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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríetm)
APRESEISTTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanga a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanga e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
V».r
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenga católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
aborda questdes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
W_ vista cristáo a fim de que as dúvidas se
dissipem e a vivencia católica se fortalega
no Brasil e no mundo. Queira Deus
abengoar este trabal no assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
confron
Sumario

O PARA NO BRASIL 221

Um documento pontificio
SOBRE A OATEQUESE 223

Mals urna vez


"JESÚS CRISTO LIBERTADOR" de Leonardo Botf 242

Mullos perguntaram:
O PAPA E A LITURGIA: UM PASSO ATRÁS? 252

LIVROS EM ESTANTE 263

COM APROVAg&O ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

SSo Bento, homem de Deus para todos os lempos. — A fala dos


animáis ; novos dados. — Opcao preferencia I pelos pobres. — «Res-
posta a Jó» de C. G. Jung. — A situacao religiosa em Angola.

«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»

Numero avulso de qualquer mes 32,00

Assinatura anual 320,00

Directo e Redagao de Estéváo Bettencourt O.S.IÍ.

ADMINISTBAQAO BEDACAO DE PB
Llvraria Misslonária Editora CaLva Postal 2.666
Búa México, 111-B (Castelo)
20.031 Bio de Janeiro (BJ) 20.000 Bio de Janeiro (BJ)

Tel.: 224-0059
O PAPA NO BRASIL

Quem acompanha a vida de nossos dias, nao pode deixar


de reconhecer no Papa Joáo Paulo n um dos grandes líderes
mundiais. É homem de personalidade altamente dotada: filó
sofo, cultor das artes(teatro, música...), praticante de esporte,
estudioso sensível as questSes sodais, é também o Pastor zeloso
que reafirma oportunamente os valores transcendentais sem
recear contestagóes. No cumprimento de sua missáo, o Pontí
fice tem visitado varios países do mundo, onde vem encon
trando generosa acolhida tanto por parte das autoridades como
por parte das massas populares.

Estes fatos levam a refletir sobre a figura e a fungáo do


Papa.

Este vem a ser o grande fator da unidade da Igreja: üni-


dade de fé e unidade de agio. Com efeito, disse Jesús a Pedro:
«Simáo, Simáo, Satanás vos pediu insistentemente para vos
peneirar como o trigo; eu, porém, roguei por ti, para que a
tua fé nao desfalega. E tu, urna vez convertido, confirma os
teus irmáos» (Le 22,31s). Assim Jesús confiou a Pedro e a
seus sucessores urna fungáo singular: a de sustentar e forta
lecer os irmáos, a fim de que guardem e vivam a mesma fé
dentro da comunháo da mesma Igreja. Os homens de hoje sao
ciosos de afirmar a sua identidade e originalidade, mas tam
bém sao conscientes de que precisam de viver em comunháo
uns com os outros. Ora a fungáo do Papa é precisamente a
de garantir a unidade e a harmonía dentro da variedade de
aspectos que a Igreja assume, e deve assumir, no mundo. O
Pontífice exerce esta tarefa nao somente em virtude dos seus
predicados pessoais, mas também, e principalmente, por efeito
da agáo do Espirito Santo, que lhe assegura a assisténcia
necessária para que apascente o rebanho do Senhor. Mesmo
um Papa que nao apresentasse as prendas humanas de Joáo
Paulo n, usufruiria das luzes do Espirito para que jamáis des-
viasse do rumo devido a Santa Igreja de Deus. A consciénda
destas verdades faz que o nosso olhar passe da pessoa do Pon
tífice á fungáo que ele exerce; esta é venerável nao tanto em
virtude dos predicados de quem a exerce, mas muito mais por
que, em última análise, é o Espirito quem vivifica a Igreja
mediante os ministros que Ele queira chamar.
A luz destas verdades, há de ser considerada a viagem de
Joáo Paulo II ao Brasil.

— 221 —
No decorrer da historia, os fiéis católicos sempre estima-
ram a peregrinagáo a Roma; esta lhes dava o ensejo de «ver
Pedro», &o pai do povo cristáo» (como dizia S. Agostinho).
Ora em nossos dias é Pedro, na pessoa de Joáo Paulo n, que,
utilizando os recursos modernos da técnica, vai ver os seus
fiéis, como bom pastor que é; viajando, o Papa quer ter con-
tato com aqueles aos quais nao é dado sair de sua térra, a fim
de levar-lhes a palavra de reconforto e estímulo. Os dotes pes-
soais de Joáo Paulo n contribuem para o pleno éxito de táo
arrojadas iniciativas. Nao somente os católicos, mas também
muitos nao católicos dáo atensáo á atuagáo do Papa; este, em
meio ao desatino dos povos, profere palavras inspiradas pela
consideracáo do homem e da sociedade em seu significado mais
profundo ou pela consciéncia de que os povos dilacerados por
interesses particulares sao filhos do mesmo Pai e herdeiros da
mesma esperanga. É tal discurso que os homens de hoje, cons
ciente ou inconscientemente, desejam ouvir.

A viagem de Joáo Paulo II ao Brasil será estritamente


pastoral, isto é, concebida em vista do bem espiritual do poyo
brasileiro. Nao tem fins políticos, ou seja, nao visa a interyir
diretamente na vida pública do Brasil. Sem dúvida, a visita
do Papa moverá a diplomacia e provocará o aparato dos ceri-
moniais; tais elementos sao inevitáveis, visto que o Papa é per-
sonagem público; todavia os fiéis católicos veráo no cerimonial
apenas urna moldura através da qual os valores da fé viráo a
ser reafirmados. Joáo Paulo II é o pai que se debruga sobre
os doentes nos hospitais, visita as favelas, toma as criangas
nos bragos, se assenta ao ar livre com os universitarios para
ouvi-los e falar-lhes, entra no confessionário para atender a
qualquer cristáo que lhe queira abrir a alma e lhe pega urna
orientasáo acompanhada da palavra de absolvigáo... Sao
estas as facetas mais auténticas do Papa,... aquelas que, aos
olhos do fiel católico, devem merecer o máximo de atencáo e
carinho. O que torna Joáo Paulo II grande aos olhos do pú
blico, é precisamente o fato de conservar a humildade e a sim-
plicidade enquanto o Senhor Deus o quer fazer instrumento
de sua agáo entre os homens.

Em preparagáo á vinda do Papa, os fiéis católicos reza-


rao... Agradeceráo a Deus o dom feito aos homens na pes
soa do Papa. E pediráo os frutos almejados pelo Pontífice em
sua visita: sejam os cristáos mais coerentes discípulos de Cristo,
vinculados na unidade da mesma fé e do mesmo amor!

E.B.

— 222 —
«PEROUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XXI — N« 246 — Junho de 1980

Um documento pontificio

sobre a catequese
Em sfnlese: Aos 16/10/1979, o S. Padre JoSo Paulo II asslnou a
Exortacáo Apostólica Catoches! Tradendae concernenle á catequese em
nossos días. Este documento ó de grande Importancia, porque considera
os aspectos mais atuals da catequese já levantados pelo Sínodo Geral
dos Blspos em 1977. De modo especial merece atencSo a énfase dada
aos segulntes pontos:

— a catequese é dever e dlrelto da Igreja em todas as partes do


mundo; em vlrtude do qué todos os fiéis, desde os blspos até os cate
quistas leigos, sSo exortados a reconhecer-lhe valor prioritario entre as
tarefas da Igreja e a exercé-la, cada qual segundo a sua competencia
própria;

— a catequese em sua metodología, sua linguagem, sua sistemática


há de ser adaptada á capacldade dos diversos destinatarios. Isto, porém,
nao significará dlmlnuigáo, alteracfio ou desvlrtuamento das verdades da
fé ou dos preceltos da Moral católica;

— o grande mananclal da catequese é a Palavra de Deus, transmi


tida pela Tradlcáo oral e a S. Escritura, tais como o magisterio da Igreja
as aprésenla. O catequista proporá com firmeza as grandes verdades da
fé, que, embora aínda estejam em demanda da plenltude, nSo sSo opl-
nlOes nem concep?ñes subjetivas. Procurem nSo inquietar os catecúmenos
com discussSes esteréis ou teorías ainda debatidas entre teólogos e exe*
getas. "O dom mate precioso que a Igreja pode oferecer ao mundo con
temporáneo, desorientado e Inquieto, é o de nete formar crlstaos bem
firmes no essencial e humildemente fellzes na sua fé" (n? 61) ;
— a memorlzacSo, que pode acarretar o Inconveniente de asslmlia-
55o superficial ou nula, nSo deve ser supressa por completo. Ela oferece
estelo permanente ás atitudes de fé do crlstfio, contanto que os textos memo-
rizados sejam também compreendldos na sua profundldade;

— a doutrlna social da Igreja há de integrar a catequese em termoa


adaptados á compreensao dos destinatáiios.

O documento vem a ser oportuno encorajamento e fonte de orlen»


tacfio para a catequese em nossos días.

* * *

— 223 —
4 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

Comentario: Aos 16/10/1979, o S. Padre Joáo Paulo H


publicou urna Exortacáo Apostólica referente á catequese,
fazendo eco as observacóes e sugestóes dos bispos reunidos no
Sínodo Geral de 19771. Este documento alude as questóes e
aos desafios que o exercício da catequese hoje em día encon-
tra, e traga diretrizes oportunas — todas assaz concretas —
para promover o ensino das verdades da fé nos nossos tem-
pos e a todos os homens, de qualquer idade, condigáo social
ou cultura.

Em vista da importancia deste documento, apresentare-


mos, a seguir, urna sintese de seu conteúdo, pondo em relevo
principalmente os seus pontos mais característicos.

I. «CATECHESI TRADENDAE»2

Introdujera (n's 1-4)

"Catequese é o conjunto dos esforcos envidados na Igreja... para


ajudar os homens a acreditaiem que Jesús é o Filho de Deus, a fim de
que, mediante a (é, lenham a vida em seu nome" (n? 1).

O Sínodo dos Bispos em outubro de 1977 foi convocado


pelo S. Padre Paulo VI para estudar a catequese e os seus
problemas atuais. Os resultados dos respectivos debates deram
ocasiáo á redagáo da presente Exortacao Apostólica. Cí. n.os 2-4.

A auténtica catequese é cristocéntrica. Isto quer dizer


que

a) o objeto essencial e primordial da catequese é o Mis


terio de Cristo. Catequizar é levar alguém a perscrutar este
Misterio em todas as suas dimensóes, a fim de obter, me-

* Em outubro de 1977 representantes do episcopado do mundo intelro


se reuniram em Roma para estudar o tema "A prátlca da catequese em
nossos tempos, principalmente em vista das crlancas e dos Jovens . Os
textos dos debates, as advertencias e as sugestOes dos padres slnodais
foram entregues ao S. Padre Paulo VI. Este Inlclou o exame do material
asslm recebido em vista da redaeño de um documento final, que coube ao
S. Padre Jofio Paulo II rematar e promulgar.

*iAs palavras Iniciáis do texto latino ácima transcritas slgniflcam


"Ao exerelelo da catequese".

— 224 —
SOBRE A CATEQUESE

diante Cristo, plena comunháo como Pai e o Espirito Santo


Cf. tí> 5; . ':

b) somente Cristo ensina na catequese. O catequista só


ensina na medida em que é o porta-voz de Cristo, permitindo
ao Senhor ensinar pela sua boca; deve poder aplicar a si pró-
prio a palavra de Jesús: «A minha doutrina nao é minha, mas
daquele que me enviou» (Jo 7,16; cf. 3,34; 8,28; 12,49s; 14,24;
17,8.14). Na verdade, os Evangelhos nos apresentam fre-
qüentemente Jesús Cristo a ensinar, de modo a merecer, de
maneira excelente e única, o titulo de Mestre. Cf. n.os 6-8.

Somente numa profunda comunháo com Cristo encon-


traráo os catequistas luz e forca para urna desejável renova-
cáo da catequese.

II. Urna experiencia tfio anliga quanto a Igreja (n.°* 10-17)

Desde os tempos de Cristo e dos Apóstelos a Igreja pra-


tica a catequese, como atestam os escritos do Novo Testamento
e os documentos da historia eclesiástica. Dentre os Concilios,
o de Trente (1545-1563) quis dar especial incentivo a este mi
nisterio, promovendo a elaboracáo do «Catecismo Romano e
inspirando grandes doutores a escrever obras catequéticas que
foram modelos para a sua respectiva época. Cf. n.OT 10-13.

A catequese é, para a Igreja, um dever sagrado, pois cor-


responde a urna ordem do Senhor (cf. Mt 28,18-20). É tam-
bém um direito; sim, toda pessoa tem o direito de procurar a
verdade religiosa e a ela aderir livremente, isenta de qualquer
coacáo. Disto se segué que & Igreja toca o direito de apre-
sentar a todos os homens a mensagem de Jesús Cristo, e apre-
sentá-la em circunstancias favoráveis de tempo e de lugar,
através dos meios de comunicacáo social e de outros adequa*
dos instrumentos de trabalho.

Infelizmente, este direito é desrespeitado por numerosos


Estados, que chegam a punir com severas sancóes os cidadáos
que se queiram dedicar a catequese. Este fato suscitou um
protesto da parte dos Padres Sinodais contra qualquer tipo de
discriminagáo por motivos filosófico-religiosos,... protesto ao
qual se associa o próprio Papa Joáo Paulo n, ao mesmo tempo

— 225 —
6 cPERGUNTE E RESPONDEREMOS> 246/1980

que dirige um apelo a todos os governantes dos povos para que


suspendam todo cerceamento á liberdade religiosa. Cf. n» 14.

Consciente do valor da catequese, a Igreja dá lugar prio


ritario á mesma em seus planos pastorais, nao poupando esfor-
Cos para lhe consagrar os seus melhores recursos humanos e
materiais e para formar pessoas qualificadas que a pratiquem.
Todos os membros da Igreja, a partir do Papa, háo de se sen
tir corresponsáveis pelo exercício desta tarefa, embora em
graus diversos. Cf. n.08 15-16.

A importancia deste ministerio exige outrossim que a


catequese seja continuamente renovada. Nos últimos lempos,
registraram-se, .sem dúvida, progressos e iniciativas promisso-
res no setor da catequese; todavia houve também deficiencias
que puseram em risco a integridade da mensagem crista. Será
preciso, pois, evitar, de um lado, a repeticáo rotineira que se
oponha a qualquer mudanza, como também, de outro lado, a
improvisagáo inconsiderada, que gera a confusáo dos catequi
zados e de seus pais, os desvios de toda especie e, finalmente, a
derrocada da unidade da mensagem crista. Cf. n* 17.

III. A catequese na atividade pastoral e missionária da Igreja


(n.<>8 18-25)

Sob este titulo, o documento procura definir melhor o que


seja catequese (cf. n.08 1.5s) e qual o papel desta no contexto
da pastoral da Igreja.

