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Revisão: H.D.

Silva
Diagramação: A.PS. PERFIL DAAUTORA
Iustração & Capa: Luciana Marinho
Impressão e acabamento: Ed.Betãnia.

Ana Maria da Costa, enfermeira gra-


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
duada pela Faculdade de Enfermagem Luíza
COSTA. Ana Maria da. de Marillac (RJ), Bacharel em Educação Re-
Fiz parte desse ·'Show'·. Ana Maria da Costa Curitiba·
ADSANTOS EDITORA. 1999. .
Íigiosa pelo Instituto Batista de Educação
Religiosa (RJ), membro da Primeira Igreja
Batista no Andaraí (RJ), formada no curso
de Clínica Pastoral (Capelania) pelo Semi-
nário Teológico Batista do Sul do Brasil, ten-
do como professor o Dr. Jack Young.
Realizou estágio no Hospital Batista em
Fortaleza (Ceará) entre outros ... Supervisora
de turma de Técnico de Enfermagem do Co-
légio Bezerra de Araújo no Hospital Cardo-
so Fontes (RJ).
Missionária efetiva pela Junta de Mis-
sões Mundiais junto ao Centro Médico Ba-
tista em Assunção (Paraguai), onde come-
çou trabalho em início de outubro de 1995,
trabalhando também no interior do Paraguai;
levando o Evangelho de Jesus às pessoas
Si/e: wv.w.adsantos.com.br carentes. Atuando também com o trabalho
e-mail.pedidoséa>adsantos.com.br
social há três anos.
AGRADECDVIENTOS

Agradeço pela concretização desta


obra, inicialmente aos meus pais, por terem
me trazido ao mundo e incentivado o meu
crescimento intelectual;
Aos meus queridos irmãos e sobrinhos;
À amiga Maria da Penha Souza Pai-
xão, pela ajuda e incentivo;
À minha querida Primeira Igreja Batis-
ta no Andaraí;
Ao pastor Marcos Stíer Calixto e
Silvana Leoni Calixto, pelo incentivo e esti-
mável ajuda prestada.
Este trabalho é o resultado de uma ex-
periência de um ano e três meses acompa-
nhando o cantor e compositor Cazuza no
período de sua enfermidade, e que veio a
falecer em 07/07/90 vítima da AIDS.
Para a honra e glória do nosso Deus,
resolvi escrever este testemunho vivo rela-
tando os momentos difíceis que passei.
Essa trajetória, embora difícil, valeu
muito para o meu crescimento espiritual e
exercício de minha fé, porque foi enfrentada
com os olhos espirituais e discernimento. PREFÁCIO
Tenho certeza que o será para você também,
leitor.
A autora aborda situações concretas.
Analisando-as você terá um grande auxílio
Foi com muita satisfação que recebi
para enfrentar estas e outras situações.
de Ana Maria a grata incumbência e o privi-
Enfermeira Ana Maria da Costa, for-
--~~...---....----;----:~::;--;;;-------;------ légio honroso de escrever o prefácio do seu
mada pela Faculdade de Enfermagem LUlza
livro. Tive o privilégio de conhecê-Ia em
..
de Marillac (RJ), professora de Saúde Pú-
nosso primeiro ano de IBER (Instituto Batis-
blica.
ta de Educação Religiosa), onde fizemos o
Bacharel em Educação Religiosa com
curso de Bacharel em Educação Religiosa.
habilitação em Missões pelo IBER - Institu-
Nossa amizade foi sendo cultivada a cada
to Batista de Educação Religiosa - RJ.
dia, desde então tenho acompanhado seu tra-
~
Missionária pela Junta de Missões
balho e a dedicação com a qual ela o tem
Mundiais. Atuando no Paraguai já há três
desempenhado no decorrer dos anos.
anos como Missionária Enfermeira e Capelã
A autora é uma profissional distinta,
Jiospitalar, atuando como Capelã Transc~l-
que tem abraçado grandes causas, dand~-se
tural no Hospital Barrio Obrero (Paragual).
aos outros com sinceridade, amor e dedIca-
ção.
Louvo ao meu Senhor, que a inspirou a
compartilhar com outras pessoas sua grande
experiência profissional e espiritual vivida
com o cantor e compositor Cazuza, tornan-
do-se sua amiga de cabeceira, apresentan-
do-lhe Jesus Cristo sem nenhum constrangi-
mento, dando-lhe exemplo de vida e aman-
do-o incondicionalmente durante um ano e
três meses. ,
Aninha realmente fez parte desse SUMAmO
"show", e tem falado em muitas Igrejas e a
muitos estudantes, e neste livro está deter-
minada a ajudá-Ia a ter convicções de fé,
atender ao chamado do Mestre, tornando-se
uma influência positiva de Deus para os seus
amIgos.
Este livro é rico pelo relato de uma
experiência viva e foi preparado para ajudá- INTRDDUÇÃO 1
10 a pensar realisticamente acerca de como
O INÍCIO DE UMA JORNADA 3
viver sua vida da maneira que Deus gostaria
que você vivesse.
Reitero a minha gratidão, rogando ao
Senhor da Seara que continue abençoando
ricamente a vida da Aninha e o seu ministé-
TENHO ESPERANÇA. FIZ O QUE PUDE 51
rio com os pacientes que têm o vírus HIV
DOIS MESES APÓS SUA MORTE 57
INTRODUÇAO -

em que ele tentou. Lutou até o fim,

B desafiou meio mundo, mas a doença


o venceu. A AIDS fez mais uma ví-
tima famosa. Levou Cazuza. Um fenômeno
da música brasileira, um cantor e composi-
tor que fazia a gente pensar. Não era um sim-
ples "fazedor" de música, mas um pensador
que retratava de maneira ousada e arrojada
as suas idéias, filosofia e ideais. Era
inconformado com os menos favorecidos,
fazia denúncias e protestava muito usando
suas músicas e poesias como armas. Cazuza
foi, mas a sua obra continuará. As gravado-
ras fizeram álbuns especiais que estão fa-
zendo de Cazuza uma eterna lembrança.
Particularmente, eu admirava as músi-
cas de Cazuza. E acho uma pena ele ter
morrido tão cedo. Sinto que ele poderia es-
tar entre nós hoje, se tivesse escolhido um
outro tipo de vida. No entanto, o grande com-
positor, cantor e poeta teve sua escolha de-
2

mocrática de vida. O mundo inteiro lamenta


e chora a sua partida.
Ele não morreu, continua vivo através
de músicas que revelam a inquietação desta
,
geração. O INICIO DE UMA
Na sua busca, Cazuza incomodou muita
gente. Disse tudo o que tinha direito .. Mas JORNADA
também sabia ouvir a Palavra de Deus, - RIo DE JANEIRO -
Hoje, para honra e glória do nosso
Deus, resolvi escrever sobre a experiência
vivida durante um ano e três meses acompa- ezessetede março de 1989. Lembro-
nhando o Cazuza no Rio de Janeiro, São
Paulo e Estados Unidos.
Neste livro relato um testemunho vivo
do meu-trãbalho com o Cazuza.
D me claramente, era uma tarde linda
de domingo. Acabara de chegar da
EBD e culto da manhã quando o telefone
tocou. Era Ilda, uma amiga de trabalho que
me ligara para saber se eu podia ficar uma
noite com um paciente na Clínica São Vicente.
Disse-lhe que sim, e às 18:30 já estava a
caminho da clínica. Lá chegando, Ilda me
revelou que~ paciente com o qual eu iria
ficar era portador do vírus HIV e se tratava
Cazuza. Perguntou-me se eu tinha algum pre-
concêlto (pois naquela época a pesquisa
sobre o virus HIV estava ainda em fase ini-
cial e o esclarecimento sobre a doença era'
PõUco, o que fazia com que até pessoas da
área de saúde tivessem receio de trabalhar
~ f
4 5

