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IMAGEM E REPRESENTACAO Beleza pura. A estetizagao da vida cotidiana como estratégia de resisténcia para o homossexual masculino’ RESUMO Este artigo pretende debater como a estetizacio da vida cotidiana serviu as esteatégias de resisténcia dos homossexuais masculinos frente as priticas reguladoras do poder sobre seus corpos ¢ sua imagem, Tomamos por principio que estes sujeitos criaram produtos imagéticos com 0 objetivo de delinear um estilo de vida aseado no. prazer estético. Nos ‘operacio analitica concentra-se em alguns materiais expressivos que serviram 4 divulgacio de sua linguagem. Acreditamos «que esta linguagem foi fortalecida pelo uso do corpo € seus gestos, na comunicagio efetuada pi cireulagao de palavtas ¢ imagens, propr lireratura, Reivindicamos uma dime: la roupa © na as artes © a sensivel do. proceso comunicacional para descrever os modos de interagio entre estes sujcitos PALAVRAS-CHAVE Corpo Homossesualidade Imagem Pure beauty. The aesthetics of everyday life as a strategy of resistance to the male homosexual ABSTRACT ‘This article aims to explore how the aesthetics of everyday es of gay men facing the >ry practices of power over their bodies and theit ‘image. We take the principle that these subjects have ereated products imagistic in onder to design a lifestyle based on aesthetic pleasure. Our analytical operation focuses on some life served to the resistance strate expressive materials that served as the disclosure of their language, We believe that this language was strengthened by the use of the body and gestures, the communication made Dy machine and the movement of words and images, suitable to the ars and literature. We demand a significant dimension ‘of the communication process to deserihe the modes of interaction between these subjects KEYwoRDS Body Homosexuality Image Carlos Magno Camargos Mendonca Professor do Programa de Pés-Graduacio em Comunicar Socal da UFMG/MG/BR macomendonca@ gmail.com Aolongo dahistéria humana. representagao do corpo homosexual oscilou entre o retrato do corpo abjeto ou a personificacio da ilegalidade. Em diferentes condictes espago-temporais,o discurso que nomina este corpo foi ¢ € forjado a partic de uma matéria-prima coletada na cultura heterosexual dominante. Corpos ¢ signos eram amalgamados com 0 objetivo de earacterizar um modo de vida a ser evitado. Como estratégia de dominacio, a imposigio de um sentido sobre o corpo pelos diseursos rcligiosos, juridicos ou médicos representou a tentativa de unificar as interpeetagdes das priticas homossexuais O controle do enunciado sobre os corpos € o controle de seus desejos e de suas performances gests, culturais Nominar « experiéncia dos corpos, regular o dizer sobre cla, € um importante instrumento utilizado nas estratégias de controle, Dentro dos limites da linguagem, as titicas de regulacio querem apanhar 0 corpo € seus desejos. Entretanto, é também dentro destes limites que ‘© corpo luta por liberdade, Dominante e dominado, sem aleangarem a totalidade do dizivel, combatem pela propriedade do significado. Nesta batalha, os dominados luram contra a imposigio de um significante sobre scus corpos ¢ agdes pelo dominador. Esta imposi¢io tem 0 objetivo de criar um corpo simbélico iinico, regulado, sem marcas ou diferengas Fortalecer diferenca através do uso de imagens e palavras configura-se como uma estratégia de resisténcia frente 20 condicionamento simbilico dos corpos. As 118 Revista FAMECOS © Porto Alegre © v. 17 n. 2.* p. 118-127 © maio/agosto » 2010 Bole: ura: a estotizaséo da vida cotidiana como estratégia imagens possuem um papel fundamental na encenagio social, pois elas tanto condicionam quanto oferecem linhas de fugas & subjetividade. Cabe aquele que resiste a criagio de outro mundo imaginal, onde a pregnancia das imagens ofercea a renovacio do sentido € descortine a crética aglutinadora de seus coxpos. Para uma nova inscrigéo nos campos da cultura e para a autodeterminagdo de sua imagem, os homossexuais criaram formas de comunicacao capazes de ampliar sua voz. Na desigual dispura discursiva dentro da arena piiblica, eles encontraram nas imagens uma oportunidade para enunciar ao outro sua forma de estar no mundo. Alicercados na estetizacio promovida pelos materiais expressivos da arte ¢ da literatura, os homossexuais, investiram em uma poética da vida ordindria que