A rigor, a catequese supóe o que se chama o querigma,


ou seja, o primeiro anuncio do Evangelho feito para suscitar
a fé. Ela apressnta, a quem já tem fé, a doutrina crista de
maneira orgánica e sistemática a fim de levar a pessoa cate
quizada á plenitude da vida crista; ela visa, pois, a fazer ama-
durecer a fé inicial.

Acontece, porém, na realidade concreta que muitas vezes


a catequese nao pode supor a primeira evangelizacjio ou o
querigma. Com efeito,

— nao poucas criangas batizadas na primeira infancia


chegam á catequese paroquial sem ter recebido urna iniciagáo
na mensagem crista e, por isto, sem urna adesáo explícita e
pessoal a Jesús Cristo. Tendo vivido em ambiente de familia

— 226 —
SOBRE A CATEQUESE

pouco crista, podem mesmo apresentar preconceitos e descon-


fianga;

— outras criangas sao levadas á catequese sem mesmo ter


recebido o Batismo, pois os país só tardíamente aceitaran* a
educagáo religiosa para seus filhos;

— numerosos pré-adolescentes e adolescentes, tendo rece


bido o Batismo, urna catequese sistemática e a Eucaristía, per-
manecem hesitantes em comprometer toda a sua vida com
Jesús Cristo;

— os próprios adultos nao estáo isentos de dúvidas ou


mesmo da tentagáo de abandonar a fé.

Estas diversas situagóes mostram que a catequese nao


raro terá que recorrer á apologética ou 'á busca das razóes de
crer, terá que tentar abrir os coragóes, converter, suscitar urna
adesáo global e entusiástica a Jesús Cristo. Cf. n» 18s.

Para desempenhar devidamente a sua fungáo, a catequese


nao pode deixar de preencher certas condigóes:

1) seja um ensino sistemático, nao improvisado, o que


implica tenha um programa que lhe permita alcancar os seus
objetivos;

2) seja um ensino do essencial cristáo, sem ter a pre-


tensáo de tratar de todas as questóes disputadas. Esse essen
cial nao seja mutilado ou desvirtuado por maneiras vagas ou
imprecisas de apresentar a mensagem e suas exigencias mais
típicas;

3) seja um ensino suficientemente completo, que apro-


funde o conteúdo do querigma;

4) seja urna iniciagáo crista integral, aberta a todos os


componentes da vida crista — o que quer dizer:

— nao há que opor ortodoxia (reta doutrina) e ortopraxe


(reta agáo). Cultive-se tanto urna como outra, sendo esta
decorrente daquela;

— nao há que opor catequese a partir da vida e cate-


qnese tradicional, sistemática. Os fatos e as experiencias da

— 227 —
8 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

vida podem perfeitamente servir de base e motivagáo para a


exposicáo sistemática da doutrina da fé;

— a catequese leva o cristáo á comunháo com os seus


irmáos na fé assim como ao dinamismo missionário. Cf.
n.°* 21-24.

IV. Toda a Boa Nova colhida na fonte (n.os 26-34)

A catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na fonte


viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradigáo oral e na
S. Escritura. Esta há de ser lida com a inteligencia e o corá
ceo da Igreja. Cf. n» 27.

A doutrina revelada por Cristo foi coligida pela Igreja em


diversas profissóes ou símbolos de fé, como o chamado «Sím
bolo dos Apostólos», o Niceno-Constantinopolitano (séc. IV),
o Atanasiano (séc. IV?)... Recentemente, em vista de dúvi-
das ocorrentes entre os fiéis, o S. Padre Paulo VI redigiu o
«Credo do Povo de Deus» (1968), que o Papa Joáo Paulo II
aponta como «ponto de referencia seguro para o conteúdo da
catequese». Cf. n' 28.

A respeito deste conteúdo, o documento ainda chama a


atencáo para tres pontos:

1) Integridade do conteúdo. «Os discípulos de Cristo


tém o direito de receber a palavra da fé nao mutilada, falsifi
cada ou diminuida, mas, sim, plena e integral». A nenhum
catequista é lícito fazer, por seu próprio arbitrio, urna selegáo
no depósito da fé, entre aquilo que ele considere importante e
aquilo que ele julgue sem importancia, para ensinar o impor
tante e rejeitar o restante. Cf. n» 30.

A integridade do conteúdo da catequese pertencem nao


somente os artigos de fé, mas também exigencias moráis que
destes decorrem. Tais exigencias háo de ser apresentadas sem
rodeios, mesmo que impliquem renuncias e atitudes heroicas.
A catequese também proporá a busca de urna sociedade mais
solidaria e fraterna, baseada nos ditames da justiga e da paz.
Os doutores da Igreja, principalmente S. Ambrosio (t 397) e
S. Joáo Crisóstomo (t 407), como também os Sumos Pontifi-
cos, tém elaborado e proposto a doutrina social da Igreja, que

— 228 —
SOBRE A CATEQUESE

é para desejar entre, em termos apropriados, na formacáo


catequética comum dos fiéis. Cf. n.os 29s.

2) Métodos pedagógicos adaptados. Haja diversas ma-


neiras de transmitir a doutrina da fé, de acordó com os des
tinatarios da mesma: criancas da cidade, do campo, da orla
marítima, adolescentes, jovens adultos (operarios, estudantes,
profissionais liberáis...). Todavia as modalidades de lingua-
gem, método e apresentagáo da mensagem nao háo de afetar
o conteúdo da mesma, que deve permanecer intato em sua
totalidade. Cf. n» 31.

3) Dimensáo ecuménica da catequese. O ecumenismo é


o movimento que tende a reconstituir a unidade entre os cris-
táos, afetada pelos cismas nestoriano (431), monofisita (451),
ortodoxo (1054) e protestante (1517). O concilio do Vati
cano II quis dar novo impulso a tal tendencia, de modo que a
catequese nao pode deixar de ter a sua dimensáo ecuménica;
na verdade, todos os fiéis, segundo as próprias capacidades, sao
chamados a participar da caminhada para a unidade. Será
importante, pois, que os catequistas apresentem lealmente aos
discípulos as comunidades eclesiais separadas com as suas
notas históricas e doutrinárias. A catequese assim concebida
levará os fiéis católicos a afirmar a própria identidade cató
lica com respeito pela fé dos outros sem falso irenismol, ba-
seado em omissóes ou concessóes no plano doutrinal. Cf. tí> 32.

Nos últimos tempos tém-se aproximado católicos e cris-


táos nao católicos no setor da catequese, procurando colabo
rar entre si. Em verdade, há elementos de doutrina comuns a
todas as confissóes cristas, ao mesmo tempo que se registram,
em alguns casos, profundas divergencias. «Por conseqüéncia,
esta colaboragáo ecuménica é, por sua própria natureza, limi
tada: ela nunca poderá significar reduelo a um mínimo deno
minador comum». Além disto, é de notar que a catequese nao
consiste apenas em ensinar a doutrina, pois ela leva também
a participar dos sacramentos da Igreja. «Daqui a necessidade,
nos territorios onde exista experiencia de colaboraclo ecumé
nica catequética, de vigiar para que a formagáo dos católicos

i Irenismo vem de elrene, paz; significa a procura da paz as cusías


da verdade ou por meios desleals (omlssSes, apresentaefies falsas ou
Inadequadas).

— 229 —
10 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

fique bem assegurada na Igreja Católica em materia de dou-


trina e de vida crista».

Em alguns países • existem manuais para o cnsino da reli-


giáo comuns a católicos e nao católicos. Ora o uso de tais livros
nao leva a verdadeira catequese, pois nao propóe todos os ele
mentos de doutrina constitutivos da mcnsagem católica. Se
sao impostas pelo Governo, o catequista católico nao tem a
obrigagáo de rejeitar tais manuais, mas trate de assegurar,
além do conteúdo dos livros oficiáis do Governo, todos os ele
mentos próprios de urna catequese específicamente católica.
Cf. n' 33.

Também se registra em determinados países que as esco


las do Estado póem á disposi^áo dos alunos livros que apre-
sentam as diversas confissSes religiosas, incluida a Católica.
Ora a descricáo objetiva e fiel da historia e da mensagem das
diversas religióes pode contribuir para melhor compreensáo
recíproca. Todavía tais manuais, em hipótese alguma, pode-
ráo ser considerados como obras catequéticas, pois nao sao o
testemunho de um mestre católico que tenta transmitir a men
sagem da fé a discípulos; «falta-lhes a compreensáo dos mis
terios cristáos e da especificidade católica colhida da expe
riencia de urna pessoa de fé». Cf. n1» 34.

V. Todos predsam ser catequizados (n.M 35-45)

Todas as idades e situagóes de vida necessitam da Pala-


vra de Deus a ser ministrada oportunamente. Daí a atenváo
especial do documento a cada qual dos principáis grupos de
destinatarios da mensagem.

1) ís na primeira infancia que deve comegar a cate


quese, a qual consistirá precipuamente em revelar o Pai ce
leste bom e providente, que as criancinhas háo de invocar.
Poderáo aprender a balbuciar brevissimas oragóes, inicio de
um diálogo amoroso com Deus. Nunca será demais insistir
com os pais cristáos para que fa?am tal iniciagáo das criangas,
mediante a qual desde cedo as suas faculdades sao chamadas
a um relacionamento filial com o Senhor Deus. Cf. n» 36.

* Inclusive no Brasil.

— 230
SOBRE A CATEQUESE 11

2) As enancas na idade de freqüentarem a escola e a


Igreja háo de receber tuna catequese didática destinada a pre-
pará-las imediatamente para a celebrado dos Sacramentos da
Penitencia e da Eucaristía. Seja esta catequese algo de inicial»
mas nao fragmentario, urna vez que deverá apresentar, de ma-
neira elementar, todos os principáis misterios da fé e a sua inci
dencia na vida moral e religiosa das crianzas; em conseqüén-
cia a crianca se sentirá chamada a participar da vida da Igreja.
Cf. n' 37.

3) Adolescentes. Estáo na idade das descobertas... de


si e do seu mundo interior, da vida em geral. Concebem inter-
rogagóes profundas, acompanhadas de certa desconfianga para
com os outros; sofrem, por vezes, seus primeiros fracassos e
amarguras. — A catequese há de levar em conta os aspectos
variáveis deste delicado per.'odo da vida. Aprésente Jesús
Cristo como amigo e modelo a ser imitado; proponha a men-
sagem crista de modo tal que possa oferecer resposta aos pro
blemas fundamentáis dos adolescentes. Cf. n» 38.

4) Jovens. Vivem a idade das primeiras grandes deci-


sóes. Sao chamados .i assumir a sua própria responsabilidade,
optando por um ideal polarizador de toda a sua vida. «A cate
quese assume entáo importancia considerável», pois o «Evan-
gelho poderá ser apresentado, compreendido e acolhido como
algo capaz de dar sentido á vida e, por isto, capaz de inspirar
atitudes de outra forma inexplicáveis, como renuncia, desa
pego, mansidáo, justica, fidelidade aos compromissos, reconci-
liagáo, sentido do Absoluto e do invisível, outros tantos trago3
que háo de permitir identificar determinado jovem, entre os
seus companheiros, como discipulo de Cristo».

É necessário que aos jovens se proponha, além das verda


des propriamente religiosas, o sentido cristáo do trabalho, do
bem comum, da Justina, da caridade e da dignidade humana,
como é apresentado nos recentes documentos da Igreja.

Tenha-se em vista outrossim que numerosas vocagóes


para a vida sacerdotal e religiosa nasceram no decurso de urna
catequese bem feita na infancia e na adolescencia. Cf n« 39.

Como se compreende, a catequese há de ser adaptada á


situagáo dos jovens, levando em conta a complexidade dos pro
blemas destes e a necessidade de se lhes. falar urna linguagem
adequada que sabiamente exprima toda a mensagem de Jesús.

— 231 —
12 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

sem a trair. A juventude é portadora, quando mais nao fosse,


pelo vazio que senté, de algo mais do que urna disponibilidade
e urna abertura; ela é portadora de verdadeiro desejo de
conhecer «aquele Jesús que se chama Cristo» (Mt 1,16).
Cf. n* 40.

Dentre os jovens, merecem especial atencáo os deficientes


e aqueles que carecem de apoio religioso.

Os deficientes tém o direito, como os demais, de conhecer


o misterio da fé. Sejam encorajadas todas as instituigóes cató
licas que se dedicam especialmente a tal missáo. Cf. n» 41.

Quanto aqueles que sao educados em lar nao cristáo ou


nao praticante, mas manifestam o desejo de conhecer a fé
crista, proporcione-se-lhes urna catequese adequada, a fim do
que possam progressivamente crescer na fé. Cf. n" 42.

5) Adultos. A catequese dos adultos constituí urna ta-


refa central, pois se dirige a pessoas que trazem as maiores
responsabilidades na sociedade. A catequese de enancas e jo
vens nao se poderia efetuar sem a participado direta dos adul
tos, quer sejam destinatarios, quer sejam promotores da ativi-
dade catequética. Mais: o mundo em que os jovens sao cha
mados a viver a própria fé, é um mundo governado pelos adul
tos. Por conseguinte, a fé destes deverá ser continuamente
esclarecida, estudada e renovada, a fim de impregnar as rea
lidades temporais pelas quais sao responsáveis. Assim, para
ser eficaz, a catequese há de ser permanente. Cf. n* 43.

Também entre os adultos a catequese deve assumir for


mas especiáis, de acordó com os respectivos destinatarios. Me
recem particular destaque a propósito

— aqueles que, nascidos em regióes ainda nao cristianiza


das, chegam alguma vez a ouvir os rudimentos da mensagem
crista em especiáis circunstancias de sua vida;

— aqueles que, tendo receñido na infancia urna catequese


apropriada á respectiva idade, nao aprofundaram a mensagem
em sua idade madura;

— aqueles que receberam urna catequese precoce, mal


orientada e mal assimilada;

— 232 —
SOBRE A CATEQUESE 13

— aqueles que, embora nascidos em países cristáos, nunca


foram educados na fé;

— as pessoas idosas, que, como as criangas, os adolescen


tes e os jovens, também sao destinatárias da catequese;

— os migrantes, os «marginalízados» pela evolujáo mo


derna, os que vivem nos bairros de grandes metrópoles, mui-
tas vezes desprovidos de igrejas e locáis apropriados;

— aqueles mesmos que devem desempenhar a funcáo de


pastores e catequistas na Igreja; háo de aprender constante
mente «na escola da Igreja, que é a grande catequista, ao
mesmo tempo que a grande catequizada».

Em suma, «ninguém na Igreja se deveria sentir dispen


sado de receber a catequese», ministrada sempre através dos
meios adequados (sistemas audiovisuais, publicacóes, encon-
tros, conferencias, etc.). Cf. n.os 44s.

