A trajetória do conhecimento em Administração escolar no Brasil é marcada por duas perspectivas que encaminham os atuais debates: liberal conservadora e democrática progressista. Entretanto, é possível observar os contornos de uma nova perspectiva que teria o cotidiano escolar como a materialidade alvo de suas investigações. Os contatos com essa perspectiva evidenciam que ela é pensada nos moldes da perspectiva democrática e, deste modo, encontra dificuldades em colocar suas próprias regras de formação que indicam a necessidade de articular uma dinâmica em que o Estado não seja o dono por excelência do poder nas relações cotidianas escolares. A fim de contemplar essa nova perspectiva, Benno Sander (2007) propõe um paradigma multidimensional como ferramenta analítica e praxiológica multifocal composto pela relação entre quatro dimensões: pedagógica, econômica, política e cultural. Para isso o autor se apoiou na Administração pública brasileira com seus enfoques e períodos e, principalmente, em autores clássicos que produziram conhecimento a respeito do assunto. Sendo assim, este artigo tem como objetivo explorar os principais problemas advindos da construção da terceira perspectiva (cotidiano escolar) e da relação das três perspectivas com o conhecimento em Administração escolar, indicando as possibilidades de (re) pensar esses problemas com os subsídios da categoria “Sociedade de Controle”, elaborada por Gilles Deleuze (1992).
A trajetória do conhecimento em Administração escolar no Brasil é marcada por duas perspectivas que encaminham os atuais debates: liberal conservadora e democrática progressista. Entretanto, é possível observar os contornos de uma nova perspectiva que teria o cotidiano escolar como a materialidade alvo de suas investigações. Os contatos com essa perspectiva evidenciam que ela é pensada nos moldes da perspectiva democrática e, deste modo, encontra dificuldades em colocar suas próprias regras de formação que indicam a necessidade de articular uma dinâmica em que o Estado não seja o dono por excelência do poder nas relações cotidianas escolares. A fim de contemplar essa nova perspectiva, Benno Sander (2007) propõe um paradigma multidimensional como ferramenta analítica e praxiológica multifocal composto pela relação entre quatro dimensões: pedagógica, econômica, política e cultural. Para isso o autor se apoiou na Administração pública brasileira com seus enfoques e períodos e, principalmente, em autores clássicos que produziram conhecimento a respeito do assunto. Sendo assim, este artigo tem como objetivo explorar os principais problemas advindos da construção da terceira perspectiva (cotidiano escolar) e da relação das três perspectivas com o conhecimento em Administração escolar, indicando as possibilidades de (re) pensar esses problemas com os subsídios da categoria “Sociedade de Controle”, elaborada por Gilles Deleuze (1992).
A trajetória do conhecimento em Administração escolar no Brasil é marcada por duas perspectivas que encaminham os atuais debates: liberal conservadora e democrática progressista. Entretanto, é possível observar os contornos de uma nova perspectiva que teria o cotidiano escolar como a materialidade alvo de suas investigações. Os contatos com essa perspectiva evidenciam que ela é pensada nos moldes da perspectiva democrática e, deste modo, encontra dificuldades em colocar suas próprias regras de formação que indicam a necessidade de articular uma dinâmica em que o Estado não seja o dono por excelência do poder nas relações cotidianas escolares. A fim de contemplar essa nova perspectiva, Benno Sander (2007) propõe um paradigma multidimensional como ferramenta analítica e praxiológica multifocal composto pela relação entre quatro dimensões: pedagógica, econômica, política e cultural. Para isso o autor se apoiou na Administração pública brasileira com seus enfoques e períodos e, principalmente, em autores clássicos que produziram conhecimento a respeito do assunto. Sendo assim, este artigo tem como objetivo explorar os principais problemas advindos da construção da terceira perspectiva (cotidiano escolar) e da relação das três perspectivas com o conhecimento em Administração escolar, indicando as possibilidades de (re) pensar esses problemas com os subsídios da categoria “Sociedade de Controle”, elaborada por Gilles Deleuze (1992).
Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle: as contribuies
de Gilles Deleuze para pensar o paradigma multidimensional de
administrao escolar
Education, school routine and control of society: the contributions of Gilles Deleuze to think the multidimensional paradigm of school administration
Paulo Henrique Costa Nascimento 1
Resumo: A trajetria do conhecimento em Administrao escolar no Brasil marcada por duas perspectivas que encaminham os atuais debates: liberal conservadora e democrtica progressista. Entretanto, possvel observar os contornos de uma nova perspectiva que teria o cotidiano escolar como a materialidade alvo de suas investigaes. Os contatos com essa perspectiva evidenciam que ela pensada nos moldes da perspectiva democrtica e, deste modo, encontra dificuldades em colocar suas prprias regras de formao que indicam a necessidade de articular uma dinmica em que o Estado no seja o dono por excelncia do poder nas relaes cotidianas escolares. A fim de contemplar essa nova perspectiva, Benno Sander (2007) prope um paradigma multidimensional como ferramenta analtica e praxiolgica multifocal composto pela relao entre quatro dimenses: pedaggica, econmica, poltica e cultural. Para isso o autor se apoiou na Administrao pblica brasileira com seus enfoques e perodos e, principalmente, em autores clssicos que produziram conhecimento a respeito do assunto. Sendo assim, este artigo tem como objetivo explorar os principais problemas advindos da construo da terceira perspectiva (cotidiano escolar) e da relao das trs perspectivas com o conhecimento em Administrao escolar, indicando as possibilidades de (re) pensar esses problemas com os subsdios da categoria Sociedade de Controle, elaborada por Gilles Deleuze (1992).
Palavras-chave: Administrao escolar; Paradigma multidimensional; Sociedade de Controle.
Abstract: The trajectory of knowledge in school administration in Brazil is marked by two perspectives that forward current debates: conservative liberal and progressive democratic. You can see the outlines of a new perspective that would have the daily school as materiality target of their investigation. Contacts with this perspective reveal that it is thought on the model of democratic perspective and finds it difficult to put their own rules for forming that indicate the need to articulate a dynamic in which the State is not the owner of the power in the relationship daily school. To address this new perspective, Benno Sander (2007) proposes a multidimensional paradigm as an analytical tool and praxiological multifocal composed by the relation between four dimensions: pedagogical, economic, political and cultural. The author was supported in Brazilian public administration with their approaches and periods and classical authors who produced knowledge about the matter. This article aims to explore the key issues arising from the construction of the third perspective (daily school) and the relationship of the three perspectives with the knowledge in school administration indicating the possibility of considering these problems with subsidies from the category "Society of Control", prepared by Gilles Deleuze (1992).
Keywords: School Administration; Multidimensional paradigm; Society of control.