com esses pacientes), disse-lhe que não, en- muito e escrevia a letra de "Cobaias de
o tão ela pediu-me que fosse ao quarto 207. Deus", música do LP (Burguesia), seu últi-
Caminhei segura até o paciente, pois mo trabalho em vida. Sentado em uma ca-
não seria a primeira vez que iria trabalhar deira um pouco distante, eu lia um livro e,
com um portador do HIV Logo que cheguei de vez em quando, observava aquela agita-
à porta, uma senhora bastante educada veio ção. Em certo momento ele parou de escre-
me receber. ver e bastante explosivo gritou comigo.
- Boa noite. Você é a enfermeira que - Por que está me olhando? É bom você
irá ficar com o paciente? ficar sabendo que não gosto que ninguém
- Sou eu mesma. me observe quando estou trabalhando!
- Meu nome é Lucinha Araújo. Sou a Respondi-lhe a altura:
mãe do paciente. Pode entrar, ele já está te - Não grite comigo! Se você sabe que
esperando (no quarto além do Cazuza en- estou te olhando é porque você também está
contravam-se alguns amigos dele. A apre- me olhando.
sentação foi amigável, já cheguei brincando, Com o barulho da conversa dona
pois ele estava bem queimado de praia e Lucinha Araújo que dormia na sala ao lado
perguntei-lhe como podia ter aquela cor se entrou assustada no quarto.
sua mãe era bastante branca). - O que está acontecendo?
- Puxei a meu pai, ele é negro (falou- - Nada mãe, só que ela está me olhan-
me sério, dias depois quando conheci seu do e eu não gosto de trabalhar com ninguém
João Araújo, vi que a música "Exagerado" me olhando.
fazia jus a Cazuza. Seu João Araújo era sim- - Porque você não vai dormir meu fi-
plesmente moreno). Mas voltando ao assun- lho, já são 01: 10 da manhã.
to principal desta primeira parte, que é a apre- Já calmo.
sentação. Horas após, seus amigos foram em- - Tá, eu vou escrever mais um pouco
bora. Cazuza levantou-se da cama e foi para depois eu deito (após ela retirar-se do quar-
uma mesinha onde, muito agitado, fumava to fui atrás dela e expliquei-lhe o ocorrido).
- Desculpe-me dona Lucinha Araújo, porta escutei-o falar c~m a m~e: .
mas foi necessário responder à altura para _ Ah mãe! GosteI, essa e das mInhas!
que haja respeito, pois fiquei sabendo que Vou levá-Ia para casa. Vou precisar mesmo
ele é um paciente bastante rebelde e não deixa de uma enfermeira para me acompanhar.
ãs enfermeiras cuidarem dele; se eu demons=- Na noite de terça-feira quando voltei à
•trar fraqueza, ele jamais deixará que eu o clínica São Vicente, encontrei-o bastante dis-
medique como a doença pede. posto e já com promessa de alta hospitalar.
- Não, tudo bem, não há do que você Conversamos muito e no meio da conversa
pedir desculpas, foi bom você agir assim, ele me perguntou se eu aceitaria continuar a
pois houve uma enfermeira que tinha medo ser sua enfermeira particular, assim que ele
dele, daí ele tomou conta da situação, jog;- deixasse a clínica.
va o termômetro para cima, não deixava afe- - Se você quer, eu aceito.
rir a pressão e jamais tomava o comprimido - Talvez amanhã você nem precise vir
na hora certa. Acredito que você dará certo. à clínica, já pode ir direto lá para casa, mi-
Quando voltei para o quarto já o en- nha mãe depois lhe passará o endereço.
contrei dormindo. Na manhã seguinte ele - Eu vou passar o endereço Cazuza,
levantou como se nada tivesse acontecido, mas é bom a Ana ligar para confirmar se
foi ao banheiro, lavou o rosto e veio tomar o você realmente teve alta.
café. Nesse momento desci ao refeitório. - É mesmo Ana, você liga antes.
Após também tomar o meu café, subi para - Está certo, eu ligo para cá.
.i.espedir-me e qual foi a minha su'rpresa vê- - Cazuza eu havia esquecido de lhe
10 tomar a minha mão, alisá-Ia e pedir qm contar: seu médico achou por bem você
voltasse no dIa seguinte, pois gostara mUlto mudar de apartamento pelo fato de ser duplex
do meu trabalho. Cna eu dentro de mim que e as paredes serem de vidro, daí eu consegui
r após aquel~ente e pela fama de impli- um apartamento no Leblon, aqui perto. Ama-
cância com as enfermeiras q~e tinha, que nhã iremos vê-lo, se você gostar faremos a
jamais voltaria a ficar com ele, porém, já na mudança.
9

Quando Cazuza teve alta nós já fomos


direto para esse apartamento que ficava na começava a preparar-me para o momento em-
Sentindo-me já à vontade com ele, eu

Rua Visconde de Albuquerque. Uma noite quê meu Deus dana a oportunidade do amor
ficava eu e na outra Dona Dulce (enfermeira ~ansfonnador de Jesus. Foi numa tar- -
que dividia os plantões comigo). . (iê(feãbril que Deus me concedeu essa pri-
Dulce era uma pessoa maravilhosa, já meira oportunidade. Após o almoço, Cazuza
quase chegando à casa dos cinqüenta, o que me chamou para irmos à gravadora Polygram
fazia nutrir por Cazuza um tratamento quase na Barra da Tijuca, onde ele estava gravan-
matemo, o que o fez muitas vezes reclamar do o LP "Burguesia". Assim que lá chega-
comigo do serviço dela. Apesar de ser único mOSeu começei a notar que ele estava com
filho, criado no meio da classe média alta e muita febre. Pedi que desse um tempo e de-
saber de todas as regras que a boa etiqueta pois entrasse no estúdio, porém respondeu-
pede, Cazuza era uma pessoa muito simples me que não podia parar. Certa altura faltou
e vivia bem com todas as classes. Certa vez, energia elétrica e os músicos saíram todos
conversando comigo, disse-me: "Ana, eu sou para lanchar ficando apenas nós dois no es-
mesmo é do asfalto", e realmente eu pude túdio, ele veio e deitou num sofá que os
comprovar ISSO. músicos improvisaram especialmente para
Com o passar de um mês, a Dulce re- ele; mediquei-o e após a febre ter passado
solveu não acompanhá-Io mais e no lugar ele abriu os olhos e me disse:
dela entrou a Márcia que, de cara, ele apeli- - A energia não voltou. Acho melhor
dou de Ed Morta, devido a semelhança com irmos embora. .
o cantor. - Também acho, está ficando tarde.
a tem o foi assando e cada dia cres- - E aí, você está gostando das músi-

- cia mais a amizade entre eu e azuza, e, com


a nossa amizade crescendo, pude admirar ca-
cas?
- Estou sim, as letras são profundas .
•.racterísticas dele, principalmente sua inde- - Você já conhecia o meu trabalho an-
pendência, que era um ponto muito marcante.
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- Sabia que você existia, que era do sultado: minha mãe me levou arrastado para
Barão Vermelho, mas nunca parei para ob- o local da prova, porém para surpresa dela
servar o seu trabalho. eu fui aprovado, ganhei meu carro, assisti
- Por favor, me pegue um copo d' água. uma semana de aula e nunca mais coloquei
- ...(Após tomar a água). Você é tão os meus pés lá.
calma, eu não. Sou agitadíssimo! Você sabia - Que loucura!
que eu fumei o meu primeiro cigarro de - É, realmente eu sempre fui muito lou-
maconha com 12 anos? (saiu nas revistas co, eu sempre gostei de me sentir solto, dono
Contigo, Amiga e Veja). da minha vida; um dos meus maiores praze-
- Sério? res era ficar nos bares do baixo Leblon até
- Eu estudava no Colégio Santo Inácio que todos fechassem as portas ... Morei na
em Botafogo, era colégio de padre, aí já dá Califórni a, cidade muito promíscua onde as
para imaginar. Eles eram super rígidos, mas garotas e garotos de programa te abordam a
isso que era o barato da coisa. Sei que tam- cada segundo nas ruas, já fui preso junto com
bém não era o único a aprontar, existiam uns o Barão ... uma vez por porte de maconha.
quinze que odiavam os estudos, iam para o Você sabia que eu sou bissexual? Pois sou.
colégio só para deixar os padres de cabelo Sempre andei a 1000 p/h. Eu tenho consci-
em pé (ficou olhando para o teto). Eu sem- ência porque peguei AIDS, essa maldita
pre fui muito maluco desde quando fazia o doença sem volta ... eu estou falando muito,
ginásio. Minha mãe tinha um fusquinha o qual e você? Me fale sobre você.
ela deixava eu dirigir, meu pai vendo a mi- - Eu não tenho muita coisa a falar. Eu
nha loucura pelo carro me fez uma proposta. estudo, faço seminário, gosto muito da mi-
Caso eu passasse no vestibular ele me daria nha profissão e quando estou de folga, o que
um carro. Estudei feito um bom garoto. No é raro, gosto muito de um teatro ou um cine-
dia anterior ao vestibular fui para a farra e ma... gosto muito de trabalhar com gente.
cheguei em casa às quatro da manhã no mai- - Dá para ver. Você sabe ouvir. São
or porre e tinha que estar às seis em pé; re- raras as pessoas que sabem ouvir, por exem-
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pIo: eu tenho um bando de amigos, mas nun· sus te ama muito e eu também.
ca neriIíum deles parou para me ouvir com;- _ Ah! Quer dizer que você é crente ...
.JLõCê está fâzendo agora. ~ Eu não gostava de pessoas crentes, sabe
- É verdade, eu gosto muito de ouvir. porquê? .
o'