VI. Alguns caminhos e meios para a catequese (n.os 46-50)

Além dos meios de comunicacáo social em toda a sua am-


plidáo (televisáo, radio, imprensa, discos, fitas magnéticas...),
a catequese há de valer-se também de ocasióes e ambientes
especialmente oportunos para o seu exercício:

1) as peregrinacóes, que seráo muito úteis se forem cen


tradas num tema criteriosamente escolhido no Evangelho ou
na hagiografía;

2) as missóes, abandonadas as vezes precocemente, mas


insubstituiveis para urna renovagáo periódica e vigorosa da
vida crista;

3) os círculos bíblicos, que devem associar entre si exe-


gese e vivencia da Palavra de Deus;

4) as comunidades eclesiais de base, na medida em que


estejam realmente em sintonía e comunháo com a Igreja;

5) os grupos jovens em suas modalidades (grupos de


AQáo Católica, de reflexáo crista, de oragáo, de agáo carita-

— 233 —
14 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

tiva...). Suscitam válidas esperanzas para a Igreja de ama-


nhá, contanto que nunca lhes falte um estudo serio da dou-
trina crista. Sem isto, correriam o risco de decepcionar os que
a eles aderem e de decepcionar a própria Igreja (como se tem
verificado muitas vezes);

6) a homilía, que há de ser feita em todas as celebra-


góes dominicais e festivas da Eucaristía, na celebragáo do Ba-
tismo, da Penitencia, do Matrimonio e dos funerais. «Deve-se
dispensar grande atengáo á homilía: nao há de ser muito longa
nem demasiado breve, mas seja sempre cuidadosamente prepa
rada, substanciosa, adaptada, e reservada aos ministros orde
nados» K

Mais: sejam mencionados com énfase singular os livros


catequéticos. Estes vém-se multiplicando, de modo a oferecer
preciosos subsidios á catequese. Entretanto é necessário reco-
nhecer que tal florescencia também tem dado ocasiáo a expe
riencias e publicagóes equívocas e nocivas para os jovens e
para a vida da Igreja. Com milita freqüéncia, inspiradas pela
preocupacáo de encontrar a linguagem mais adaptada ou de
seguir os mais recentes métodos pedagógicos, «algumas obras
catequéticas desorientan! os jovens e até mesmo os adultos,
quer pela omissáo, consciente ou inconsciente, de elementos
essenciais para a fé da Igreja, quer pela importancia excessiva
dada a certos temas com prejuizo de outros, quer sobretudo
por urna perspectiva de conjunto demasiado horizontalista, nao
conforme ao ensino do magisterio da Igreja».

Por conseguinte, para que os livros de catequese corres-


pondam á sua finalidade, sao indispensáveis alguns requisitos:

— sejam adequados as interrógaseles, aos anseios, as lutas


da geragáo á qual se destinam;

— procurem encontrar a linguagem compreensível a essa


mesma geracáo;

— esmerem-se por ser a expressao de toda a mensagem


de Cristo e da sua Igreja, sem nada descurar ou deformar;

Este último tópico merece especial realce: a hornilla faz parte da


celebracfio litúrgica; por Isto toca aos celebrantes mlnlsterlals da Euca
ristía profeil-la. Embora haja crlstaos lelgos preparados para dirigir a
palavra a urna assembléia de Irmáos, nao o devem fazer á guisa de
hornilla, em substltulcáo dos ministros ordenados para tanto.

— 234 —
SOBRE A CATEQUESE 15

— vlsem a provocar mais profundo conhecimento de


Cristo naqueles que deles se servirem, em vista de auténtica e
continuada conversáo. Cf. n» 49.

Vil. Como fazer catequese (n.os 51-55)

A variedade de métodos na catequese é sinal de vida e de


riqueza. Para que tal variedade seja útil ao ensino da única
fé, algumas condigóes háo de ser observadas (cf. m 51):

1) O primeiro problema refere-se a tentagáo de misturar


indevidamente com o ensino catequético perspectivas ideológi
cas (claras ou disfargadas), sobretudo de natureza político-
-social ou entáo opgóes políticas pessoais. Estas podem desna
turar por completo a catequese.

O Sínodo insistiu na necessidade de que a catequese se


mantenha ácima das tendencias unilaterais divergentes, mesmo
no campo das interpretagóes teológicas. A catequese deverá
reger-se pela Revelagáo Divina tal como a transmite o magis
terio universal da Igreja. Urna catequese assim concebida ultra,
passa todo moralismo formalista, se bem que inclua urna ver-
dadeira Moral Crista; ultrapassa principalmente todo messia-
nismo temporal, social ou pontificio, procurando atingir o que
há de mais profundo no homem. Cf. n» 52.

2) Faz-se necessária a aculturacóo ou inculturacjío, ou


seja, a encarnagáo da catequese na cultura do povo ao qual se
destina. A catequese é chamada a levar a forga do Evangelho
ao coragáo das diversas culturas. É preciso, entretanto, recor
dar dois pontos:

— a mensagem evangélica nao pode ser isolada pura e


simplesmente da cultura em que ela primeiramcnte se inseriu
(o mundo bíblico e o meio cultural onde viveu Jesús de Na-
zaré) nem das culturas em que ela já se exprimiu ao longo
dos sáculos;

— a forga do Evangelho transforma e aperfeicoa as cul


turas, sem se deixar alterar por elas.

«Os homens de hoje nao aceitam que a catequese se empo-


brega... por adaptagóes, mesmo de linguagem, que porven-

— 235 —
16 tPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

tura comprometessem o bom depósito da fé, ou por concessóes


em materia de fé ou de moral. Estáo persuadidos de que a
verdadeira catequese deve acabar por enriquecer essas cultu
ras, ajudando-as a superar os aspectos deficientes... que nelas
existam». Cf. n» 53.

3) Outro problema de método diz respeito a elementos


da piedade popular. Trata-se de devo;6es, oracóes, atos de
piedade e penitencia praticados com fervor e pureza de inten-
gáo comovedores, embora a fé subjacente precise de ser puri
ficada ou mesmo retificada sob muitos aspectos. Com efeito,
ao lado de elementos que deveriam ser deixados de lado, há
ai outros que, se bem utilizados, poderiam servir a fazer pro-
gredir o conhecimento do misterio de Cristo e da sua mensa-
gem. Sendo assim, nao se vé por que rejeitar radicalmente
tais expressóes da piedade popular, em vez de aproveitar, na
catequese, o que possa ser útil á melhor compreensáo das ver
dades da fé. Cf. n» 54.

4) Aínda um problema metodológico — e este muito


debatido — é o da memorizacáo. Esta, muito usual outrora,
pode levar a urna assimilacáo insuficiente ou mesmo quase
nula, reduzindo-se todo o saber a fórmulas nao aprofundadas.
Tal inconveniente levou últimamente á supressáo quase total
da memorizacáo na catequese.

Contudo na IV Assembléia Geral do Sínodo fizeram-se


ouvir vozes abalizadas em favor de um reequilíbrio, na cate
quese, das partes de reflexáo e espontaneidade, diálogo e silen
cio, trabalhos escritos e memoria.

"Assim, num momento em que no enslno profano de alguns países


se ouvem quelxas cada vez mals numerosas, quanto ás lamentávels conse-
qOenclas do menosprezo desta faculdade humana que é a memoria, por
que nfio haveríamos nos de procurar revalorlzá-la de manelra Inteligente
e até mesmo original na catequese, tanto mals que a celebracfio ou
memoria dos grandes eventos da historia da SalvacSo exige que deles se
possua um conhecimento preciso? Urna certa memorlzacfio, pois, das
palavras de Jesús, de passagens bíblicas importantes, dos dez manda-
mentos, das fórmulas de proflssSo de fé, dos textos litúrgicos e das ora-
cfles essenclals e de no^Ses chaves da doutrina... longo de ser contraria
á dfgnldade dos Jovens crlstSos, ou de constituir para eles um obstáculo
para o diálogo pessoal com o Senhor, é urna verdadeira necessldade, como
recordaram com vigor os Padres slnodals. é preciso ser realista. As llores
da fé e da piedade crista, se assim se pode dlzer, nSo crescem nos
espacos ermos de urna catequese sem memoria. O essenclal é que os
textos memorlzados sejam ao mesmo tempo interiorizados, compreendldos
pouco a pouco na sua profundldade, a flm de se tornarem fonte de vida
crista pessoal e comunitaria" (n? 55).

— 236 —
SOBRE A CATEQUESE 17

Víl. A alegría da fé num mundo difícil (n.°9 56-61)

A catequese é ministrada a pessoas que vivem num mundo


difícil, tendente a suscitar hesitares e incertezas aos cristáos.
Faz-se mister, porém, que estes, apesar das dificuldades, sejam
luz e sal da térra pela sua alegría e pelo seu servigo a todos
os homens. Em vista disto, eis alguns dos desafios que a cate
quese terá de enfrentar (cf. n» 56):

1) O mundo, em vasta escala, ignora Deus e menospreza


os valores religiosos em nome das suas «explicares científi
cas». Por isto, impóe-se uma catequese que ensine os jovens
e os adultos a permanecerem coerentes na sua fé e a aderirem
de tal modo ao absoluto de Deus que dele possam dar testemu-
nho no seio de uma civilizagao materialista. Cf. n' 57.

2) Dentre as numerosas ciencias humanas que muito


t£m progredido últimamente, salienta-se a pedagogía, a qual
recorre a elementos de biología, psicología, sociología...

Ora a pedagogía da fé deve servir-se dos subsidios e das


técnicas da pedagogía em geral, sem que, por isto, se esqueja
a originalidade da fé. A pedagogía da fé nao transmite um
saber puramente humano, mas a integridade da Revelagáo de
Deus. Uma técnica só será válida na catequese na medida em
que for posta ao servigo da fé. Cf. n« 58.

3) Um problema em continuidade com o precedente é o


da linguagem. Esta é cada vez mais valorizada pelos estudus
contemporáneos de comunicagáo e semántica, mas também é
freqüentemente utilizada para a mistificagáo ideológica, a mas-
sificagáo do pensamento e a redugáo do homem á condigáo de
objeto. Daí decorre que,

— de um lado, a catequese deverá buscar uma linguagem


adaptada as criangas, aos jovens, aos estudantes, aos homens
de ciencia, aos analfabetos, aos de cultura elementar, aos defi
cientes. .. Na catequese, como na teología, a linguagem tem
importancia primordial;

— de outro lado, nao se poderá admitir qualquer forma


de linguagem que, mesmo sob pretexto pretensamente cientí
fico, desvirtué o conteúdo do Credo ou iluda os ouvintes. Ao
contrario, os grandes progressos da ciencia da linguagem
háo de ser postos ao servico da catequese, a fim de que esta

— 237 —
18 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 246/1980

comunique a todos os homens de hoje o integro conteúdo da


fé, sem deformagóes. Cf. n» 59.

4) Outro desafio sutil provém da própria concepcao de


fé. Certas escolas filosóficas — que tém exercido influencia
em correntes teológicas — acentuam que a atitude humana
fundamental é a de procura permanente, que nunca atinge o
seu objetivo. Em teologia, este modo de ver leva a afirmar
que a fé nunca é certeza, mas interrogagáo; nao é claridade,
mas salto no escuro.

Tais correntes de pensamento tém a vantagem de nos lem-


brar que Deus habita sempre em luz inacesslvel (cf. lTm 6,16);
por isto os cristáos nao devem assumir atitudes instaladas, mas
considerar-se peregrinos com Abraáo em demanda da pleni-
tude da luz da vida. Evitem, pois, apresentar como certas as
coisas que nao o sao.

É preciso, porém, nao cair no extremo oposto. A epístola


aos hebreus diz-nos que «a fé é o firme fundamento daquilo
que esperamos, e a demonstrado de realidades que nao vemos»
(cf. Hb 11,1). Por conseguinte, se nao temos posse plena da
verdade e da vida, temos urna garantía e urna prova das mes-
mas. Por isto os catequistas procurem mostrar aos catecúme
nos que a atitude de procura humilde e corajosa de quem eré,
longe de partir de simples ilusóes ou de opinióes faliveis e
incertas, se funda na Palavra de Deus, que nao se engaña e
■nao engaña; é a procura dos magos no seguimento de urna
estrela, procura a respeito da qual Pascal escrevia: «Tu nao
me procurarías, se já nao me tivesses encontrado».

Assim urna das finalidades da catequese é a de propor


cionar aos catecúmenos aquelas certezas simples e sólidas que
os ajudaráo a procurar mais e melhor o conhecimento do Se-
nhor. Cf. n» 60.

5) É importante aínda lembrar o estreito relacionamento


que existe entre catequese e teologia.

A teologia e os estudos bíblicos estáo passando por fase


de pesquisas, que tém tido suas repercussóes na catequese.
Ora os Padres sinodais abordaram este assunto, frisando a
necessidade de se achar um remedio para a instabilidade que
a catequese tem sofrido em conseqüéncia.

— 238 —
SOBRE A CATEQUESE 19

É conveniente insistir neste ponto. Conscientes da influen


cia das suas pesquisas no ensino catequético, os teólogos e os
exegetas tomaráo cuidado para que nao se tomem como ver»
dades seguras as opinióes que aínda sao discutidas entre os
peritos. Os catequistas, por sua vez, procuraráo colher pru
dentemente no campo da pesquisa teológica táo sámente os
elementos que possam esclarecer o seu ensino. E todos, teólo
gos e catequistas, iráo beber ñas verdadeiras fontes da Reve-
lagáo, á luz do magisterio. A catequese se empenhará por nao
perturbar o espirito das criancas e dos jovens, nessa fase de
aprendizagem, com teorías peregrinas, vaos problemas ou dis-
cussdes esteréis (cf. lTm 1,3-5; 4,1-3; 2Tm 2,14-16; 4,1-5;
Tt 1,10-12).

«O dom mais precioso que a Igreja pode oferecer ao


mundo contemporáneo desorientado e inquieto é o de nele for
mar cristáos firmes no essencial e humildemente felizes na sua
fé. Ora a catequese há de contribuir poderosamente para isto».
Cf. n* 61.