conjugasse as poréneias advindas das imagens ¢ dos meios primérios de comunicacio, Para Harry Pross (Beth; Pross, 1990), os meios primitios de comunicacio slo os meios clementares do contato humano, uma comunicagio que prioriza os cinco sentidos do corpo. Pross considera 4 é neste tipo de comunicagio que trocamos impresses com © outro. Segundo ele, & troca direta de impresses como outro que podemos descobrir 0 que temos em comum. O sentimento comum favorece o nascimento da solidariedade. A dimensio estética dos fenémenos cotidianos do mundo quando foi colocada em. circulacio, favoreceu 0 fortalecimento da subjetividade daqueles homosse individuos partie de uma mudanga de rumo na descrigio de seus territérios existent Ao invocar uma estética da comunicagio para observar os modos de interagio entre os sujeitos wh admitimos que subsiste uma dimensio sensivel no processo comunicacional, Tal dimensio nés.afasta de uma compreensio da comunicagio como sistem es € nos condux a0 algo dinémico, plural © em permanente transformagio. Nos estudos da de transmissio de inform: entendimento desta como comunicagio, o reconhecimento da existéncia de uma comunicabilidade estética nos impae a observagio da rmateiz cultural propria As interagdes humanas. Nesta matriz, os individuos no estatiam sujeitados. apenas aos padres transmissivos ¢ reguladores dos sistemas Hles Iangam mio de seus gostos ¢ prazeres como mecanismos para ampliar sua presenca no mundo, Estes gostos e prazeres nao espelham agies individualizadss, mas emogdes pattlhadas ¢ habitos familias entee 0 sujeito e seu grupo. 0 valor da experiéncia No século XI de referéncia estético ainda mio era capax de retirar a experiéncia homosexual da chandestinidade. A medida que avancavam no dominio de sua imagem, os , 4 consolidacio de um universo homossexuais sofriam as consequéncias do aumento na radicalizaga suas experiéncias A maquinaria do poder produziu » politica, social e cultural que tentava conter enunciados para demonstiar como a expetiéncia feria as Nas estratégias do poder, as experiéncias primias possuiam tum caviter de fatos da natureza e desligadas da condicao de acontecimentos sociais. Desse modo, os costumes, homossexual esperiéneias priméias, 6 valores moras e religiosos apontavam a experiéncia homossexual como antinatural, como um riseo 4 familia © como uma ameaga & sociedad. Para John Dewey, as experiéncias primarias sio reguladas pelos valores morais is de uma determinada sociedade, Como so tipos de experiéncias anteriores ao ingresso do sujeito na vida | as experiéncias primarias parecem imutivei possuidoras de uma verdade inabalivel Quando investigamos os registro, especialmente da segunda metade do século X X em dante, que revelam (© modo pelo qual os homossexuais se organizaram Imente para defender seus direitos, reconhecemos, ‘um esforco do colerivo para demonstrar que o sujeito era o centro da experiéneia. Assim sendo, os acontecimentos éticos © estéticos que os envolviam © os saberes decorsentes dessas expetiéneias poderiam ser agentes transformadores das experiéneias priméias. Como pritica de resistencia, os homossextais socializaram suas experiéneias homoatetivas, O proceso de socializagio ocorreu no registro € na circulacio de palavras, gestos € imagens que valorizavam as formas possiveis de estar junto, de se ligar ao outeo, de manifestar o descjo © nas maneiras de se mostrar ao mundo, Esse proceso teve a intengao de dar a vida um gozo estético, aberta a novas, ies € prazeres, Neste sentido, a estetizacio dos comportamentos foi um ato politico, Revista FAMECOS © Porto Alegre ® v. 17 n. 2. p. 118-127 maio/agosto * 2010 9 Carlos Magno Camargos Mendonsa 1 possivel pensar a criagao de um mundo estetizado pelos homossexusis como estratégias de resisténcia pragmatista da experiéncia, Para sermos mais especiticos, uum pragmatismo aos modos de Dewey, colorido com tons humanistas, que observou a experiéncia como uma conjuncio do cognitive com os prineipios éticas e socias. Nesta dimensio, a expetigncia é uma interagio entre 0 organismo © o ambiente, © organismo é um agente de rmuddanga que na experiéncia encontra 0 softer e 0 agit Para John Dewey, a experigneia é um processo impessoal de onde emerge 0 suicito, ela conecta sujeito © objeto, coisa € pensamento, De acordo com 0 filésof, em uma perspectiva objetiva, a hstdria sera sempre composta por Fios, planicies € lorestas, bem