Inclusive eu tive um paciente com essa do- - Não faço ldela.


ença. - Porque elas se julgam melhores que
- Pode falar AIDS. Que mania que as os outros. Um certo crente entrou em minha
pessoas têm de ficar falando "essa doença". casa e disse-me que eu era um maconheiro
- Pois é, eu cuidava desse paciente com perdido; que eu precisava mudar de vida para
AIDS e também gostava muito de ouví-Io. Deus me amar.
- (Silêncio na sala) ... Pois é Ana, resu- - Agora você vem e me fala diferente
mindo, nessa corrida toda, eu me esbarrei desse mesmo Deus.
com a AIDS. Como te falei estou ciente de - Parece um paradoxo, mas é verdade.
que eu vacilei, eu sou um pecador, um gran- ' Por pior que seja o pecado, Jesus ama o
de pecaâor. pecador.
- - Realmente você é um pecador como ~- Então é verdade, os crentes me amam
você próprio está dizendo, mas isso não im- mesmo! Você vai ver quando chegarmos em_
porta. Existe uma pessoa que te ama muito. Easa, vou te mostrar um monte de fitas, dis-
- Uma não, várias, meu pai, minha mãe, .E,.ose Bíblias que eles me mandaram. Só .
você, meus amigos ... .liíblia são umas quinze. \
- Não são dessas pessoas que eu estou - Realmente eles te amam, ainda mais
falando! Estou falando de alguém superior a agora que você declarou a sua situação à
todos nós. Essa pessoa é Jesus. Ele abomina imprensa, todos eles estão orando por você
o pecado, mas ama o pecador, Ele ama as e eu também estou orando muito por você.
pessoas como elas são, não é necessário uma - Desculpe-me, mas preciso interrom-
mudança primeiro; essa mudança acontece a per a conversa de vocês por uns minutos.
partir do verdadeiro convívio com Ele. Je- - Fique à vontade.
- Cazuza, como a energia não chegou sua convivência com o vírus do HIV Fora
ainda, resolvemos marcar outro dia para dar uma das raras entrevistas que ele concedera
continuidade à gravação. Só falta a sua opi- nO seu período da doença, entrevista essa
nião. que gerou um grande problema.
- Por mim tudo bem. Vamos embora No dia 26 de abril, data em que a re-
Ana. vista contendo a reportagem chegou nas ban-
cas, estávamos em Petrópolis no sítio dos
Depois daquele dia surgiu uma nova seuS pais, além de nós havia ainda alguns
fase em nosso relacionamento, ele me mos- amigos íntimos dele como Bineco e o Zeca.
trou as Bíblias que ganhara e ficou fácil es- Era uma tarde de domingo, estávamos co-
tudarmos juntos. mendo um churrasco e Cazuza estava muito
Ele mesmo separou uma Bíblia e colo- bem, ria e brincava o tempo todo até que
cou iiã cabeceira de sua cama. Eu com~ estacionou o carro do pai dele e de dentro
- sentir-me fortalecida a falarãCada oportuni- saiu Fernanda (secretária do Cazuza) com a
dade do amor de Cristo, principalmente pe- edição 1077 da revista Veja, na qual trazia a
las cartas que eu e ele recebíamos com men- foto do Cazuza e o título "Cazuza - Uma
sagens bíblicas e dizendo que estavam oran- vítima da AIDS agoniza em praça pública".
'--:--...--------..---..,.,.-------,,....-:;-
do por ele e pelo trabalho que eu estava re- Após pegar a reVIsta das mâos de Fernanda
alizando, eram cartas de todo Brasil que che- e ler o título da reportagem ~trou para o
gavam todos os dias e tenho certeza que fo- quarto e minutos após, chorava muito e nin-
ram as orações desses irmãos que me sus::- guém entendia nada, pois Cazuza não era de
. tentaram em muItas sÜuaçQes diflcels qúé :..seaerxar abat~~ por nada que a imprensa
.-- --------------'-----~:.-----'
passei em companhia de Cazuza. Uma des- publicasse a seu respeito, mas eu já perce-
~s situaçõ~conteceu no mês de abril, num bia que a causa era o conteúdo da reporta-
dos plantões de Márcia. Cazuza concedeu gem que fora bastante cruel.
uma entrevista a uma jornalista da revista Logo apareceu a febre que aumentava
Veja a qual falou do seu último trabalho e da a cada minuto, então resolvi descer com ele
17

para o Rio, pois a situação estava se agra- aS ciladas que Satanás iria investir sobre a
vando e ali no sítio não tínhamos aparelhos minha vida e não foram poucas as vezes que
necessários para socorrê-Io. O colocamos ele tentou prejudicar o meu relacionamento
dentro do carro e descemos a serra e cada com Cazuza a ponto de colocar desânimo
vez mais a situação se agravava. Em deter- "'"
em m1Ill.
minado momento, ele perdeu o sentido.>pa-.... -- N o auge do sucesso do LP "O tempo
ralisou todo o corpo. A caseira que nos acom- não pára", Cazuza completava 32 anos de
lJaruíava começou a chorar. Falei com ela idade e quis dar uma festa em seu aparta-
que orasse a Deus" pois ele é o único que mento, na qual foi bastante gente do meio
~'pode reverter esse quadro clínicQ. Pedi a;--- artístico. À certa altura da festa, o ambiente
Bineco que parasse o carro e lhe apliquei não me deixava à vontade. Deixei a sala e
uma injeção. Esta injeção fez com que seus fui para o quarto onde peguei um livro e
rins voltassem a funcionar e o paciente comecei a folhear. Minutos após entrou
retomou suas funções. Ao chegannos na clí- Cazuza com um copo de whisky me pedindo
nica São Vicente fomos logo para a emer- um comprimido de AZT para tomar, pois sua
gência e minutos após a injeção fez efeito e medicação era de seis em seis horas e já
ele retomou a si já brincando. estava passando do horário.
- Gente! O que aconteceu comigo deve - Não Cazuza, você não pode tomar o
ter sido grave, pois olhe para o Bineco, de remédio com a bebida.
preto ficou vermelho. - Eu tomo com o que eu quiser. Pega o
Sorrimos todos aliviados, me afastei do AZT!
quarto e~i .a Deus por mais uma vitó- - Eu não vou fazer isso. Ou o remédio
ria. No dia seguinte toda edição da revista ou a bebida.
"i'õ'rarecolhida das bancas. - Você não manda na minha vida. Você
Desde o momento que aceitara o con- já conviveu comigo o bastante para saber
vite para estar acompanhando Cazuza, esta- que eu odeio que me dêem ordem.
va ciente que junto aceitara enfrentar todas - Eu não estou lhe dando ordens, estou
18 19

lhe proibindo de fazer uma loucura e tem me ligava para passar o fim de semana em
mais, pode ser o presidente da república, se petrópolis com ele me chamando "para pe-
estiver sob os meus cuidados vai ter que gar um frio" como costumava falar. Eu já
receber a minha medicação. não o via como um paciente e sim como um
- Se exploda com sua medicação. grande amigo e tenho certeza que era recí-
Virei as costas e voltei a folhear o li- proco. Ele gostava muito da minha presença
vro. Ele ficou calado por algum tempo. e isso me deixava à vontade.
Após, sentou-se e pediu que eu jogasse o Certo sábado, quando estava de plan-
copo com whisky e tudo pela janela do apar- tão, o Gilberto Gil ligou para convidá-Io para
tamento, pois não iria mais beber e queria a festa de aniversário da Flora Gil sua espo-
tomar o remédio. sa. Logo ele me chamou para acompanhá-Io.
- Você deve estar querendo que eu vá Como eu estava de tênis e jeans, pedi-lhe
presa, nem o whisky eu posso jogar, mas vou emprestado o motorista e o carro para bus-
abrir uma exceção para você. car em minha casa roupas adequadas. Ele
- Você está chateada comigo Aninha? lamentou.
- Só um pouco. - Puxa se o Gilberto tivesse ligado an-
- Este pouco não vai fazer você ir em- tes, nós poderíamos ter saído e eu lhe com-
bora, ou vai? prava algumas roupas numa dessas boutiques
- Não meu garotinho (era assim que às aí de Ipanema. Você não precisa ir para sua
vezes eu o chamava). casa, minha mãe pode ajudá-Ia.
- Ainda bem. A princípio fiquei constrangi da, mas
Começamos a sorrir e o clima pesado dona Lucinha Araújo que estava presente me
que havia surgido logo desapareceu. No fun- disse:
do, essas desavenças, quando vistas aos olhos - Isso! Vamos lhe fazer a vontade. Va-
espirituais e enfrentadas com discemimento, mos lá no meu guarda roupa e escolha a rou-
só serviram para aumentar nossa amizade. pa e o sapato que quiser.
Muitas vezes, até fora do meu plantão, Cazuza Não teve jeito, fui à festa com as rou-
20 21