IX. A farefa diz respeito a todos nos (n.os 62-71)

Este último capítulo vem a ser um encorajamento a todos


os responsáveis (pessoas e instituicóes) pela catequese: bispos
(n* 63), sacerdotes (n» 64), Religiosos e Religiosas (n» 65),
catequistas leigos (n» 66), paróquias (n» 67), familias (n« 68),
escolas (n» 69), associagóes e movimentos (n' 70), institutos
(n* 71). Merecem especial relevo as palavras atinentes ao pa
pel da escola na prática da catequese:

"Nos países, cada vez mate raros Infelizmente, onde é posslvel minis
trar dentro do enquadramento escolar urna educacSo da fé, é para a
!g-e!a um dever procurar fazé-lo o melhor posslvel. Isto refere-se. eviden
temente, em prlmelro lugar ás escolas católicas: merecerían) elas aínda
este nome, se, apesar de brilharem por um nivel elevado de ensino no
que se refere ás materias profanas, houvesse qualquer motivo justificado
para Ihes censurar urna negligencia ou um desvio na educacSo propria-
mente religiosa? E que nSo se diga nunca que esta deve sempre dada
Implícitamente ou de manelra Indlreta I O caráter próprlo e a razfio pro
funda de ser das escolas católicas, aqullo por que os país católicos as
deveriam preferir, ó precisamente a qualldade do ensino religioso Integrado
na educacSo dos alunos.

Se ó verdade que as InstitulcOes católicas devem respeitar a liber-


dade de consciéncla, Isto é, devem evitar Influenclá-la do exterior, me
diante pressíes físicas ou moráis, especialmente no que diz respeito aos

— 239 —
20 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

atos religiosos dos adolescentes, elas tém nSo obstante o grave dever de
propor urna formagao religiosa adaptada ás siluagóes lieqüenlemente
multo diversas dos alunos; e também o dever de Ihes fazer compreender
que o apelo de Deus a servi-lo em espirito e verdade, segundo os man-
damentos do mesmo Deus e os preceitos da Igreja, sem constranger o
homem, nSo delxa de o obrlgar em consciéncla".

Conclusáo (n.os 72-73)

O documento se encerra com a menguo do Espirito Santo


inspirador e autor da obra da catequese, que Joáo Paulo II
invoca sobre a Igreja, a fim de que lhe renové o dinamismo
catequético. Cf. n* 72.

E que a Virgem Santíssima, presente á efusáo do Espi


rito em Pentecostés, obtenha, por sua intercessáo, as gragad
necessárias a essa almejada renovagáo! Cf. n" 73.

11. ReflexSo final

O documento em pauta é o fruto de apurados estudos e


análises realizados por bispos do mundo inteiro com a asses-
soria de seus peritos, reunidos em Roma no mes de outubro
de 1977. Faz, pois, eco ás perspectivas e aos anseios desses
pastores, anseios que os Papas Paulo VI e Joáo Paulo II pro-
curaram coligir. Além do qué, nota-se na redagáo da «Cate-
chesi Tradendae» o estilo e o pensamento pessoais do atual
Pontífice.

A Exortacáo tem o grande valor de considerar com rea


lismo certos problemas centráis da catequese, para os quais
abre pistas de solugáo. Eis o que mais importante parece no
texto em foco:

1) O papel relevante da catequese entre todas as ativi-


dades da Igreja. Oatequese, no caso, significa o aprofunda-
n ento da mensagem de Cristo acompanhado da vivencia sacra
mental e do testemunho de vida dos cristáos. Ao se despedir
dos Apostólos, Cristo confiou a estes a missáo de levar a todos
os povos a Boa-Nova e o Batismo (cf. Mt 28,18-20). A Igreja
snnte que hoje em dia esta ordem do Senhor continua a reá-
soar com toda a preméncia. Por isto afirma Joáo Paulo II
que todos os fiéis, desde o Papa até os leigos, se devem com-

— 240 —
SOBRE A CATEQUESE 21

penetrar da corresponsabilidade que looa a cada um no tocante


á catequese. Cf. n.os 1-9. 62-71.

2) A flexibilidade de métodos, linguagem e sistematiza-


cSo da catequese se impóe, dada a variedade de ouvintes a
que ela se dirige. Nota-se, porém, que Joáo Paulo n constan,
temente incute a necessidade de nao se mutilar ou desfigurar
a mensagem católica a titulo de torná-la mais acessivel ou
menos exigente aos olhos dos destinatarios. Cf. n.os 28.29.
30.31.33.39.49.53.58.59...

3) O elemento fé é continuamente apresentado como


alma da catequese. A fé, embora deixe os fiéis na penumbra
ou em demanda de plenitude de luz, tem suas certezas inaba-
láveis; cf. n» 60. É necessário, pois, que o catequista saiba
com exatidáo o que pertence estritamente á mensagem da fé
(para tanto haverá de seguir sempre o magisterio da Igreja)
e o que sao teorías e opinióes de teólogos. Proponha aos seus
catecúmenos táo somente a doutrina da fé e procure formar
cristáos sólidamente convictos e felizes por conhecer a Pala-
vra da Vida.

4) O documento valoriza certos cañáis de catequese, que


nos últimos tempos teráo ficado de lado em algumas regides:
as missóes populares, as devogóes dos fiéis simples, a homilía,
a memorizagáo... Utilizados com sabedoria e inteligencia,
tais recursos podem ser de enorme valia para a transmissáo
da Boa Nova.

5) A doutrina social da Igreja, apregoando justiga e


benevolencia entre os homens, há de integrar a catequese em
termos adaptados a compreensáo dos destinatarios.

Possa o documento assim apresentado contribuir eficaz


mente para a edificagáo do povo de Deus, dissipando dúvidas
e multiplicando a alegría e a coragem que devem caracterizar
todo cristáo!

A propósito ver:

FRANCHINI, E., "Calechesi Tradendae": II rliullado del compromesao,


In: II Regno-Attualltá, 20, 15/11/1979, pp. 433-436.

MARIÉ, R., Direcllves recentes sur la catéchese, In: Eludes, décem-


bre 1979, pp. 685-689.

"FÉTES ET SAISONS", n? 340, décembre 1979.

— 241 —
Mais urna vez

"jesús cristo libertador"


de Leonardo Boff

Em sintese: O presente artigo aprésente em traducSo brasilelra urna


recensfio do Hvro "Jesús disto Libertador" de Freí Leonardo Boff O.F.M.
em sua edljao francesa. O recenseador é o Pe. Freí Marie-Vincent Leroy
O.P., que publlcou sua apreciacfio na "Revue Thomlste" 74/1979, pp.
501-503. Este autor Indica pontos vulnerávefs da obra de Freí Leonardo,
tais como: 1) exagerado dlstanciamento entre o Jesús da fó e o Jesús
da historia, dlstanciamento destituido de fundamento e provocado pela
adesao Indiscriminada do teólogo franciscano á critica moderna; 2) o
conceito de Encarneció de Oeus, que é exposto confusamente, de modo
a n&o se distinguir suficientemente do conceilo de evolucáo e hominlzacáo;
3) a ignorancia de Jesús em relacSo ao destecho da sua mlssSo, espe
cialmente no tocante ao sentido da última cela e da sua morte na cruz;
4) Cristo nada terla trazldo de novo ao mundo, mas apenas terla vlndo
para dar novos nomes a realidades cristas preexistentes a Ciisto (embora
afirme isto, Freí Leonardo assevera, no mesmo livro, que Jesús dlsse
coisas novas e a propósito cita Me 1,27; cf. pp. 95 e 260 da 7? edicao
brasilelra).

As ponderacOes do Pe. Leroy seráo útels ao leltor que procure apro-


fundar-se no estudo da Cilstologla. Publícamo-ias únicamente em vista
deste objetivo.

Comentario: Em PR 243, pp. 91-118, foram publicados


artigos sobre Hans Küng e Edward Schillebeeckx, teólogos que
suscitaram a atencáo da Santa Sé e do público por suas con-
cep;5es referentes a Cristo e á Igreja. Muitas pessoas no Bra
sil perguntam o que haja de suspeito na obra de Frei Leonardo
Boff, teólogo franciscano brasileiro, que também se tornou
alvo de contradicóes.

A fim de esclarecer os estudiosos, publicaremos, a seguir,


a tradugáo de urna recensáo do livro «Jesús Cristo Libertador»
em sua tradugáo francesa. Tal apreciagáo se deve ao teólogo
dominicano Frei Marie-Vicent Leroy O.P. e foi publicada na
«Revue Thomiste» 79 (1979) pp. 501-503. O artigo é assaz
eloqüente e significativo. Depois de muito refletir, damos ao

— 242 —
«JESÚS CRISTO LIBERTADOR» 23

público conhetímento de tal apreciagáo únicamente para ofe-


recer subsidios que elucidem os interessados; o Pe. Leroy
ajuda o leitor a reler o livro «Jesús Cristo Libertador»; princi
palmente os dois últimos incisos da recensáo de Leroy mere-
cem ponderagáo.

«JESÚS CRISTO LIBERTADOR»

Leonard BOFF, Jésus-Christ Hbérateur, traduzido do brasileiro


por Franco» Mal ley, «Ensaio de Cistologia crítica», 1 vol. de 272 pp.(
París, ed. du Cerf, 1974.

Este livro tenciona ser um «ensaio de Crístologia crítica para o


nosso tempo». Prestamos merecida homenagem á considerável ope-
rosidade do autor e reconhecemos o interesse de um empreendimento
inconlestavelmente sincero e genero:o. Todavia a amp.a difusáo que
o livro teve e as recensoes geralmente muito favoráveis que dele
foram feitas, nos obrigam a insistir aquí sobre as re:ervas e as crí
ticas que tais páginas nao podem deixar de suscitar do ponto de
vista me:mo da fé.

O autor procurou estudar seriamente os dados mais recentes da


exegsse bíblica, como notaram os críticos (felicitando por isto Frei
Leonardo). Mas quanta ingenuidade nao há, da parte do autor,
quando sistemáticamente tributa confianca as posicoes mais radicáis,
apresentadas como se fossem as únicas «científicas»! Assim — e
estes sao alguns exemplos apenas, coihidos entre muiros outros —
o autor admite a redacáo dos Evangelhos no fim do século I (p. 18) J
e atribuí «com certeza» a «um discípulo de Paulo» as epístolas aos
Colossen:es e aos Efésios (p. 18s); ele ¡ulga que «os Evangelhos
contém muito pouca coisa sobre o Jesús histórico, sobre o .que Ele
foi e a maneira como viveu» (p. 47); enfatiza «a atividade criadora
da comunidade primitiva» (p. 48), que «usou de grande liberdade
em relacao as palavras de Jesús» (p. 50). Multas destas palavras,
sobre a autentícidade das quais a crítica se questiona, como Mt
5,17-19, sao declaradas peremptoriamente,. «segundo o juízo da
exegere católica tanto quanto da exegese protestante», como «nao
sendo um logionz do Jesús da historia, mas urna construcao da

lO Pe. Leroy cita as paginas da edicfio francesa do livro em foco.


Indicamos em nossa traducáo da recens&o as páginas do original brasllelro
da obra (7? edlcáo). (N. d. T.).
aLóglon, em grego, significa sentenca, declaracSo. (N. d. T.).

— 243 —
24. «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

comunidade primitiva» (p. 80, nota ó). A confissáo de Pedro, tal


como Marcos a refere (8,29), «nao parece ter sido um fato histórico»
(p. 164). Quanto á confis:áo de Jesús dtante do sinedrio (Me 14,61),
«ela exprime a fé da comunidade primitiva» (p. 1ó3). Jesús, «que
apregoou o fim ¡mínente» (p. 85), nunca se identificou com o Filho
do Homem de Daniel (cf. p. 162s), como também, alias, nunca pen-
sou em realizar a missao do Servo sofredor de Isaías. Na melhor das
hipóteses, tinha Jesús, «ao menos no final da sua vida, urna cons-
ciéncia nítida da sua missao libertadora» frente a «todos os elemen
tos de alienacáo que operavam no homem e no mundo» (p. 121).
Mas nao parece que Ele tenha previsto e anunciado a sua morte (os
anuncios da Paixño que os Evangelhos referem, sao vaticinio ex
eventu l, pp. 128-145); menos ainda pode Jesús dar á sua morte um
valor redentor ou sacrificial. E a recensao breve do relato da Ceia
em S. Lucas (22,15-19a.29), única «auténtica», nos autoriza a ver
nesta tao somente «urna anteápacáo da festa que o Cristo quis cele
brar com os seus amigos mais íntimos antes que chegasse a nova
ordem de coisas» (p. 129).

Como se vé, é difícil abrir um hiato mais profundo entre o Cristo


da fé e o Jesús da historia. Deste o autor guarda como sendo os
traeos mais característicos (cap. V: «A originalidade de Jesús»,
pp. 93-112) apenas o extraordinario botn senso, a razao perfeita-
mente sa, a imaginacao criadora, a autoridade pessoal. A partir daí,
o autor refere a seu modo «o proce:so de decifracao do significado
e da realidade de Jesús de Nazaré» que «nos chamamos Cristologia»
(p. 154). Foram «os cristaos do helenismo», os quais, a quanto
parece, «conheciam muitos filhos de deuses (theios aner) gerados
de urna vírgem», que «comecaram a entender o título bib'ico de Filho
de Deus (atribuido a Jesús numa etapa precedente), nao mais em
sentido jurídico, mas em sentido físico» (p. 168). «O passo» que
levou á proclamacSo da Divindade de Jesús, «foi efetuado por volta
do ano 90, fora da Palestina, e foi cortamente a grande contribui«ao
dos cristaos helenistas ao processo cristológíco» (p. 170; cf. também
p. 173$).

A Páscoa de Cristo nao foi concebida, segundo a interpretacáo


mais antiga, em termos de ressurreicSo, mas em termo; de elevacáo e
glorificacáo do justo sofredor. Foi mais tarde, em consqüéncia das
polémicas, particularmente com os convertidos do helenismo, que se
coiocou a questáo de saber se a glorificacáo de Cristo ¡mplicava tam-

1 Sentengas proferidas após os aconteclmentoa.

— 244 —
«JESÚS CRISTO LIBERTADOR» 25

bém a vida corporal; comegou-se entao a utilizar a terminología da.


ressurreicao (cf. p. 141).

Quanto aos relatos da infancia, a reflexáo teológica que ins-


pirou todo o proce:so cristológico chegou, atrovés deles, «á sofisti-,
cacao da teo'ogia rabínica mais refinada» (p. 173). Se eremos na.
«exeoese católica seria de hoje» (p. 173, n. 1) e se pomos em prá-
tica os «procedimentos elementares» que ela utiliza, é preciso admi
tir «—e isto é necessário se nao queremos alimentar a magia e o
sentimentalismo — que tudo isto pertence ao mundo dos símbolos e
nao da realidade do fato bruto» (p. 192).

Dentro de tais perspectivas, a ulterior etapa de elabóratelo do.


dogma só apre:enta interesse secundario; compieende-se que o autor
só a descreva em grandes traeos assaz aproximativos.

Todavía nao podemos deixar passar, sem protesto, as críticas


que faz ao «modelo de ¡nlerpretacao cristológica de Calcedonia»
(p. 204-210); tais criticas, embora nos últimos tempos se tenham tor
nado as:az freqüentes mesmo em escritos católicos, nao deixam de
ser «extravagantes».