1 Graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual Paulista UNESP campus de Marlia. Membro integrante do Centro de Estudos e Pesquisas em Administrao da Educao CEPAE pela mesma instituio. Bolsista FAPESP. Orientadora: Dr Graziela Zambo Abdian. E-mail: paulo.hcnascimento@gmail.com. Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 117
Introduo
Este trabalho teve incio no decorrer das aulas de Administrao educacional: teoria e prtica na Faculdade de Filosofia e Cincias da UNESP de Marlia. Naquele momento, foram discutidas algumas obras de autores clssicos e tambm a produo atual da subrea, com foco nas relaes possveis entre teoria e prtica. Conforme percorramos os contedos e reconstituamos a histria da Administrao escolar no Brasil, identificamos duas grandes perspectivas que encaminham os atuais debates acerca do tema: uma tem carter neoliberal conservador, afinada, desde sua origem, com os princpios corporativos e fabris e outra democrtica transformadora, que se apoia, principalmente, na especificidade da organizao escolar em relao s organizaes fabris e corporativas. A partir destas impresses realizamos um resgate histrico a fim de averiguar algumas de suas caractersticas materiais. A primeira perspectiva tem como representantes Ribeiro (1968) e Alonso (1976) que se subsidiaram, respectivamente, na Teoria Geral da Administrao, estudos Behavioristas e Teoria Sistmica para construir uma Teoria da Administrao escolar e/ou contemplar a funo do diretor na escola. Essas prticas e saberes apresentam carter neoliberal na medida em que assumem para si caractersticas de administrao empresarial participativa e tem a figura do diretor como gestor da escola por excelncia configurando-se numa administrao em nome das demandas do ensino voltado, fundamentalmente, para o mercado de trabalho e para a insero do nosso pas no mercado competitivo internacional. A segunda perspectiva tem Flix (1984) e Paro (1986) como representantes que, por sua vez, assumem atravs da sociologia e estudos marxistas uma crtica perspectiva anterior, ao modo de produo capitalista e construo terica da Administrao escolar at ento produzida. Os autores afirmam que a funo da escola permitir o acesso do aluno ao saber historicamente acumulado e, para isto, defendem uma Administrao escolar fundamentada nos princpios da soberania popular, na formao do indivduo crtico e na potencialidade que a escola tem de contribuir com a transformao social. Essas duas perspectivas so mantidas at os dias de hoje e, desta maneira, demarca a atualidade do pensar a Administrao escolar no Brasil: a binaridade. Ou Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 118 seja, quando se pensa a Administrao escolar deve-se partir de uma das duas perspectivas. Mas o conhecimento em Administrao escolar no Brasil no avanou? 1. A perspectiva do cotidiano escolar: o problema da binaridade e o paradigma multidimensional de Administrao escolar
Pensando a questo do avano do conhecimento em Administrao escolar no Brasil foi realizado outro resgate histrico para investigar se houve avanos ou indcios de um novo modo de pensar a Administrao escolar no Brasil. Por um lado o conhecimento avanou, pois alguns autores 2 indicam a formao de uma nova perspectiva: administrao e cotidiano escolar. Esses autores entendem que o conhecimento em Administrao escolar no feito s por intelectuais ou instituies de pesquisa e sim pela relao de vrios agentes: pais, professores, diretores, alunos, governo, supervisores, instituies, funcionrios, intelectuais e etc. Por outro lado, o conhecimento no avanou, pois os contatos com essa perspectiva evidenciam que ela pensada nos moldes da perspectiva democrtica transformadora e, deste modo, encontra dificuldades em colocar suas prprias regras de formao. Esses estudos indicam a necessidade de articular uma dinmica em que o Estado no seja o dono por excelncia do poder nas relaes cotidianas escolares. Sendo assim, sua principal meta potencializar as experincias vivenciadas no dia-a-dia como uma poltica de resistncia ao processo de homogeneizao efetivado pelo sistema de educao brasileiro. Os resultados obtidos a partir deste resgate histrico colocam outro problema: no ser a binaridade duas perspectivas um obstculo para o avano do conhecimento em Administrao escolar no Brasil? Pois bem, alguns autores 3 abordaram a binaridade como um problema para o avano no conhecimento, sendo possvel, portanto, destacar dois pontos principais desta questo: a relao teoria e prtica e a nova lgica da binaridade. O primeiro destaque refere-se ao apontamento que os autores fazem para a impreciso do dito pela teoria e o praticado na escola. Aps diagnosticarem a binaridade do conhecimento em Administrao escolar, esses autores confrontam-na com o cotidiano escolar e descobrem que se por um lado, do ponto de vista terico, temos duas perspectivas de pensamento ou uma binaridade, por outro lado, do ponto de vista prtico ou das prticas, temos uma organizao escolar que corresponde somente perspectiva
