dá coerência ao texto. Um bom
exemplo são as histórias de heróis, impressas ou encenadas, como o filme
O incrível Hulk (2008). Quando assistimos a esse filme, esperamos que
o cientista Bruce Banner (Edward Norton) se transforme no super-herói
Hulk assim que for irritado. Sabemos que ninguém vira um monstrão ver-
de, mas, dentro da história do Hulk, essa realidade faz sentido.
Tal recurso é muito visto na publicidade também. Para citar um exemplo deste
ano de 2018, basta relembrarmos a campanha do carro Renault Captur, assinada
pela DPZ&T. Na peça, a atriz Marina Ruy Barbosa interpreta uma sereia, numa
superprodução rodada em quatro dias na estrada de Santos e em Ilhabela. Claro
que sabemos que Marina Ruy Barbosa não é uma sereia e que sereias não existem.
Mas, no comercial do Renault Captur, a verossimilhança interna faz a gente nem
refletir que sereia não tem pés e, mesmo assim, ela acelera o carro quando “passa a
perna” em um motorista seduzido por seus encantos.

capítulo 4 • 90
Figura 4.4 – Verossimilhança ajuda a vender carro. Disponível em: <https://youtu.be/
mexpZ0kspGc>. Acesso em: 18/07/2018.

Podemos falar de verossimilhança interna, como na história do Hulk, centra-


da no personagem, e também de verossimilhança externa, quando, por exemplo,
lemos ou vemos o filme O mágico de Oz, e o ambiente fantástico ali descrito nos
transporta para a lógica daquela história e não estranhamos homem feito de latas
e leão falante. O mesmo se dá em Alice no País das Maravilhas, narrativa na qual o
exército de cartas de baralho nos parece plausível.

2. Efeito de real – Conceito do escritor, semiólogo e filósofo Roland


Barthes (1971), esse elemento pode ser resumido como um conjunto de
detalhes que nos ajudam a compreender como real a história que estamos
lendo/vendo. São detalhes que aparentemente em nada ajudam na narrati-
va porque nada acrescentam além de uma informação detalhada que ajuda
o público a identificar aquela narrativa como real. No exemplo acima, as ce-
nas da sereia nadando no mar nos dão essa sensação. Quando, por exemplo,
um escritor romântico descreve o quarto da protagonista de sua história,
ele está buscando esse efeito. Quando um autor contemporâneo, como o
jornalista Luiz Ruffato, em outro exemplo, descreve com detalhes um am-
biente urbano, como São Paulo ou sua cidade natal Cataguases, na Zona
da Mata mineira, para contar uma história ficcional, ele também busca o
mesmo efeito.

LEITURA
A obra A ficção nas mídias, do professor Marcelo Bulhões, livre-docente pela UNESP,
doutor em Literatura Brasileira e mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela
USP, é dica para aprofundar o que estamos vendo aqui. Afinal, como defende o professor em

capítulo 4 • 91
artigo publicado na PUC gaúcha, dentre as “categorias narrativas básicas que envolvem o
estudo das distintas formas ficcionais das mídias destaca-se, sem dúvida, o espaço, no qual
se identifica uma série de ricos atributos. Se no cinema a primazia a essa categoria narrativa
se reconhece na noção de ser a sétima arte uma ‘arte do espaço’, o advento das mídias di-
gitais faz ver que o espaço se apresenta para ser virtualmente explorado, promovendo-se ao
interator a sensação de que ele também ocupa o território da ficção”.

Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/


revistafamecos/article/view/8811>. Acesso em: 17/07/2018.

No livro A ficção nas mídias, o professor Marcelo Bulhões fala da ficção midiática em
suas mais diversas manifestações narrativas, tais como filmes, seriados e novelas de TV,
animações e games. Boa leitura.

Figura 4.5 – A ficção nas mídias: um curso sobre a narrativa nos meios audiovisuais, de
Marcelo Bulhões. Disponível em: <http://livraria.folha.com.br/livros/comunicacao/
ficcao-midias-marcelo-magalhaes-bulhoes-1141653.html>. Acesso em: 17/07/2018.

O som e o silêncio como narrativas

Quando o rádio entrou em nossas vidas, foi recebido com um entusiasmo sem
precedentes. Uma crônica publicada em 1939, do jornalista Berilo Neves (1899-
1974), é exemplo de como a novidade foi recebida:

capítulo 4 • 92
O rádio é a onipotência feita som. Outrora, os deuses falavam aos homens, do alto
temoroso dos céus. (...) Quem descobriu, no mecanismo do universo, as ondas hert-
zianas, agarrou, de uma só vez, as rédeas de ouro do carro do infinito. (...) Hoje, o rádio
mete-nos, em casa, de graça quase, a Terra inteira, com o rumor das suas cidades, o

cantar dos seus artistas, os versos dos poetas ... Quem possuiu um aparelho de rádio é
um dominador do mundo, um Alexandre, que não precisa sair de casa para tê-lo a seus
pés, obediente e dócil. (MURSE, 1976, p. 7)

O texto acima nos dá um pouco da ideia do que foi a estreia do rádio em nos-
sas vidas e o que ele fez com nossas narrativas. Sim, como diz o cronista, o rádio
e os sons por ele emitidos são, desde as primeiras décadas do século passado, uma
porta aberta para a transmissão e a recepção de histórias e mais histórias.

ATENÇÃO
A primeira transmissão radiofônica oficial no Brasil ocorreu numa quinta-feira, 7 de
setembro de 1922, durante uma exposição pelo aniversário da independência do país.
Naquela data, cidadãos agraciados com 80 receptores, sendo alguns deles instalados em
praças públicas, puderam ouvir o discurso do presidente Epitácio Pessoa, além de trechos
da ópera O Guarany, de Carlos Gomes, do Teatro Municipal, onde estava sendo executada.
(MOREIRA, 1991)

Mas o que essa narrativa tem de particular? Para responder a essa pergunta
devemos pensar em gêneros, formatos e modelos radiofônicos. Nesse pouco mais
de um século de rádio, sua rica história (sobretudo na década de 1940, a chamada
Era de Ouro do Rádio) deixou um legado narrativo complexo, mesmo que ainda
pouco estudado.
Questão para os estudiosos do meio radiofônico, a definição de gênero nesse
suporte midiático vem sendo discutida intensamente na última década por estu-
diosos do rádio, sobretudo Reis (2010) e Kischinhevsky (2016). Os dois nos aju-
dam a elencar o gênero radiofônico a partir do conteúdo transmitido e do modelo
de distribuição. Mas, antes de tudo, o que é gênero narrativo no rádio?

capítulo 4 • 93
CONCEITO
A conceituação de gênero narrativo no rádio parte do que se conhece como gênero
textual. Ou seja, como estamos vendo ao longo deste livro, parte das formas de linguagem
usadas: informais ou formais, em prosa ou em verso, injuntivas (como receitas) ou ficcionais
(como contos) etc. Essa linguagem textual pode ser escrita, mas também oral, como uma
videoaula ou um programa de rádio. O que se diz no rádio, mesmo de improviso, é um gênero
textual com características orais, tais como entonação, silêncios e ritmo, e características do
meio, como fundo musical, reprodução de sons de diferentes ambientes, efeitos que levam a
sensações de suspense, riso, terror etc. (BALDICK, 2013)

Feita tal definição, pode-se falar em gêneros radiofônicos informativo, de en-


tretenimento, educativo e comercial-publicitário. Vejamos a seguir a característica
de cada um deles:

Tem o noticiário como conteúdo dominante e as emissoras all news como


INFORMATIVO

canal principal. A narrativa deste gênero prevê diferentes vozes, como as


GÊNERO

do locutor, do repórter e dos eventuais entrevistados. Marcadores sono-


ros oferecem uma promessa de que a seguir virão notícias, tais como vi-
nhetas, que são as trilhas sonoras feitas exclusivamente para um produto
informativo, para identificação pelo ouvinte do conteúdo que virá em se-
guida. Podem ser faladas, cantadas ou instrumentais.

Se volta para a formação escolar e cultural e tem como canais as emis-


GÊNERO EDUCATIVO

soras educativas e universitárias. Estão diretamente ligadas à origem do


meio radiofônico no Brasil e tiram proveito das técnicas da radionove-
la (interpretação sonora de obras ficcionais com ação de radioatores e
narradores). Um bom exemplo são as emissoras de rádio do Ministério
da Educação (http://www.ebc.com.br/radio-ministerio-da-educacao). No
aspecto narrativo, há que se observar a união de diferentes técnicas, mo-
delos e formatos radiofônicos com o propósito educativo.

Como o nome sugere, tem a publicidade e a propaganda intercalando


COMERCIAL

canções e demais produtos como conteúdo e as emissoras comerciais,


GÊNERO

incluindo as all news, como canais. Narrativa midiática especialmente vol-


tada para a venda de produtos e serviços e a propagação de ideias, tem
técnicas especiais e narração adaptada ao público-alvo do cliente que
contratou tal mídia.

capítulo 4 • 94
ENTRETENIMENTO
Reúne música, encenações e atuação de apresentadores. Conteúdo mui-
to encontrado nas emissoras conhecidas como “vitrolões” do antigo for-
GÊNERO mato AM (hoje quase todo migrado para o FM, que tem melhor som e me-
nor alcance geográfico ). Os elementos narrativos são semelhantes aos
do informativo, mas atenção especial deve ser dada aos apresentadores,
elemento fundamental desse gênero.

CONEXÃO
Para quem não cursou as disciplinas ligadas ao rádio, uma boa fonte para entender os
aspectos técnicos da classificação das emissoras de radiodifusão, como a diferença entre
AM e FM, é o site da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão). Co-
mece pelo link <https://goo.gl/691wKL>.

ATENÇÃO
Também conhecido como locutor-apresentador, o apresentador do rádio teve sua função
regulamentada, em 1978, pela Lei nº 6.615. Ele tem liberdade de atuação, podendo transmitir no-
tícias previamente redigidas; fazer comentários de improviso; entrevistar artistas, políticos e perso-
nalidades e interagir com ouvintes ou com um público em auditório, mas também apresentar pro-
pagandas usando seu carisma nessa ação. Tal atividade pode dividida em classes ou categorias:

LOCUTOR Vocaliza textos previamente redigidos nos intervalos da


ANUNCIADOR programação.