«Finalmente», perguntaremos ao autor e com ele {c. VIII) s


«Quem fo¡ Jesús de Nazaré?» Na apresentacao do modo como o
autor «compreende Jesús, acontece que L.B. retoma as fórmulas
clá:sicas sobre «Jesús, o homem que é Deus « o Oeus que é ho-
mem» (p. 210), sobre «Deus (que) se fez homem para que o ho
mem se fizesse Deus» (p. 200) e mesmo, urna vez, sobre «o próprio
Filho de Deus feito homem... que, tanto amou os homens que ele.
quis tornar-se um destes para nos libertar e (que) se humanizou
para nos divinizar» (p. 191). Mas, sob pena de admitir contradicao
no autor, nao podemos e:quecer que «o mito, o símbolo e a ana-,
logia constiluem o próprio da linguagem religiosa» (p. 192); por
conseguinte, nao podemos entender símploriamente essas fórmu'as
como o fizeram os cristáos durante dois milenios, sem a «traducao»
e a «releitura» que o autor logo propoe para tais fórmulas. Acon
tece mesmo que este, em raras passagens, fale a linguagem da teo
logía dogmática tradicional sobre o Verbo eterno e a sua conceicao
no reio da Virgem, sobre as tres Pessoas da SS. Trindade, sobre a
uniao hipostática, a assuncáo da natureza humana pela Pessoa
divina, etc. Confessamos nao perceber como tal linguagem possa
enquadrar-se no contexto, e perguntamos ao autor te ele teve cons-
ciéncia dessa falta de coeréncia e se ele percebeu que o seu modo
de ler a S. Escritura e a sua inlerpretacño da Tradicao esvaziam esses

— 245 —
26 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

enunciados de todo sentido realista e fazem que os mesmos nao pos-


sam ser justificados no contexto do livro.

Na verdade, para L.B., o enunciado tradicional de que Jesús ¿


Deus, significa que «com Jesús a evolucáo psíquica e social da huma-
nidade ahngiu o seu apogeu» (p. 191). Visto que «em Jesús o
homem se revelou de maneira mais radical», «Jesús se revelou tam-
bém como o Deus humano» (p. 210). A Encarnagao é «a plenifude
da manifestacáo de Deus», porque ela é «a plenitude da manifes-
festacáo do homem» (p. 210). O que fundamenta a nossa fe no
«divindade» de Jesús, nao é senao «o modo profundo e radical
mente humano como Ele aparece e age neste mundo» (p. 204).
Por ¡sto Jesús nao tencionou comunicar verdades ocultas e incom-
preensíveis a nos (cf. p. 95s). Também nao veio «definir urna novo
moralidade, diferente daquela que os homens ¡á tinham» {p. 96).
A sua «novidade» é o anuncio «do que há de mais antigo e de mais
originario no homem feito á imagem e á semelhanca do Pai» (p. 104).
A sua pregacSo é urna frente de libertacao lotal da condigno hu
mana frente a todos os fatores de aüenagao {cf. p. 93). A sua
presenta atualizava «essa revolucao das estruturas do mundo antigo»,
que «na linguqgem da época» se chamava «Reino de Deus» (p. 134).
Por isto Jesús nunca usou a palavra «obediencia» (p. 105) e o
único pecado «radical mortal» que Ele conhecia, era «o pecado con
tra o espirito humanitario» (p. 108).

Assim, o que tradicionalmente se chama «Encarnacao» vem a


ser nao um ponto de partida, mas um termo de chegada (cf. p. 204),
e deve ser visto «como a reaüzacáo exaustiva e radical de urna pos-
stbilidade humana» (cf. p. 263), o desdobramento máximo de «urna
possibilidade da existencia humana» que chegou a realizar o termo
da hominizacao (p. 272s), «a mais elevada manifestacao dos dina
mismos .que Deus mesmo colocou no coracáo da historia e no inte
rior do homem» (p. 268), pois «a hominizacao completa do homem
implica a sua divinizacao» (p. 272s). A excelencia de Jesús con-
sistiu em «tornar-se esse homem qué realizaría todas as capacida
des contidas em sua natureza humana e, especialmente, aquela de
poder ser-um com Deus» (p. 273). Nele expandiu-se de maneira
única e exemplar urna estrutura presente a todo homem. «Ele reve
lou, na sua maior profundidade, o que é o homem e aquilo de que
é capaz: abrir-se a Deus de maneira a poder identificar-se com Ele»
(p. 269). O autor apela até para a psicología de Jung para mos
trar em Jesús «a etapa mais consumada no processo de indivíduali-
zacao, a ponto de se identificar, e nao só se aproximar do arquetipo
Selbst (Deus)» (p. 261). Assim L.B. nao tem dificuldade em reco-

— 246 —
«JESÚS CRISTO LIBERTADOR» 27

nhecer que um tal «Cristianismo», «tao vasto quanto o mundo, do


homem», existia antes de Cristo e ¡ndependentemente de'e («como
a Ierra era redonda otiles que Magalhaes o demonstra$se»)> o Cristo
apenas revelou a existencia do Cristianismo no interior da realidade
humana e Ihe deu o seu nome, como fez Américo Vespúcio em reía»
cao ao continente do qual ele foi o segundo descobridor (p. 269s).
Existe, anterior a Jesús e independente dele, «uma estrutura crítica,
inscrita na historia», que «constituí uma estrutura antropológica que
deve atualizar-se em cada homem para que ele se po:sa salvar e
que ¡á enconlrou a sua realizando perfeita em Jesús de Nazaré»
(p. 276s). Jesús viveu essa estrutura cristica «em tal profundidade
que ele deve ser considerado como o melhor fruto da evolucao
humana,... como o homem que ¡ó atingiu a meta do processo de
hominizacáo» (p. 271). Assim definida como uma divinizacao pro-
gressiva (Deus se faz homem na medida em que o homem se abre a
Deus e se torna um com Ele...), nao nos surpreendemos se o autor
descreve a Encarnacáo como um proce:so histórico que nao somente
se rea I izou progressivamente ao longo da vida humana de Jesús
(p. 213), mas também como um processo histórico que, «tendo come-
cado uma vez em Nazaré, ainda nao chegou «o termo, porque o Cristo
aínda nao crístificou toda a realidade» (p. 53)x. Ele mesmo é apenas
um arquetipo, vía e símbolo, pois «temos a esperanza de que a rea
lidade presente do Cristo se tornará também a realidade de todo
homem que se abra ao absoluto» (p. 262). O que ele realizou, «de»
verá reaüzar-se também em seus irmaos... Ele é aquele ser que por
primeíro chegou ao termo da caminhada para nos dar esperance e
certeza de que também fomos destinados a ser aquí lo que ele se tor-
nou (p. 280$). Se a sua vinda exerceu «papel determinante na
caminhada dos homens para Deus», isto re explica porque nele «a
meta dessa caminhada ¡á foi atingida antecipadamente no tempo»
(p. 191). «Ne'e realizou-se de maneira exemplar o que se efetuará
para o conjunto da eriacáo. Todo ser conservará sua alteridade e,
nao obstante, Deus será rudo em todos (ICor 15,28)» (p. 283).
Por isto, embora a Igreja «se aprésente como sendo institucional-
mente a melhor realizacao histórica do Cristianismo», todas as reli-
gioes tornam-re «formas concretos que o Cristianismo universal pode
assumir» (p. 278s).

Numa tal cristologia, em que Jesús nao é mais do que o pre


cursor e o cabeca de fi'a de uma humanidade posta em via de auto-
divínizacao e que se dis:olve num imanentismo radical que o autor
nao recela chamar «um panteísmo cristao» (p. 283), nao somente

1 Em francés lé-se : ...toda a humanidade.

— 247 —
28 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

nao tem título para valer-se da «tese fundamental do mais sabio e


do mais sutil dos teólogos medievais, o bem-aventurado JoSo Duns
Escoto, franciscano» (p. 22)), mas quase nada mais tem de comum
com a teología católica e a fé da Igreja. Para convencer-se disto,
examine o leitor o texto de Dorothy Sólle, que o autor aprésenla na
conclusáo do íeu trabalho como «o essencial de um Credo para um
lempo secular» (p. 266), e ava lie a infinita distancia que separa
essa pobre transcricao secularizada do Credo dos Padres da Igreja
e dos Concilios, da profissáo de fé de Pedro sobre a qual está
fundada a Igreja de Jesusl1.

O autor tinha a intencao de elaborar neste livro urna «Cristo-


logia da América Latina», da qual e.'e descreve quais devam ser as
características segundo o seu modo de ver: primado do elemento
antropológico sobre o elemento ideológico, do elemento utópico sobre
o factual, do elemento crítico sobre o elemento dogmático, do social
sobre o pessoal, da ortopraxia sobre a ortodoxia (cf. pp. 57-60).
Ao terminar, digamos com toda a clareza: o Jesús que L.B. anun
cia aos seus compatriotas, nao é aquele cujo nome foi dado a todos
os homens debaixo do céu, o único pelo qual hao de ser salvos
(At 4,12). O reu Evangelho nao é aquele que nos foi pregado e
que recebemos (Gl 1,8-9), o único que seja forca de Deus para a
salvacao de todo aquele que eré (Rm 1,1 ó), judeu ou grego, sul-
•americano ou europeu.
Fr. Marie-Vicent leroy O.P.

1Eis o texto de Dorothy Sfille, que procura secularizar o Credo,


tlrando-lhe a sua expressio religiosa propiamente dita:

"Crelo em Jesús Cristo


que, sendo 'um homem só que nSo podia realizar nada',
como também nos nos sentimos,
lutou no entanto para que tudo mudasse
e foi por Isso mesmo executado.
Que é criterio para verificar
o quanto esclerosada está a nossa Inteligencia,
sufocada nossa Imaginacño,
desorientado nosso esforco,
porque nfio vivemos como ele vlveu.
Que nos faz temer cada día que sua morte tenha sido em váo,
quando o enterramos em nossas Igrejas
e atraicoamos a sua revolucSo,
medrosos e obedientes diante dos poderosos.
Que ressuscltou dentro de nossa9 vidas
para que nos libertemos de preconceltos e prepotencias,
de medo e odio,
e levemos adianto a sua revotucSo em dlrecáo do Reino".

(N.d.T.)

— 248 —
«JESÚS CRISTO LIBERTADOR» 29

REFLETINDO AINDÁ

Em sintese, podemos dizer que sao quatro os pontos que


debilitam ou invalidam a construgáo cristológica de Frei Leo
nardo Eoff:

1) A exagerada distancia entre o Jesús da historia e o


Jesús da fé. Os exegetas que aplicam o método da historia
das formas (e Frei Leonardo os segué), muitas vezes só podem
propor conjeturas e hipóteses subjetivas. O que quer dizer:
a tal ou tal autor, baseado em premissas ou intuigóes pessoais,
parece que tal passagem nao é histórica, mas, sim, construgáo
teológica das comunidades cristas primitivas... O autor, em
tais casos, nao pode provar a sua hipótese, mas apenas dizer:
«eu acho que..., parece-me que...» Por que entao transmi
tir ao grande público, inexperiente em métodos exegéticos, hi
póteses discutiveis, como se fossem sentengas definitivas é uná
nimemente aceitas? Nao deveria Frei Leonardo tomar mais
cautela a respeito e, no mínimo, esclarecer os leitores a propó
sito da maior ou menor consistencia de muitas de suas afir-
magóes, vistas á luz mesma da exegese contemporánea? Por
que seguir táo fácilmente as teorías mais extremadas, como
se fossem sempre as mais científicas?

2) A maneira como Fr. Leonardo explica a Encarnagáo


do Filho de Deus, é complexa e ambigua. Dir-se-ia que esta
é tida como o termo da evolugáo do género humano ou da
hominizagáo. Por certo, o autor nao tenciona negar a fé em
Jesús Deus e homem. Mas as expressóes que ele emprega,
nao mostram suficientemente a diferenga entre: 1) o tornar-se
homem (a hominizagáo) do primata primitivo; 2) a diviniza-
cao do cristáo pela graca, e 3) o ser Deus de J«?sus Cristo;
todo homem pode vir a ser o que Cristo foi, como se depren
dería dos dizeres da p. 221?

Alias, o autor cai em contradigáo consigo mesmo, ora ado


tando premissas e sentengas que, tomadas a rigor, invalidam
os artigos da fé, ora afirmando classicamente as verdades
da fé.

3) De resto, há contradigáo patente quando o autor, de


um lado, diz que Jesús nada ensinou de novo (cf. p. 95-112)
e, de outro, afirma á p. 260 que Jesús «disse coisa nova»,
citando mesmo Me 1,27!

— 249 —
30 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

Jesús, na verdade, trouxe urna nova visáo a respeito de


Deus, do homem e do mundo; revolucionou a escala dos valores
(tenham-se em vista as bem-aventurangas evangélicas) e apon-
tou o caminho da renuncia como sendo a via regia ou o penhor
da plenitude da vida.

Nao há dúvida, a ascese, a sobriedade e a pobreza de


vida já eram cultivadas por correntes religiosas e filosóficas
anteriores a Cristo. Antes de Cristo, já ensinavam os mestres
as virtudes filosóficas ou humanas. O Cristianismo nao des-
truiu tais valores humanos, mas, ao contrario, confirmou-os.
Todavía nao os confirmou apenas; fez mais: deu-Ihes nova fun-
damentagáo, novos objetivos, nova intensidade e apresentou
ainda valores novos e desconhecidos. Em conseqüéncia, podia
S. Paulo dizer que a mensagem do Cristianismo é escándalo
para os judeus (que tém um sentido religioso apurado) e c
loucura para os gregos (que sao os grandes cultores da Filo
sofía); cf. ICor 1,23. O Cristianismo esbarrou com o antago
nismo dos judeus e dos gregos; dizia Tertuliano (t 220), por
exemplo, que os pagaos, por mais divididos que estivessem
entre si, se eonciliavam no momento de impugnar o Cristia
nismo. Principalmente a proclamacáo da ressurreijáo de Cristo
e dos cristáos provocava a forte resistencia dos greco-romanos.

Por isto nao se pode dizer que Jesús apenas veio trazer
nomes para valores já preexistentes...

4) A ignorancia que Frei Leonardo Boff atribuí a Jesús


em relagáo ao desfecho da sua vida mortal e, em especial, no
tocante á ceia eucaristica (pp. 127-131), é outro tópico desti
tuido de fundamento, pois reduz o Cristo 'á condigáo de mero
homem ou de profeta, como foram os profetas do Antigo Tes
tamento. Nao se diga que a fé de vinte séculos de Cristianismo
está baseada apenas ñas interpretacóes que os primeiros cris
táos deram aos ditos e feitos de Jesús, e nao remonta as inten-
góes e ao procedimento do próprio Cristo. Nao há como admi
tir tal diferenga entre o Jesús da historia e as concepgóes que
os cristáos da primeira hora projetaram a seu respeito. A
mensagem crista tem sua fonte em Jesús Cristo, e nao em
interpretagSes que os cristáos conceberam a propósito de Jesús.