2 Barroso (1996), Brito (1997), Teixeira e Porto (1997), Barroso (2002), Silva Jr (2002), Russo (2004), Sander (2007) e Abdian (2010). 3 Wittmann (1987), Silva Jr. (2002), Sander (2007) e Drabach e Mousquer (2009). Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 119 neoliberal conservadora. Inclusive, ao identificarem essa defasagem, esses autores reivindicam novas formas de pens-la, novas ferramentas, novos paradigmas e etc. O segundo destaque, decorrente do primeiro, que da relao teoria e prtica pode-se enxergar os contornos de uma nova lgica binria: gesto democrtica liberal conservadora e gesto democrtica transformadora. Conforme a contemporaneidade observa a escola atravs de pesquisas de carter laboratorial, de campo, o cotidiano tenciona a teoria para fazer correspond-la de modo a estreitar essa defasagem. Sendo assim, a nova binaridade emerge: as prticas de gesto participativas democrticas no so, a priori, transformadoras 4 , ou seja, o que era muito bem identificvel, do ponto de vista da teoria, hbrido, flexvel e mvel, do ponto de vista das prticas, permitindo a existncia de prticas participativas, democrticas, em prol do mercado 5 na medida em que a educao administrada atravs de ndices de desempenho e desenvolvimento como estratgia macropoltica. O interessante que esse novo modo de pensar no supera o problema da binaridade, ao contrrio, o potencializa. Mas ser possvel super- lo? Em meio a esses autores que passaram por essa questo somente dois deles possuem propostas a fim de super-la. Um deles Wittiman (1987). O autor afirma que a ambiguidade, binaridade, da teoria administrativa escolar uma inerncia da infraestrutura social, portanto, elas esto diretamente ligadas ao modo econmico de produo hegemnico. Neste sentido, as instituies escolares administram conforme a lgica hegemnica que dispe de artifcios ideolgicos, como a meritocracia, o progressivismo, a neutralidade das prticas escolares e etc., para assegurar sua manuteno. Nesta lgica, do ponto de vista dos saberes, no se conhece tudo sobre as prticas do modo de produo hegemnico e, do ponto de vista das prticas, todos pensam, supem, que sabem e assumem para si a tarefa de manter a estrutura social vigente como legtima evidentemente sob efeito de poder ideolgico.
4 O processo de municipalizao ou descentralizao da educao na Amrica Latina e no Brasil so exemplos dessa nova lgica: segundo Lck (2006) esse processo tinha como pano de fundo a sociedade democrtica e a soberania popular; porm, Rosar (1995; 1997) e Oliveira (1997) demonstram que essa tentativa de relacionar o centro e a periferia o governo e a unidade escolar faz parte de um plano de poltica internacional de administrao de ndices de desenvolvimento. E, tambm, os estudos sobre a descentralizao mostram que h poucas provas de que seja eficaz essa poltica e que h provas considerveis de que no aumentam nem a eficincia, nem a eficcia e nem a participao local (ROSAR, 1997, p.112-113). 5 Destaque para o trabalho de Drabach e Mousquer (2009) que, contrariando todo movimento terico que abandona a TGA, se utilizam dela e demonstram queda mesma maneira que se deu passagem do fordismo/taylorismo ao toyotismo no mundo das fbricas, no campo educacional teve-se a passagem da administrao gesto escolar (p.280). Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 120 Pensando esse problema, Wittmann (1987) prope trs movimentos: democratizao do saber, socializao do poder e desocultao ideolgica que, respectivamente, indicam: deve-se democratizar o saber historicamente acumulado administrando a escola em prol dos trabalhadores mediando produo e educao na estrutura econmica, criando uma conscincia coletiva; deve-se socializar o poder poltico de maneira a romper com os processos de dominao na estrutura poltica social; com esses dois elementos em mos necessrio evidenciar todas as instncias dissimuladoras contidas na administrao escolar, instaurando sua teoria e prtica em articulao com os processos de transformao da sociedade (WITTMANN, 1987, p. 05). Para o autor, a produo histrica da administrao da educao se faz na ambiguidade do concreto, superando esta dicotomia (WITTMANN, 1987, p.01), ou seja, a materialidade fornecida para a investigao e elaborao do conhecimento em Administrao escolar vem da luta de classes. Os planos de superao da binaridade propostos pelo autor passam por um processo de conscientizao coletiva para acesso a um poder poltico na estrutura democrtica. Desta maneira, o autor no prope uma ferramenta para ver a realidade escolar e sim maneiras de tornar hegemnica a perspectiva democrtica transformadora ou seja, no se trata de avanar