como pekisinstiuigdes € suas legislagbes; em uma perspectiva subjetiva, a historia ineluiei propdsitos e planos, os desejos e as emogies, através dos quais aquelas coisas préprias & perspectiva bjetiva sio administradas e transformadas2. (O valor da expesitncia esti no fato dela guardar em sia vida dos sujeitos. Ea partir do experienciado que os prazeres, os sabores, os saberes ganham ou perdem importincia. Viver € ‘ompreender € sentir, portanto controlar a experiencia é regular as erencas e 0s desejos. Frente ao silénio das comunicabilidade das imagens palaveas, a Nos momentos em que o dizer da experiéncia homossexual foi silenciado, as imagens tornaram-se narradoras fundamentais dessa experiéncia e metaforizaram o desejo Pproibido no centro mesmo das institui¢ées reguladoras, como foi o caso das imagens religiosas. As pinguras que retratavam os santos eram, muitas das veres, carregadas de um sentido exdtieo. Nos quadros de Caravaggio, Sao Fruncireo em éxtase (1559), suerifcio de Tsaae (1596), Siio Jodo Batista (1597-8) ou JA flaglazio de Crist (1607), por exemplo, o olhar das personagens, os corpos desnudos ¢ © mada pelo qual esti dlispostos, se entrelagam ou foram iluminados deixam ver uma forte dimensio homoerética No quadto A flglaio & Grito Gmagem a0 lado) 0 corpo iluminado capa 0 centro da imagem. © jogo dramético de luz e sombra entre 0 fundo € o primeiro plano da imagem valoriza a representagio corporal. A continuidade entre os tecidos brancos amarra pela cintura a corpo de Cristo ¢ do flagelador A direita, Lima linka imaginatia perpendicular tem inicio no ombro desnudo do homer squerda ¢ termina no pé desealeo do homem & diteita, acentuando os aspectos do torso ¢ do abdémen do corpo central. A roupa escura do homem agachado 4 esquerda valoriza a perna que sustenta a inclina¢io do corpo de Cristo. A inclinagio ¢ a valorizagio dos membros aumentaram © vigor, a forca e a belez Jos corpos e, por consequéncia, ciaram condigies & excitagao dos sentidos eréticos das, imagens. A partir do Binal do. século XIX, as. imagens renascentistas de Sio Sebastiio foram revisitadas ¢ ele se tornou tum fcone da homossexualidade masculina. O santo foi retratado com fortes eatacteristicas andréginas, Na imagem, Sebastito, mesmo tendo o corpo atravessado por flechas, mantinha-se ereto, belo € com um disereto sorriso. As posigdes dos pés, da perna da mio sobre a cabeca conferitam uma sensualidade feminina ao corpo do santo. A leveza e a teanspaténcia 120 Revista FAIMECOS © Porto Alegre © v. 17 n. 2.* p. 118-127 © maio/agosto » 2010 Beleza pura: a estotizasao da vida cotidiana como estratégia do tecido que cobre imagem, A identificacio dos homossexuais com 0 santo estava na metifora daquele que, mesmo no momento pélvis accnmam erorismo da maximo de sua perseguicio € agonia, se mantém belo. Oscar Wilde, apés sua condenacio a prisio por crimes contra a natureza, em 1895, passou a usar o pseudénimo Sebastian, As imagens, nos casos desctitos acima, possuem uma fungio de mediacio entre os sujcitos © © mundo, Para além de simbolos sagrados, elas tém a fungio de duplo, de produzir uma sensagio especifica a partir do uso dos gestos dos corpos nos quadros, Sio as experiéncias estéticas anteriores do leitor que oferecem condigies para a interpretacio das imagens. Todos os materiais expressivos clencados na _composicio da imagem dependerio das experiéncias visuals do. observador para produzirem sentido, Na busca pelas sensagies especifieas, as imagens necessitam combinar sua funcio de conhecimento a funcio estética. “[.J os instrumentos plisticos de qualquer imagem rornam-na um meio de comunicacio que solicita 0 prazer estético € 0 tipo de recep¢io a ele vinculado” (Joh, 1996, p. 60). 0 corpo resiste com delicadera Quando em 1870, 0 psiquiateaalemsio Cael Westphal, no artigo “As sensagdes sexuais conteirias”, definiu © homossexual como portador de uma identidade sexual doentia, foi trazido a cena cultural um sujeito com earacteristicas proprias. Se até entio a busea pelo prazer em um compo do mesmo género era uma acio pecaminosa, resultado das tentacdes demoniacas, a caractetizagio como enfermidade conferiu limites identitirios ao homosexual. A época, essa forma de desejo definiu um grupo especifico de pessoas. Rapidamente, um conjunto de simbolos foi gerado com 0 objetivo de identificar 0 cospo do invertido. Seguidores dos preceitos de Cesare Lombroso. se