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Neste primeiro texto, Gaio se referia, além dos contratos e dos delitos, a uma
terceira espécie de fonte, que ele denominou "várias espécies de causas", ou
melhor, "ex variis causarum figuris". Estas várias espécies de causas seriam as
fontes de obrigações que não se enquadrariam nem nos contratos, nem nos
delitos, como por exemplo a gestão de negócios, a tutela, a curatela, a comunhão
incidente entre os vários condôminos de um mesmo bem (obrigações nascidas
das relações de vizinhança) e as obrigações surgidas a partir do enriquecimento
injusto.
O segundo texto, também atribuído a Gaio, apareceu nas Institutas do imperador
Justiniano, à época bizantina, e dizia: "sequens divisio in quatuor species
deducitur: aut enim ex contractus sunt, aut quasi ex contractu; aut ex maleficio, aut
quasi ex maleficio", significando que as obrigações surgiam dos contratos, dos
quase contratos, dos delitos e dos quase delitos, numa divisão quadripartida.
Foi esta classificação das fontes das obrigações que perdurou à época de
Justiniano, e que serviu de base para o estudo de legislações posteriores.
Parece não ter havido uma contradição entre os textos romanos acima
mencionados, mas, apenas, uma adequação de terminologias até então
desconhecidas. O que aconteceu foi uma substituição do termo "várias espécies
de figuras" por uma sub-classificação dos contratos e delitos, conceituando os
quase contratos e os quase delitos.
O termo "delictum" ou "maleficio" ficou reservado apenas para os atos
considerados dolosos, que traziam a intenção de praticar uma ofensa. Já, os
"quasi delictum" se inspiravam na noção de culpa. Distinguia-se o delito do quase
delito através da existência ou não da vontade, da mesma forma que se distinguia
o contrato do quase contrato mediante a existência do consenso (acordo de
vontades). Esta figura do quase delito surgiu devido ao desenvolvimento do
elemento "moral" no direito da responsabilidade, e verificou-se a necessidade de
se qualificar a vontade do agente causador do dano. Surgia a responsabilidade
baseada na culpa. Quanto aos contratos, J. Cretella Júnior12 enfatiza que "dizer
que contrato é fonte de obrigações é o mesmo que dizer que a parte que não
cumpre uma das cláusulas é responsável pelos danos que o descumprimento
causa ao outro contratante. O causador do dano é responsável e como a
responsabilidade nasceu do contrato ela recebe o nome de responsabilidade
contratual. Responsabilidade extracontratual é a que não tem como fonte o
contrato. Ela nasce da inobservância de deveres, impostos a todos pelo direito
objetivo e repousa no princípio ético geral do neminem laedere".
Neste caso, não se discute o elemento culpa, bastando o fato, objetivamente. Dois
são, então, seus elementos, a saber:
a) o empobrecimento de uma pessoa, incluindo-se aqui o dano moral;
b) e o enriquecimento sem causa de outra.
Carlos Alberto Bittar17 também menciona o enriquecimento ilícito, quando afirma:
"na nossa codificação - em que se abarca no Direito Obrigacional a matéria sobre
o contrato, suas espécies e a responsabilidade extracontratual - reconhecem-se,
como fontes, o contrato, a declaração unilateral e a extracontratual (por atos
ilícitos).
Mas admite-se a existência de obrigações de outras origens, como as do
locupletamento ilícito, da lesão e do abuso de direito, que não se encartam,
rigorosamente, nos conceitos básicos e aceita-se também a sua corporificação,
mesmo à inexistência de norma legal explícita; daí por que se não deve restringir à
lei a temática das fontes, como pretendem alguns autores (dentro da noção de
que esta é a única causa eficiente, ou fonte imediata, da obrigação, que se
manifesta, em concreto, à luz da ocorrência de fatos constitutivos, ou fontes
mediatas, naquela préordenadas)"
.
Da mesma maneira ensina o grande jurista Sílvio Rodrigues18, para quem as
obrigações têm também por fonte a lei: "sendo que nalguns casos, embora esta
apareça como fonte mediata, outros elementos despontam como causadores
imediatos do vínculo. Assim, a vontade humana ou o ato ilícito.
De modo que classifico as obrigações da seguinte maneira: a) obrigações que têm
por fonte imediata a vontade humana; b) obrigações que têm por fonte imediata o
ato ilícito; c) obrigações que têm por fonte direta a lei".