no conhecimento propondo novas ferramentas, novas relaes entre a teoria e a prtica. Portanto, estas duas instncias no pensamento de Wittmann (1987) no condizem, no estabelecem conivncia, com a tese da perspectiva do cotidiano para formao do conhecimento e com a tentativa de pensar uma dinmica em que o Estado 6 no seja o dono por excelncia nas relaes entre os agentes. Por outro lado, temos a proposta de Sander (2007), para problemtica deste trabalho chama muito a ateno. Isso porque o autor prope um olhar mltiplo ao invs de um olhar binrio, duplo, delineando um paradigma multidimensional. A ideia de Sander (2007) foi investigar a inteno ou a maneira pela qual se tem administrado a escola no decorrer da histria da Administrao escolar no Brasil denominada pelo autor de genealogia do conhecimento 7 . Ele encontrou essas intenes e as esboou, do
6 Apesar de no ser o foco deste artigo, preciso destacar que as duas perspectivas que configuram a binaridade analisam a relao Estado e Educao com um conceito de poder poltico e ideolgico e no de poder microfsico presente no pensamento de Michel Foucault. J a perspectiva do cotidiano escolar demanda anlise a partir de outras bases tericas, que encontram respaldo na perspectiva culturalista, que valoriza, sobretudo, o conhecimento tecido nas relaes cotidianas escolares (ALVES, 2003). 7 Sander (2007) destaca seu trabalho como genealogia e tem Romo, na contracapa, comentando que inspirado em A Arqueologia do Saber de Michel Foucault. Segundo Cervi (2010): O livro naquilo que se Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 121 perodo republicano at os dias atuais, sob quatro fases: a fase organizacional administrou para eficincia econmica, isso significa administrar com mnimo de tempo e recursos obtendo mxima produo; a fase comportamental administrou para eficcia pedaggica, produzir efeito desejado, isso significa sobrepor os objetos pedaggicos aos critrios econmicos; a fase desenvolvimentista administrou para efetividade poltica, o que significa pensar as instituies como sistema aberto e adaptvel que responde s demandas da comunidade, ele opera a eficincia econmica e efetividade poltica concomitantemente; a fase sociocultural administrou para relevncia cultural, isso significa uma administrao como sistema aberto multicultural que visa o desenvolvimento humano sustentvel e a promoo da qualidade de vida humana coletiva, de acordo com a significao dos valores culturais atravs da participao cidad. A realidade composta por cada uma dessas fases corresponde s dimenses do paradigma multidimensional, porm, a relevncia cultural o principal critrio norteador da concepo e utilizao do paradigma multidimensional de administrao da educao, como instrumento analtico e praxiolgico (SANDER, 2007, p.107). Isso porque, para o autor, pesquisadores e docentes de ensino superior, dirigentes e tcnicos dos sistemas de ensino e professores e diretores de escola esto escrevendo hoje e continuaro a escrever amanh a histria em curso do pensamento administrativo adotado na educao brasileira (p. 08) e sua inteno captar essa materialidade relacional privilegiando a instncia menos privilegiada. Ao construir a genealogia do conhecimento em Administrao da educao no Brasil, Sander (2007) subsidia-se na Administrao pblica brasileira com seus enfoques e perodos e, principalmente, em autores clssicos que produziram conhecimento a respeito do assunto. Neste sentido, apesar de constituir material riqussimo do ponto de vista do mapeamento da rea, uma tentativa analtica sob o todo
destaca, no consiste em fazer uma arqueologia e uma genealogia (p.142), uma vez que arqueologia o mtodo prprio da anlise das discursividades locais e genealogia, a ttica que faz intervir, a partir dessas discursividades locais descritas, os saberes dessujeitados que di de desprendem (FOUCAULT apud CERVI, p. 142); ao contrrio, no livro h uma descrio das prticas discursivas sobre administrao escolar, uma seleo estabelecendo relaes, nexos, continuidades, deficincias, faz uma classificao, e por fim, apresenta uma proposta para administrar escolas e escolares, uma reforma (p.142) e, tambm, faz uma descrio dos paradigmas de administrao escolar que julga serem mais relevantes na prtica escolar brasileira. Nesta descrio aponta as caractersticas de cada um e a partir delas, somando-as e acrescentando a outras exigncias do momento, prescreve o que acredita ser um novo estilo de administrao escolar (p. 142). Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 122 que compe a escola e convir com a tese de formao do conhecimento da perspectiva do cotidiano em Administrao escolar suspeita-se que o autor no contempla a regra de formao colocada pela nova perspectiva ao subsidiar-se nas teorias clssicas de Administrao escolar. Ou seja, o autor se mantm no registro binrio.