adiantaram em buscar nos corpos dos homossexuais uma compleigiofisica tipificadora: ombros_fiigeis, alterages da glindula mamétia, tracos delicados da face. No corpo, médicos © psiquiatras investigavam qua sintomas ¢ funcionamentos bioquimicos eram eapazes de homogencizar 0 homossexual. A patologizacio das priticas sexuais entre génetos iguais colocou cm evidéncia a personagem homosexual € seu corpo, 05 transformado em objeto de investigacio ¢ vigiléncia, visando sempre deter o controle sobre sua representacio. No terreno das imagens, a moda e 0s modos masculinos trataram de inserever claramente 0 que setia € como se vestia um corpo heterosexual: as roupas dos homens ganharam desenhos que valorizavam 0 masculin € afastavam qualquer aspecto feminino das vestimentas. Todavia, um grupo reagia aos padeiies estéticos e a0 comportamento heterossexual dominante: os dindis, Esse movimento contracultural intelectuais ¢ artistas que produziam sua linguagem através da vestimenta € dos gestos. Em sua ética, os dindis se portavam como seres eriadores de beleza. les usavam a imagem para marcar sua diferenga, trajavam peas extravagantes, mio se preocupavam fem carregat em suas roupas aspectos femininos estavam interessados em romper com as caractedisticas uniformizantes da sociedade industrial. Os dindis eram homens extremamente preocupados com a elegincia € a beleza, Para eles a imagem fisica, a apresentacio pessoal cera 0 que mais importava, O dandismo inaugurou um novo erotismo masculino, embalado em calcas justas, dos a0 corpo. Ao final do século XIX, a imagem dos dindls foi associada 20 estilo do homossexual utbano. “Mike Featherstone (1995) considera que o dandismo entendeu a estetizagio da vida cotidiana como uma oportunidade para transformar a vida em obra de arte, Sustentada na aparéncia, a vida dos seguidores do camisas de ceda ¢ easaeos model movimento estava pautada pelo gosto estético. Para Featherstone, a radicalizagéo na busca pela originalidade € a superioridade dada no vestir € na relagio com os bjetos pessoais, o desprezo ao massificado associado a uma “aristoctacia de espitito”, fez do dandismo a base para aquilo que hoje nominamos estilo de vida. 0 retrato do afeto entre corpos masculinos como alimento a experiéncia visval No ano de 2001, a exposicio Dear Friends American Photographs OF Men Together 1840 ~ 1898, ‘no Internation ‘enter of Photography de Nova Yor revelou para os seus visitantes instantes homoafetivos entre homens andnimos registrados no inicio da fotogeafia nos Estados Unidos da América, Nos diversos formatos das imagens fotogrificas da exposicio, 0 espectador podia ver essa manifestagio afetiva nos gesto dos forografados: bragos que se eruzavam, corpos que se tocavam e olhares li wguidos que inspiravam sentimentos profundos, Todavia, os quetidos amigos que abitavam aquelas imagens no eram necessariamente homossexuais. Revista FAMECOS © Porto Alegre ® v. 17 n. 2. p. 118-127 maio/agosto * 2010 121 Carlos Magno Camargos Mendonsa Apesar de sua forte carga homocrética, uma das possibilidades de accitagio daquelas imagens 4 época foi atribuida a extrema valorizagio da amizade entre homens naquele pais. No século XIX, a classe média americana mantinha uma clara distincia entre 0 universo feminino ¢ o masculino, Dentro das fron as de genero focorreram muitas maneiras de relagdes afetivas entre pessoas do mesmo sexo. De acordo com o catilogo da exposicio, estimulados pelas consideragdes do jornalista Horace Greeley, que em 1853 publicou um artigo sobre a eapacidade Gnica dos retratos em registrar as emogies das pessoas, muitos homens resolveram documentar © clima de amizade € camaradagem presente nas relagdes com seus melhores amigos. A curadoria do evento relembrou que a cultura neoclissiea existente nos EUA, entre os anos de 1830 € 1840, estimulou 0 aparecimento de trés modelos de relagio afetiva entre homens: 0 primeiro modelo foi o do gentleman, homens de modos europeu que valorizavam uma amizade de principios rominticos, com referéncias a relagdes clissicas como as de Plato € Atistételes ou Aqui € Patroclo; 0 segundo modelo foi o amor fraternal, decorrente da troea de informagées entre norte-ame anos e britinicos que cultivavam os Principios abolicionistas, modelo que aproximou os homens pela idcologia politica e pela inspiragio naquilo que acreditavam sera forma de amor ideal, o amor eristio ‘que pregava