5) Nao é agradável fazer tais observagóes ao livro de


um irmáo como é Leonardo Boff. Ao fazé-las, temos em vista
únicamente prestar um servigo á S. Igreja e aos leitores de

— 250 —
«JESUS CRISTO LIBERTADOR» 31

obras de Teología. Nao tencionamos assumir determinada posi-


Cáo teológica frente a outras posicóes ou correntes teológicas.
Desejamos táo somente lembrar que nao se pode estudar Jesus
Cristo como se estudam outros grandes personagens da histo
ria. A pessoa e a obra de Jesus Cristo, para os cristáos, estáo
ligadas a proposisóes de fé; a teología é precisamente o apro-
fundamento dessas verdades da fé; se ela desrespeita tais ver
dades, já nao é teología, mas estudo racional ou filosófico.

Mais: as verdades da fé estáo, por sua vez, inseparavel-


mente associadas á missáo e ao magisterio da Igreja. A fé
nao se improvisa, nao se cria, nao £>e inova segundo o bom
senso, mas a fé há de ser aceita, aprofundada, vivida e transmi
tida pelos teólogos e pelos cristáos de maneira que seja res
guardada a sua integridade. Ao teólogo é licito, sim, penetrar,
desdobrar, aplicar... as verdades da fé, fazendo assim a teo
logía progredir mediante novas pesquisas; todavía o teólogo
respeitará sempre o que deve ser respeitado no depósito da
Revelagáo, pois esta é Palavra de Deus e nao palavra dos
homens.

Cremos que esta «postura» teológica é altamente evangé


lica e sadia. É a que PR procura seguir, a fim de servir ao
Senhor Jesus e ao povo de Deus.

A guisa de complemento, notamos que esta revista |á publlcou urna


apreclacao do livro "Jesus Cristo Libertador" de L.B. logo que publicado
no Brasil. Cf. PR 152/1972, pp. 385-388.

— 251 —
Mullos perguntaram:

o papa e a liturgia: um passo atrás?

Em símese: Por ocasifio da qulnta-felra santa de 1980, o S. Padre


Jo9o Paulo II tiouve por bem dirigir urna Carta aos Bispos e, mediante
estes, aos presbíteros e a todo o povo de Deus a respelto da S. Eucaristía.
O documento Incute as verdades fundamentáis referentes ao "misterio da
fé" e destas deduz normas concretas, que nfio sño senáo a reaflrmac.So
de quanto o Concillo do Vaticano II estabeleceu. S. Santldade recorda a
legitlmidade do uso do lallm, que o Concillo de modo nenhum extinguía
na Liturgia (o problema de O. Lefébvre nSo é suscitado pela estima do
latim, mas pela recusa da renovacSo do Ritual Eucarlstlco promulgado por
Paulo VI). O Papa também pede a fiel observancia das normas da Igreja
atinentes aos trajes litúrgicos, ás lelturas da Mlssa (que háo de ser sem-
pre extraídas da S. Escritura), ó necessidade de evitar InovacSes na
Liturgia nao previstas pelas rubricas (estas alias, sSo atualmente multo
mals ftexlvels do que antes do Concilio). O documento fala também da
Comunháo ñas mSos, que jamáis deve ser imposta aos fiéis que a quelram
recebar na boca, e pede respelto no trato da S. Eucaristía, seja por ocasISo
da distribulcáo da mesma, seja por ocaslao da purificacfio das mSos e
dos vasos sagrados. Nao é licito ao celebrante deixar que os fiéis se
slrvam dlretamente das especies sagradas; ao contrario, deverfio sempre
funcionar os ministros do Sacramento (ordinarios ou extraordinarios).
O documento é precioso, Inspirándose da mals genulna fé da Igreja
e reafirmando integralmente as dlretrlzes do Concillo do Vaticano II.

Comentario: Em margo pp. a imprensa surpreendeu o


público com noticias provenientes de Roma segundo as quais
o S. Padre Joáo Paulo II teria feito recomendagóes severas
sobre a celebracáo da S. Eucaristía. Houve quem julgasse que
se tratava de um recuo na renovagáo da Igreja,... recuo ins
pirado pelo desejo de agradar a correni.es conservadoras, entre
as quais a de D. Marcel Lefébvre. — Para elucidar as dúvi-
das, nao há melhor recurso do que o de propor urna síntese
fiel do novo documento da Santa Sé.
Este compreende, além de Introdugáo e Conclusáo, tres
pontos: I. O misterio Eucaristico na vida da Igreja e do cele
brante; n. Sacralidade da Eucaristía e Sacrificio; III. As duas
mesas do Senhor e o bem comum da Igreja.
O documento em pauta tem o estilo de Carta dirigida pelo
S. Padre aos Bispos (e, indiretamenta, aos presbíteros, diáco-

— 252 —
O PAPA E A LITURGIA 33

nos e demais fiéis) da Igreja inteira por ocasiáo da quinta,


-feira santa, em continuagáo de análogo documento escrito ao
ensejo da quinta-feira santa de 1979. Sendo este dia do calen
dario litúrgico dedicado á Eucaristía e ao sacerdocio, é com-
preensivel que Joáo Paulo II tenha desejado entreter-se a res-
peito da Eucaristía com os sacerdotes e o povo de Deus em
geral ñas duas quintas-feiras santas do seu pontificado. O
recente documento traz a data de 24 de fevereiro de 1980, pri-
meiro domingo da Quaresma, mas só foi divulgado ñas proxi
midades da Semana Santa.

Passamos a percorrer o conteúdo dessa Carta, pondo em


relevo os tópicos que mais possam interessar o povo cristáo K

I. O Misterio Eucarístico na vida da Igreja


e do sacerdote

1. 2. O sacerdocio ministerial, seja o dos Bispos, seja


o dos presbíteros, está em relagáo muito intima com a Euca
ristía. A partir da Eucaristía e para a Eucaristía existe o mi
nistro do altar, o qual também é especialmente responsável
pela Eucaristía, de tal modo que o sacerdocio ministerial desem.
penha a sua missáo principal e se manifesta em toda a pleni-
tude na celebragáo da Eucaristía.

3. O culto da S. Eucaristía, dirigido ao Pai pelo Filho


no Espirito Santo, realiza-se nao só mediante a S. Missa, mas
também em prolongado desta, no culto do SS. Sacramento do
altar, do qual a piedade católica conhece varias modalidades:
as visitas ao SS., as exposigóes breves ou longas da S. Euca
ristía, as béngáos eucaristicas, as procissóes, os Congressos
Eucaristicos...

"Jesús espera por nos neste sacramento do amor. N3o nos mostremos
avaros com o nosso tempo para Ir encontrar-nos com Ele na adoraefio, na
contemplacáo chela fé e pronta para reparar as grandes culpas e os
crimes do mundo" (n? 3).

4. AS. Eucaristia está também em relacáo muito estreita


com a S. Igreja. Na verdade, deve-se dizer que, assim como a
Igreja faz a Eucaristía, assim a Eucaristia constrói (ou faz) a
Igreja (cf. Const. Lumen Gentium w 11; Joáo Paulo II, ene.
Redemptor Hominis n» 20). Isto quer dizer: sem dúvida, é a

*A numera?5o encontrada na sfntese subseqüente ó a dos incisos


da Carta em foco.

— 253 —
34 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

Igreja que consagra (ou faz) a Eucaristía, mas é a Eucaristía


que une os fiéis entre si e com Cristo, de modo a constituir a
Igreja. Vé-se, pois, que a construcáo e a vida da Igreja sao
inconcebíveis sem a S. Eucaristía. Mais: é desta que se deriva
toda a atividade pastoral e missionária da Igreja, atividade
que tende, por sua vez, a levar todos os homens á Eucaristía.

5. 6. Destas verdades segue-se também que a Eucaris


tía é a alma da vida arista pessoal, individual. E, visto que a
vida crista se exprime especialmente pelo cumprimcnto do pre-
ceito do amor a Deus e ao próximo, a Eucaristía é a fonte da
verdadeira caridade (ágape) — o que lhe vale o título de
sacramento do amor. A Eucaristía nos revela o amot de Deus
para com os homens e nos incita a dar-lhe urna resposta ade-
quada, ou seja, a amar a Deus e os irmáos, «como Ele nos
amou» (cf. Jo 13,34). As geragóes cristas passadas viveram
desse amor e o testemunharam heroicamente; «esforcemo-nos
continuamente por fazer com que também a nossa geragáo
acrescente aqueles maravilhosos exemplos do passado exem-
plos novos, nao menos vivos e eloqüentes» (n9 5).
O imperativo do amor derivado da S. Eucaristía torna-se
especialmente significativo em nossos dias, quando tanto se
vilipendia a dignidade humana ou quando tantas pessoas estáo
sujeitas a sofrimentos, miserias, injustigas e arbitrariedades.
Apesar desses maus tratos, todo ser humano é chamado a ser
a morada de Deus presente na Eucaristía. «Como se modifica
a imagem de todos e de cada um dos homens, quando toma
mos consciéncia desta realidade, quando a tornamos objeto de
nossas reflexóes!» (n9 6).

t7. Note-se ainda que a Eucaristía está também intima


mente relacionada com toda a vida do cristáo, como, alias, a
comida e a bebida (que sao o sinal da Eucaristía) penetram
todo o ser humano. Isto implica que a vida do cristáo deve ter
um estilo sacramental; ela é, sim, constantemente alimentada
pelos sacramentos, que tém seu cume na Eucaristía. Desta
maneira Deus age continuamente no cristáo para o í'azer che-
gar k plena estatura de Cristo.

De modo especial, convém notar o vinculo existente entre


a Eucaristía e o sacramento da Penitencia, vinculo hoje ate
nuado no conceito de muitos que se afastam da Penitencia
sacramental: ' .;
"Nfio é somonte a Penitencia que conduz á Eucaristía, mas é tam
bém a Eucaristía que leva á Penitencia. Quando de fato nos damos bem

— 254 —
O PAPA E A LITURGIA 35

conta de quem ó Aquele que recebemos na Comunhao Eucarfsllca, nasce


em nos quase espontáneamente um sentlmento de Indlgnldade, Junto com
a dor pelos nossos pecados e com a necessldade interior de purlflca-
efio11 (n? 7).

Destas palavras se concluí que nao se há de receber a


Eucaristía em estado de pecado mortal, mesmo que o comun-
gante tenha o propósito de se confessar logo depois da Missa;
a nenhum fiel leigo toca a obrigagáo indeclinável de comungar
em tal ou tal Missa: espere, pois, a ocasiáo de reconcliar-se
para depois comungar.

Em síntese, a Eucaristía é fermento transformador nao só


da vida do homem, mas tamBém do mundo inteiro, que foi
solidario com o homem na queda original e que o será tam-
bém por ocasiáo da glorificacáo final do ser humano.

"Neste sacramento do pSo e do vlnho... tudo que é humano passa


por urna singular UansformagSo e elevacfio. O culto eucarlstlco nfio é tanto
culto da Inacessfvel transcendencia quanto culto da divina condescendencia,
e é também misericordiosa e redentora transformacfio do mundo no
coracáo do homem" (n? 7).

II. Sacralidode da Eucaristía e Sacrificio

8. 9. A Missa é algo de sacrum ou sagrado, pois por


ela se torna realmente presente aos homens a a?áo salvifica
de Cristo. Na Eucaristía, Jesús se oferece ao Pai nao a sos
como no Calvario, mas incluindo neste ato toda a Igreja ou
cada um dos fiéis, os quais oferecem como participantes do
sacerdocio de Cristo e se oferecsm como hastías configuradas
a Cristo.

Faz-se mister recordar a índole sagrada da Eucaristía


«sobretudo no nosso tempo... quando observamos urna ten
dencia para cancelar a distingáo entre o sacrum e o profanum,
dada a geral e difundida tendencia (pelo menos em certas par
tes) para a des-sacralizaeáo de todas as coisas» (n' 8).

O estilo secularista ou laicista de nossa época exige a rea-


firmacáo da presenca dos valores transcendentais e divinos en
tre os homens. Esta reafirmacáo jamáis permitirá que se con
sidere a Eucaristía como mera ceia fraterna na qual se cultive
a amizade ou o amor e na qual Cristo seja táo somente evo
cado como o grande Mestre do amor.

— 255 —
36 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

"Na nossa socledade pluralista, e multas vezes deliberadamente se»


cularlzada, a fé viva da comunldade crista... garante a este sacrum o
dlreito de cldadanla" (n? 8).

III. As duas mesas do Senbor e o bem comum


da Igreja

10. De tal modo estáo unidas entre si a Eucaristía e a


Paiavra de Deus lida ñas Escrituras Sagradas que a Tradigáo
crista forjou a expressáo: «as duas mesas do Senhor — a da
Paiavra e a do Pao».

A celebragáo destas duas mesas na Liturgia Sagrada exige


algumas observares de ordem muito concreta:

1) Os textos a ser lidos na celebragáo da Eucaristía sao


tirados exclusivamente da S. Eucaristía; nao poderáo, pois, ser
utilizados outros livros, por mais ricos de doutrina que sejam,
como fontes de leituras da Missa. Caso o celebrante julgue
algum texto nao bíblico apropriado á catequese, poderá utili-
zá-lo na homilia, desde que tal texto faca eco aos ensinamentos
da Paiavra de Deus proposta pela Liturgia. Em vista do uso
litúrgico, a S. Igreja distribuiu os textos bíblicos de maneira
tal que as secgóes mais significativas da S. Escritura sejam
sucessivamente lidas aos domingos no decorrer de tres anos.
Há, sem dúvida, enorme variedade e riqueza de doutrina ñas
passagens bíblicas apresentadas aos fiéis domingo por domingo
(para nao mencionarmos os días de semana e os festivos, que
também sao fartos em mensagem).
"A leitura da S. Escritura nao pode ser substituida pela leltura de
outros textos, mesmo quando estes porventura contivessem indubltávels
valores religiosos e moráis. Tais textos poderSo no entanto ser utilizados,
com grande proveito, nas homilías,... contanto que correspondam ¿s
condicSes requeridas de conteúdo, na medida em que pertence á natureza
da homilía... demonstrar as convergencias da sabedorla divina revelada
e do nobre pensamento humano" (n? 10).

A preferencia exclusiva da S. Igreja pelos textos bíblicos


na Liturgia provém do fato de que a S. Escritura é um sacra
mental, ou seja, um dom de Deus que se aproxima de maneira
singular do sacramento da Eucaristía; os antigos gregos expri-
miam essa afinidade única referindo-se ao Lógos émbiblos
(paiavra feita livro) e ao Lógos ensarkos (Paiavra feita carne).