2. Sociedade de controle, administrao escolar no Brasil e cotidiano escolar: as contribuies de Deleuze para pensar o paradigma multidimensional
Diante desse percurso h outra questo essencial para esse trabalho: como fazer circular uma dinmica em que o Estado no seja o dono por excelncia do poder nas relaes entre os agentes? Ou melhor, a escola e o seu cotidiano sofrem efeitos de poder de algum outro lugar, alm do Estado? num fragmento do trabalho de Gallo (2008) que se encontram pistas para responder questo. O trabalho de Gallo (2008) possibilitou caminhos para se pensar a partir do referencial terico de Deleuze os problemas da educao. Com isso, Gallo (2008) formulou quatro possibilidades ou deslocamentos: Filosofia da Educao como criao conceitual; uma educao menor; Rizoma e Educao; Educao e Controle. Os alertas sobre efeitos de poder para alm do Estado, contidos no quarto deslocamento, Educao e Controle (GALLO, 2008, p.81-91), que guiar as questes e inquietaes da qual esse trabalho ir se ocupar: as Sociedades de controle. O autor argumenta que a educao tem o papel de educar, informar, formar, dar o direito ao saber acumulado pela humanidade, mas h tambm funes latentes, como a ideolgica a insero do aluno no mundo da produo (GALLO, 2008, p.81) 8 . O autor afirma que o controle exercido na escola no funciona s pela estrutura burocrtica de um poder de Estado, mas tambm pela arquitetura da escola e os saberes pedaggicos. Assim como na priso, a escola possui processos de disposio das coisas carteiras, professor, diretoria no ambiente e uma arquitetura voltada para o confinamento, autovigilncia e disciplinamento dos agentes inseridos no processo pedaggico que, por sua vez, no serve s para controlar as aes dos alunos, mas tambm do diretor e dos professores. Quanto aos saberes pedaggicos, eles desempenham funo de seriar e distribuir os saberes conforme a idade para melhor ensinar seus alunos de acordo com
8 Porm, essa funo ideolgica no funciona, no pensamento do autor, por efeito ludibriador ou enganador que encobriria a realidade verdadeira e sim por efeitos de produo de indivduos e de realidades: ver Gallo (1998). Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 123 sua estrutura cognitiva e mental, porm, tem tambm funo de controlar o que cada aluno deve saber e pode saber; o processo de avaliao que pretende realizar um processo diagnstico para saber o que o aluno aprendeu e o que precisa melhorar para o desempenho de seu aprendizado, assume tambm um processo de qualificao, quantificao e classificao. A educao assume, desta maneira, sua atividade de controle social. E tal controle acontece nas aes mais insuspeitas (GALLO, 2008, p. 81). Sociedade de controle um conceito que Deleuze (1992) utilizou para traar a emergncia de novos regimes de poder nas sociedades contemporneas. O autor inicia seu artigo destacando que Michel Foucault mostrou a passagem das sociedades de soberania para as sociedades disciplinares, mas que elas j estavam saindo de cena para dar lugar s sociedades de controle. As sociedades de soberania eram caracterizadas pelo castigo exemplar e a deciso do soberano sobre a morte de seus sditos. Foucault (1999) afirma que nesse perodo a sociedade almejava a sobrevivncia do soberano, e isso lhe dava o direito de enviar seus sditos guerra e quando, eventualmente, um deles lhe desobedecia tinha, tambm, direito de mat-lo, e o fazia para servir de exemplo. Posteriormente, as guerras j no se tratavam em nome do soberano a ser defendido; tratavam-se em nome da existncia de todos (FOUCAULT, 1999, p. 129), de gerir a vida e usar a produtividade do corpo em nome de todos, populao. As sociedades disciplinares so oriundas das sociedades de soberania por inverterem essa perspectiva de guerra, sculos XVII e XVIII, e tm como principal tcnica de poder o confinamento que representado analogicamente pela priso e visvel especialmente na fbrica: concentrar; distribuir no espao; ordenar no