a igualdade entre os homens, amavam-se como Cristo amou seus apdstolos; 0 texeeito modelo caracterizada pelo conecito do poeta Walt Whitman de comrades lve, o amor existente entre os soldados, os herdis de guerra, entre aqueles que construfram ombro a ombro a nacio norte-america. A possivel combinagio desses tipos de amizade produzin uma tolerinci manifestagio fisica de afeto entre homens. Retrato de dois homens “400 1855 Sob esta guarda de tolerincia, varios homossexuais aproveitaram a oportunidade para eternizar nas imagens fotogrificas um momento com seu par Algumas imagens reptoduziam 0 padrio aplicado em fotos de casal heterossexual, marido 4 direita e esposa 4 esquerda dando.a mio 20 marido, Ao lado do gestual e da posicio dos corpos, a escalha das roupas pelas personagens das imagens deisava ver nas fotos os elementos de uma estética homossexuul. Dois homens em trajes de banho ‘Ano: 1890 Mesmo nfo sendo necessariamente homossexuais, scolha feita por um objeto estético para registrarem suas relagies de afetos fer dagucles homens comuns colaboradores da composiglo do repettétio imagético da experiencia visual homosexual. Os gestos, a8 roupas, as poses deram contornos a manifestagio de um desejo de estar junto expresso por pessoas do mesmo género, Se, como afirmou Dewey, a experiéncia educa os sujeitos, a experiéncia visual com aquelas imagens pode, em seu tempo, ajudar a modificar a impressio sobe 0 encontro entre corpos masculinos. 0 corpo do homem em revista » lo XT iniciaram o registro forogrifico de corpos masculinos > apagar das Iuzes dos , dois alemiies com um acentuado apelo homoerético: os primos Wilhelm von Gloeden © Guglielmo von Phischow. Os dois se mudaram para a Iti fotografia. O Bario de von Gloeden, na pequensa cidade de Taormina, na costa italiana, ¢ Plaschow na cidade ali investiram na 122 Revista FAMECOS © Porto Alegre © v. 17 n. 2. p. 118-127 © maio/agosto » 2010 Bole: ura: a estetizasao da vida cotidiana como estratégia de Napoles, produritam uma grande quantidade de jimagens de nus masculinos, Utilizando como modelos os homens da populagio local, essas imagens configueam- se como um expoente da arte homoervtica, Reproduzindo a ambiéncia da Grécia antiga no cenario urbano de’Taormina, von Gloeden e Phischow se transformaram em pioneiros da fotografia feita ao ar livre, O euidado estético na produgio das imagens rendeu varias premiagdes aos fordgrafos ros sales europeus © foram divulpadas em revistas dedicadas a foros artisticas © sucesso das imagens incentivou os fotdgrafos a produziram catilogos com suas imagens que rapidamente chamaram 10 do. publico homosexual. A citeulagio desse tipo de peca griifiea rornou-se um negécio lucrative até 0 Pictorial wenceu uma agio na Suprema Corte Americana com 0 argumento que suas forografias de nus masculinos cram objetos artisticos, Estava inaugurada uma nova fase de crescimento para este tipo de wy 2 SR putsicacio. representado na revista, Plysige Pictorial era sempre atlético ¢ adornado com tragos dos herdis. Os corpos estavam carregados das marcas do poder masculino, O trabalho de Bob Mizet possui um didlogo intenso com as imagens de Bruce of Los Angeles, Esta de representacio do corpo chamou a atencio de caracteristica um jovem ilustrador da Finkindia, Touko Laaksonen. As. imagens principio da 1 Primcira Guerra Mundial, "ModdoVncanss@aa™ = que Touko criavam reproduviam quando a igeeja ¢ 08 governos de virios ‘Nipoes, 1890 os homens de sua infincia a0 paises proibiram a veiculagio do material Entre 0s anos de 1930 € 1960, fordgrafos como © alemio Herbert List © os americanos George Platt Lyness e Bruce of Los Angeles produ: significativo de imagens de corpos masculinos com apelo homoerérico. Ao mesmo tempo em que produziam imagens artistas, eles forografaram para agencias de imagens e revistas de moda: Herbert List trabalhou na agéncia Magnun e George Platt Lyness fotogtafou para a revista Vogue. Entre a Primeica e a Segunda Guerra Mundial, 0 aumento na produgio © na circulagio de Fotografias, do corpo masculino dew inicio a uma transformac: ra imagem do corpo do homem. A pritica do eulto a0 corpo maseulino entrou em cena € junto com ela um. grande aiimero de revistas destinadas ao fisiculeurismo. Enrreranto, os consumidores dessas revistas nem sempre ram apenas gente interessada em esporte ~ mulheres © gay tornaram-se consumidores. Ao perceberem © comportamento