2) Uso do latim. O Concilio do Vaticano II, ao preco


nizar a celebragáo da Liturgia em lingua vernácula, de modo

— 256 —
O PAPA E A LITURGIA 37

nenhum tencionou extinguir o uso do latim. Cf. S. Congrega-


gáo dos Ritos, Instrugáo In edicendis Normis VI 17-18; VII,
19-20; S. Congregagáo para o Culto Divino, Notif. De Missali
Romano, Liturgia Horarum et Calendario I A.

Por conseguinte, é preciso respeiíar os fiéis que, formados


segundo os ritos antigos, estimam a celebragáo da Liturgia em
latim:

"É necessárlo, pols, demonstrar nfio somente compreensio, mas tam-


bém pleno respelto para com estes sentimentos e desejos e, na medida
do posstvel, ir ao encontró dos mesmos, como está previsto, de resto, ñas
novas dlsposlcSes. A Igreja Romana tem particulares obtlgagSes para com
o latim, a espléndida lingua de Roma antlga, e deve manifestar isto mesmo
todas as vezes que se Irte aprésente a ocasISo" (n? 10).

O S. Padre, porém, nao deixa de notar as vantagens que


o vernáculo oferece para, a compreensáo e a participacáo do
povo fiel em geral. Nao tenciona, pois, voltar atrás em relacáo
as normas do Vaticano II nem faz alguma ccmcessáo as cor-
rentes integristas da atualidade. Apenas tenciona reafirmar os
principios estabelecidos pelo Concilio do Vaticano II, afastando
todas as interpretagóes exageradas ou extremistas. Diz explí
citamente Joáo Paulo II:

"O fato de os textos bíblicos serem Ildos ou cantados ñas próprlas


llnguas (vernáculas) faz com que todos possam participar com plena
compreensáo" (n? 10).

"A Palavra de Deus transmitida mediante a Liturgia em línguas diver


sas ...corresponde cortamente ao caréler universal e ás finalidades do
Evangelho" (n? 10).

A problemática suscitada por Mons. Marcel Lefébvre nao


versa em torno do uso do latim (pois este é licito na Liturgia
atual como outrora), mas refere-se á conservagáo do Rito Eu-
carístico firmado por S. Pió V no século XVI; tal Rito foi
reformado (em aspectos, alias, acidontais) por Paulo VI em
consonancia com o Concilio do Vaticano II; Mons. Lefébvre
recusa-se a aceitar a Liturgia renovada, que foi definitivamente
adotada como obrigatória em 1971.

Observe-se, alias, com muita énfase que a nova maneira de


celebrar a Eucaristía guarda o essencial e muitas das notas
acidentais da antiga Liturgia; é absolutamente fiel á fé e á
Tradigáo da Igreja, pois precisamente teve em mira retomar
as formas antigás da celebragáo eucaristica, deixando de lado
cerimónias e minucias introduzidas através dos sáculos no Ri-

— 257 —
38 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS»- 246/1980

tual da S. Eucaristía. Nao há, pois, como acusá-la de «invá


lida» ou «herética».

3) Comunháo Eucarística e Penitencia. O S. Padre


registra

— o caso dos fiéis que, movidos por severidade rigorista,


nao ousam aproximar-se da comunháo eucarística, embora nao
tenham pecado grave. Tais vém a ser cada vez menos nume
rosos; sao herdeiros da mentalidade jansenista, que desde
S. Pió X (1902-1914) se vem dissipando na Igreja;

— o caso dos que sofrem de inedia espiritual ou da falta


de fome e de sede eucarística, por carecerem da compreensao
do grande sacramento do amor. É preciso estimulá-los a se
alimentar espiritualmente;

— o caso dos que recebem a S. Comunháo sem estar devi-


damente preparados ou sem ter recebido o sacramento da Pe
nitencia apesar de se acharem em pecado grave. Este caso
merece atengáo mais detida:

Pode ser que aqueles que assim procedem, estejam de cons-


ciéncia tranquila, por haverem perdido o sentido do pecado ou
por ignorarem que o sacramento da Penitencia é o único meio
ordinario para apagar as faltas graves. Qualquer destas hipó-
teses supóe serio problema, pois significa perda de senso mo
ral ou perda da consciéncia das verdades da fé. Muitas pes-
soas, com efeito, já nao conhecem a doutrina católica ou se
acham confusas a respeito de pontos essenciais da mesma (no-
gao de pecado, conceitos éticos, nocáo de perdáo dos pecados e
de confissáo sacramental...). Tais pessoas estáo equivocadas
a propósito das inten^óes do Concilio do Vaticano II ou sao
recém-convertidos que nunca se instruiram devidamente ñas
verdades da fé.

O grande número de Comunhóes realizadas sem a devida


Confissáo previa por parte de quem está em pecado grave, pode
explicar-se ainda por outro fator: há quem «considere a Missa
apenas como um banquete, no qual se participa recebendo o
Corpo de Cristo, para manifestar sobretudo a comunháo fra
terna» (n' 11). Neste caso, as pessoas váo comungar por soli-
dariedade com os demais comungantes ou em homenagem ao
aniversariante, ao casal, á turma... por quem se celebra deter
minada Missa. Fica de lado a fé na real presenga de Cristo,

— 258 —
O PAPA E A LITURGIA 39

em virtude da gual a Eucaristía é, antes do mais, comunháo


com o Senhor Jesús, que nos supóe dispostos e que assim nos
quer enxertar cada vez mais em sua vida.

Ora é necessário que para todos estes males se procure o


remedio adequado, que constará, por certo, de mais sólida for-
macáo crista e instrugáo doutrinária para aqueles que se dizem
católicos, especialmente para aqueles que em idade adulta se
convertem ou retornam á prática sacramental.

4) Distribuicáo da Comunh&o. O S. Padre menciona


quatro aspectos da questáo:

a) a Comunháo na máo é legitima desde que autorizada


pela Santa Sé para aqueles países cujas Conferencias Episcopais
a pediram. É mister, porém, que os fiéis sejam devidamente
preparados para recebé-la, a fim de que nao se verifiquem abu
sos tais como os que já tém acontecido; há «casos de deplorá-
veis faltas de respeito para com as especies eucarísticas, fal
tas que pesam nao somente sobre as pessoas culpáveis de tal
modo de comportar-se, mas também sobre os pastores da
Igreja, que teráo sido pouco vigilantes quanto á compostura
dos fiéis em relagáo a Eucaristía» (n» 11).

b) Nao se pode obrigar ninguém a receber a Comunháo


ña máo. Antes, é mister respeitar a livre escolha de cada
comungante; quem o quer, tem o direito de receber a Eucaris
tía sobre a lingua; cf. n» 11.

c) O ministro ordinario da S. Comunháo é o presbítero


ou, também, o diácono. A Igreja admite que os acólitos (mi
nistros que se destinam geralmente á ordenacáo sacerdotal) e
óutros leigos devidamente habilitados e preparados ministren!
ém casos extraordinarios a Eucaristía, desde que para tanto
haja urna justa necessidade; cf. n» 11.

Nao é lícito, portante, ao sacerdote deixar as partículas


consagradas e o preciosísimo Sangue sobre o altar para que
os fiéis se sirvam diretamente das especies sagradas, enquanto
o presbítero assiste simplesmente á Comunháo dos fiéis.

■ "As mfios dos presbíteros... tornaram-se instrumento direto da


Cristo. Por tal motivo, ou seja, como ministros da Santlsslma Eucaristía,
eles tém sobre as sagradas especies urna responsabllidade primarla, por
que total: oterecem o pfio e o vlnho, consagram-nos e, em seguida, dls-
trlbuem as sagradas especies aos participantes na assemblóla eucarlstica
que desejam recebe-las...

— 259 —
40 gPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 246/1980

O tocar ñas sagradas especies e a dlstrlbulcfio destas com as pró-


prias mSos é um privilegio dos ordenados, que Indica urna participadlo
atlva no ministerio da Eucaristía. Como é obvio, a Igreja pode conceder
tal faculdade a pessoas que nSo sejam sacerdotes nem diáconos, como ó
o caso quer dos acólitos no exerclclo do seu ministerio, especialmente
quando destinados á futura Ordenacáo, quer de outros leigos para isso
habilitados, por urna justa necessidade, e sempre depois de urna adequada
preparacSo" (n? 11).

d) A consciéncia do dom eucarístico impóe aos minis


tros do altar profunda reverencia ao tratarem a S. Eucaristía;
em particular, merecem atengáo «o modo como distribuimos
a S. Comunháo, e o modo como fazemos as purificagóes>
(n» 11).

Este tópico recorda aos ministros da S. Eucaristía e aos


fiéis que comungam na máo, a necessidade de nao deixarem
cair partículas consagradas no chao ou de nao as despreza-
rem; procurem, sim, recolher os fragmentos restantes após a
S. Comunháo e consumi-los devidamente; verifiquem os fiéis
que recebem a Comunháo na máo, se nao lhes fica algum frag
mento consagrado na máo depois de terem ingerido a partí
cula eucaristíca. A teología ensina que o Cristo está presente
nao só ñas hostias consagradas, mas também ñas partículas
destas que aínda possam ser identificadas como pao.

5) Criatividade na oelebracüo eucaristíca, Após o Con


cilio do Vaticano n foram empreendidas varias experiencias
litúrgicas no intuito de se procurarem formas de celebragáo
mais participadas pelo povo de Deus.

Todavía desde 1971 está encerrado o período de experien


cias: a Santa Sé promulgou entáo o novo Missal Romano com
com as suas rubricas e pediu a todos os clérigos e leigos fide-
lidade as instrugSes do novo Ritual Euoaristico; por conse-
guinte, nao é lícito utilizar textos (anáforas ou Oragóes Euca-
ristícas, por exemplo) nao previstos pelas novas rubricas; tam
bém nao é permitido trocar, tirar ou acrescentar textos das
oragóes oficialmente aprovadas. De resto, a nova Liturgia se
encarrega de prever ocasióes em que o celebrante pode exer-
cer a sua criatividade (rito penitencial, introdugáo as leituras,
ao Pai Nosso, leituras bíblicas á escolha...); já nao existe
hoje a rigidez de rubricas que caracterizava a Liturgia ante
rior ao Concilio.

Também é obrigatório o uso dos paramentos litúrgicos


adaptados ¡a celebragáo eucaristica, ficando, pois, excluido que

— 260 —
O PAPA E A LITURGIA 41

algum sacerdote celebre em trajes seculares (com ou sem


estola). Isto se compreende, dado o caráter hierático ou sacral
da Liturgia:
"O transcurar as prescribes litúrgicas pode ser Interpretado como
(alta de respelto para com a Eucaristía, ditada talvez pelo Individualismo
ou por urna carénela de sentido critico quanto ás oplnldes correnles, ou
ainda por urna certa falta de espirito de fe" (n? 12).

Em suma, o S. Padre enfatiza que «o sacerdote nao pode


considerar-se 'propietario* que disponha livremente dos textos
litúrgicos e dos ritos sagrados como de um bem seu peculiar,
de tal modo que lhes dé um estilo pessoal e arbitrario. Isto
pode afigurar-se, algumas vezes, de maior efeito, pode mesmo
corresponder melhor a urna piedade subjetiva; contudo será
sempre objetivamente urna traigáo daquela uniáo que há de
ter, sobretudo no sacramento da unidade, a própria exprés»
sao» (n» 12).

Como se vé, um dos males acarretados pelas inovagóes


indevidas é o subjetivismo ou individualismo, que, em última
análise, suscita divisóes no povo de Deus. Os fiéis ficam per-
plexos ao verem as variagóes, um tanto arbitrarias (embora
bem intencionadas), de ministros do culto sagrado.
"Cada sacerdote que oferece o Santo Sacrificio, deve recordar-se
de que, durante este Sacrificio, nfio ó só ele com a sua comunldade que
está a orar, mas ora toda a Igreja, exprlmindo esslm, também com o
uso do texto litúrgico aprovado, a sua unidade espliitual neste Sacramento.
Se alguém pretendesse chamar tal posIcSo 'uniformlsmo' Isso compro-
varia somente a Ignorancia das exigencias objetivas da unidade auténtica
e serla síntoma de um prejudicial individualismo" (n? 12).

6) Eucaristía e ecumenismo. A «communicatio in sacris»


(comunháo de católicos e protestantes nos mesmos sacramen
tos, especialmente na Eucaristía) já tem sido praticada. Toda
vía ela supoe condigóes especiáis estipuladas pelos Diretóríos
oficiáis da S. Igreja. Assim, por exemplo, para que um protes
tante, em artigo de morte, possa receber a Eucaristía dos cató
licos, requer-se que nao naja pastor protestante que o atenda
e que professe a mesma fé que a Igreja Católica professa no
tocante á Eucaristía.

Nao se deve, pois, distribuir a S. Eucaristía a irmáos pro


testantes por ocasiáo de sessóes de estudos ecuménicos ou de
encontros de grupos de oragáo ou de casamentos mistos...
Nestas normas nao há estreiteza por parte da Igreja, mas ape
nas a reafirmacáo de sólidas e clássicas verdades teológicas.
Com efeito, a Comunháo Eucarística é um ponto de chegada

— 261 —
42 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS? 246/1980

e nao um ponto de partida; nao é por ela que se comega a rea*


proximagáo dos irmáos separados, mas é por ela que se ter
mina a longa caminhada do reencontró. A Eucaristía supóe,
sim, a unidade de todos na mesma fé e a participagáo de todos
na mesma e única Igreja de Cristo; cf. n» 12.
7) Unidade. O Santo Padre Joáo Paulo II encerra a sua
Carta fazendo veemente apelo h unidade de todos os fiéis cató
licos. Nao se entende que, por causa da Eucaristía, sacramento
da unidade, o povo de Deus se divida em facgóes:
"Está-me multo a peito, sobretodo, frisar bem que os problemas da
Liturgia, em particular da Liturgia eucarlstlca, nao podem ser urna ocasISo
para dividir entre si os católicos e para ameacar a unidade da Igreja.
Exlge-o a elementar compreensáo daquele Sacramento que Ciisto nos dei-
xou como fonte de unidade espiritual. E entSo como poderla exatamente
a Eucaristía, que é para a Igreja sacramento de pledade, slnal de unidade
e vinculo de carldade, constituir neste momento um ponto de divisSo entre
nos e urna (onte de dlversidade de pensamentos e de comporlamentos, em
vez de ser centro focal e constitutivo, como é verdaderamente na sua
esséncia, da unidade da mesma Igreja?" (n? 13).