tempo; compor no espao-tempo uma forma produtiva cujo efeito deve ser superior soma das foras elementares (DELEUZE, 1992, p. 219). Essas instituies tinham por objetivo a recluso, o confinamento, mas a recluso que elas operam no pretende propriamente excluir o indivduo recluso, mas antes, inclu-lo num sistema normalizador (MUCHAIL, 1987, p. 200) atravs de uma operao de vigilncia constante sobre esses corpos em recluso/confinamento um regime de visibilidade. O sculo XX o pice da sociedade disciplinar, mas tambm o marco inicial de sua decadncia. A partir dessa mxima das sociedades disciplinares, segundo Deleuze (1992), instauraram-se movimentos de crises nas escolas, fbricas, hospitais, Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 124 famlia e etc. configurando uma crise nos meios de confinamento ou uma crise disciplinar. Essa crise acompanha discursos governamentais que anunciam a necessidade de reformar a escola, reformar a indstria, o hospital, o exrcito, a priso; mas todos sabem que estas instituies esto condenadas, num prazo mais ou menos longo (p.220), mas que se configuram como maneiras de gerir sua agonia e ocupar as pessoas, at a instalao de novas foras que se anunciam (p. 220). O autor exemplifica como esse processo se deu no hospital: hospital-dia a instituio que recebe seus pacientes confinamento e a sada de mdicos que atendem a domiclio marcam novos tipos de liberdade e novos tipos de relaes de poder controle , e marcam, tambm, a crise das instituies. A crise das instituies, dos meios de confinamento, configura um campo frtil para instaurao de reformas intencionadas, novos tipos de poder, tendo como subterfgio o discurso da sade da sociedade: da melhor forma de administrar a escola, de garantir educao igual a todos, sade para todos, pessoas inteiramente disciplinadas e ressocializadas pelas prises, colocando, desta maneira, as funes latentes (GALLO, 2008, p.81) em ao. Essa transio, ou crise anunciada, a qual Deleuze (1992) se refere o marco do rompimento dos muros institucionais: essas novas foras operam por um sistema aberto e so formas ultra rpidas de controle ao ar livre, que substituem as antigas disciplinas que operam na durao de um sistema fechado (DELEUZE, 1992, p. 220). Entretanto, ao invs do poder disciplinar enfraquecer-se com a queda, ele se disseminou, ocupou-se de todos os espaos sociais; nas palavras de Hardt (2000): os espaos fechados que definiam o espao limitado das instituies deixaram de existir; de maneira que a lgica que funcionava outrora principalmente no interior dos muros institucionais se estende, hoje, a todo campo social (p.369). Essa reorganizao do espao e a ideia de disseminao demonstra que a transio da disciplina para o controle no , portanto, de oposio mas de intensificao (HARDT, 2000, p.369), formando uma rede disciplinar que no esquadrinhada num sistema fechado e haver, portanto, cada vez menos distino entre dentro e fora (p.358) na maneira pela qual o poder marca o espao (p.358). Aquela dialtica moderna do fora e do dentro foi substituda por um jogo de graus e intensidades, de hibridismo, e artificialidade (HARDT, 2000, p.359). Com base nessa ideia, Gallo (2008) alerta que a disciplina vai sendo paulatinamente substituda pelos empreendimentos de formao permanente, abertos, que transcendem a escola como instncia formadora (p.87), isso porque, a Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 125 caracterstica bsica das sociedades de controle dar a iluso de uma maior autonomia, mas, mesmo por isso, serem mais totalitrias que as anteriores (p.87). Nossos autores nos colocam em outra configurao social, onde j no se quer pensar pela categoria dominantes/dominados, ou de um ponto de vista estadocentrista, tradicionalmente usado nos trabalhos de Administrao escolar, focalizando em efeitos de poder que so exercidos por elementos localizados alm ou ao lado do Estado, como: a arquitetura da escola, os saberes e prticas pedaggicas.