LOCUTOR Responsável por programas inteiros, em geral tem seu nome como
APRESENTADOR nome do programa. Faz entrevistas, interage com o ouvinte etc.
ANIMADOR
Comenta os eventos esportivos, sobretudo os relacionados ao
LOCUTOR futebol. Também vocaliza comerciais, mas, em função de sua li-
COMENTARISTA gação com o esporte, na imensa maioria das vezes é escalado
ESPORTIVO nessa função para anunciantes relacionados ao mundo esportivo.

capítulo 4 • 95
Narra as partidas de futebol e de outros eventos esportivos. Faz
LOCUTOR comentários durante essa narração e até vocaliza anúncios pu-
ESPORTIVO blicitários durante essa atividade. Ritmo e vocalização estudados
OU LOCUTOR são suas principais características, sendo elas que diferem uma
NARRADOR narração na TV da feita no rádio.

LOCUTOR Vocaliza os boletins noticiosos.


NOTICIARISTA
Por meio de entrevistas, narra fatos, promove debates e confron-
LOCUTOR ta fontes ao vivo com perguntas pré-elaboradas e as que surgem
ENTREVISTADOR durante a conversa no ar.

Figura 4.6 – Francisco Barbosa, programa com seu nome nas rádios
Globo e Tupi do Rio. Disponível em: <https://www.portaldosjornalistas.
com.br/jornalista/francisco-barbosa/>. Acesso em: 03/08/2018

Todos os locutores precisam apresentar boa dicção, de modo a ter sua fala totalmente
compreensível sem a ajuda de gestos. A vocalização no rádio requer, ainda, que o locutor in-
terprete, dando cor ao que está sendo falado em função do público-alvo ouvinte. Cor? Isso
mesmo, um locutor de emissora jovem deve, por exemplo, falar em ritmo e vocabulário que leve
em consideração esse público, de modo que sua narração seja identificada por esse ouvinte.

capítulo 4 • 96
Vista a distinção de gêneros e seu impacto na narrativa radiofônica, cabe vol-
tar o olhar para os modelos radiofônicos sob o ponto de vista do monólogo e do
diálogo, uma vez que estamos falando de uma narrativa oral.
1. Monólogo ocorre quando âncoras e locutores, entre outros profissio-
nais do rádio, vocalizam textos (ao vivo ou gravados) sem interação com
outros profissionais, com entrevistados ou com ouvintes. Neste aspecto, a
narrativa deve contar com outros elementos sonoros, como vinhetas e BGs,
e recursos de locução descritos acima. Tais elementos são fundamentais
para a narrativa não ficar monótona.
2. Diálogo, como o nome sugere, é quando ocorre a interação ente lo-
cutores e âncoras com outros profissionais, com entrevistados ou com ou-
vintes. Neste caso, a narrativa requer domínio desse locutor ou âncora do
chamado timing das falas de cada um dos participantes do diálogo, ou seja,
não pode deixar um dos entrevistados falar sem parar e muito menos não
dar espaço para ele falar. Como garantir essa façanha? Ora, ouvir com aten-
ção o que o outro está dizendo e esperar momentos de raciocínio completo
e respiração para interromper, se for o caso.

Emissoras all news vão, por exemplo, diversificar a programação, mesclando


diálogos e monólogos. Emissoras com foco em programas de entretenimento mu-
sical vão optar por monólogos ao transmitir conteúdo, sobretudo o jornalístico, e
vão usar os diálogos em ações promocionais com os ouvintes. O gênero educativo,
semelhante ao informativo all news, vai mesclar diálogos e monólogos, mas tam-
bém lançará mão de encenações no modelo radionovelas breves, sendo que, nestes
casos, além dos diálogos transmitidos, o que se tem é um monólogo por não haver
interação, mas, sim, encenação. Já o gênero comercial se valerá, como dito acima,
de jingles, inserções musicais e sonoras para, predominantemente nos monólogos,
transmitir suas mensagens publicitárias. Diálogos no gênero comercial vão ocorrer
em emissoras em que cabem ações promocionais nas ruas (com entrada de ouvin-
tes ou repórteres-publicitários) ou por telefones com ouvintes ao vivo ou gravados.
Nesse ambiente radiofônico, os formatos perpassam os diferentes gêneros e
modelos, sendo uns pouco comuns (como a radionovela educativa) e outros mui-
to utilizados (como as notas informativas). Com isso, na narrativa radiofônica,
podemos falar em formatos mais comuns e outros mais raros. São mais encontrá-
veis os seguintes:

capítulo 4 • 97
NOTA Informação curta, em monólogo, bastante comum em noticiários.

Informação mais alongada do que a nota, normalmente patrocinado,


BOLETIM mas também em monólogo.
Informação analítica em monólogo e em reação (não diálogo) com
COMENTÁRIO o noticiário e demais conteúdos informativos. Também é comumente
patrocinado.
Narrativa leve, chamada Literatura de Ouvido (THOMÉ, 2015), em
monólogo, e encontrável em emissoras all news e nas voltadas para
CRÔNICA o conteúdo esportivo. Um dos programas mais conhecidos desse gê-
nero é um denominado “Quadrante”, que foi ao ar mais recentemente
na BandNews FM após figurar, na década de 1960, na Rádio MEC.
Formato baseado em mais de um diálogo, alongado e bastante co-
DEBATE mum em emissoras do antigo AM, hoje migradas para o FM, como as
rádios Globo e Tupi do Rio de Janeiro e de São Paulo.

ENTREVISTA Informação aprofundada, em diálogo, comum em emissoras all news.

Encenação breve no modelo radioteatro/radionovela, com curta dura-


ção em emissoras educativas e naquelas com forte conteúdo humo-
ESQUETE rístico na programação. Formato também usado na publicidade e na
propaganda. Apesar de ser baseado em diálogos, no esquete há, na
verdade, monólogo, por não haver interações.
Muito rara atualmente, marcada pela encenação e pelo alto custo de
RADIONOVELA produção. Encontrável atualmente em emissoras educativas e nas pla-
taformas colaborativas, como o Radiotube.

CONEXÃO
Viste o site <https://www.podomatic.com/podcasts/>, quadrante e leia um pouco mais
sobre o Quadrante de Paulo Autran (1922-2007). Escute alguns dos programas que deixa-
ram de ir ao ar quando o brilhante ator e locutor faleceu.

Em tempos de convergência dos meios de comunicação, cabe apontar que


há novos formatos que estão surgindo a partir do chamado rádio expandido, ou
seja, diante das novas possibilidades de transmissão e recepção radiofônica, como
define o professor Marcelo Kischinevsky.

capítulo 4 • 98
CONCEITO
Rádio expandido
Circunscrever o rádio às ondas eletromagnéticas é condená-lo a um papel cada vez mais
secundário diante do crescimento da internet comercial e do processo de convergência de
mídias. No início do século XXI, escuta-se rádio em ondas médias, tropicais e curtas ou em
frequência modulada, mas também na TV por assinatura, via cabo, micro-ondas ou satélite,
em serviços digitais abertos e por assinatura, e via internet, de múltiplas formas. (KISCHI-
NHEVSKY, 2012, p. 48)

Nesse cenário, além dos formatos sonoros elencados, há outros, como os


podcasts. Há, ainda, os parassonoros, como as twitadas dos âncoras das emissoras
all news durante a programação ou os estúdios com câmeras que levam apresenta-
dores a rede digitais, como o Facebook live ou sites das emissoras. Neles, nota-se
a expansão da narrativa midiática radiofônica para outras plataformas, umas tex-
tuais e outras visuais.

Uma imagem no lugar de mil palavras

A partir das reflexões propostas por Torres Costa, Cristina Costa e Amorim
(2017) no ensaio A televisão e a polinarrativa do jornalismo audiovisual, é possível
afirmar que, como o cinema, a televisão necessita da chamada polinarrativa por
recorrer ao uso da imagem em movimento, dos sujeitos em cena, da voz, do texto
verbal, de sons e de recursos cênicos. Na TV, temos todos os elementos do cinema,
com a amplitude que a transmissão doméstica e variada permite, dando importân-
cia relevante para o espectador.
Essa experiência, que foi inaugurada no Brasil na década de 1950 e se desen-
volveu progressivamente a partir do final da década de19 60, graças ao videotape
e às imagens em cores, configura uma ação narrativa que tem suas singularidades.
Entre essas particularidades estão aparatos técnicos (tais como captura e edi-
ção de imagens) e efeitos visuais (tais como quais imagens captar, qual luz será
usada e o ritmo que a edição vai empreender ao produto).
O linguista Paul Zumthor (2007) identifica tais particularidades como “per-
formance mediatizada tecnicamente”, que inclui uma recepção coletiva a partir

capítulo 4 • 99
da audição e visão de uma linguagem própria e do que o autor chama de “texto
em presença”. Tal processo é uma das mais conhecidas definições de polinarrati-
va televisiva.

CONCEITO
Polinarrativa televisiva, segundo TORRES COSTA, CRISTINA COSTA E AMORIM (2017),
é derivada de uma base teórica cujos pilares são a polifonia e o dialogismo bakhtinianas16.
Polifonia, como vimos desde o primeiro capítulo, é diversidade de vozes no interior de
um “texto”, suas referências a outros “textos”, que, no caso da TV, tanto podem ser palavras
quanto sons e músicas. São as diversas “vozes” reconhecíveis por quem assiste que ampliam
o significado do que foi feito para ser assistido no chamado dialogismo.
Dialogismo é, portanto, a relação com o outro, seja ele o telespectador ou o produtor do
conteúdo que está sendo exibido, um caminho de mão dupla. A narrativa midiática televisiva
é um diálogo constante entre seus participantes, um ponto de encontro de opiniões e visões
de mundo. O exemplo dado por Bakhtin para evidenciar a impossibilidade de se estar fora do
dialogismo é a do Adão, personagem da bíblia. Só ele “viveu” num mundo de objetos ainda
não nomeados. Depois desse personagem, tudo é nomeado num processo dialógico contí-
nuo. (BAKHTIN, 2010 [1979], p. 300)

Nesse cenário polifônico e dialógico, o telespectador é coadjuvante e, mais


que no texto e no rádio, tem a possibilidade de mergulhar na narrativa por meio
das imagens e do fluxo e do ritmo em que elas são exibidas. É um “olho no olho”
entre quem narra na tela e quem assiste, num processo em que a câmera se tor-
na invisível.
Esse olho no olho explica por que muitos telespectadores sempre respondem
ao “boa noite” dos apresentadores do Jornal Nacional da TV Globo quando o tele-
jornal é exibido (REZENDE.2000, p. 36). Também explica as mudanças recentes
do mesmo telejornal, tais como exibir a redação ao fundo (a partir do ano 2000)
e roteirizar “passeios” dos apresentadores durante o telejornal (a partir de 2017).
Ou seja, esse olho no olho altera a forma de fazer TV.