Maximilianus Cláudio Américo Führer19 menciona algumas espécies, dentre as
inúmeras fontes das obrigações que ele julga existir, destacando-se: 1) a lei; 2) o
contrato; 3) o ato ilícito; 4) a declaração unilateral de vontade; 5) o abuso de
direito; 6) o enriquecimento ilícito ou sem causa; 7) a obrigação da coisa, ou em
função da coisa (obligatio propter rem, ou in rem scripta); 8) a responsabilidade
em função de certas situações ou atividades; e, por último, 9) a responsabilidade
civil.
Vê-se que este autor especifica, à parte, situações que outros entendem tratar-se
de obrigações eminentemente legais, como a obrigação propter rem e os diversos
casos de responsabilidade civil objetiva.
Entretanto, salienta Roberto de Ruggiero20 que, segundo uma concepção mais
moderna, e seguindo uma contextualização estritamente científica da doutrina
preponderante, as fontes das obrigações podem ser reduzidas da seguinte
maneira:
a) fatos que consistem numa livre determinação da vontade, que se dirige à
constituição de um vínculo obrigatório, e, portanto, declaração de vontade emitidas
na intenção de se obrigar;
b) fatos de qualquer outra natureza, não implicando qualquer determinação
volitiva, aos quais o direito objetivo liga, só por si, o aparecimento de uma relação
obrigatória.
É neste sentido a explanação de Maria Helena Diniz21, quando afirma: "é fácil
denotar que as obrigações decorrem de lei e da vontade humana, e em ambas
trabalha o fato humano, e em ambas atua o ordenamento jurídico, pois de nada
valeria a vontade sem a lei, e a lei sem um ato volitivo, para a criação de um
vínculo obrigacional".
Veja-se, enfim, o entendimento de Washington de Barros Monteiro22: "temos que
reconhecer assim que, além dos contratos, das declarações unilaterais da vontade
e dos atos ilícitos, outros fatos ainda existem de que resultam obrigações. Enfeixá-
Ios numa fórmula única, sintética, precisa, por amor à simetria e harmonia, parece
impossível. Se a generalidade das obrigações se filia aos contratos e aos atos
ilícitos, outras existem que se mostram deploravelmente rebeldes a qualquer
catalogação sistemática. Preferível, por isso, que o legislador pátrio houvesse
retomado à classificação tripartida do direito romano ex contractu, ex delictu e ex
variis causarum figuris, ou então, ainda mais simplesmente, à classificação das
obrigações em voluntárias e legais".
Segundo o novo Código Civil, as fontes das obrigações são os contratos, os atos
unilaterais (termo preferencialmente adotado em oposição à "negócios
unilaterais") e o ato ilícito. A título meramente didático, pode-se conceituar o ato
jurídico, resumidamente, da seguinte maneira: "todo ato lícito que tenha o objetivo
imediato de adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos.
Desse modo, o ato jurídico, manifestação da vontade do agente ou de vários
agentes, deve estar conforme a essa vontade, e devendo ser lícito deve ser
executado segundo as prescrições de direito”23; por negócio jurídico pode-se
entender "todos os fatos do homem, que se vinculam à existência de um direito, e
que podem ter por efeito vir criar uma nova relação jurídica, ampliar, conservar ou
proteger um direito já existente”24.
Partindo-se de uma análise histórica geral, realizada por Miguel Maria de Serpa
Lopes36, tem-se que a evolução do direito das obrigações permeou, até a nossa
época, cinco fases fundamentais, a saber:
3.3.1. Fase primitiva
"Primitivamente, a idéia do direito entre os romanos era uma idéia de força,
demonstrada através das próprias palavras empregadas”37. Foi o direito de
propriedade a primeira manifestação jurídica entre os romanos, que tinha um
significado de "vontade dominadora", idéia que também calcou o direito
obrigacional desta época: o devedor estava submetido ao credor.
Assim, "durante um largo período embrionário a concepção abstrata da obrigação
não existia senão por essa idéia de força. O que preponderava era o aspecto
brutal e materializado da submissão do devedor ao credor, como se tudo se
desenrolasse no domínio do direito das coisas”38 o devedor obrigado sujeitava-se
com o seu próprio corpo, sendo que este primeiro momento do direito das
obrigações podia ser caracterizado pela vingança privada.