pas dela, assim que me viu pronta foi logo arréia, dor de cabeça, febre, sem contar com
dizendo: õCfifde raiz que é só ele tomar e começar a
- Ana, você está linda, parece uma passar mal.
rainha! A rainha do Mississipi. _ O certo seria ele parar de freqüentar
Em Jeremias 33:3 diz: "Clama a mim e essas reuniões.
responder-te-ei e anunciar-te-ei coisas gran- - Mas quem vai convencê-l o disso, ~
.....
des e firmes ue não sabes". Esse foi o me~ próprios pais dele são con~ra ele fre ,üentar
versículo base em certo período que passei essa seiill. No fun o acredito que ate ele; o
com ele, que foi quando alguns amigos o ~oblema da insistência é a vontade de ser
chamaram para freqüentar uma seita deno- curado.
minada Santo Daime. Ele concordou e sem- Assim que terminamos o assunto ele
pre ía às reuniões da seita e isso me deixava chegou bastante mal, sudorese intensa e bas-
triste, pois além de o estar evangelizando, tante febril. Demos-lhe um banho, adminis-
ele voltava fisicamente mal, sem contar o tramos analgésico e logo ele adormeceu.
lado espmtual que só regredia. Comecei a Assim que Márcia foi para casa, li. uns tre:-
orar muito para que Deus não o deixasse ser chos da Bíblia e pedi a Deus para que falas-
enganado por Satanás. Certa noite, quando seão coração do Cazuza mostrando-lhe que
cheguei para o meu plantão, não o encontrei. 'à seita Santo Daime não era o caminho certo
Quem veio atender a porta foi a Márcia que e que o fizesse desistir de freqüentá-Ia. Aca-
estava bastante nervosa. bei minha oração e fiquei sentada ao lado
- Cadê o nosso paciente? dele. De madrugada ele acordou já dispos-
- Saiu desde cedo e não quis que eu to.
fosse com ele, pois iria com os amigos para - A Iracema (empregada) já está dor-
o tal de Santo Daime. mindo?
- Novamente essa seita? - Claro Cazuza, já são duas e cinco da
- O robl m é ue uando ele vai manhã.
essa seita, volta para casa péssimo, com di- - Você sabe fazer mingau?
--------------'
- Sim!
- Mas, não é aquele de mamadeira não', Daime chega péssimo, com febre, diarréia,
eu quero aquele de maisena, mas bem duri~ sudorese ... Olha, vou ser sincera contigo ...
nho com canela em pó por cima. sou sua amiga e só quero o seu bem e não
- Eu sei sim, aguarde uns minutos que concordo nada com suas idas às reuniões do
vou na cozinha fazer. Daime, pois isso está prejudicando a sua
- Ah! Faz dois, um para mim e outro saúde, pois todo o cuidado que temos com a
para você. sua saúde aqui, você perde nessas reuniões
No momento em que tomávamos o pois vem com diarréia e sudorese fortíssima
mingau colocamos um filme no vídeo e en- e você não pode perder líquido, ao contrário
quanto assistíamos conversávamos sobre você tem é que ingerir, senão daqui a pouco
vários assuntos e aos poucos levei a conver- vamos ter que lhe internar para tomar soro.
sa para a seita do Santo Daime. _ É, você está com a razão Ana. Se eu
- Hoje você não dorme mais, quase oito quero viver, eu não posso correr atrás de
horas dormindo. algo que só me prejudica. O pessoal vai fi-
- Como no meu natural. car aborrecido comigo, mas eu vou dizer-
- Seu natural? Não entendi! lhes que não irei mais; me faça um favor,
- É fácil. Conhece essa música? "Pro pegue aqueles vidros cheios <k- ervas que
dia nascer feliz, pro dia nascer feliz. O mun- _eles me venderam e jogue-os fora.
do inteiro acordar e a gente dormir, dormir". -h partir daquele dia Cazuza nunca mais
Por isso é que eu e o Fernanda gostamos freqüentou a seita Santo Daime e eu pude
dessa música, que é a nossa cara. sentir que era mais uma vitória de Deus na-
~---~------------
quele meu ministério, pois várias foram as
- Concordo contigo, mas deixe eu afe-
rir sua temperatura pois ontem quando você pessoas que pediram para ele não freqüentar
chegou estava bastante mal. a seita, inclusive seus pais, que ao saberem
- É verdade? da decisão dele, ficaram muito felizes. Tudo
- É sim, toda vez que você volta do isso acontecendo me animava cada vez mais
24

a evangelizá-Io e eu não desperdiçava as


oportunidades.
CUIDANDO DO
CORPO E DA ALMA
- SÃO PAULO -

ão Paulo surgiu por acaso em nosso

S caminho, pois Cazuza não tinha


planos de fazer tratamento naquele
estado, mas para mim pessoalmente foi uma

-
bênção, pois naquele período que ali passa-
mos Cazuza deixou mostrar que o Espírito
~-------"-----'~-
Santo estava modificando a sua vida.
--- Nossa ida para São Paulo começou
numa tarde, quando Cazuza me chamou para
ir ao seu quarto e me disse:
- Ana, essa equipe médica que acabou
de me ligar agora, é de São Paulo. Eles que-
rem que eu vá para lá testar umas vacinas,
essas vacinas não são específicas para AIDS.
São vacinas para câncer. O pai da Flora (es-
posa do Gilberto Gil) está tomando destas
vacinas e está sentindo um efeito maravilho-
so, pois como disse o médico: ela renova as
26

células e a partir daí a gente vai tendo célu~ _ Então até lá a gente decide, ok?
Ias novas. Você como enfermeira sabe dis~ E foi assim, a equipe médica ligou vá-
so... então o vírus continua mas é como Se rias vezes, vieram até a casa do seu João
estivesse zerado no corpo da gente, pois bem, Araújo marcaram a entrevista com Cazuza e
essa equipe já me liga há meses, eu até con~ a partir dali ele começou a ter vários encon-
versei com meu médico pois estou com um troS com essa equipe médica que vendo a
certo medo de deixar o AZT, afinal foi gran- ânsia dele de lutar pela vida se prontificaram
de a burocracia que enfrentei para ter o di~ a lutar junto com ele.
reito de usá-Io. Até nos Estados Unidos pre- Não demorou muito os médicos adqui-
cisei ir só para assinar os papéis de autoriza~ riram a confiança de Cazuza e uma tarde
ção,gois fui o primeiro brasileiro a utiljzar Q... quando cheguei para ficar com ele recebi a
AZT e por ser algo inédito no Brasil só o notícia que ele iria para São Paulo testar essa
'---.---,,-...:;;--,-----.::.._------~
-próprio paciente assmandº-< então isso me vacina. De início não pude acompanhá-l o,
amedronta porque querendo ou não, o AZT mas dias depois me ligaram pedindo para eu
tem me segurado até hoje e você sabe que encontrar-me com ele.
eu quero VIver. Como minha vida aqui no Rio estava
- Isso é verdade. toda compromissada, eu ficava com ele ape-
- Pois é isso Ana, mas o que eu queria nas nos finais de semana e nos dias úteis
saber de você é se caso eu decida ir para voltava para o Rio, porém como disse antes,
São Paulo, você estaria disposta a ir comi- havia surgido um elo de amizade muito gran-
go? de entre Cazuza e eu, e sempre me chamava
- Bom meu amigo, isso eu não posso para ficar direto. Quando chegou o mês de
lhe dizer pois eu estou com a minha vida agosto ele meio sem graça, me chamou e
toda aqui no Rio de Janeiro. Você sabe que disse:
tudo o que eu mais quero é te ver com saú- - Ana, sei que é pedir demais e você
de... bom, você ainda não decidiu, não é? tem todo o direito de dizer não, mas será que
- Ainda não. daria para você trancar sua matrícula e ficar
28 29