16 Do pensador russo Mikhail Bakhtin, que vimos anteriormente.

capítulo 4 • 100
A pesquisadora francesa Chambat-Houillon (2012) defende a ideia de que a
natureza programada da transmissão e a crença na transmissão ao vivo são os ele-
mentos principais que distanciam a televisão do cinema. A TV forma um “fluxo
temporal contínuo regulado pelo canal que permite à diversidade dos públicos
aderirem ou não àquilo que é transmitido”. Ou seja, o público e a recepção do que
é transmitido marcam a narrativa midiática televisiva de forma decisiva.
A partir dessa premissa, pode-se entender como produtos polifônicos, dialó-
gicos e polinarrativos as reportagens, as entradas ao vivo, as entrevistas, os comen-
tários, os anúncios publicitários pré-produzidos, os anúncios narrados ao vivo por
apresentadores, entre outros gêneros textuais. Também podemos analisar as emis-
sões diárias inteiras dos telejornais enquanto produto exibido ao vivo e intercalado
por blocos comerciais.
Para analisar qual a categoria e qual o gênero do programa televisivo, deve-se
tomar como base Aronchi (2004). Os gêneros podem ser veiculados em meio
a programas informativos, de entretenimento e educativos, e suas subcategorias,
tais como telejornais, telenovelas, desenhos animados, teleaulas etc. Ou seja, cada
gênero e cada subgênero criam no telespectador uma expectativa de que vai se in-
formar no telejornal, se divertir com a telenovela e o desenho animado e aprender
algo com a teleaula. Essa expectativa se na baseia na chamada promessa que é feita
na veiculação desse gênero, uma promessa que se dá desde a grade de programação
(horários em que os produtos serão exibidos) até as chamadas e vinhetas.
Se uma vinheta indica que vai ao ar um programa de culinária, minha ex-
pectativa é me divertir e aprender a cozinhar algo. Um mesmo programa pode
reunir mais de um gênero sem que o telespectador se dê conta conscientemente.
No entanto, no que diz respeito à promessa, esse espectador fica em frente à TV
no horário desse programa na expectativa de aprender e se divertir. Ou seja, se o
programa não cumprir essas promessas, o telespectador muda de canal ou desliga
a TV. Para a narrativa televisiva publicitária, esse aspecto é relevante. Observar o
cumprimento das promessas do programa onde o anúncio será veiculado é funda-
mental para apostas de inserção e também no formato de inserção. Um anúncio
divertido que também ensine será visto pelo espectador com maior atenção.

capítulo 4 • 101
Figura 4.7 – Apresentadora Ana Maria Braga na TV Record, na década de
1990. Diversão com o personagem Louro José, celebridades sendo entrevistadas
e aulas de culinária. Disponível em: <https://observatoriodatelevisao.bol.uol.
com.br/historia-da-tv/2017/08/note-e-anote-programa-que-ditou-moda-nos-
anos-1990-chegava-ao-fim-ha-12-anos>. Acesso em: 03/07/2018.

ATENÇÃO
Tendo como base as discussões no âmbito do grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas e
Dialogias/CNPq, deve-se observar a narrativa televisiva sob quatro aspectos:
1. Descrição
2. Análise do gênero no audiovisual
3. Análise dos campos temáticos e
4. Análise audiovisual

A fase de descrição é o primeiro passo para entender o contexto de produ-


ção e veiculação do produto. Nessa fase, deve-se observar a plataforma em que é
apresentado o produto, a emissora e o programa a que está associado, levando em
conta classificações de categorias, gêneros e formatos de Aronchi (2004). É impor-
tante montar a análise, a partir da observação inicial, com conteúdo do produto,
título apresentado na veiculação e/ou na postagem na web, data de veiculação,
identificação do autor ou dos autores do texto e dos demais enunciadores respon-
sáveis pela imagem, pela edição, pela voz.

capítulo 4 • 102
Em um segundo momento, propõe-se uma análise do gênero no audiovisual,
etapa que prevê oito focos de análise: a promessa (que já falamos acima e que
podemos ver em perguntas tais como “Há uma vinheta e/ou chamada do apre-
sentador?”), o modo de produção (Ao vivo? Gravado?), o narrador (Personagem?
Presente em cena?), os personagens, a motivação (Educar, informar, entreter?, as
tipologias do gênero (Telejornal, programa de auditório, telenovela?), as tipologias
do audiovisual (Com imagens de arquivo, ligada ao noticiário?) e a taxonomia, ou
seja, qual ou quais poucas palavras resumem o programa (O nome do apresenta-
dor? Duas letras como o JN? Um nome fixo apesar da mudança do produto como
a novelinha (soap opera) Malhação?).

CONCEITO
Soap opera é um gênero de obras de ficção dramática ou ficção cômica transmitido
pela televisão em séries formadas por capítulos transmitidos regularmente.

O terceiro foco, a análise dos campos temáticos, está voltado para o narrador.
É importante detectar se o texto está em primeira ou em terceira pessoas e se o
conteudista está presente ou não nas imagens e como se apresenta. Como vimos
acima, a TV prevê o olho no olho, uma conversa, um diálogo em tom coloquial.
O que está sendo exibido? Uma cena de refugiados na Síria? Uma escola de samba
na Sapucaí? O último capítulo de uma telenovela?
Já na análise audiovisual devem ser observados os elementos narrativos descri-
tos no capítulo 2, tais como personagens, enredo, cenário, narrador. Mas deve-se
também observar o que é próprio do audiovisual, como os planos de câmera:

PLANO MÉDIO Mostra um ambiente.

PLANO AMERICANO Mostra uma pessoa do joelho à cabeça.

PRIMEIRO PLANO Mostra uma pessoa do tronco á cabeça.

PLANO PRÓXIMO Mostra o rosto de uma pessoa.

PLANO DETALHE Mostra uma parte do corpo ou um objeto.

capítulo 4 • 103
E também se deve atentar para a duração do produto que está sendo exibido:
em plano relâmpago (este dura poucos segundos) ou plano sequência (bastante
longo que pode ser correspondido a um capítulo inteiro de uma telenovela). Por
fim, a análise deve debruçar-se sobre os chamados campos visual (o que se vê) e
sonoro (o que se ouve).
No campo visual, observar:
• O enquadramento
• Os movimentos de câmara: panorâmica (em rotação) ou trayeling (com pos-
sibilidade de ser deslocada por qualquer meio, permitindo a aproximação ou o
afastamento do que está sendo mostrado17).
• Observar, ainda, “a instância cênico-visual e a maneira como são consti-
tuídos os cenários, os figurinos e os recursos gráficos e multimídia.” (BECKER,
2012, p. 243).

No campo sonoro, deve-se observar:


• Ruídos
• Vozes
• BGs
• Trechos musicais
• Variação de volume do produto jornalístico para o comercial
• Observar ainda entonação dos offs (e falas cobertas por imagens)
• Pausas
• Som ambiente
• Efeitos especiais e outros elementos que possam ser identificados na análise
e que compõem a narrativa.
Em seguida, a análise da edição precisa detalhar tanto a seleção das imagens
para cobertura dos offs, quando for o caso, até a montagem, a sequência, a costura
que é feita entre imagem, som e texto, em “processos de montagem da obra audio-
visual”, como afirma Becker (2012), e ainda “as combinações entre o texto verbal
e a imagem” e como estas produzem sentidos. (BECKER, 2012, p. 244).
Como se pode observar, a narrativa midiática é mesmo uma polinarrativa!

17 Assim é possível passar sem problemas de continuidade do long-shot (distanciamento) ao close-up (aproximação)
e vice-versa.

capítulo 4 • 104
Certificação como conceito da narrativa midiática

O efeito de certificação pode ser detectado em todos os meios de comunicação,


mas na TV ele ganha força em função da imagem. Tal efeito pode ser identificado
desde o momento da chamada, em que o produto é anunciado – como, por exem-
plo, de autoria de um correspondente internacional, reforçando então o aval que
aquele autor tem para passar suas impressões sobre o tema tratado –, até o desenrolar
da narrativa, em que fica evidente seu ato enunciativo, ao relatar, por exemplo, que
fez aquela cobertura, que viveu naquele país, que andou por aquelas ruas.
No telejornalismo, o efeito de certificação fica ainda mais forte quando o re-
pórter relata, por exemplo, que soube da notícia ao tomar café com o político, que
esteve com determinada fonte, criando a ideia de singularidade, de que foi dito a
ele, de que aquele narrador viveu aquela situação que está agora sendo contada.
O conceito de certificação vem sendo trabalhado em pesquisa sobre a crise
do jornalismo, sobretudo no levantamento das novas funções e competências que
surgem no contexto midiático atual (REISb, 2016). Reis referenda essa ideia tam-
bém em declaração de Marcelo Rech, presidente do Fórum Mundial de Editores,
que representa cerca de 20 mil executivos e chefes de redação, em entrevista para
o jornal Zero Hora, publicada em maio de 2015. Para Rech, o papel do jornalista
cresce nesse novo cenário da comunicação, notadamente marcado pelo avanço dos
meios digitais e móveis:
Segundo Rech, o jornalismo profissional tem de ser ainda mais profundo,
mais preciso, mais independente, mais transparente, para se diferenciar dos ocea-
nos informativos disseminados pelas redes sociais sem selo de origem. O papel do
jornalista e dos veículos será cada vez mais o de certificador da realidade, numa
espécie de avalista de que fatos e comentários que já circulam por aí são verdadei-
ros ou não, e em que medida18.
Embarcando nesse efeito de certificação, os publicitários se aproveitam da cha-
mada publicidade nativa, cuja conceituação é similar ao de uma “publirreporta-
gem”, ou seja, é um texto patrocinado publicado nos jornais totalmente semelhan-
te a um artigo jornalístico. Um anúncio nativo tende a ser mais efetivo que um
anúncio tradicional, por fornecer informações interessantes ou úteis, focando no
serviço. A intenção do anunciante é fazer com que a publicidade paga seja menos

18 Leia a íntegra do pensamento de Marcelo Rech em <http://www2.carosouvintes.org.br/o-papel-do-jornalista-


sera-cada-vez-mais-o-de-certificador/>. Acesso em: 03/07/2017.

capítulo 4 • 105
intrusiva e, assim, aumente a probabilidade de os usuários lerem e compartilhá-la
em conversas com amigos, pessoalmente ou pelas redes sociais (REISb, 2015).
O jornal O Globo, por exemplo, aderiu à publicidade nativa como proposto
pelo autor holandês Ebele Wybenga (2013). Em investida antecipada pela publi-
cação especializada Meio e mensagem, o jornal divulgou, no primeiro semestre de
2015, que iria diversificar seu campo de atuação entre produtos on e offline, tiran-
do proveito do período de incertezas econômicas. Para tanto, anunciava investi-
mento em publicidade nativa, ou seja, aquela em que o anunciante busca ganhar a
atenção fornecendo um conteúdo valioso no contexto da experiência do usuário.