Todavia, é importante ressaltar que, para Caio Mário da Silva Pereira39, existiu
uma fase anterior a do direito romano das obrigações, uma fase no qual
predominava uma idéia de obrigação coletiva. Neste sentido, este autor menciona:
"primitivamente não havia um direito obrigacional.
Numa fase primeira da civilização, campeavam a hostilidade e a desconfiança de
um a outro grupo, impedindo amistosas relações recíprocas, pois que
freqüentemente tomavam conhecimento uns dos outros em razão apenas dos
movimentos bélicos que os inimizavam". Assim, o direito obrigacional parece ter
surgido quando começaram as relações de negociação e comércio entre as
pessoas, de forma coletiva. Era uma idéia de obrigação que abrangia todo um
grupo, e a sanção ao inadimplemento também estava direcionada a todos os seus
componentes, em geral.
Do mesmo modo ensina Manuel Inácio Carvalho de Mendonça40, quando lembra
que "todos os pactos primitivos deviam ter-se originado no acordo de certas
comunidades. A gens romana, o clã escocês, o mark alemão, ou a comunidade da
aldeia, mostram-nos como se resolvia e se contratava solenemente, muito antes
do indivíduo. Todos os atos só afetavam a êstes como gentiles, membros da
coletividade".
4. CONCLUSÕES
Sabe-se que o direito obrigacional visa regulamentar a vida social e econômica
das pessoas. Assim sendo, conclui-se que se trata de matéria que, a despeito de
ter sido maravilhosamente edificada pelos romanos, sofreu um processo evolutivo
inegável: ou seja, o direito das obrigações, tal como foi construído pelo direito
romano e, posteriormente, instituído e codificado pelo direito francês (direito este
que o Brasil também sistematizou em seu Código Civil, com algumas nuances da
técnica alemã), já não atende mais às necessidades sociais do mundo atual,
tornando-se insuficiente. O progresso, no campo social, das relações
obrigacionais, é evidente.
Conseqüentemente, o direito das obrigações, ao não acompanhar esta evolução,
gera uma crise, um desencontro, entre a moralidade do mundo social e a do
mundo jurídico.
Percebe-se, assim, que a crise não está adstrita, somente, ao direito das
obrigações e suas fontes. A crise está às portas do Direito, principalmente no
Direito do Brasil após o advento da Constituição Federal de 1988: há uma crise
que advém dos obstáculos existentes quanto à "implantação do novo modelo de
Direito e Estado traduzido na nova ordem constitucional”65.
"Pode-se dizer que, no Brasil, predomina/prevalesce (ainda) o modo de produção
de Direito instituído/forjado para resolver disputas interindividuais, ou, como se
pode perceber nos manuais de Direito, disputas entre Caio e Tício”66, conclama o
douto jurista e professor Lênio Streck. Hoje, contudo, deve-se pensar em conflito
de interesses de cunho transindividual, coletivo, sendo que, da mesma maneira, o
direito obrigacional também precisa ser analisado.
Ademais, tem-se, da mesma forma, e a título de agravar ainda mais a crise do
direito das obrigações, o processo de codificação do Direito. Sabe-se que,
historicamente, a codificação foi uma criação do Estado Liberal e da afirmação do
individualismo jurídico: os Códigos vieram para transmitir a segurança jurídica
adequada para aquela época, assim como para sedimentar maior espaço de
autonomia para todos os indivíduos. Ressalte-se, ainda, que os Códigos que
seguiram o modelo francês tiveram, como paradigma, o cidadão dotado de
patrimônio.
Lembre-se, ainda, que o Estado Liberal apregoava a igualdade de todos perante a
lei, que era uma criação democrática de todos. Porém, o que se pôde observar, de
fato, foi que os Códigos, ao invés de garantirem a igualdade no seu sentido
material (o que era o mais importante), conseguiram apenas cristalizar uma
igualdade "formal" de direitos, pois, o que se viu foi a exploração dos mais fracos
pelos mais poderosos, que desencadeou reações e conflitos nos mais diversos
setores, culminando na criação de um "Estado Social" (Estado que faz prevalecer
o interesse coletivo, ao evitar abusos e garantir a afirmação da dignidade da
pessoa humana).