do pablico, alguns produtores investiram na mudanga da estética das imagens, que ficavam cada vex mais carregadas no erotismo, 1951, Bob Mi EWA, a Physique Pictorial (PP), revista do Athletic Model Guide (AMG), esttidio de fotografias homoerdticas fundado por Mizer em 1945. A divulgacio de contesido er criou em Los Angeles, homoerético era proibida por lei, Por isso, Mizer sofrew varias perseguiges judiciais sob a acusagio de promover a homossesualidade, Em 1968, a revista Grecian Guill interior do pais: lenhadores © trabalhadores do campo. Em 1939, ‘Touko Laaksonen mudou-se pata Helsink para estudar artes. Quando f@ exército alemio invadiu a Finlindia, os soldados tornaram-se objeros sexuais e de inspiracto eriativa para sexo, Touko eriava “desenhos ele. Quando no ba sujos” para imaginar sua masturbaglo. Em 1956, sob © pseudénimo ‘Tom, o ilustrador enviow uma série & Bob Mizet. Em 1957, as imagens de Tom foram eapa a Physique Pictrial © adquitiram grande sucesso, Desde centio, ele se transformou em Tom of Finland. A partir de seu trabalho howe uma iaversio na ceprescaracio do compo do homem homossexual. Até entio, os homossexuais eram vistos como frigeis réplicas do corpo feminino. Os “desenhos sujos” de Tom of Finland retratavam 0 encontro homoerético de homens fortes © belos. Enquanto as forogra do século XIX mostraram que poderia ha aspeteza no toque afetivo entre dois homens, as imagens produzidas por ‘Tom comunicavam que homossexuais poderiam ser também fortes e viris. A combinacéo efetuada pelos homossexuais de elementos das artes e dos media plasmou, a partir do século XX, uma forma distinta is dos homens americanos Revista FAMECOS © Porto Alegre ® v. 17 n. 2. p. 118-127 maio/agosto * 2010 123 Carlos Magno Camargos Mendonsa daquelas que o discurso normativo dava a seus corpos. A provocasao das imagens foi um gesto ético e estético. Remontando novamente ao pensamento de Dewey, a inserco de novos padrdes, sejam eles éticos ou estéticos, fundamental no proceso edcacional da humanidade E pelo acumulo das experiéneias anteriores que o sujeito dobiém conbe mento € parimetsos para aferir novos valores e condicdes de se atiscar em novas vivéncias € cexperiéncias. 0 dandismo abaixo do Equador ‘Mike Featherstone realea que entre as caracteristicas do dandismo havia uma “proocupagio herdies” com a otiginalidade no vestuitio, Essa originalidade era sendo massificado pelos novos meios de produgio, A cestetizacio dos dndis ulerapassava as roupas ¢ chegava a0 gestual do corpo. Como lembrou Featherstone, os dandis pretenderam transformar a vida em obra de arte, Sob o angulo de: de consumo estético aliado a uma forma de vida que 4 pretensao abtigava-se um proceso promovia o peazer estético, Essa angulacio, nos termos de Featherstone, foi o ponto de partida para a procura de “novos gostos € sensagies € 4 consteugio de estilos de vida distintivos, que se tornaram aspectos centrais da cultura de consumo.” (Featherstone, 1995, p. 100) Quase dois séculos depois do inicio do dandismo com Beau Brumel na Inglaterra, a estetizasao da vida cotidiana tornou-se uma fantasia do consumo de massa p6s-moderno (Beck; Giddens; Lash, 1997; Featherstone, 1995) Nesta medida, o consumidor poderia olhar com uma disposieao estética até os objetos mais banais da vida cotidiana — lembremos aqui o dsigr dos objetos de cozinha, os deralhes internos dos earros, as embalagens de produtos para cuidados pessoais, por exemplo. O modo particular de vestir dos dindis preanunciow a insereio da estética nos territérios da moda, ‘Territorio de transformacio veloz, a moda contemporinea aponta para uma diversidade de estlos vida. Vestir ulteapassou a fungio de cobrir 0 corpo, é uma oportunidade para reinventar 0 corpo. A estetizacio do. corpo do homossexual masculino nos séeulos XIX e XX funcionou como eaminho para a autodetermina 9 20 mesmo tempo cm que favoreceu 0 trinsito de novas maneiras de vinculaciio social do grupo, Nas imagens de divulgagio da moda contemporanea, veiculadas nas revistas de comportamento ¢ estilo segmentadas para © puiblico homosexual, podemos perceber tragos que influéncias das experiéneias visuais dos periodos anterior revelam a . Compostas, em momentos em que a manifestagio do desejo pelo igual era feitz de forma velada, aquclas imagens ensinaram aos homossexuais como representar seus compos © seus descjos. O editorial “Muito além do jarcim”, publicado