ATIVIDADES
A partir daqui, como nos capítulos anteriores, você encontra questões sobre narrativa
aplicadas em concursos públicos. Elas servem para você ficar sabendo como nosso con-
teúdo é cobrado pelas bancas organizadoras das seleções e, ao mesmo tempo, avaliar
seu aprendizado.

01. (2015-FUNRIO-UFRB) O plano americano corresponde à filmagem de


a) um personagem na altura da barriga.
b) um personagem na altura dos joelhos.
c) um detalhe do corpo personagem.
d) o rosto de um personagem.
e) uma panorâmica de uma paisagem.

02. (2016-PR-4-UFRJ) Em uma produção radiofônica ou audiovisual, o termo em inglês


background, tecnicamente conhecido como BG, pode ser descrito como:
a) intervenção por telefone. d) participação de convidados.
b) entrevista ao vivo. e) pausa para comerciais.
c) música de fundo.

03. (2018-FCC-SABES) Uma operadora de TV por assinatura necessita aumentar o nú-


mero de clientes, bem como estimular a mudança de pacotes para versões mais completas.
Para tanto, realizou uma campanha, e a agência de propaganda contratada produziu vídeos
para três inserções diárias em horário nobre e abrangência nacional, nos quais celebrida-
des realizam atividades cotidianas, como dirigir, andar de bicicleta, realizar refeições etc. em
cenários e figurinos que remetem a clássicos de Steven Spielberg, Stanley Kubrick e Quen-
tin Tarantino.

capítulo 4 • 106
Esse caso se trata de uma interface comunicacional na publicidade entre:
a) a internet e a fotografia. d) a TV e a internet.
b) o cinema e a internet. e) a fotografia e a TV.
c) a TV e o cinema.

REFLEXÃO
Neste capítulo você viu que, mesmo deslizando de um meio para o outro, as narrativas
midiáticas têm peculiaridades a serem observadas cuidadosamente.
Viu que o cinema inaugurou uma nova forma narrativa midiática, sendo seguido pelo
rádio e pela TV. Os três se entrelaçam nas narrativas midiáticas como interfaces.
Conheceu, ainda, os conceitos certificação e publicidade nativa, formas de narrativa mi-
diática que valorizam as ações de jornalistas e de publicitários.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo:
Summus, 2004.
BALDICK, Chris. The Concise Oxford Dictionary of Literary Terms. Oxford: Oxford University Press,
2013.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010 [1979].
BARTHES, Roland. Efeito de real. In: Vários autores. Literatura e semiologia. Petrópolis: Vozes, 1971.
BULHÕES, Marcelo. A ficção nas mídias: um curso sobre a narrativa nos meios audiovisuais. São
Paulo: Ática, 2009.
BECKER, Beatriz; TEIXEIRA, Juliana; MATEUS, Lara. Pensando e fazendo Jornalismo audiovisual:
a experiência do projeto TJ UFRJ. Rio de Janeiro: E-Papers, 2012.
CHAMBAT-HOUILLON Marie-France. “Os limites da reflexividade nos discursos jornalísticos na
televisão”. Análise de Telejornalismo: desafios teórico-metodológicos. Itania Maria Gomes, Salvador,
Edufba, 2012.
COSTA, Flávia Cesarino. O primeiro cinema: espetáculo, narração, domesticação. São Paulo: Scritta,
1995.
COSTA, Vânia Torre; COSTA, Alda Cristina Silva; AMORIM, Célia Regina Trindade Chagas. Narrativas
Midiáticas contemporâneas: perspectivas epistemológicas. In SOSTER, Demétrio de Azeredo e;
PICCININ Fabiana (orgs.). Narrativas midiáticas contemporâneas: perspectivas epistemológicas.
Santa Cruz do Sul: Editora Catarse, 2017.

capítulo 4 • 107
COSTA, Ricardo. Os olhos e o cinema: mimesis e onomatopeia. [1997] Disponível em: <http://www.
bocc.ubi.pt/pag/costa-ricardo-olhos-cinema.pdf> Acesso em: 12/01/2018.
_____________. O olhar antes do cinema. Jornal da Educação, junho de 1982. Disponível em:
<http://www.bocc.ubi.pt > Acesso em: 20/12/2006.
JOST, François. Compreender a televisão. Porto Alegre: Sulina, 2007.
KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádio social Uma proposta de categorização das modalidades
radiofônicas. In: Bianco, Nélia del (Org.) O Rádio Brasileiro na Era da Convergência., São Paulo:
Intercom, 2012
_____________ Rádio e mídias sociais: mediações e interações radiofônicas em plataformas digitais
de comunicação. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.
MURCE, Renato. Bastidores do rádio. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
MOREIRA, Sonia Virgínia. O rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Editora, 1991.
OLIVEIRA FILHO, Wilson. McLuhan e o Cinema. Rio de Janeiro: Verve, 2017.
REIS, Clovis. La publicidad radiofónica: los formatos de anúncio y el mercado de la radio de Brasil.
2004. Tese (Doutorado em Comunicação) - Universidade de Navarra, Pamplona-Espanha.
___________. Propaganda no rádio: os formatos de anúncio. Blumenau: Edifurb, 2008.
___________ Taxonomia dos gêneros jornalísticos no rádio: Proposta de uma nova tipologia.
Comunicação & Sociedade, v. 32, p. 51-70, 2010.
REISb, Marco Aurelio. A disrupção das práticas em laboratório no ensino de Jornalismo. Revista
Brasileira de Ensino de Jornalismo (Rebej). Brasília, v. 6, n. 19, p. 157-176, jul./dez. 2016
_____________. Crise leva o jornalismo impresso do Rio a reinventar seu negócio. Revista
Brasileira de Ensino de Jornalismo, Brasília, v. 5, n. 17, p. 219-234, jul./dez. 2015.
REZENDE, Guilherme Jorge de. Telejornalismo no Brasil: um perfil editorial. São Paulo: Summus,
2000.
SODRÉ, Muniz. Eticidade, campo comunicacional e midiatização. In: Moraes, Denis. Sociedade
midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.
THOMÉ, Cláudia de Albuquerque. Literatura de ouvido: crônicas do cotidiano pelas ondas do rádio.
Curitiba: Appris, 2015.
WYBENGA, Ebele. The editorial age. Amsterdã: Adfo Groep, 2013.
ZUMTHOR, Paul. Perfomance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich.
São Paulo: Cosac Naify, 2007.

capítulo 4 • 108
5
Narrativa na web:
multimídia e
transmídia
Narrativa na web: multimídia e transmídia
Chegamos ao último capítulo repletos de informação. Agora é o momento de
agrupá-las para pensar na narrativa que deslizou dos impressos, do rádio, do cine-
ma e da TV para a web. Isso mesmo, uma narrativa multimidiática que pode ser
desfrutada nas telas do computador, do notebook, do netbook, do tablet e do iPad
e também na telinha do celular.
Vamos precisar de tudo que já vimos para entender os conceitos em torno das
narrativas crossmídia e transmídia no cenário de convergência midiática. Veremos
o que a interatividade ampliada pela Internet fez com as narrativas, incluindo a
ressignificação de conteúdos narrativos.
Falaremos da chamada narrativa em dispositivos móveis e dos conceitos per-
sona no cenário digital e de como expectativas, identificações e compreensão dos
receptores compõem a chamada narrativa do consumo.
Por fim, mergulharemos nas formas narrativas dos jogos e das HQs e nas
chamadas storytellings, que, como spoiler, vimos um pouco nas páginas anteriores
e nestas vamos nos aprofundar.
Boa leitura!

OBJETIVOS
• Entender os efeitos da convergência midiática nas narrativas;
• Conhecer como a narrativa está se adaptando para o consumo pelo celular;
• Reconhecer o potencial das narrativas do consumo, da persona no cenário digital, do
storytelling e de narrativas como as do newsgame e da HQnews.

Narrativa nas nuvens

Para começarmos nossa viagem para a mais contemporânea das narrativas,


temos de entender um conjunto de terminologias desse meio que, mais que pa-
lavras, são formas de identificar o lugar fluido para onde estão migrando todas as
narrativas.
Temos, hoje, romances inteiros na web. Lá também estão livros didáticos,
filmes, jornais, peças publicitárias, emissoras de rádio e de TV. Também lá estão

capítulo 5 • 110
redes sociais com potencial de se tornarem nacionais e planetárias. Todas são web-
narrativas que, se consumidas por celular, são webnarrativas em mobile.

PERGUNTA
Mas o que são webnarrativas?

Para responder a essa questão, vamos recorrer à professora Luciana Mielniczuk


(2003) e seu já clássico estudo sobre as formas do jornalismo na Internet para
entendermos as formas narrativas nesse ambiente. Confira, na tabela abaixo, ela-
borada pelo grupo de pesquisa Narrativas Midiáticas e Dialogias, como se divide
tal narrativa a partir de reflexões sobre a divisão feita pela professora Mielniczuk:

NOMENCLATURA DEFINIÇÃO
É aquela marcada pelo uso de equipamentos e recursos eletrôni-
NARRATIVA cos, tais como cortes em mesa de edição na narrativa televisiva e
ELETRÔNICA isenção de BGs (backgrounds) na narrativa no rádio.
É a que usa tecnologia digital, ou seja, linguagem segundo a qual
um conteúdo pode ser convertido em números e bits, tanto na
captura quanto no processamento e disseminação por meio de
NARRATIVA equipamentos, tais como câmeras digitais. Com isso, podemos ter
DIGITAL OU um texto com fundo musical e uma foto que, a partir de um clique
MULTIMÍDIA no mouse, dá lugar a um vídeo. Tal tecnologia mescla experiências
narrativas, cruzando mídias em uma mesma interface visualizada
pelo usuário.
É a que se apoia no chamado ciberespaço e suas tecnologias. Uma
narrativa quem se dá em um lugar virtual formado por computado-
res interligados e todo o seu potencial, como agrupar e processar
dados. Tal espaço, como define Pierre Levy (2009, p.92), é “aber-
to pela interconexão mundial dos computadores e das memórias
dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas
de comunicação eletrônicos (aí incluídos os conjuntos de redes
CIBERNARRATIVA hertzianas e telefônicas clássicas), na medida em que transmitem
informações. Consiste de uma realidade multidirecional, artificial
ou virtual incorporada a uma rede global, sustentada por computa-
dores que funcionam como meios de geração de acesso”. Graças
a essa ligação trocamos informações e construímos conhecimen-
to dentro da chamada inteligência coletiva. Graças a essa ligação,
construímos narrativas de formas coletivas como o Live Cinema.

capítulo 5 • 111
NOMENCLATURA DEFINIÇÃO
É a que se desenvolve usando tecnologias de transmissão de
dados em rede e em tempo real. É o caso dos vídeos Live no
NARRATIVAONLINE Facebook e as webradios, permitindo que alguém de Minas Ge-
rais acesse uma rádio gaúcha em tempo real, criando uma nova
experiência de consumo de rádio.
Usa a parte específica da Internet denominada web. Ainda com
base em Mielniczuk (2003), pode-se dizer que se trata da narrati-
va feita especificamente para a web, usando suas potencialidades
WEBNARRATIVA multimidiáticas e o modo a construir uma nova experiência para
o receptor. É o caso das reportagens do chamado Jornalismo
longform.