de vez comigo aqui em São Paulo, pois até Brasil afora, me emociono pois esse momento
agora eu não consegui adaptar-me com ne- ~marcou profundamente
nhum enfermeiro, já com você é diferente, a ~s vacinas, com o passar do tempo,
gente se entende. Caso você aceite, você tira começaram a apresentar efeitos positivos.
uma licença no seu serviço da prefeitura, Já era visível uma pequena melhora no
papai é amigo do prefeito e resolve isso para Cazuza e isso alegrava a todos, os dias eram
você. mais felizes, nós atravessávamos com espe-
- Tudo bem, eu vou para o Rio, resolvo rança e isso era bom para todos. Vê-Io mais
tudo e quando voltar já fico de vez. disposto voltando a fazer planos, tudo isso
_A m~de vez para São Paulo me era gratificante.
rendeu vários momentos emoclOriãírtes. Um Como eu expus atrás, em São Paulo
--._----------_:-..:.~~
deles foi assim que cheguei com as m~as. aconteceram várias coisas que me alegra-
Estava uma noite muito fria em São Paulo e ram, mas também presenciei momentos de
antes, no avião, a secretária havia comenta- profunda tristeza. Um desses fatos aconte-
do que Cazuza estava inquieto com medo de ceu quando vim ao Rio de Janeiro ver minha
eu desistir e não mais querer ir para São família e encontrei-me com o Pastor Jorge,
Paulo e eu pude sentir o quanto ele gostava da Igreja Nova Vida, o qual me disse que há
de mim; no exato momento em que entrei na muito tempo vinha orando pelo Cazuza e ti-
casa, pois logo perguntei a seu João Araújo nha um grande desejo de visitá~lo e se eu
que estava sentado junto à lareira: "Cadê o poderia ajudá-Io nesse seu desejo. Disse que
meu gatinho 7". Logo ele apareceu com um iria conversar com ele e lhe daria um retor-
sorriso lindo, cheio de felicidade e me disse: no. Eu já tinha ouvido pela própria boca do
- Seu gatinho está aqui e ele é todo Cazuza que não gostava de pastores e pa-
dres, mas em nome da nossa amizade resolvi
Isso me emocionou muito, pois eu sen- lhepedir esse favor. Não foi dificil convencê-
ti o quanto ele se apegara a mim ~ semp~ 10, pensou, pensou, porém logo disse:
que co to isso em meus testemUIÍhos pelo - Tudo bem Aninha, diga para seu ami-
30 31

go pastor que ele pode vir me visitar, desde iriarecebê-Io. Sendo mais clara me senti der-
que ele não venha fazer como aqueles cren. rotada, mas clamei por Jesus; e disse a Sata-
tes que me procuravam para dizer que eu era nás:
um pecador, que eu ia para o inferno, qUe _ Você teve esse jovem muito tempo
todo bissexual é do demônio. em s~as mãos, fez o que bem quis com a_
- Pode ficar tranqüilo que ele não en. ~ dele, mas agora a história é outra, Jesus,
trará aqui para te julgar. mecolocou no caminho dele, me ensinou a
- Então está bom. Liga para ele e mano ~á-Io. Escuta bem Satanás! Nada fará com
de-o vir. ~desista de lhe falar da força poderosa
Fiquei muito feliz e logo liguei para o e transformadora do amor de Jesus.
pastor que já estava em São Paulo e pedi E graças a Deus, o Senhor me fortale-
que viesse, quando o relógio marcava 13 :40 cia a cada dia; ele havia levado a Bíblia e de
que era mais ou menos o horário que nós madrugada, quando todos Ja tinham ido dor-
havíamos marcado. Dona Lucinha Araújo, mir ,~------~--~---=='-----
entre um filme e outro nós pegávamos a
mãe do Cazuza entrou no quarto e escutou Bíblia, líamos e após, eu lhe explicava o que
nossa conversa sobre o pastor e ficou saben- sle que~saber. Uma noite, lendo o Evange-
do que ele iria visitá-Io. Logo demonstrou- lho de Mateus, eu lhe expliquei sobre os
se contra, disse que pastor não seria uma ensinamentos de Jesus, mostrando-lhe a im-
jJoa, que as experiêncIas com outros nao fo- portância de saber perdoar, não guardar ran-
-!.,amagradáveis e que era melhor não recebê- ~or, a valorização do prÓXImoe ele prestava
.10. Tentei convencê-Ia explicando que esse muita atenção em tudo que eu lhe falava.
pastor era jovem, cabeça aberta, mas ela não Passado alguns dias após aquela noite eu
voltou atrás e para minha tristeza Cazuza entrei no quarto dele e o encontrei abraçado
pediu que eu desmarcasse a visita. Fiquei a uma tia a qual fazia algum tempo que eles
triste e muito chateada em de repente me ver não se falavam, assim que me viu sorriu e
numa situação bastante constrangedora, de disse.
ter que dizer que Cazuza voltara atr~s e não -_Aninha:3.m cá, aprendi na Bíbli:
32

.!9bre O perdão e perdoei a minha tia em nome período que mais líamos a Bíblia juntos.
âe Jesus. ~ ..---Porem, msso tudo havia algo que me
Assistindo aquela cena, senti que el11 incomodava. Cazuza já havia falado para
momento algum Deus estava me deixando rtÚ1Il e declarado à imprensa que era bissexual

só. Eu estava sendo um canal dEle para falar e eu queria achar uma forma de mostrar-lhe
do amor do seu Filho Jesus Cristo e senti. que Deus não aprovava isso; comecei a oraJí
me feliz em ter trancado a matrícula no IBER, e uma certa noite ele mesmo tocou no assun-
faltando apenas poucos meses para me for. to.
mar; em ter deixado meus familiares para - Ana, o que a Bíblia diz sobre o
estar em São Paulo, tudo isso passou a ser homossexualismo?
um nada quando vi o Espírito Santo agindo - A Bíblia não aprova. Deus abomina.
naquela vida. Quando Ele criou a humanidade, criou ape-
A partir daí ficou muito mais fácil nas dois sexos: o homem e a mulher.
evangelizá-lo, entramos finnes e a curiosi- - Você pode me provar pela Bíblia?
dade dele era imensa, era como uma criança - Claro. Existem vários outros capítu-
na Escola Dominical, me e ia de pergun- los da Bíblia que falam a respeito, eu irei
. tas: porque eu estudava Teologia? o era procurar e depois lhe mostro, mas no mo-
Deus? E Maria Madalena, como era o amor mento abra sua Bíblia em Romanos 1,
dela por Jesus? Se Jesus era homem ou Deus versículos 18 a 32 e leia.
quando estava com ela, porque pelo que ele - ... É realmente aqui na Bíblia está
entendia achava que Maria Madalena era falandO:-e se esta escrito eu acredito ... E voce
apaixonada por Jesus. Resumindo, eram as casaria com um blssexual?
"perguntas mais loucas que se podia f~ - De Jeito nenhum.
Notava-se que ele era leigo em todos os as· - Vocês é que estão certos, pelo m~
pectos quando o assunto era Deus. E eu tive não ficam expoStõs ao vírus da AlDS ... Puxa,
que abordar o método que se adota quando seeu te coÍiliecesse há mais tempo talvez
se vai evangelizar uma criança e aí foi o não c egasse onde cheguei.
---------- 1
- Quem sabe? ar, ore para o seu Deus, no qual você con-
.- Eu quis viver 100 ou 1000 anos em. ~a tanto, peça a ele que ilumine a mente de
.!!inta. Quis fazer tudo, tanta loucura~ úíUêientista maluco para ele encontrar a cura
poderia estar casado, ter um filho para quem ~DS, pois só Ele pode fazer isso.
deixar minhas coisas minhas músicas. Re:-
l
::.=---:--olhe Cazuza esse meu Deus pode ser
=-conheço que vacilei, minha vida é um.---'" o seu Deus também.
apocalipse. Estou no fim ...J. Sabe Ana, hoje - Eu sei, mas ore você.
tenho uma idéia diferente dos crentes,eu- Com essa conversa pude ver que a
imaginava que ser crente era ser bobo, que palavra de Deus estava cada vez mais viva,
os crentes eram pessoas analfabetas, que orei a Deus em cima do pedido dele, porém
viviam de um lado para outro com a Bíblia daquele dia em diante ele foi ficando triste,
embaixo do braço dizendo que tudo é peca- deprimido, às vezes chorava, tinha crises e
do. Imaginava que fossem pessoas que não eu deixei de ler a Bíblia pois pensei estar
iam à luta, e você sabe que sou super a favor forçando a barra e eu queria que fosse algo
das pessoas que remam contra a maré. lá espontâneo, pois ele já sabia que Jesus o
aí! Eu agora passei a admirar os crentes, tiro amava independente da situação dele e q~.
o chapéu para vocês. -ria ·IeVãf o Evangelho sem ser estressante e
Os meses foram passando e a vaciná ele passava pOÕllomentos delicados. Numã
começou a não mais fazer efeito por mais tarde , ele estava muito arrasado, calado o
que tentássemos de tudo, não obtivemos tempo todo, só olhando para o teto, quando
sucesso e Cazuza voltou a emagrecer, já não sua mãe entrou no quarto dizendo:
andava mais; seu quadro clínico estava cada - Cazuza está cheio de visitas na sala.
vez pior. Num desses dias, estava aborreci- Vamos levantar dessa cama ... Ana, ajeite a
do, não queria receber ninguém e me cha- cadeira para o levarmos para sala.
mando junto dele pediu: - Não precisa. Eu não vou para lugar
- Puxa Ana, eu estou cada vez pior, só nenhum. Não quero falar com ninguém.
emagrecendo, não ando mais, me faz um fa- - Que é isso meu filho. O pessoal veio
36 37