Consideraes finais
Este trabalho partiu de duas perspectivas que marcam a atualidade do conhecimento em Administrao escolar no Brasil empresarial e democrtica e buscou, atravs de resgate histrico, algum indcio de avanos. Foi possvel encontrar a emergncia de uma nova perspectiva Administrao e cotidiano que tenta promover uma ruptura com as duas perspectivas anteriores. Porm, ela pensada da segunda perspectiva e, deste modo, suscita dois problemas essenciais: a nova binaridade e a relao teoria e prtica. Wittmann (1978) elaborou uma proposta para superar esses problemas, mas se concretizou como impulso para promover a hegemonia da segunda perspectiva. Sander (2007) elaborou uma proposta que possui avanos significativos do ponto de vista do alargamento dos agentes que compem o campo de anlise do conhecimento em Administrao escolar no Brasil: o paradigma multidimensional. Mesmo assim, ele continua sobre efeito da segunda perspectiva devido ao seu apoio em autores que perspectivam a possibilidade de concretizao da prtica administrativa escolar em funo dos interesses culturais especficos de cada escola somente pela mediao estatal. O paradigma multidimensional , portanto, uma tecnologia analtica inovadora na histria do pensamento administrativo da educao na medida em que se dispe a multiplicar as maneiras de ver o pensamento administrativo escolar ultrapassando a binaridade. Mas se faz necessrio, depois dos alertas de Deleuze (1992) e Gallo (2008), um resgate da proposta desdobrando um olhar crtico sobre seus pressupostos e suas implicaes no pensamento administrativo escolar viabilizando a emergncia das pesquisas que valorizam o cotidiano neste conjunto. Isso por que, os poderes exercidos Educao, cotidiano escolar e sociedade de controle
Vol. 6, n 1, 2013. www.marilia.unesp.br/filogenese 126 pela arquitetura escolar, o saber pedaggico, sistema de vigilncia e sua intensificao em um sistema aberto permitem atender a reivindicao da perspectiva do cotidiano realizando uma anlise dos regimes de poder que se desenvolvem e se aperfeioam ao lado e alm do Estado, em contraposio ao estadocentrismo presente na trajetria do conhecimento em Administrao escolar e no projeto de Sander (2007). Com base nos indicativos da perspectiva do cotidiano, nas contribuies de Sander (2007) e nos alertas de Deleuze (1992) e Gallo (2008) coloca-se a questo central: pode Gilles Deleuze, atravs da categoria de Sociedade de controle, contribuir para pensar a Administrao escolar no Brasil? Mais especificamente, possvel identificar contribuies do pensamento de Deleuze para as pesquisas em administrao escolar que valorizam o cotidiano?
Referncias
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Agradecimentos
A orientadora pelo incentivo iniciao cientfica e confiana no trabalho e Fapesp pelo auxlio financeiro.