CONCEITO
“Live cinema” ou “Cinema ao Vivo” diz respeito atualmente à execução simultânea de
imagens, sons e dados por artistas visuais, sonoros ou performáticos que apresentam suas
obras diante de plateias. “São apresentações onde a improvisação e o acaso fazem parte de
um processo que resulta na possibilidade de criação e vivência, por parte do público, de uma
experiência audiovisual expandida, agora mais do que nunca, também entendida como sen-
sorial e imersiva. No Brasil, assim como em todo mundo, o Live Cinema segue uma tendência
iniciada a partir do início dos anos 2000 que teve na figura do VJ (o DJ de imagens) uma
peça fundamental para o seu desenvolvimento e integração com a cultura POP”.
Disponível em: <http://www.livecinema.com.br/conceito/>. Acesso em: 21/07/2018.

ATENÇÃO
Jornalismo que vem crescendo nos últimos 10 anos, apostando em uma apuração apro-
fundada e investigativa amparada por uma edição mais cuidadosa por envolver recursos
multimídia nos meios digitais, entre eles vídeo, fotografia, infográficos e som, que enriquecem
um texto longo para os padrões da web (mais de quatro mil palavras). Bom exemplo é UOL
TAB (disponível em: <https://tab.uol.com.br/indice/>).

capítulo 5 • 112
Vistos tais termos, entendemos que personagens, tempo, espaço, enredo são
elementos indispensáveis nesse novo ambiente narrativo. Entendemos que áudio e
vídeo são formas de contar que, misturadas e acessíveis por links, dão a chamada
experiência multimidiática que tanto tem mexido com a forma de contar histó-
rias, mesmo que tal forma já tenha sido experimentada impressa, em áudio e em
vídeo de forma isolada ao longo do tempo.
No entanto, um novo elemento se acrescenta a essa forma de contar, a inte-
ratividade on-line, instantânea e ampliada. Se, antes, interatividade se dava por
carta e telefone, agora e-mail, chats, mensagens por redes sociais e pelo aplicativo
WhatsApp passam a fazer parte primordial da webnarrativa.
Dando um spoiler do que será visto em outras disciplinas mais a fundo, tal
interatividade se amplifica a partir dos anos 2000, com a chamada Internet social.
Na 1.0, da década de 1990, na internet o que se tinha era basicamente uma re-
produção do que antes era visto impresso. Dez anos depois, com a possibilidade
aberta pela interação on-line, a forma de narrar ganhou novos contornos.
No Jornalismo, a ação de leitores, ouvintes e telespectadores pelo WhatsApp é
uma das marcas do novo noticiário.

capítulo 5 • 113
Figura 5.1 – Jornais (1), emissoras de rádio (2) e telejornais (3) convocam
seus públicos a colaborarem com a produção de notícias. Fonte: Reprodução
dos sites dos grupos de comunicação citados. Acesso em: 25/07/2018.

Em marketing, a interatividade faz parte do negócio. Não na forma de nar-


rativa, mas, sim, na forma de contato com o mercado-alvo. Já em publicidade, a
interatividade virtual é uma forma narrativa instigante que ganhou plataformas
como o YouTube. Claro que não se trata de breves anúncios que vêm antes dos
vídeos buscados, mas, sim, uma forma narrativa que levanta a curiosidade no
consumidor ao mergulhar o anúncio em um universo interativo com potencial de
ser tornar viral.

CONCEITO
Viral é um termo da web usado para designar os conteúdos que acabam sendo divulga-
dos por muitas pessoas e ganham repercussão, muitas vezes inesperada. Como dá para per-
ceber, o termo deriva da palavra vírus (de computador ou doença), uma vez que os usuários

capítulo 5 • 114
chegam a compartilhar o conteúdo viral quase inconscientemente. A palavra viral deu origem
a outros termos, como viralizar, viralizou e efeito viral (usado pelo Facebook para medir o
quanto um conteúdo de uma página foi compartilhado).

Figura 5.2 – Publicidade da Centauro para salas de cinema 3D. Disponível


em: <https://youtu.be/N3cQIXSo8uw>. Acesso em: 25/07/2018.

Figura 5.3 – Nike e ação de interatividade virtual no YouTube. Disponível


em: <http://www.youtube.com/user/NikeFootball/mytimeisnow>.

capítulo 5 • 115
No ambiente de narrativas marcadas pela interativade e pela multimidialida-
de, dois termos, crossmidia e transmidia, se destacam e cada um deles impacta de
forma diferente o modo de contar histórias. Como assim?

O termo deriva do inglês e quer dizer “cruzar” – ou “atravessar” –


a mídia, ou seja, levar a narrativa de um meio de comunicação a
outro, em um deslizamento sem alterações. É o caso da partida
CROSSMÍDIA de futebol que é narrada no rádio, na TV e na Internet. É a mesma
partida, com comentarista narrando. A única diferença é o suporte
onde se acompanhará tal narração.

Esse termo também vem do inglês e indica uma narração “além


da” mídia. O teórico Henry Jenkins (2009) define que se trata de
diferentes mídias que vão transmitir diferentes conteúdos, mas de
forma que os diferentes meios se complementem. Caso o público
veja uma única mídia, entenderá o conteúdo de uma forma; se de-
gustar todas as mídias, verá outra narrativa, mais ampla. É o caso
de um filme de ficção que, visto, nos conta uma história que nos
satisfaz. Mas ficamos fãs e construímos outra narrativa ficcional so-
TRANSMÍDIA bre o mesmo tema e compartilhamos com amigos que enviam para
outros amigos que gostaram do mesmo filme (fanfic) e também
construíram histórias com o mesmo enredo. A indústria de jogos
percebe o sucesso do filme e lança um game usando o mesmo
enredo. O mesmo fazem as indústrias de livros, de recordações, de
roupas etc. Quem consome todas essas frentes narrativas, como
os fãs das sagas Guerra nas Estrelas e Matrix, tem uma experiên-
cia ampla, não melhor nem pior do que consumir uma só mídia.

Tabela 5.1 – Conceitos e sua aplicação nas narrativas.

CONCEITO
Fanfic ("ficção de fã", em tradução livre), também grafada fan fiction, é uma narrativa fic-
cional, escrita e divulgada por fãs em blogs, sites e redes sociais, que parte da apropriação de
personagens e enredos provenientes de produtos midiáticos como filmes, séries, quadrinhos,
videogames etc., sem que haja a intenção de ferir direitos autorais ou obter lucros. Portanto,
tem como finalidade a construção de um universo paralelo ao original e também a ampliação
do contato dos fãs com as obras para limites além da plataforma original.

capítulo 5 • 116
Não bastasse esse deslizamento cross e transmidiático, as narrativas ainda estão
migrando para várias janelas da web. Nesse caso, vale derivar do conteúdo pro-
duzido pelo pesquisador João Canavilhas (2006) ao falar do jornalismo na web,
e tratar das narrativas deitadas, uma forma de contar que cresce em importância
usando links.
Nesse modelo, a primeira parte da narrativa que vemos na web é básica, indi-
cando links que, por meio de cliques, nos levam para outro nível, o da explicação.
Depois, também por links, vamos ao nível da contextualização. Nele, por links,
vamos ao da exploração, ou seja, a um detalhamento imenso. Ou seja, na narra-
tiva midiática na web, os links nos permitem experiências diversas, que, imersi-
vas, nos levam a conteúdos mais ou menos profundos, de acordo com o interesse
do receptor.

Lead + importante

Unidade Nível de Nível de con- Nível de Dados


base explicação textualização exploração
secundários

Final
– importante

Figura 5.4 – Narrativa “deitada” na web: links nos levam a níveis diferentes
de aprofundamento em comparação à pirâmide invertida do jornalismo, que
leva para cima (lead) o conteúdo mais relevante. Fonte: Artigo do professor
João Canavilhas, intitulado Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide
deitada. Disponível em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-
webjornalismo-piramide-invertida.pdf>. Acesso em: 20/07/2018.

Não bastassem crossmídia, transmídia e a narrativa por meio de links (dei-


tada), caberia outra consolidação na forma de consumir histórias: por meio de
dispositivos móveis, como celulares. O problema inicial dos meios de comunica-
ção se restringia à responsividade, ou seja, fazer com que seus conteúdos surjam
adaptados da web e da tela da TV e dos webjornais às telas de celulares.

capítulo 5 • 117
No que tange a arquitetura da informação desses modelos de seleção de narra-
tivas, o debate sobre o modelo responsivo carrega defensores e opositores apaixo-
nados, que observam esse cenário. Tal debate foi atropelado, no entanto, pela ex-
periência mobile first, ou seja, não mais produtos de outras mídias migrariam para
o celular, mas, sim, o contrario: seria a vez de produtos jornalísticos feitos para
serem consumidos por celular migrarem ou não para outras mídias mais antigas.
O conceito mobile first é oriundo do webdesign, que ganha maior dimensão
na arquitetura da informação. Elaborado por Luke Wroblewski (2011), o concei-
to seria abraçado inteiramente por um meio de comunicação brasileiro, o jornal
paranaense Gazeta do Povo, em 2017. De acordo com a imprensa especializada em
mídia brasileira19, o diário do Paraná, que encerrou sua edição em 31 de maio de
2017, investiu 23 milhões na aposta mobile first, tendo como passo inicial a insta-
lação nos celulares de seus repórteres de publicador que permitiram subir para web
matérias jornalísticas de qualquer lugar.
Já o jornal O Estado de S. Paulo, em uma investida batizada de mobile only,
envia manchetes para celulares de leitores cadastrados via WhatsApp desde 28 de
março de 2016. Além das manchetes que só podem ser vistas no celular, o públi-
co recebe vídeos da TV Estadão e os áudios das entrevistas então veiculadas pela
Rádio Estadão20, em ação chamada mobile too. As pessoas recebem as notícias em
três horários fixos por dia: 8h, 12h e 18h. Mas também são notificadas em caso de
notícias de última hora. O pioneirismo na investida de enviar manchetes do jornal
pelo WhatsApp veio, porém, do jornal O Povo do Ceará. Desde 27 de janeiro de
2016, o grupo de comunicação cearense faz o cadastro de leitores e internautas
interessados em receber notícias por meio do aplicativo21. A inscrição — com
nome completo e telefone — deve ser feita no endereço opovo.com.br/whatsapp.
Após a ação, o usuário deve aguardar um contato da equipe do diário para passar
a receber destaques da manhã e da noite, às 9h e 18h, além de notícias urgentes
ao longo do dia.