Assim, a idéia de codificação, hoje, parece estar superada. Os Códigos, ao
imprimir tamanha rigidez às suas regras, podem se tornar obstáculos ao
desenvolvimento do direito civil. Ainda mais quando se tem, em mãos, um novo
Código Civil67 recentemente aprovado que, a despeito de ser novo, já está, em
alguns de seus aspectos, ultrapassado. Críticas à parte, este novo Código
albergou alguns valores fundamentais da pessoa humana, visão esta defendida
por todos os doutrinadores modernos. Neste sentido, Miguel Reale68 faz uma
análise geral do novo Código Civil, enfatizando:
O código atual peca por excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo se
deve resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as
referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. Esse
espírito dogmático-formalista levou um grande mestre do porte de Pontes de
Miranda a qualificar a boa-fé e a eqüidade como 67 O Código Civil brasileiro de
1916 foi formulado mediante uma mentalidade conservadora, e demonstrou-se
apto a traduzir os objetivos e anseios das forças sociais e dominantes que o
produziu. Pôde-se perceber, porém, que a Revolução Industrial, ocorrida, no
Brasil, após o seu advento, e mais precisamente em meados da década de 30,
gerou profundas mudanças em todos os níveis e setores da vida da população
brasileira, principalmente nas áreas econômica, política, social e jurídica. Houve
um crescimento e desenvolvimento em grande e rápida escala, que transformaram
as relações jurídicas de todos os envolvidos. Cumpre ressaltar que este
desenvolvimento foi também global, não se restringindo ao Brasil, mas atingindo
os demais países em geral. É por isso que tanto hoje se fala em globalização, pois
é a mesma realidade para todas as nações. A repercussão destes fatores sociais
e econômicos alterou, de forma inquestionável, a visão dos juristas, que hoje
tendem a dar maior valor a aspectos e princípios como o da dignidade da pessoa
humana, da igualdade entre as pessoas, princípios estes que vieram a ter o seu
clímax quando foram albergados pela Constituição Federal de 1988 ‘abecerragens
jurídicas’, entendendo ele que, no Direito Positivo, tudo deve ser resolvido técnica
e cientificamente, através de normas expressas.
Nos não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo
preferível, em certos casos estabelecer normas genéricas que permitam chegar-
se à “concreção jurídica”, conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a
solução mais justa ou eqüitativa. (...) Em nosso projeto não prevalece a crença
na plenitude hermética do Direito Positivo, sendo reconhecida a
imprescindível eticidade do ordenamento. O código é um sistema, um conjunto
harmônico de preceitos que exigem a todo instante recursos à analogia e a
princípios gerais, devendo ser valorizadas todas as conseqüências da cláusula
rebus sic stantibus. Nesse sentido, é posto o princípio do equilíbrio
econômico dos contratos como ética de todo o Direito Obrigacional. Nesse
contexto, abre-se campo a uma nova figura, que é a da resolução do contrato
como um dos meios de preservar o equilíbrio contratual. Hoje em dia,
praticamente só se pode rescindir um contrato em razão de atos ilícitos. O direito
de resolução obedece a uma nova concepção, porque o contrato desempenha
uma função social, tanto como a propriedade. Reconhece-se, assim, a
possibilidade de se resolver um contrato em virtude do advento de situações
imprevisíveis, que inesperadamente venham alterar os dados do problema,
tornando a posição de um dos contratantes excessivamente onerosa.
Pode-se visualizar, por exemplo, o avanço da teoria do risco, quando se fala em
obrigações delituais (extracontratuais). A responsabilidade civil, inegavelmente, é
um dos ramos do direito obrigacional que mais se desenvolveu nos últimos anos.
Da mesma forma, em matéria de contratos69, constata-se a grande evolução
ocorrida, a qual pode-se averiguar através do grande número de figuras
contratuais novas colocadas à disposição das pessoas, assim como a
multiplicação dos seus efeitos.