do Rio só para te ver. Ânimo! Cadê aquele tr0 dias, só Deus mesmo para ter. este poder.
Cazuza alto astral? _ Claro, Ele é o mesmo hOJe, ontem e
- Eu não estou legal, não quero ver nin_ será eternamente.
guém. Não estou a fim. _ Aproveitei e li em Reis 38 e Isaías
- Tudo bem, eu vou ligar para uma 38... onde o Rei Ezequias pede a Deus mais
amiga minha, ela é espírita; por telefone tempo de vida e Deus lhe concede mais 15
mesmo você conversa com ela e você vai anos de vida, ele olhou para mim e disse ...
receber ânimo para sair dessa depressão. "Que legal! Ele ganhou 15 anos de vida, será
_- Eu não quero falar com macumbeira que Deus me daria só mais 2 anos, eu gosta-
. nenhuma. A Aninha vai orar comigo, nós ria tanto de viver um pouco mais" ... Come-
vamos ler a Bíblia e eu vou melhorar, era çamos a chorar e ele me disse:
tem feito isso e tem ~ ajudado muito, eu _Eu queria apenas 2 ou 3 anos de vida,
quero ue ela fique no quarto e ore comi o': mesmo que fosse para ficar numa cadeira de
~clusive ela aZIa ISSOto a noite, eu não sei rodas eu gostaria de viver. Se esse Deus é
_porqué ela parou. - verdadeiro, Ele pode me ajudar.
- Realmente eu parei por que você an- _ Verdadeiro Ele é. Agora se for para
dava deprimido, chateado com Jesus achan- honra e glória do nome dEle, ele pode te dar
do que Ele não te dava a cura. Você estavà a cura , te tirar dessa cadeira de rodas, Ele é
questionando muito a Deus, aí eu parei, eu o único que tem poder para isso. Não existe
não quero te forçar a nada. Mas se você quer, ninguém maior que Deus. Mas isso não é o
eu fico feliz. Vamos fazer isso agora. mais importante, o mais importante é a vida
- Então fique com a Ana que eu vou eterna, é ter a certeza que após ~sta vida
mandar as visitas esperarem. -. achare~os descanso ao lado de Jesus, é dis;
- Ana, leia aquela passagem lá de João so que voCê não deve abrir mão.
11, que Jesus visita Marta, Maria e Lázaro, , A pãrtir daí nós oramos, ele sorriu, dis-
eu gosto demais desta passagem. se-me que já estava legal, que queria rece-
- Puxa! Lázaro, já estava morto há qua- ber os amigos e eu o levei para a sala, assim
38 39

que dona Lucinha Araújo o viu sorrindo co- mais chance de restabelecimento, então fi-
mentou: camos até ele ter uma melhora para poder
- Olhe ele aí gente! Que sorriso bonito I ~~~ .
Eu ia pedir a uma amiga minha que é espírita Eu não tinha pretensão nenhuma de sau
que conversasse com ele, mas ele preferiu do Brasil, mas dona Lucinha Araújo me cha-
que a Ana orasse com ele e não é aue fez
---- moUdizendo que era necessário que eu ,fos-
erertõ! ~
----- Aquela tarde foi uma vitória de Deus a
se, pois Cazuza se sentiria melhor e so eu ,
tinhã esse carinho todo por ele. Isso me co-
quaCsenti fortemente o Espírito Santo trabã: -~u e decidi vir ao Rio dar andamento na
lhando. Os dias passarãill e como já previa papeladas que precisava para deixar o país.
Cazuza piorava cada vez mais. Um dia ele Após tudo pronto, ficamos espe~ando ele ter
teve uma hemorragia digestiva que compli- uma melhora. Um dia encontreI-O acordado
cou muito seu quadro clínico a ponto do muito disposto tentando decorar uma letra
médico pedir sua internação com urgência, de música.
isso nos deixou tristes. No Hospital Nove _ Oh! Minha coisinha, você está bem?
de Julho onde ele se internou, às vezes eu o Que bom!
olhava e pensava: "É amigo, está cada vez _ (SolTiu) Só quem pode usar esse ter-
mais difícil você retomar para o Rio", mas mo é minha mãe.
continuava orando pedindo a Deus que con- _ Brinquei só para ver se você estava
templasse o pedido dele. legal e pelo visto está. .
Dias depois ele abriu os olhos e voltou _Aproveita que você está aqm e pegue
a falar, porém o médico nos disse que ele lápis e papel pois estou com a letra de uma
teria que voltar para Boston, nos Estados música na cabeça.
Unidos, pois só lá teria as medicações ade- - Pronto, pode falar.
quadas e que também estava surgindo um _ Anote aí. "Eu acho que ele ficou
novo remédio, o DDI, o qual zerava o vírus maluco ... de tanto voar e voar... nos cruzeI-
e lá ele poderia tomar essa medicação tendo ros malu ..."
- Bem, gostei. Está a sua cara eSsa
música.
- Você gostou mesmo?
- Gostei sim! V!AJAl\lDO NO
- Você já assistiu algum show meu?
- Infelizmente não! "TREM" DA MORTE
- Pois então quando eu melhorar, irei - ESTADOS UNIDOS -
fazer um show especialmente para você.
- Vou gostar muito, mas para que isso
aconteça nós temos que ir logo para os Esta-
dos Unidos, assim você se recupera com mais ossa viagem não podia ser em avião
rapidez e volta logo ao Brasil para fazer o de carreira, pois correríamos o risco
meu show. de Cazuza piorar durante o trajeto.
- ük! Você quem manda. Foi fretado um jato, mas mesmo assim ele
- Já que eu mando, deixa eu ligar para teve seu quadro clínico abalado e quando lá
sua mãe para avisar que a "coisinha dela" chegamos não lhe foi permitido o tratamento
está acordada e pronta para embarcar rumo com o remédio (DDI), pois ele estava com o
à terrinha do Tio Sam. "cito megalo-vírus", vírus que ocorre em pes-
Dois dias depois embarcávamos para soas com baixa resistência, que não precisa
os Estados Unidos. exatamente estar com o vírus do HIV, mas
Eu pude ver como nunca o carinho dos basta estar com baixa resistência.
pais para com ele. Era grande a multidão de Resumindo, este cito megalo-vírus não
fãs que o aguardavam na saída do hospital e permitiu que ele tomasse o DDI e isso o
o mesmo acontecia no aeroporto de Cumbica, deixou bastante triste, pois a nossa ída para
onde embarcou para sua última viagem ao os Estados Unidos com urgência tinha como
exterior. meta o tratamento com o DDl. Então, pelo
fato de estar ocorrendo este imprevisto, os
-l2