em novembro de 2008, na ediczo de nndmero 08 da revista brasileira Junior nos oferece uma boa oportunidad para observarmos como os elementos das imagens produzidas em tempos passados dialogam com a composicio das imagens aruas, Com foco nos temas de mod comportamento € estilo, a revista Junior € segmentada para o pablico homosexual. Na secio portfilio dessa edigio hi uma homenagem ao fotografo Bob Mizet. Foram veiculadas 124 Revista FAMECOS © Porto Alegre © v. 17 n. 2. p. 118-127 © maio/agosto » 2010 ura: a estotizaséo da vida cotidiana como estratégia faa Junior cinco imagens do acervo do fotdgeafo americano, As imagens de Mizer tém corpos jovens, atléticos © fortes executando gestos que emontam a atividades lidicas. “Muito além do jardim” recrata dois homens jovens, ambos de uma beleza singe! edénico. H: brejero, tanto nos momentos em que fos compos foram registrados juntos, em um ambiente has fotos um lima quanto nos que estio separdos. Ao observamos a composigio das possivel reconhecer a ressonincia_do trabalho de von Gloeden € Plischow © de Herbert List, em especial. Esta ressonancia imagens pertence ao horizonte de expectativa das imagens, tal como caracterizou esta nogio. Hans Robert Jauss. Joly, 1996, p. 59-62) Proposta por Jauss para pensar a recepeio das obras liters, a nogio serve bem aos estudos destas imagens. Ao interpretarmos o editorial de moda como texto verbo-visual, conferimos a ele 0 cariter de di sursoestetizado que combina mentos dos _géneros jornalistico © publicitirio. A recep do editorial parti de um contexto produzido pelas experiéncias visuais anteriores do leitor, ou seja, remontaté aos instantes em que a pereepe: desse leitor se formou. Mesmo que nio tenha sido estética exposto diretamente as imagens de List ou de von Gloeden © Plischow, a maneita como estes art estetizaram 0 corpo pode ser vista em outros mcios, fio que auxiliou na defini¢lo da percepeio estética que © leitor da revista tem do corpo e da representacio do homossexual maseulino. Um editorial que comeca com corpos sem roupa presenta a estilizacio corporal como moda, a forma corporal como modo de representagio identitiria, Se © contetido de uma imagem pode generilizar 0 gtupo para o qual ela se dirige, 0 horizonte de expeetativas pode particularizar sua recepcio. Mesmo que a forma coxporal desagradle visualmente, os gestos dos cospos podem inscrever, na composicio das imagens, outro tipo de peazer estético. Na foro a0 lado, 0 toque das maos nas pemnas tem o duplo sentido do gesto aprendido em brineadeiras entre meninos — sustentar 0 eorpo do outro para saltar © muro alto ou alcangat um galho de firvore, por exemplo - ao mesmo tempo em que pode representar a intimidade do afago homoerdtica. Como inas. forografias da exposigio. Dear Friends, « atribuicao de valor ao gesto dependera da experi ve. ia de quem 0 Ao se langarem as experimentagies estéricas estimuladas pelo dandismoou pertencentes ao terreno das imagens que serviam 4 comunieagio quando a comunicagio verbal foi silenci ‘0s homossexuais elevaram 4 maxima potéacia a capacidade de expressiio de seus corpas. Ha no corpo uma série de clementos ativos na construgio dda experincia ¢ na tecepeio estética Estes elementos ativos sio produzidos ¢ reunidos em espagos e tempos bem marcados. Cada momento vivido na experigncia € um contribute para eentendermos 2 rotalidade desse exercicio de estetizacio. Neste sentido, devemos nos ater A maneira como as escolhas estétieas responcleram aos momentos socais 20s quais estavam submetidas, As marcas estéticas de eada Epoca nio estio apenas nos objetos, elas se inscrevem também nos coxpos, em suas formas e seus gestos. S al imprimia sobre © corpo homossexual o sentido de corpo invertido, criminoso ¢ enfermo, restou aos homossexuais buscar a beleza € a perfcigio para representar seus corpos. Proximos ao ideal clissico geego,a perteigao repres no século XIX 0 discurso médieo ek © corpo que earregava um valor moral positive. A beleza dos corpos e das faces remonta dos modelos do editorial remonta a este ideal. Estes novos dindis tém a pele como o tecido de sua veste ¢ a modelagem do corpo como 0 corte de sua roupa, Ao lado dos gestos © colorido tropical adorna o corpo. Os cons de verde das folhas sobrepostos pelo vermelho inflores da dos iluminam as antitios, espidices — amarclas, conferindo as formas astonadas um sentido erdtico, Estas espidices