Atualmente, a simples assinatura necessariamente obriga as partes contraentes,
haja vista a possibilidade de posteriores reVlsoes. Como 69 “Talvez uma das
maiores características do contrato, na atualidade, seja o crescimento do princípio
da equivalência material das prestações, que perpassa todos os fundamentos
constitucionais a ele aplicáveis. Esse principio preserva a equação e o justo
equilíbrio contratual, seja para manter a proporcionalidade inicial dos direitos e
obrigações, seja para corrigir os desequilíbrios supervenientes, pouco importando
que as mudanças de circunstâncias pudessem ser previsíveis. O que interessa
não é mais a exigência cega de cumprimento do contrato, da forma como foi
assinado ou celebrado, mas se sua execução não acarreta vantagem excessiva
para uma das partes e desvantagem excessiva para outra, aferível objetivamente,
segundo as regras da experiência ordinária. O princípio é espécie do
macroprincípio da justiça contratual, que por sua vez abrange a boa fé objetiva, a
revisão contratual, o princípio venire contra factum proprio, o princípio da lesão
nos contratos, a cláusula rebus sic stantibus, a invalidade das cláusulas abusivas,
a regra interpretativo contra stipulatorem'.
exemplo, citam-se os contratos de adesão, totalmente questionáveis acercade seu
poder vinculatório, sendo alvos constantes de ações revisionais nostribunais,
como é O caso dos contratos bancários, quando estes contêmcláusulas que
ofendem o direito dos consumidores. Já não se discute ocaráter volitivo nestes
casos, mas uma questão de maior importância, deordem pública, que é dirigida
aos princípios da boa-fé e da proteção à partehipossuficiente desta relação
jurídica.
A autonomia privada passa a dar lugar, assim, aos interesses maioresde ordem
pública, que o Estado vem proteger através de normas jurídicas.
Esses são, enfim, alguns frutos do processo de massificação social,que parece ter
sempre em vista, prioritariamente, o interesse do bem comumem detrimento da
justiça individualista. Desta forma, a decadência do sentido individualista do direito
das obrigações (podendo-se falar, também, no Direito como um todo), contribuiu
para que fossem agregados valores éticos e morais ao regramento das condutas
humanas. Sem dúvida alguma, este fator muda, sensivelmente, a visão
eminentemente positivista do direito e, conseqüentemente, o prisma em que se
analisam as conseqüências daquelas condutas.
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Texto 2
I. Introdução
Dentre as novidades encaminhadas pela Lei n.º 10.406/2002 pode-se ressaltar a
iniciativa do legislador por iniciar a parte especial do novo código pelo livro “do
direito das obrigações”.
O presente ensaio busca revisitar uma antiga questão doutrinária fundamental
para interpretação desse primeiro livro da parte especial do Código Civil. A
questão é a seguinte: qual a abrangência do direito das obrigações? Quais são os
critérios para determinar o que se submete ao regime jurídico disposto no livro
primeiro da parte especial do Código Civil?
Se o primeiro passo a ser dado partir pela busca de um conceito de obrigação, ao
contrário do que se pode pensar, a tarefa toma proporções absurdas. Uma
tentativa de aproximação do conceito jurídico de obrigação perpassa,
inevitavelmente, pela dificuldade de se conjugar os diversos sentidos nos quais
essa expressão é empregada pela própria teoria geral do direito.2
Ainda que os propósitos sejam reduzidos a um melhor esclarecimento do que vem
a ser o direito das obrigações, a tarefa permanece penosa3 por inúmeras razões,
dentre as quais merece destaque, pelo menos, duas.
A primeira razão é esclarecida por Karl Larenz, a partir de Wiacker, logo na
introdução do seu livro direito das obrigações. Diz Larenz que o direito das
obrigações “não tem por objeto um setor vital uniforme”4, ao contrário do que
ocorre com outros ramos do direito civil, tais como o direito de família, o direito
societário e outros. Analisando algumas matérias indiscutivelmente pertencentes
ao direito das obrigações, percebe-se essa disjunção. O significado vital ou social
de um determinado contrato típico pode ser absolutamente diverso de outro
contrato típico. Ainda assim, ambos encontram-se submetidos à disciplina das
mesmas regras da parte geral do Código Civil e da teoria geral dos contratos e
das obrigações.