médicos do New England Medical Center demorando demais. Me fale a verdade, eu


onde ele ficou internado, passaram a traba~ vou conseguir o remédio?
lhar com o Gam-Ciclovir, pois esse remédio _Claro, (fui obrigada a omitir, devido a
mata o cito megalo-vírus e era o que nós e ética profissional) é só ter um pouco de pa-
ciência.
_ Pombas! Que paciência nada. Paci-
ência, paciência! Todo mundo só entra na
porcaria desse quarto para mandar eu ter
paciência.
_ (Enfermeira do Medical Center en-
trou no quarto neste momento). Oi, como está
passando?
_ Que pergunta idiota. O que você
acha? Como uma pessoa que está morrendo
pode estar?
_ Desculpe-me; hoje ele não está bem.
_ Já percebi. Se precisar de alguma
coisa, me chame. Com licença.
toda junta médica esperávamos acontecer o _Cazuza você foi indelicado com a en-
mais rápido possível, porém não surtiu efei- fermeira.
to algum no organismo dele. Isso nos deixou _ Ora, ninguém está sendo indelicado
desanimados, pois os dias iam passando e o comigo me escondendo a verdade? Estou a
quadro clínico dele não nos trazia confiança quase cinco meses nesta cama sem aconte-
e não foram poucas as vezes que ele me per- cer nada.
guntava: _ Mas Cazuza, tudo o que está ao nos-
- O que está acontecendo? Por que eu so alcance estamos fazendo.
não iniciei a medicação com o DDI? Está _ Por isso mesmo, se o que vocês po-
-+-+

dem fazer não resulta em nada (chorando) va, pois eu sentia que podia fazer alguma
então porque insistir em me manter neste coisa para mostrar-lhe que Deus não se agra-
hospital? Já que tudo indica que estou mor- da das orações decoradas e principalmente
rendo, eu quero pelo menos ter o direito de conduzidas à imagens. Porém, por motivos
morrer no meu país ... Por favor Ana, chame que não sabia, eu jamais era co.nvidada par~
minha mãe. essas reuniões, até que um dIa eu resolvI
- Um momento. participar por conta própria.
- ...Pronto filho, o que você quer?
- Eu quero que você ligue para o meu
pai, pois eu dou prazo até a semana que vem
para iniciar essa medicação, caso contrário
eu quero que arrume minhas coisas e me le-
vem para casa.
Todos nós ficamos sem reação, pois
realmente a situação era muito delicada e
não queríamos levar ao conhecimento dele.
A situação foi amenizada pela equipe
médica do Medical Center que teve uma
conversa franca com ele, pedindo-lhe que
tivesse paciência, o que ele acatou, pois já
calmo, pode enxergar que tudo o que acon-
tecia fazia parte de uma luta incessante na Seguimos todos para a capela, após
busca do bem estar dele. todos rezarem perguntei se podia ler a Bí-
Todos os dias, às 18:00 em ponto, a blia, o que me disseram que sim, abri e~
família do Cazuza e os amigos subiam para Salmos 37 versículo 5: "Entrega o teu camI-
a capela do hospital onde ali davam-se as nho ao Serilior,confia Nele e o mais EI~ -
mãos e rezavam por ele. Isso me incomoda- Após explanar a leitura, expliqueI-lhe tam-
-l6

bém como devemos falar com Deus, como para comida t.ail~desa. e lá ia eu bus~ar .a
devem ser as nossas orações, todos ouviram comida. DepOls fOl a chmesa, francesa, ltah-
com muita atenção. Quando terminei, demos ana e por fim nada mais o satisfazia. Houve
as mãos e eu fiz uma oração de intercessão um dia em que cheguei a trazer cinco pratos
a favor do Cazuza. Após o término da ora- diferentes e nem um foi aprovado. Por fim,
ção, todos estavam emocionados e o resul- já cansada, pedi a Deus que me desse uma
tado da minha ousadia foi mais uma vitória , luz e logo surgiu a idéia de trazer lagosta a
pois a partir daquele dia eu passei a freqüen- qual ele aceitou e comeu com o maior pra-
tar todas as orações das 18:00. zer. Sua mãe, que neste meio tempo já esta-
Toda a equipe médica já tinha chegado va irritada de me ver entrar e sair do hospi-
a um denominador comum de que as chances tal, pois fazia 10° abaixo de zero, e toda hora
que o Cazuza tinha de tomar o DDI eram as eu tinha que colocar casacos e luvas, falou:
mais remotas possíveis, porém insistíamos _ Você não pode fazer isso Cazuza. O
em ver acontecer um milagre e enquanto es- frio lá fora está insuportável. Você tem que
perávamos trabalhávamos de todas as ma- decidir o que você quer ... Só você, Ana, para
neiras para deixá-l o à vontade. Nunca a mi- ter essa paciência toda. E inacreditáve1 que
nha paciência de enfermeira fora posta à pro- um ser humano seja tão paciente.
va como naqueles dias. ... Apenas sorri e pensei: eu não sou pa-
Cazuza tinha uma dificuldade imensa ciente, mas Cristo em mim me toma muito
para se alimentar e de uma hora para outra mais que paCIente e assim eu fui a cada dia
não quis mais a comida do hospital e através exercitando a paCIência que Cristo me dera.
de amigos brasileiros consegui contratar E., ... Era uma noite de segunda-feira quan-
uma cozinheira brasileira que morava em do Cazuza começou a tossir. No começo não
Sameville. Todos os dias eu ía até lá para estranhei pois era rotina, porém logo percebi
buscar o almoço dele, porém logo não quis que cada vez mais ele perdia a respiração.
mais a comida dizendo sentir vontade de se Rapidamente coloquei-lhe a máscara de oxi-
alimentar com coisas diferentes. Mudamos gênio, mas não surtiu efeito. Percebi que era
49

algo muito mais sério. Apertei a campainha o João Araújo para o hotel, ele falou-me que
e logo chegaram no quarto duas enfermeiras não quer ficar aqui vendo o filho morrer sem
qúe lhe aplicaram a medicação sas, espe~ poder fazer nada. . .
raram alguns minutos, como não houve rea- - Isso, vá. Qualquer COisaeu aVISO.
ção chamaram o médico o qual pediu Com a clima era de total desespero, todos
urgência para colher uma gasometria, logo chorando desacreditados e eu pedindo ao
saiu o resultado que não foi favorável, o meu Deus que me desse força no meio de
médico analisou, pediu a presença de toda a tanta fraqueza e suprisse a minha fé, onde já
equipe que após conversarem entre si e tor- não existia nada que me ajudasse a crer. As
nar a examiná-Io chamaram em particular seu duas horas da manhã dona Lucinha Araújo
João Araújo e dona Lucinha Araújo e disse- me ligou e o quadro clínico era o mesmo,
ram-Ihes: Eediu-me novamente que orasse, pOISo so-
- a que nós podíamos fazer fizemos, nho de Cazuza era morrer no Brasil, ais que
porém fomos vencidos, ---------
ele só tem duas ho--- de tanto amava. Fa ei para ela pedir a Deus
ras de vida. também ~onfiar. Deus ouviu nosso clamor.
Eu ainda não sabia da notícia, quando Quase às três da m~ã, ele abriu os olhos, e
dona Lucinha Araújo me abraçou e choran- olhando-me falou:
do falou-me: - ai Ana, o que houve? Que horas são?
- Ele não tem esse poder, disseram que - São duas e quarenta e cinco da ma-
...meu filho só tem 2 horas de vida .
- Deus é vida e só Ele pode nos dar _Loucura! Eu apaguei, perdi até o jan-
prazo determinado para viver, não chore não.
Vamos confiar Nele. - É! Realmente você apagou e nos deu
.- Eu não quero que meu filho morra, o maior susto, mas graças a Deus está me-
_por favor Ana, ore e peça a seu Deus .. lhor.
- a que mais eu tenho feito é isso. - Melhor e com fome. Descola alguma
- (Limpando as lágrimas). Eu voú com
~
- Tudo bem, é para já.
Ap~s alimentar-se, liguei para os pais
dele e deI a maravilhosa notícia, foi alegria
to~al.para n6~ e espanto geral para a equipe TENHO ESPERANÇA.
~edIca que dIsse que era impossível ele estar
VIVO,quando lhe deram apenas duas horas
FIZ O QUE PUDE
O Deus que eu sirvo é o
de vida ... Aleluia!.•.. - RIo DE JANEIRO -
Deus do impossível e onde o homem col"õ:
car um ponto final, Ele, com suas mãos po-
derosas, coloca uma vírgula.
omo estava visível a todos nós, o