19 Disponível em: <https://portal.comunique-se.com.br/fim-da-versao-impressa-da-gazeta-do-povo-provoca-


mais-de-60-demissoes/>. Acesso em: 2 de junho de 2017.
20 A Rádio Estadão teve suas atividades encerradas no dia 10 de março de 2017, deixando, desde então, de ter
seu conteúdo redistribuído pelo WhatsApp do grupo Estado. Disponível em: <http://www.meioemensagem.com.
br/home/ultimas-noticias/2017/03/10/grupo-estado-desativa-radio-estadao.html>. Acesso em: 11 de março de
2017.
21 Desde 20 de junho de 2016, o UOL também envia manchetes pelo WhatsApp, com ação um pouco diferenciada.

capítulo 5 • 118
Persona no cenário digital

A chamada persona é, na narrativa móvel, um elemento solar, ou seja, é para


ela que ações de publicidade, marketing, longform jornalismo e publicidade nativa,
entre outras, se destina. Mas o que é publicidade nativa?

CONCEITO
O conceito de publicidade nativa é o que consta do livro publicado pelo holandês Ebe-
le Wybenga, sob o título The editoral age, how branded journalism breeds lasting attention
(WYBENGA, 2013). Segundo o autor, o conceito publicidade nativa, similar ao de uma “pu-
blirreportagem”, é um texto patrocinado publicado nos jornais tentando parecer um artigo
jornalístico. Um anúncio nativo tende a ser mais que um anúncio, por fornecer informações
interessantes ou úteis, focando no serviço. A intenção do anunciante é fazer com que a publi-
cidade paga seja menos intrusiva e, assim, aumente a probabilidade de os usuários a lerem e
compartilharem em conversas com amigos, pessoalmente ou pelas redes sociais. Em inves-
tida antecipada pela publicação especializada Meio e mensagem, o jornal O Globo divulgou,
no primeiro semestre de 2015, que iria diversificar seu campo de atuação entre produtos
on e off-line, tirando proveito do período de incertezas econômicas. E, para tanto, anunciava
investimento em publicidade nativa, ou seja, um pioneirismo nesse tipo de ação.

Voltando à persona digital, cabe destacar que é preciso não a confundir com
público-alvo, uma vez que persona é um tipo de cliente ideal entre aqueles que
formam seu público-alvo. Esse personagem é fundamental para definir a narrativa
midiática na web tanto para publicitários quanto para jornalistas. Isso porque,
quando se define a persona a quem se destina a narrativa, busca-se entender suas
principais características, hábitos e interesses, incluindo gênero e faixa de renda.
Publicitários e pessoal de marketing vão falar da buyer persona (pessoa com-
pradora), e os jornalistas, da read/whatch persona (pessoa leitora/espectadora).
Ao identificar essa persona, os produtores de conteúdo logo saberão para onde
direcionar sua narrativa midiática na web em busca de sua eficácia, tendo em vista

capítulo 5 • 119
que esta persona está inserida no contexto da interatividade típica da webnarrativa.
Ao fazer essa definição, será possível definir:
1. Por quais canais a persona digital prefere ser contatada;
2. De que forma ela gosta de ser tratada;
3. Qual linguagem deve ser utilizada nesse contato;
4. Qual é o seu comportamento de compra e o padrão de consumo (tanto
de produtos quanto de notícias);
5. Quais são seus problemas e necessidades;
6. O que ela busca como solução.

Para definir sua persona digital, entender o papel do personagem na narrativa é


fundamental. No início do nosso livro, vimos que o personagem é uma peça fun-
damental de nossa narrativa. Para tal definição, precisamos responder a algumas
perguntas, tais como:
• É homem ou mulher? Ou os dois?
• Qual seu estado civil?
• Tem filhos?
• Qual sua nacionalidade?
• Qual seu nível de escolaridade?
• Qual sua profissão atual?
• Qual sua faixa de renda mensal?
• Como é a sua rotina diária?
• Seu trabalho se caracteriza por ser on-line ou off-line?
• Quais são os seus principais hobbies e programas de lazer?
• Por quais meios de comunicação ele se interessa?
• Por quais assuntos ele busca, profissionalmente falando?
• Por quais assuntos ele busca, pessoalmente falando?
• Onde ele busca aperfeiçoamento profissional?
• Que tipo de publicações ele costuma ler e em quais plataformas?
• Quais são os seus principais objetivos no curto e longo prazo?
• Quais são os obstáculos que ele encontra para isso?
• Ele costuma comprar on-line ou em lojas físicas?
• Com que frequência ele costuma comprar?
• Ele tem por hábito pesquisar antes de comprar?

capítulo 5 • 120
• Quando vai às compras, que vantagens ele deseja encontrar?
• Ele costuma pagar à vista ou de forma parcelada?
• Qual seu meio de pagamento preferido?
• Que papel ele cumpre na decisão de compra na sua casa?
• Por quem ele é influenciado?

Tendo respostas para essas e outras perguntas que venham à sua cabeça, é pos-
sível traçar estratégias narrativas para prender a atenção da persona em um texto
ou fazê-la tomar uma decisão de compra.
É definindo personas que gigantes do setor de consumo direcionam estratégias
narrativas, tais como conversar com seus clientes por redes sociais ou por meio de
plataformas colaborativas com o YouTube e a forma como se dará essa conversa
e seu conteúdo. Dois bons exemplos são as gigantes Cola-Cola e Avon. Ambas
identificam suas personas digitais como pessoas com faixas de idade diferentes,
mas antenadas com temas contemporâneos, como homoafetivade e combate ao
racismo. A Coca-Cola ganhou notoriedade com seu storytelling SMS, e a Avon,
com uma encenação de entrevista.

Figura 5.5 – Avon em “Repense o preconceito”. Publicidade nativa em entrevista bate-


papo, tendo em vista uma persona crítica e disposta a argumentar contra ações racistas.
Disponível em: <https://youtu.be/CBDCJtGYgQs>. Acesso em: 02/08/2018.

capítulo 5 • 121
Figura 5.6 – Coca-Cola e storytelling falando do valor da amizade entre heteros e
homoafetivos. Disponível em: <https://youtu.be/Ih75j5BoL1o>. Acesso em: 03/07/2018.

CONCEITO
Storytelling
Para tratar desse conceito, nada melhor que falar da narrativa migratória da canção
“Eduardo e Mônica”, da banda Legião Urbana, para o storytelling da Vivo. Bastante antiga, a
transformação em clipe da música “Eduardo e Mônica” é lembrada até hoje por ter conquis-
tado o público pela música e pela forma natural como a marca é inserida. A persona identi-
ficada pela operadora em 2011 vê o celular como instrumento do romantismo e é atendida
pela ação. Resultado: a campanha foi elogiada e até hoje é compartilhada.

Figura 5.7 – Ação da Vivo com a narrativa storytelling.

capítulo 5 • 122
Figura 5.8 – Elogios e críticas à ação da operadora Vivo e
compartilhamentos espontâneos nas redes sociais.

Ou seja, esse exemplo acima ajuda a entender o que é storytelling. Tal ação é simples-
mente a prática de contar uma boa história que retenha a atenção do público e que fique em
sua memória. Trata-se de uma narrativa bem articulada, com começo, desenvolvimento e fim,
para vender uma ideia, um produto ou posicionar uma marca em uma temática que seja bem
vista por sua persona digital.

ATENÇÃO
Como quase “toda comunicação envolve contar uma história – do cafezinho no trabalho
ao discurso de formatura”, saiba o papel do storytelling neste contexto lendo “Storytelling: se-
parando as marcas que vêm a passeio daquelas que vêm pra ficar”. Disponível em: <https://
endeavor.org.br/marketing/storytelling/>. Acesso em: 03/08/2018.

Narrativa do consumo

Vamos assim entender a chamada narrativa da publicidade, elemento que


busca cumplicidade entre a produção com sua seriedade e o consumo com sua

capítulo 5 • 123
emotividade, significação e humanidade (ROCHA, 1995, p. 154). Entender o
conceito publicidade nativa, como vimos anteriormente, em muito nos ajuda na
hora de vermos a narrativa do consumo. Isso porque a publicidade nativa trabalha
todos os elementos narrativos, unindo publicidade e jornalismo. Personagens, en-
redo, localização espaço-temporal, narradores e dialogias são elementos da publici-
dade nativa que fazem dela exemplar quando pensamos na narrativa do consumo.
Ter visto, nos capítulos anteriores, conceitos tais como efeito de real nos ajuda
a perceber os efeitos de sentido com que a narrativa publicitária trabalha em um
cenário contemporâneo, em que o consumidor associa o produto à sua visão de
mundo. Ou seja, entender como a comoção, a alegria, o prazer e a satisfação, entre
outros sentidos, podem ser compartilhados com o público a partir de suas expec-
tativas, identificações e compreensão do que está sendo narrado. Tal fenômeno
ocorre porque a narrativa do consumo está entranhada no cotidiano das pessoas,
como bem definem os professores Márcia Flausino e Luiz Gonzaga Motta (2007):

Forma de expressão do homem na sua cotidianidade, o discurso publicitário coloca em


evidência estereótipos, modelos, representações, identidades. Mostra também desejos,
necessidades, criadas ou não por questões mercadológicas, relacionadas ao consumo e
à inserção do homem na sociedade. Ratifica divisões sociais, comportamentos, valores
e regras de convívio em grupo. Não é o discurso da transgressão, é o da conciliação
entre uma sociedade calcada no ter e o desejo de ser, sempre mais, a partir desse
possuir em busca de pertencimento. Em nossa cotidianidade, sentir-se diferente dos
demais, em destaque, entra em contradição/consenso com linhas de produção em sé-
rie de produtos padronizados. A tentativa de ser diferente na semelhança. O discurso
publicitário é instrumento e resultado desse esforço conciliatório e se mostra eficiente
quando leva ao consumo, seja de um conceito/marca, um estilo de vida traduzido num
produto ou serviço.