Se a disjunção aparece dentro do direito dos contratos, ela amplia-se ainda mais
quando se propõe comparar, por exemplo, o 2Mario Júlio de Almeida Costa
destaca que “na linguagem comum, utiliza-se a palavra obrigação para designar
de modo indiscriminado todos os deveres e ónus de natureza jurídica ou
extrajurídica. O termo engloba, pois, indiferentemente, em face do direito e de
outros complexos normativos (moral, religião, cortesia, usos sociais, etc.), as
situações que se caracterizam pelo facto de uma ou várias pessoas se
encontrarem adstritas a certa conduta” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito
das obrigações. 9.ed. Coimbra: Almedina, 2003, p.55). 3 Segundo Pontes de
Miranda “quando se vai falar de ‘direito das obrigações’, já se restringe a tal ponto
o conceito de obrigação, já se pré-excluem obrigações que não entram no quadro,
e de tal modo se precisa o conceito, que em verdade melhor teria sido que às
obrigações que são objeto do Direitodas Obrigações se houvesse dado outro
nome. Porque a direito corresponde dever, de que o devido é objeto a prestar-se,
e a pretensão corresponde obrigação, sem que se possa negar que há pretensões
e obrigações fora do Direito das Obrigações (...) Temos, portanto, de tratar das
‘obrigações’, em sendo restrito, sem apagarmos o que também é obrigação e não
está no Direito das Obrigações. Temos de ver que, do outro lado, ou logo após,
estão obrigações que não cabem no terreno que exploramos: basta que o sujeito
passivo delas seja total, ‘todos’, e não só ‘alguém’ (...) O Direito das Obrigações é
ramo de direito em que se constituem relações jurídicas de estrutura pessoal;
mas, ainda assim, há direitos de estrutura pessoal que estão fora dêle. Por aí se
vê quão artificial é o conceito, e como havemos de ter cuidado no trato do artificial,
sem que artificialidade nos engane” (PONTES DE MIRANDA.Tratado de Direito
Privado.v.XXII. Rio de Janeiro : Borsoi, 1958, p.7-8). 4 LARENZ, Karl. Derecho de
obligaciones. t.I Madrid : Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p.13.
significado vital ou social do contrato e aquele pertinente ao dever de indenizar
danos (fundados em atos por vezes lícitos, por vezes ilícitos, segundo os critérios
de imputação previamente determinados).
Nem mesmo a tentativa de se unificar o direito das obrigações como a disciplina
do tráfico de riquezas seria plenamente frutífera.
Conforme explica Karl Larenz, podem ser destacados diversos negócios
obrigatórios que não implicam na transferência de bens, tais como os contratos de
arrendamento, o mandato, o contrato de sociedade, razão pela qual não se
poderia “contemplar o direito das obrigações exclusivamente do ponto de vista dos
negócios de tráfico em sua relação com a distribuição dos bens”.5
A Professora Judith Martins-Costa, por sua vez, destaca a desvinculação do
direito das obrigações das atividades de tráfico jurídico, justificando seu
pensamento por intermédio de situações nas quais certos contratos, ao invés de
serem destinados à circulação de riquezas, acabam sendo destinados à criação
de riquezas.6
Pense-se, por exemplo no desenvolvimento de atividades de empresa por
intermédio da simples organização de contratos em rede (alguns sites da internet
consubstanciam um exemplo eloqüente) nas quais a gestão de contratos aparece
como o dado fundamental para a 5 LARENZ, p.17. 66 “(...) é também objeto da
atenção dos estudiosos a nova racionalidade que preside as relações econômicas
na sociedade, que vem sendo chamada, própria ou impropriamente, de sociedade
pós-industrial, locução utilizada para indicar o fenômeno denotado por uma certa
desmaterialização que, desde os finais do século XX, acompanha uma série de
‘acontecimentos sociais’, apanhando inclusive a palavra ‘produto’. No âmbito das
relações obrigacionais avultam, como exemplos deste crescente fenômeno, certos
contratos que ‘não servem mais apenas apenas para fazer circular as coisas, mas
tout court, para fazê-las, e em especial para criar produtos financeiros”. A
afirmação é justificada na nota de rodapé n. 14. MARTINS-COSTA, Judith.
Comentários ao Novo Código Civil. v.V. t.I. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.5-6.
criação de riquezas.7
Em suma, a multiplicidade do significado vital ou social das situações abrangidas
pelo direito das obrigações, por si só, dificulta imensamente o trabalho de
conceituação desse ramo do direito.
A segunda razão destacada para justificar a dificuldade para se aproximar de uma
melhor conceituação do direito das obrigações reside, justamente, na centralidade
desse ramo do direito civil na construção moderna do pensamento jurídico.8
Pode-se dizer que até mesmo a estrutura das relações pertinentes ao direito das
obrigações foi abstraída do próprio conteúdo obrigacional por elas engendrada.