metaforizam 0 falo que 0s. observagio estética do editorial 0 leitor esti oculto nas ima Em sua forma de vestir 0 corpo Revista FAMECOS © Porto Alegre ® v. 17 n. 2. p. 118-127 maio/agosto * 2010 125 Carlos Magno Camargos Mendonsa ‘e usar seus gestos para expressar sua moda, A moda de massa no século XX figurou uma estética popular. Essa patticulatizarem na multidio ow se misturarem a ela. Se -2 auxiliou muitos individuos a se no renascimento foram as artes plisticas que serviam 4 comunicacio silenciosa dos homossexuais, a pactir do final da modernidade a moda também passou a comunicar por imagens, porém de uma maneita nada silenciosa. Para afirmar © presente a moda volta a0 passado, Nesse deslocamento, iconografias passadas sao revisitadas e em alguns momentos apenas alguns tragos sio capazes de expressarem a toralidade de seu contetido. A postura corporal dos modelos nas imagens 20 lado reconstri i A posi abdémen tal como nas imagens renascentistas do santo. ‘© que hi entre os coxpos dos modelos e as imagens de ‘Siio Sebastido é a passagem de uma ordenagio simbélic: {que no cessari no leitor (Sant’Anna, 2001; Saltzman, 20077) Seja no visual dos dindis eu )peus, nas imagens dos homens andnimos da exposigio norte-americana Dear Friends, nas fotografias de nus masculino feitas pelos fordgrafos do século XX ou no editorial de moda da revista Junior, 0 que podemos perceber é que a sobrevivéncia dos homossexuais esteve absolutamente rehcionad suas escolhas estéticas. Mais que respeitar uma racionalidade, houve na eleigio dos modos, roupas € objetos que cercavam os homossexuais uma opca0 por um estilo estétieo, Tal estilo organizou 0 mundo destes sujeitos a partir de gostos estéticos semelhantes © nao apenas a partir de priticas sexuais semelhante: As escolhas estéricas pretenderam a produgio de uma imagem agtadivel que singulatizasse © grupo © funcionasse no sentido oposto A imagem produzida pelo discurso. médico e juridico de corpo invertido, sujeito parologizado e abjeto. Como estratégia de resisténcia a estes, discursos estigmatizadores, restou aos homosexuals investir na criagio de um mundo que se justifieasse por sua qualidade estética A experidneia estética entre o leitor mididticos, cattegados de expressivos do. mundo homossexval, permitiu © ainda permiti aos sujeitos descobrir condigdes de emancipa 198 abjetos artisticos, literitios ow materiais manifestagies de discussos libertirios, ‘oportunidade de enxeegar uma nova realidade a partir do reconhecimento da existéncia de seus iguais. Em sintese, estes Ieitores enconteam nos diseursos, que tratam de mundos semelhantes ao seu, modelos de agio que podem ser tomados como instrumentos de resistencia 208 discursos dominantes, como possibilidades de que poderia e pode vie a see. > distintas as vividas, abrindo uma janela para 0 REFERENCIAS BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. sivas politica, trdigao ¢ esttica na ordem socal moderna, Sio Paulo: UNESP, 1997, Modernizacio re BETH, Hanno; PROSS, Hacry. Iniroducin a la clenca de a commicacién. Barcelona: Anthropos, 1990. DEWEY, Jhon. Experiéneia e natureza; Logica: a reoria dainvestigacio, In: DEWEY, Jhon. A arte cana expeniénia, Vida e educaya, Tearia ds moral. Sto Paulo: Abril Cultural, 1980, FEATHERSTONE, Mike. Cultra de consuno e pi ‘madernisma, Sio Paulo: Studio Nobel, 1995. SALTZMAN, Andréa. El cuerpo disetada, Sobre la forma en al proto dela vestinenta, Bucnos Aites: Péidos, 2007. SANTANA, Denise B. Gorpas de pascagenn ensas sobre a subjetiidade contenppninea. S30 Pa 2000, ulo: Estagio Liberdade, 126 Revista FAIMECOS © Porto Alegre © v. 17 n. 2. p. 118-127 © maio/agosto » 2010 Beleza pura: a estotizasao da vida cotidiana como estratégia Notas + Trabalho apresentado 20 Grupo de Trabalho * da Comunicacao”, do XVIII Encontro da Compés, na PUC-MG, Belo Horizonte, MG, em junho de 2009, "Dewey incorporou fortemente os prinefpios das teorias evolucionistas em seus trabalhos, Por isto, cm sua bia aparece a deserigio das habilidades humanas em continuidade a histéria rural das espécies. ‘Diferentemente de outros artistas de seu tempo, Caravaggio investiu na explicitacio dos aspectos eréticos em seus quadros. A época, alguns eriticos chegaram a classificar sua pintura como escandalosa, Revista FAMECOS © Porto Alegre ® v. 17 n. 2. p. 118-127 maio/agosto * 2010 127

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