Nestas palavras pode haver alusáo nao só aos católicos


que arbitrariamente inovam as formas de celebragáo litúrgica,
quebrando a unidade desejada, mas também á posigáo de Mons.
Marcel Lefébvre, que fez da Liturgia um ponto de divergencia
em relagáo á autoridade suprema da Igreja. É preciso que a
fé prevalega sobre qualquer intuigáo particular ou pessoal.
Ora a fé nos diz que só pode haver urna Igreja de Cristo:
aquela que o próprio Senhor Jesús instituiu, fundando-a sobre
Pedro e prometendo a Pedro e seus sucessores a sua assistén-
cia infalível até o fim dos tempos (cf. Mt 16,16-19; 20,18-20;
Le 22,32; Jo 21,15-17). Separar-se desta única Igreja ou abrir
alas divisorias dentro da mesma por causa da Eucaristía vem
a ser aberragáo derivada de perda da visáo das grandes linhas
da historia do Cristianismo e do plano de Deus.
Eis a mensagem que Joáo Paulo n houve por bem dirigir
aos Bispos e, indiretamente, a todo o povo de Daus na quinta-
-feira santa pp. É clara por si, dispensando ulteriores comen
tarios. Inspira-se táo somente no desejo de manter vivas e
atuantes as normas do Concilio do Vaticano II, sem recuos
nem avanzos indevidos; move-a a mais nítida visáo teológica
do que sejam a S. Liturgia e, em especial, a Eucaristía.
Só resta, pois, agradecer ao Senhor Deus e a S. Santidade
táo lúcidas e corajosas palavras, que, com a graga de Deus,
daráo frutos oportunos em beneficio do povo de Deus.

Estcváo Bettencourt O.S.B.

— 262 —
livros em estante
Conclllum/129 — 1977/9: Esplritualidade — Os cártamas: fé sem
estrutura. Ed. Vozes, Petrópolls 1977, 137 x 210 mm, 121 pp.

A revista "Concilium" tornou-so conheclda por seus artigos pionelros,


sujeltos a discussáo por defenderem nüo raro poslcfies demasiado avance»
das. O presente número é todo voltado para o tema cártamas, explanado por
colaboradores de renome: Rene Laurentln, Enrique Oussel, Ladlslaus Boros.
Chrlstian Duquoc e outros. As teses apresentadas merecem conslderagfio;
procuram elucidar a nogSo de carlsma, a sua diferenciagfio, as suas relacSes
com a institulcáo jurídica da Igreja... Digno de mencfio especial é o
artigo sobre o histórico dos "movlmentos carismátlcos norte-americanos",
pols contribuí para se compreender a mentalidade do pentecostallsmo cató
lico contemporáneo. No artigo sobre "Carismas e Agáo Política", Raúl
Vidales critica os movimentos pentecostais católicos por nño terem inci
dencias políticas e preconiza "a prátlca do heroísmo na luta revoluciona
rla" (p. 82 [1114]); ora esta tese é tendenciosa; pode existir autentica
esplritualidade que rejeite a violencia armada; se Raúl Vidales afirma que
"a liberdade ó o carisma dos carismas" (p. 82 [1114]), pode-se-lhe lem-
brar que a caiidade ó que vem a ser o carisma por excelencia segundo
S3o Paulo (cí. 1Cor). — Chama-nos a atencáo outrossim o artigo de Paúl
Abela Intitulado "Celebrar a Eucaristía e por máos á obra" (p. 102 [1134]
112 [1144]): o autor propSe urna traducfio dos textos litúrgicos ou das
oracfies eucarlsticas que evite llnguagem arcaica e se torne mals com-
preenslvel ao homem de ho|e; Infelizmente, porém, Abela, preocupado quase
que só pela IrradlacSo social do Cristianismo, subordina as afiímacOes da
fé ás proposicóes da jusliga social, encobrlndo o "misterio da fé", sem o
qual nao há Eucaristía propriamente dita nem vida crista. Nota, porém, o
próprlo Abela que as suas propostas de traducfio, subordinadas a autoridade
eclesiástica competente, nSo foram aceitas —o que bem se compreende,
visto que a irradlacfio social do Ciistianismo é decorréncia do misterio da
fé, de tal modo que jamáis poderá tomar o lugar deste. Em símese, o
fascículo de "Concilium" em foco tem o valor de documentarlo teológico,
portador de colaborares de peso desigual.
Portadores do sopro no Espirito, por J. Galot. Traducfio de Lulz
JoSo Galo. — Ed. Loyola 1980, 140 x 210 mm. 103 pp.
O Pe. Jean Galot S. J. ]á é conhecido entre nos por suas obras teoló
gicas, sempre densas e sólidas. Desta vez aprésente um llvro cujo subti
tulo soa: "Nova óptica da vida consagrada". O autor propfie a Vida Reli
giosa como um dom ou carlsma do Espirito; conseqüentemente desenvolve
os diversos aspectos da Vida Religiosa a partir deste enfoque: notáveis
sfio as suas explanares sobre "seguir o Cristo, oracfio e contemplacfio,
relagfio com os sacramentos, servlgo da Igreja, compromlsso no mundo..."
A nocSo de carisma, asslm discutida hoje em día, é sabiamente explanada
no inicio da obra: "carlsma designa um dom sobrenatural, seja exterior,
seja Interior, com efeitos no comportamento externo, como é o caso da
caridade" (p. 10); donde se vé que o carisma nflo é necessarlamente
algo de portentoso ou extraordinario; ao contrario, é preciso que, com
sobiiedade e cautela, se consideren) os fenómenos extraordinarios hoje
em día ocorrentes no plano religioso, a Um de nao se Identificar o psico
lógico ou o parapslcológlco com o dom dos mllagres.

Recomendamos vivamente o llvro nao somante aos Religiosos, mas


também aos jovens que procuram discernir a sua vocagSo.

— 263 —
44 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS> 246/1980

A Biblia hoja. Documentacflo da historia, geografía, arqueología, poi


Alfred Lápple. TraducSo do Pe. Josó Raimundo Vldigal. — Ed. Paulinas,
SSo Paulo 1979, 185 X mm, 231 pp.
O llvro vem a ser urna IntrodugBo geral á leltura da Biblia (Antlgo e
Novo Testamento), com énfase especial sobre a historia e a arqueología.
Em estilo destinado ao grande público, o autor saba apresentar temas eru*
ditos de maneira didátlca e fácil. Apenas observamos que a condsSo da
obra pode delxar insatisfelto o leltor nfio suficientemente Iniciado; este
precisarla por vezes, de expllcacoes mals minuciosas a flm de nao con-
ceber mal-entendidos sobre as teses que Lápple propSe; tais teses sao
aceltávels, do ponto de vista da exegese católica, mas podem parecer
estranhas a quem nflo conhega o concelto de insplracflo bíblica e a fina-
Ildade das Sagradas Escrituras. Por conseguinte, como manual escolar a
ser explanado por um professor, o llvro prestará notávels servigos. Sallen-
tamos as numerosas fotografías de monumentos antlgos, as tabelas crono
lógicas, os mapas que ilustram a obra de ponta a ponta e tornam a sua
leitura especialmente agradável e proficua. A obra focalizada faz parte de
urna serle de escritos Introdutórios á S. Escritura, que n9o tém todos o
mesmo valor ou a mesma autorldade. Cf. PR 222/1978, pp. 271s (Lohflnk
e Arenhoevel); 224/1978, pp. 319-334 (A. Welser); 232/1979, pp. 178
(Speldel).

O Evangelho de Paulo, por José María González-Rulz, TraducSo de


Ir Isabel Fontes Leal Ferreira. ColecSo "Biblioteca de Estudos Bíblicos
rí° 11. — Ed. Paulinas, SSo Paulo 1980, 145 X 210 mm, 294 pp.
Eis mals um livro que, de maneira compendiosa, apresenta o pensa-
mentó paulino. Percorre as epístolas do apostólo, observando a ordem
cronológica segundo a qual se foram originando; assim tenclona o autor
mostrar como a vlsfio teológica de S8o Paulo se foi desabrochando. En-
contra-se, pols, neste livro um esbogo biográfico do apostólo, que serve
de moldura ás epístolas paulinas, cujo conteúdo é exposto em suas gran
des linhas Além disto, González-Rulz apresenta sete excursus ou estudos
especiáis sobre express6es de SSo Paulo (pp. 253-269); propOes também
um vocabulario paulino, em que analisa o significado de termos impor
tantes (pp. 273-287), e encerra o seu llvro com seis páginas de biblio
grafía paulina (pp. 289-294).
Trata-se de obra útil, porque estimula o uso dos escritos de Sio
Pauto, que para mullos leltores se apresentam d¡ficéis. Podem-se discutir
algumas aflrmacCes do autor por revelarem tendencia ora "minimalista",
ora despropositadamente critica. Tenha-se em vista, por exemplo, o comen
tarlo apresentado 6 1Cor 7, em que o apostólo aborda a temática "matrl-
monlo-virglndade" (pp. 67-74): González-Ruiz tende a diminuir o alcance
destas páginas, como se o celibato al fosse recomendado pelo apostólo
quase que somonte "á reduzlda equipe de seus colaboradores". Em con
sonancia com esta InterpretagSo, o autor traduz o texto de 1Cor 7,29 do
modo próprio, divergindo do texto portugués da Biblia de Jerusalém, que,
conforme as Edlgoes Paulinas, deverla ter sido sempre citado na tradugSo
do llvro (cf. p. 8, roda-pé, e p. 72); González-Rulz neste ponto ter-se-á
deixado mover por falsa ótica. — Também se nota através do llvro a
preocupacSo com as transformagoes soclals. Ora tal problemática é real
e Importante; todavia pergunta-se se González-Rulz nao fol um tanto ana
crónico atribuindo a Paulo preocupagóes que hoje solicitam os cristaos,
mas que outrora ainda nSo tlnham aflorado a conscléncla do povo de

— 264 —
Deus... Observem-se, por exemplo, as páginas 67-70, onde o autor tra-
duz klesls (vocacSo) por reunISo, assembléla, a fim de melhor explanar o
seu ponto de vista próprlo. — Mals: nfio vemos o propósito dos comen
tarios á hlerarquia da Igreja ocorrentes ás pp. 231 s.

Estas observares nao tencionam desabonar a leltura da obra de


González-Ruiz. Apenas tém em mira chamar a atencáo do leitor para a
orlentagáo que o autor dá ao seu trabalho: orientac&o um tanto singular,
nem sempre Justificada. Como quer que seja, multo poderá o leitor lucrar
se flzer sabio uso deste instrumental de estudos paulinos.

A Biblia foi escrita para vocé, pelo P. Joñas Abib S.D.B. — Ed.
Loyola, sao Paulo (sem data), 140 x 210 mm, 29 pp.

Este opúsculo vem a ser um guia para a leltura de Biblia; aprésenla


um roteiro que, a partir da prlmeira carta de S. Joáo, vai sugetindo ao
leitor o trecho bíblico a ser I Ido día por dia. Além disto, o autor indica
normas concretas destinadas a tornar frutuoso tal exerclcio: duracáo do
tempo de leitura, escolha de lugar silencioso, clima de oracáo, confecgáo
de um diario espiritual...

A obra ó escrita em estilo multo pessoal, acentuando vivamente a


necessidade de orar ocm a Biblia ñas mSos e tender á conversáo dos cos-
tumes. Reconhece os 73 llvros do canon bíblico (cf. p. 15); todavía o
leitor talvez slnta falta de leferéncias á TradicSo oral e á Igreja. — Em
slntese, o opúsculo pode ser útil a quem procure urna iniciacSo á leltura
bíblica. O autor nao se preocupa propiamente com os aspectos cientí
ficos e exegéticos da S. Escritura, mas volta-se totalmente para o que
chamaríamos "a leitura espiritual", como é recomendada pelos grupos de
oracáo hoje existentes.

Quando o homem reza, por Pedro Finckler. — Ed. Loyola, SSo Paulo
1980, 140 X 210 mm, 172 pp.

É notorio o ¡nteresse dos contemporáneos pela oracáo e a mística.


O tato se deve provavelmente ao tedio e á frustracSo que a sociedade de
consumo, materialista e massificante, acarreta para os seus cidadáos. Como
expressSo dessa procura de oracáo em nossos días, vem sendo publicada
ampia bibliografía sobre o tema. Salientamos aquí a obra de Finckler, IrmSo
Marista e piotessor da PUC-HS, que há mais de vinte anos se vem dedi
cando a estudos de Psicología: no livro em pauta, o autor tenta combinar
elementos de teología ascéüco-mistica e dados de psicología experimental;
por isto, além de interessantes observacdes sobre a oracáo e as suas cir
cunstancias ideáis, aprésenla o resultado de pesquisas psicológicas reali
zadas em pessoas que se dedicam á meditacáo (tipo de eleuoencetalo-
grama, ondas alta, ácido láctico, ritmo cardiaco e pressio arterial, altera-
cóes neurovegetativas...). O livro assim concebido é algo de original em
nossa bibliografía: poderia sugerir ao leitor que a oracSo nao ó senao
urna forma ae ielax ou de exeicicio psicotisiologico. Toaavla o autor dis
sipa esta errónea concepcáo principalmente na ■Advertencia final" do seu
livro (pp. 167-169): "serla grosseiro engaño pensar que o rezar é exercfcio
mental-emocional que releva sobretudo das condicdes e das funcóes psi
cológicas do homem" (p. 168). Vé-se, pols, que o Ir. Pedro Finckler nao
tenciona excluir a acáo do Espirito Santo e a graca de Deus, mas, ao
contrario, as reconhece como fundamentáis para a vida de oragáo crista.

O livro poderá atender a genuinos interesses dos fiéis desejosos de


estudar a vida de oracSo. é preciso, porém, reconhecer que a grande
escola de oracSo é a própria prática da oracSo, cujo Mestre é diretamente
o Espirito de Deus.
E.B.
VEJO-ME NO EVANGELHO
SOU CIRENEU
QUANDO FA£O MINHA A CRUZ DOS OUTROS (Le 23, 26)
SOU MADALENA
QUANDO NAO ME CONTENTO EM ENXUGAR LAGRIMAS.
É PRECISO PERFUMAR PÉS (Jo 12,1-7}
SOU O PUBLICANO
QUANDO, FECHANDO OS OLHOS PARA FORA,
ME VEJO MELHOR POR DENTRO (Le 18, 9-14)
SOU (BOM) SAMARiTANO
QUANDO SOUBER DIZER "IRMAO"
A QUEM ME CHAMAR "COITADO",
NESTE MUNDO DE ESTRANGEIROS (Le 10, 25-37)
SOU BARTIMEU
QUANDO A NINGUÉM CHAMAR "DESGRAQADO"
Só PORQUE NAO TEM OLHOS,
POIS DESGRASA É NAO TER LUZ (Me 10,46-53)
M. RITO DÍAS

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