In FLAUSINO, Márcia Coelho; MOTTA, Luiz Gonzaga. Break comercial: pequenas


histórias do cotidiano: narrativas publicitárias na cultura da mídia. Comunicação, Mídia e
Consumo, São Paulo, v. 4, n. 11, p. 159-176, nov. 2007. Disponível em: <http://revista-
cmc.espm.br/index.php/revistacmc/article/view/113>. Acesso em: 25 fev. 2013.

Seguindo a linha de pensamento dos professores, cabe pontuar que o que se


consome com a publicidade não é o produto ou o modo de vida, mas, sim, uma
narrativa que deve levar ao ato de compra. Nesse aspecto, as figuras narrativas são
peças fundamentais.

capítulo 5 • 124
Figura 5.9 – Personagem que se sobressai ao produto que se quer vender.

Caso do ator Carlos Moreno, o garoto-Bombril de 1978 a 2004 e de 2007


a 2011, que encarnou ele próprio um personagem humano para a palha de aço,
ora interpretando a si mesmo ora encarnando representações com personagens da
ficção ou reais.

Figura 5.10 – Ora é a moral da história que ancora o produto. Fonte: <https://viajante
dotemporeall.blogspot.com/2016/10/garoto-bombril.html>. Acesso em: 09/08/2018.

capítulo 5 • 125
Esse é o caso da propaganda de cigarros de 1976 que ficou para história usan-
do o slogan “leve vantagem você também” e suas variações e usando a imagem do
jogador de futebol Gérson. Seu impacto narrativo foi tão grande que até hoje se
fala na chamada “Lei de Gérson”, classificando políticos corruptos.

Figura 5.11 – Disponível em: <https://www.estadao.com.br/blogs/


reclames-do-estadao/lei-de-gerson/>. Acesso em: 09/08/2018.

Figura 5.12 – Ora é o cenário que constrói a narrativa do consumo.

capítulo 5 • 126
Figura 5.13 – Disponível em: <https://inscricaonatv.com/2012/10/10/inscricao-na-
promocao-da-margarina-delicia>, e Reprodução do YouTube. Acesso em: 06/08/2018.

Esse é o caso das propagandas de margarina ambientadas por famílias felizes.


O ambiente da “família comercial de margarina” é tão bem-sucedido que che-
gou a ganhar uma trama inteira em ficção seriada, como pode ser visto clicando-se
em <https://youtu.be/bp1Ezyt58jk>. Trata-se da trama que serve para “vender” o
produto. Neste caso, temos o storytelling como vimos acima e também no comer-
cial SMS da Coca-Cola. Para recordar, cabe lembrar que essa forma narrativa, a do
storytelling, é uma forma ampla de contar histórias, que, além de vídeos, pode usar
também textos, fotos e memes, entre outros, na construção de histórias únicas e
reais sobre temas de interesse, criando engajamento e proximidade.

Narrativas jornalísticas e publicitárias por games e por história em


quadrinhos

Encerramos nossa viagem pelas narrativas midiáticas vendo o deslizamento


de duas formas narrativas clássicas (games e HQs) para plataformas digitais, car-
regando conteúdos comunicacionais novos. Usando como referencial estudo de
2015 do professor Ivan Mussa, conteudista da pós-graduação da Estácio, os jogos
são classicamente narrativas. Ele cita livro do escritor Julio Cortázar chamado
O jogo da amarelinha, no qual se estrutura um jogo literário em que se pode com-
binar páginas de diferentes números para dar origem a histórias diferentes.
Tal combinação de estrutura de games com Jornalismo se enquadra naque-
les especiais muito comuns em editorias de saúde, nas quais, respondendo a um

capítulo 5 • 127
conjunto de perguntas, o leitor chega a uma conclusão sobre seu comportamento,
fosse ele alimentar ou físico.

Figura 5.14 – Testes simulando a lógica de jogos são uma constante desde o jornalismo
unicamente impresso. Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/saude-e-
ciencia/qual-a-sua-relacao-com-comida-faca-teste-descubra-seu-
perfil-alimentar-21599485.html>. Acesso em: 03/09/2018.

Já no campo do audiovisual, a lógica de jogos pode ser identificada no cha-


mado telejornalismo imersivo, em que o espectador, com uso de óculos especiais,
consegue penetrar na narrativa jornalística, atuando como um dos personagens
dessa narrativa. As imagens são feitas com câmeras 360º, e o espectador tem a
sensação de estar no local dos acontecimentos como se fosse um dos personagens
(ou avatar) de games.

capítulo 5 • 128
CONEXÃO
Leia a reportagem “Jornalismo imersivo: dez experiências que você precisa ver”, do jor-
nalista Eduardo Acquarone, publicada em abril de 2018 pelo site Observatório da Imprensa.
Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.com.br/tendencias-no-jornalismo/jornalis-
mo-imersivo-dez-experiencias-que-voce-precisa-ver/>. Acesso em: 7/07/20128.

Figura 5.15 – “Fome em Los Angeles”, reportagem imersiva. Espectador com


óculos especiais (E) consegue assistir a cena de um homem que passou mal
na fila de um restaurante popular (D), chegando a ouvir uma das personagens
da cena ligar de seu celular para o socorro médico. Experiência de avatar
para ter nova experiência da narrativa telejornalística. Disponível em: <http://
emblematicgroup.com/experiences/hunger-in-la/>. Acesso em: 10/07/2018.

Da mesma forma, inserir publicidade nos games também não se trata de algo
tão novo, uma vez que não é de hoje que se fala de advergames, a técnica de usar
jogos para fins de publicidade e marketing numa forma de driblar a chamada
information clutter (bagunça de informação) contemporânea.
Entre advergames estão jogos no site das marcas e publicidade dentro dos
jogos (incluindo o product placement, que é a “colocação de produtos” dentro das
fases narrativas dos games, seja numa trilha sonora, seja um outdoor no cenário).

capítulo 5 • 129
Figura 5.16 – Placa da Cup Noodles em game de basquete. Nos pés do jogador, tênis
Nike é um product placement. Disponível em: <https://www.comunique9.com.br/2010/10/
cup-noodles-anuncio-nos-jogos.html>. Acesso em: 7/08/2018.

Mesmo se tratando de estratégia narrativa tão antiga, a possibilidade de usar


a lógica dos games no jornalismo e na publicidade vem ganhando força, sobre-
tudo porque suas potencialidades ainda não foram totalmente exploradas pelas
duas áreas, uma vez que nem todas as possibilidades dos games estão esgotadas.
Para isso, basta recordar o livro referencial Hamlet no holodeck, de Janet Murray,
no qual a autora imagina a tragédia de Shakespeare encenada em um ambiente
virtual imersivo, em que o participante assumiria o papel de um personagem da
trama, podendo locomover-se num cenário do autor inglês, como um castelo da
Dinamarca, tocar nos demais personagens e sentir o toque deles.
Já quanto à narrativa jornalística e publicitária em quadrinhos, temos como
marco o ano de 1992, quando o ilustrador sueco que atua nos EUA Art Spiegelman
ganhou o prêmio Pulitzer com um livro-reportagem em quadrinhos sobre seus
pais, que haviam sobrevivido ao holocausto.

capítulo 5 • 130
Figura 5.17 – Cena do livro Maus (rato, em alemão), de Spiegelman, sobre o nazismo, em
que os israelenses são retratados como ratos, e os alemães como gatos para compor um
relato familiar do ilustrador. Disponível em: <https://historiazine.com/por-que-todo-mundo-
deveria-ler-maus-a-hq-de-art-spiegelman-4e9815f0133c>. Acesso em: 3/09/2018.

A expressão Jornalismo em quadrinhos é, no entanto, do jornalista Joe Sacco,


que assim define seus livros sobre os conflitos na Palestina e na Bósnia. A lingua-
gem narrativa para tais pautas é ideal, uma vez que muito do que é contado sobre
esses conflitos ganha outros contornos quando se associa a uma imagem que é de
difícil captação por fotos e vídeos, sendo que o traço das HQ resolve esse proble-
ma, ao mesmo tempo em que oferece uma “nova” experiência narrativa midiática,
que pega carona nas histórias em quadrinhos.
No Brasil, a experiência que deve ser conferida é do HQ “Meninas em jogo”,
um projeto da Agência Pública laureado pelo Prêmio Tim Lopes de Jornalismo.
A equipe de repórteres da agência durante três meses apurou imensa reportagem
sobre exploração sexual de meninas para a Copa do Mundo de 2014, e a lingua-
gem de HQ foi fundamental para ilustrar o conteúdo que envolvia meninas e
adolescentes.

capítulo 5 • 131
Figura 5.18 – Abre da reportagem em HQ Meninas em Jogo. Disponível em: <https://
apublica.org/2014/05/hq-meninas-em-jogo/>. Acesso em: 3/09/2018.

É importante destacar que as possibilidades narrativas do HQ jornalismo são


imensas. Na agência pública, a apuração da reportagem é apresentada com quadri-
nhos específicos, dando um bastidor como você pode ver clicando no link acima.
Essa caraterística revela, como no caso das narrativas midiáticas publicitárias e
jornalísticas em games, um vasto campo a ser explorado.

RESUMO
Neste último capítulo, você viu como a narrativa jornalística e publicitária sofre alterações
no cenário da web de convergência das mídias. Viu que as possibilidades de narrativas multi-
mídias alteram o jornalismo e a publicidade, levando novas experiências para seus públicos.
Viu, ainda, conceitos caros à narrativa midiática contemporânea, como o storytelling, o
HQ news e o HQ jornalismo e a publicidade na forma de games. Viu também a narrativa do
consumo como uma forma que interessa não só a publicitários, mas também a jornalistas.

capítulo 5 • 132
ATIVIDADES
Nesta parte do livro, você vai encontrar questões sobre narrativa aplicadas em concursos
públicos. Elas servem para você ficar sabendo como nosso conteúdo é cobrado pelas bancas
organizadoras das seleções e, ao mesmo tempo, avaliar seu aprendizado.