C quadro clínico de Cazuza dificilmen-


te o deixaria iniciar a medicação com
o DDI. Resolvemos voltar para o Brasil. Seu
João A;ãújo conversou com a equipeIDédi-
ca e eles concordaram com a nossa decisão
e no dia 09 de março de 1990 chegamos ao
-------------------....::::...----
Rio de Janeiro. Fomos direto para o aparta-
mento dos paIS, pois o do Leblon, dona
Lucinha Araújo resolveu entregar por não
ter mais condição dele residir lá sozinho.
Assim que se viu em seu país,_CazJlza....
já demonstrou certa alegria gue não dernons-
1[;ra no período em que esteve nos Estados
Unidos. Era nítido a paixão exagerada que
ele tinha pelo Brasil.
- Não é patriotismo exagerado Ana, é
53

amor mesmo. Não existe no mundo povo Após aquele relato fiquei muito preo-
mais caloroso que o brasileiro, não sei quan- cupada e comecei a insistir para que ele to-
to tempo eu ainda tenho de vida, por isso eu masse uma decisão ao lado de Cristo. No
não quero perder tempo, quero passear em dia dois de julho saímos de carro com o se-
Copacabana, tomar água de coco, ir à Barra gurança e alguns amigos em direção à Barra
da Tijuca; eu quero sentir o meu país. da Tijuca e São Comado. Em um momento
E realmente todos os dias à tarde ele em que ninguém prestava atenção ele me
me chamava para sair, íamos à Barra, tomá- disse:
vamos água de coco, em outros dias íamos - O dia está lindo!
ao shopping, onde ele mesmo gostava de com- _ Realmente esta tarde está esplêndi-
prar suas roupas, livrarias também freqüen-
távamos muito, pois ele nunca abriu mão de _ Não sei, mas me deu saudades do
uma boa leitura; assim eram os dias dele. tempo de criança, a gente cresce; é tão estra-
Após voltar dos Estados Unidos era notável nho. Olha quanta gente que vai e vem nesse
a sua sede de viver, parece que ele pressen- calçadão, cada um teve uma infância, uma
tia que era tudo ou nada. história. O cenário da minha história é essa
No dia dois de julho, observando-o dor- linda cidade, o Rio de Janeiro. E eu sinto
mir, 'Seilti Deus falar dentro de mIm que os que faltam poucas cenas para terminar essa
dIas estavam se findando. Logo que entrei história, eu estou me despedindo do Rio de
no quarto, o médico, me mostrou os exames Janeiro.
que apontavam taxas muito baixas de - Que bobagem, pense positivo.
plaquetas, glóbulos brancos e etc ... _ Fala baixo para que eles não escu-
- Ore para o seu Deus, porque as coi-
sas estão ruins, eu já não acredito em melho- Senti uma tristeza muito grande em seus
ras. olhos e falei novamente dO.J?lanode salva-_
- Vamos orar, o Senhor também pode ção. No dia seis fiquei com ele durante a
orar. ~ e percebi novamente aquela tristeza no
54

olhar, voltei a falar-lhe de Jesus Cristo. Dis- tamento de seus pais, o porteiro me deu a
se-lhe que o amava muito ~ que nós iríamos notícia que ele havia falecido. Tornei o ele-
nos encontrar de novo no céu se ele aceitas- vador e ao chegar ao 1T andar, a enfermeira
se a Jesus. Ele estava muito fraco e não r~ me confirmara a notícia dizendo-me que ele
pondeu, insisti. passou muito mal durante a noite e mais ou
- Cazuza escute, é importante que você menos às sete e dez da manhã faleceu. Logo
tome uma decisão, tem que ser agora, tem apareceu dona Lucinha Araújo que me abra-
que ser já. Você está partindo e precisa de çou chorando disse-me:
uma decisão ao lado de Cnsto. Você não- - É Ana, o NOSSO GAROTINHO se
pode perder tempo. foi, se foi ...
- Eu sei. É importante dizer isso a você? Todos que testemunharam sua morte
r-
- Não, Fale para Jesus que você o acei- _dizem que ele morreu tranqüilo. , -'
ta como Salvador e Senhor em seu coração~
Ele balançou a cabeça e eu não insisti
mais, pois percebi que chorava, sentei junto
à cabeceira da cama e, passado algum tem-
po, ele concluiu:
- Você me disse que o ladrão da cruz

---
aceitoü a JesliSila ultIma hora.
- Sim, é verdade.
--

Após essa nossa conversa ele ficou por


um tempo em silêncio e logo adormeceu. Ao
amanhecer entreguei o meu plantão e horas
depois fui para casa, mas algo falava dentro
de mim: você caminhou a segunda milha.
Sentia que era Deus quem me dizia tais pa-
lavras. No dia 07 quando retomava ao apar-
DOIS
,
MESES
APOS SUA MORTE

m
amigo da área de saúde me convi-

U dou para assistir uma palestra sobre


...A1DSno Hospital Albert Einstein em
São Paulo. Era uma tarde cinzenta, e cami-
nhando pelas ruas de São Paulo eu recorda-
va com saudades os meses que passei com
Cazuza naquela cidade.
Ao chegar naquele auditório, já reple-
to, sentei-me e prestei atenção em tudo o
que o palestrante falava. Já no final da pa-
lestra ele fez um comentário sobre uma frase
.
Rue o Cazuza falara para ele: "Minha enfer-
meira me transmite paz e só Jesus dá essa
paz". Ao término, saí andando pela tarde
cinzenta de 'Sampa' com aquela frase repe-
tindo em minha cabeça: "Minha enfermeira
-
me transmite paz e só Jesus dá essa paz".
Sorri baixinho e disse:
- Obrigada Jesus ... Obrigada!
Conviver com o Cazuza, no período
mais crítico de sua vida, foi para mim cami-
nhar a segunda milha, como está escrito no
evangelho de Mateus, capítulo 5, versículos
40 e 41, que diz assim: "Ao que quiser plei-
tear contigo e tirar-te o vestido, larga-lhe tam-
bém a capa. E qualquer que te obrigar a ca-
minhar um milha, vai com ele duas". Isso
quer dizer que temos uma grande responsa-
bilidade em cuidar do nosso próximo.
Jesus nos ensina que devemos amar o
próximo como a nós mesmos. Mesmo que
eu não fosse enfermeira, ainda assim, teria a
responsabilidade de falar do amor de Deus
às pessoas que não o conhecem. Hoje, Deus
continua chamando pessoas como fez com
Abraão: "Eu farei de ti uma grande nação;
abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e
tu, sê uma bênção. Abençoarei os que te aben-
61

çoarem e amaldiçoarei aquele que te amal- ouvir e ouviu a Palavra de Deus., Após uma
diçoar; e em ti serão benditas todas as famí- 'crise respiratória, onde ele quase morreu,
lias da terra" (Gênesis 12:2,3). Como após melhorar, Cazuza confessou::'Eu que-
Abraão, ~cê também é chamado para ser ro aceitar Jesus" e orou comigo assim: "Eu,
..Ema bênção no lugar onde está. No pas~
------ ----
Cazuza, um pecador, me arrependo dos m~
do, Deus chamou Abraão, mas ele não foi o ~cados. Nesse momento, reconheço que
único ..'lHe recebeu de Deus destaque--.. -- Deus enviou Seu Filho para morrer por mim.
A história bíblica conta de centenas de Agora eu entendo que Jesus morreu na cruz,
homens e mulheres que foram chamados por derramando o seu sangue para me salvar.
Deus. Meus queridos irmãos, quando Deus N esse momento, eu te peço Senhor Jesus,
chama, Ele o faz para abençoar ricamente que me receba como filho~s, eu te acei-
sua vida. Portanto, seja você um represen- to pela fé no meu coração":-
tante de Deus aqui-na terra, que pregue à Dei graças a Deus quando Cazuza fez
Sua Palavra com poâer, sem nenhum pre- essa oração, mais ainda continuei falando
conceito, aos homossexuais, prostitutas, vi- do amor de Deus a ele e à sua família. No
ciados em drogas, árabes, judeus, africa- fundo, eu gostaria que houvesse tempo para
nos, ... a qualquer pessoa, sem olhar a classe ser publicado na imprensa essa decisão. Não
social, raça ou crença. Enfim, fale do amor houve tempo, por isso nos meus últimos
je Jesus a todas as nações. momentos com ele, ele me falou sobre o la-
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Vivi momentos difíceis com o Cazuza. drão da cruz, que foi salvo por Jesus naque- ~
Uma pessoa pública, bisexual declarado, le mesmo momento.
usou drogas ainda bem jovem. As gravado- r Quero te convidar, prezado leitor, a
ras fizeram álbuns especiais que estão fa- fazer como Cazuza. Aceite Jesus em seu
zendo de Cazuza uma eterna lembrança. Ele coração, pela fé. Faça a oração que Cazuza
morreu; continua vivo através de músicas fez, colocando o seu nome ...
. que revelam a inquietação desta geração. Não deixe para o último~mento, ok? \
Com toda a sua inquietação, Ele parou para
~ -

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