01. (2017-FUNECE-UECE) No campo do jornalismo, a expressão “pirâmide deitada” implica


a) que o trabalho jornalístico se tornou mais fácil, pois o repórter passa muito tempo à
frente do computador coletando dados, o que gera a figura contemporânea do “jorna-
lista sentado”.
b) que existe um novo jargão do campo jornalístico, que é equivalente a “acidente imprová-
vel”, como a queda de um avião logo ao levantar voo, por exemplo.
c) que o texto jornalístico deve buscar oferecer links, recursos digitais, infografias e maté-
rias relacionadas ao assunto para o leitor poder aprofundar-se.
d) que a expressão “pirâmide invertida” se tornou obsoleta nos meios jornalísticos de modo
geral e independente do tipo de veículo ao qual nos referimos.

02. (2015-FCC-TRT - 3ª Região (MG)) A tática narrativa usada na gestão de comunidades


digitais na qual são usados textos, fotos, vídeos e memes, entre outros, na construção de
histórias únicas e reais sobre temas de interesse dos membros dessa comunidade digital,
criando engajamento e proximidade, é chamada de
a) gatekeeping. c) newsmaking. e) storytelling.
b) casting. d) spoiler.

03. (2014-FCC-AL) Newsgames diz respeito


a) a jogos muito famosos que são noticiados pela imprensa especializada.
b) à adição de interação à notícia como se ela fosse um jogo.
c) a notícias com enquetes.
d) a notícias com infográficos.
e) a jogos streaming, nos quais os usuários conversam entre si.

04. (2015-FCC-TRT - 3ª Região (MG)) Pai do termo HQ news (Jornalismo em História em


Quadrinhos) é
a) André Hippert. d) Joe Sacco.
b) Art Spiegelman. e) Steven Allan Spielberg.
c) Walt Disney.

capítulo 5 • 133
05. (2010-COVEST-COPSET-UFPE) Observe o anúncio abaixo, um dos mais conhecidos
do publicitário italiano Olivero Toscani.

O êxito da campanha está baseado no fato de que:


a) os consumidores modernos são sempre antirracistas.
b) há uma relação direta entre consumo e etnicidade.
c) o consumo moderno prefere marcas sem posicionamento.
d) o consumidor associa produto a visão de mundo.
e) a maternidade evoca a necessidade de consumo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CANAVILHAS, João. Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide deitada (2006). Disponível
em: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/canavilhas-joao-webjornalismo-piramide-invertida.pdf>. Acesso em:
maio 2008.
FLAUSINO, Márcia Coelho e MOTTA, Luiz Gonzaga. Break comercial: pequenas histórias do
cotidiano. Narrativas publicitárias na cultura da mídia. Revista Comunicação, Mídia e Consumo. Vol. 4, N.
11, p. 159-176, 2007.
MIELNICZUK, Luciana. Sistematizando alguns conhecimentos sobre jornalismo na web. In:
MACHADO, Elias, PALACIOS, Marcos. Modelos de jornalismo digital. Salvador: Calandra, 2003.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Tradução: Susana Alexandria. 2 ed. São Paulo: Aleph,
2009.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. (Trad. Carlos Irineu da Costa). São Paulo: Editora 34, 2009.

capítulo 5 • 134
ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo: um estudo antropológico da publicidade. São
Paulo: Brasiliense, 1995.
WYBENGA, Ebele. The editorial age. Amsterdã: Adfo Groep, 2013.
WROBLEWSKI, Luke. Mobile first. New York: A Book Apart, 2011.

GABARITO
Capítulo 1

01. Não é por acaso, portanto, que, quando pensamos no lide (lead) jornalístico, na abertura
da notícia, seguimos um roteiro. A reportagem e a notícia são narrativas, as chamadas nar-
rativas do fato. As perguntas do lide são seis (o que, quem, quando, por que, como e onde).
O “quando” é o tempo da narrativa. O “onde”, o lugar. O “quem” é o personagem. Já “o que”,
“como” e “por que” compõem o enredo, sendo “o que” e “como” o desenvolvimento e o “por
que” o desfecho, a explicação.

02. Perfil ou reportagem-perfil faz parte do gênero jornalístico informativo. E, dentro dessa
classificação, podemos inseri-lo na categoria dos textos noticiosos chamados de feature, ou
seja, uma notícia narrada em dimensões que vão além do seu caráter factual e imediato, em
estilo mais criativo e menos formal. Nessa categoria estão incluídos os perfis e as histórias
de interesse humano. Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, no livro Técnica de reportagem –
notas sobre a narrativa jornalística (1986), explicam que perfil, em jornalismo, “significa dar
enfoque na pessoa – seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado
é protagonista da história: sua própria vida”. Disponível em: <http://observatoriodaimprensa.
com.br/diretorio-academico/o-personagem-em-destaque/>.

03. A notícia não é o acontecimento, mas a narrativa desse acontecimento.

04. Walter Benjamin não valoriza a narrativa jornalística, a narrativa midiática, na qual o es-
treito e ingênuo laço entre o narrador e o ouvinte desaparece. “Cada manhã recebemos no-
tícias de todo o mundo. E, no entanto, somos pobres em histórias surpreendentes. A razão é
que os fatos já nos chegam acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada
do que acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da informação. Me-
tade da arte narrativa está em evitar explicações.” (BENJAMIN, 1994, p. 220) Para Benjamin,
ao contrário da narrativa, informação não é saber.

capítulo 5 • 135
05. 05. Segundo Maria Helena Ferrari e Muniz Sodré (1986, p. 86), em Técnica de reporta-
gem: notas sobre a narrativa jornalística, “a reportagem é o lugar por excelência da narração
jornalística". Fundamentada, sobretudo, na predominância da forma narrativa, a reportagem
tem outros elementos relevantes, que são: a humanização no relato dos fatos, pois gera iden-
tificação com as personagens na narrativa; a natureza impressionista do relato que aproxima
público e acontecimento; e a objetividade, como um estilo direto e conciso, que mantém o
máximo de distanciamento possível. Possível porque não se pode falar em objetividade total,
uma vez que, mesmo tentando isentar-se de opiniões, o jornalista tem sua narrativa influen-
ciada por seus valores e pelo contexto socioeconômico em que vive.

Capítulo 2

01. Certo. Análise do Conteúdo é uma metodologia, sob influência das Ciências Sociais,
para estudos de conteúdo dos textos, propondo um levantamento quantitativo, ou seja,
propondo uma análise numérica que mede a frequência em que ocorrem, repetitivamen-
te, termos, construções e referências em um mesmo texto. Em Comunicação, a Análise de
Conteúdo (quantitativa) é encarada como contraponto da Análise do Discurso (com predo-
minância qualitativa).

02. (e) Storytelling é o termo que, em inglês, significa a capacidade de contar histórias re-
levantes. Em inglês, "tell a story" é "contar uma história", e storyteller é um contador de
histórias. Mas que capacidade é essa de contar histórias de forma relevante? Ora, usando
recursos audiovisuais juntamente com as palavras. Tal tática narrativa é usada na gestão
de comunidades digitais na qual são usados textos, fotos, vídeos e memes, entre outros, na
construção de histórias únicas e reais sobre temas de interesse dos membros dessa comu-
nidade digital, criando engajamento e proximidade. Na análise crítica da narrativa, aparece
como uma das justificativas do estudo da narrativa. Afinal, estudar narrativa é uma forma de
melhor contar (storytelling). “O cinema, a literatura, a história em quadrinhos, a biografia e
mais recentemente os videoclipes, blogs (...) mensagens via Facebook (narrativas abertas,
eternamente em desenvolvimento, que não parecem ambicionar o fim da estória) são algu-
mas das incontáveis formas narrativas que persistem e se renovam continuamente, trazendo
novos desafios à arte e à técnica de contar estórias”. (MOTTA, 2013, p. 58)

03. Evidencia as contribuições da escola norte-americana, com título desprovido de quali-


ficativos (adjetivação), já reunindo alguns elementos que aparecerão no lead, presença de
cinco das seis questões que compõem o lead clássico (quem, quando, o que, por que e como)

capítulo 5 • 136
e não há uso de termos próximos às narrativas literárias. Para se aproximar da objetividade
inalcançável, existem técnicas linguísticas como a exposta acima, que passam a impressão
de total respeito ao factual. Informar local, data, personagens passa a impressão de impes-
soalidade, e não interferência de opinião. No entanto, é preciso criar um laço afetivo com o
receptor. A utilização de imagens e verbos que transmitem emoção e dão um ar poético para
a história também é bem-vinda na narrativa jornalística.

04. (b) V- F – F – V – V. Narratologia é o estudo de narrativas, tanto as de ficção quanto


as de não ficção. Partindo do princípio de que narrar é relatar eventos de interesse humano
enunciados em um suceder temporal encaminhado a um desfecho, a narratologia atribui uma
centralidade da narração nas relações humanas, todas subjetivas, de modo a dar centralida-
de das vidas física e cultural do ser humano. (MOTTA, 2013, p. 71 e p. 79)

05. (d) São expoentes do estudo da narrativa o linguista francês Ferdinand de Saussure,
o estruturalista russo Vladimir Propp, o filósofo francês Paul Ricoeur e o pensador russo
Mikhail Bakhtin, que elaborou conceitos e categorias centrais para análise da linguagem.

Capítulo 3

01. A
Dialogia, termo que deriva do conceito de dialogismo, do linguista russo Mikhail Bakhtin.
Por ele, o autor explica como o mecanismo de interação textual no qual um texto revela a
existência de outras obras em seu interior, as quais lhe causam inspiração ou deslizamentos.
Dialogismo está nas obras impressas e na própria leitura. Fonte: http://www.cce.ufsc.br/~-
nupill/ensino/dialogismo.htm

02. C
Ambiguidade não é um critério de noticiabilidade porque fere, inclusive, um dos critérios:
o da clareza da narrativa.

03. D
Fotojornalismo é uma narrativa clara e objetiva produzida por meio de imagens. Imagens,
portanto, são elementos narrativos.

capítulo 5 • 137
04. C
Infografia é um gênero narrativo jornalístico que utiliza recursos gráfico-visuais para
apresentação sucinta e atraente de determinadas informações. Ou seja, infografia também é
um elemento da narrativa midiática.

Capítulo 4

01. B
Plano americano mostra uma pessoa do joelho à cabeça.

02. C
O termo em inglês background, tecnicamente conhecido como BG, pode ser descrito
como música de fundo.

03. D
Como estamos vendo, as narrativas midiáticas deslizam de um meio para o outro e tal
deslizamento pode ser visto no exemplo da questão que denomina o produto como interface
dos dois meios.

Capítulo 5

01. C 03. B 05. D

02. E 04. D

capítulo 5 • 138
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 139
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 140
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 141
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 142
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 143
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 144

Você também pode gostar