Essa abstração, por sua vez, serviu para propiciar a construção genérica da teoria
geral da relação jurídica pretensamente aplicada a todas as relações, potenciais e
efetivas, regradas pelo Direito.9
Essa afirmação, por sua vez, é confirmada pelo pensamento de teóricos10 que
buscaram refletir sobre a teoria geral da relação jurídica, 7 Em outras
oportunidades pudemos desenvolver melhor este tema LEONARDO, Rodrigo
Xavier.
Redes contratuais no mercado habitacional. São Paulo : Revista dos Tribunais,
2003; LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes contratuais: sua contextualização entre
a empresa e o mercado. Revista de Direito Público Econômico, São Paulo, v.7,
2004 (no prelo). 8 Nas palavras de Giorgi introdutórias de seu tratado sobre o
direito das obrigações: “De las partes en que se divide la ciencia del derecho
privado, merece estudio preferente de los juriconsultos, la que tiene por objeto las
obligaciones. En efecto, al encontrar nuevos elementos en la actividad, en el
seguro y en la asociación, y en la facilidad de comunicaciones, la civilización
moderna, entregada por completo a la industria y al comercio, ha hecho tan
frecuentes en los tiempos que vivimos las relaciones de crédito, que el mayor
número de nuestros asuntos legales, son, sin duda, aplicaciones prácticas de la
teoría de las obligaciones” (GIORGI. Teoría de las obligaciones en el derecho
moderno. v.I. Trad. Redacción de la Revista General de legislación y
jurisprudencia. Madrid : Revista de la Legislación, 1909, p.2). 9 Pontes de Miranda
é enfático: “a noção fundamental do direito é a de fato jurídico; depois, a de
relação jurídica” (PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito
privado.v.I. Rio de Janeiro : Borsoi, 1954, p.XV). 10 Nesse sentido, dentre tantos,
esse enfoque é percebido na leitura de Henrich Hoster a respeita da relação
jurídica: “A relação jurídica em sentido abstrato é uma relação virtual que equivale
a determinado tipo (a sua fisionomia típica) tal como ele está regulamentado na
lei, quer dizer, corresponde ao tipo negocial legal (p.ex, as normas que regulam o
contrato do arrendamento urbano ou o contrato de compra e venda). A relação
jurídica concreta é uma relação jurídica em que as regras da relação jurídica em
abstrato ganham vida num caso concreto mediante a aplicação (ou transposição)
a este caso concreto do tipo regulamentado da lei” (HÖRSTER, Heinrich Ewald. A
parte geral do Código Civil Português. Coimbra : Almedina, 1992). encontrando no
direito das obrigações o solo seguro para a concreção de sua reflexões, por vezes
movediças ao tratar de outros ramos do direito.
Segundo escreveu Louis Josserand – tendo por base a primeira metade do século
XX –, todos os ramos do direito partiriam da teoria geral das obrigações para
alicerçar suas bases a partir das quais seriam realizadas as adaptações
necessárias para o tratamento de interesses muito diversos.11
Talvez por essa razão, alguns teóricos apontam a obrigação como a noção central
da filosofia do direito moderno, vez que esta propiciaria a própria articulação entre
o indivíduo e a expressão moderna do direito: a Lei.12
Uma vez ressaltadas essas dificuldades, restam dois caminhos: desistir do
propósito de aproximação do conceito de obrigação ou restringir os âmbitos deste
propósito. O leitor pode perceber que optamos pela segunda alternativa.
Para tanto, pode-se seguir por alguns caminhos já trilhados pela doutrina.
Proponho algumas das trilhas destacadas por Karl Larenz.
A primeira diz respeito ao que seria um enforque possível para 11 “Cette théorie
est à la base, non seulment du droit civil, comme on a pu le constater em étudiant
les personnes et la famille qui sont le centre de rapports obligatoires inombrables,
mais du droit tout entier: le droit commercial, le droit aministratif, le droit
international, privé ou public, son à base de rapports obbligatories dont ils tendent
à reáliser l’adaptacion à des intérêts très divers, plus ou moins spécialisés, et il
n’est nullement exagéré de dire que le concept obligationnel constitue l’armature et
le substractum du droit et même, d’une façon plus générale, de toutes les sciences
sociales” (JOSSERAND, Louis. Cours de droit civil positif français. 12.ed. Paris :
Sirey, 1933, p.3 ) 12 Segundo René Sève: “l’obligation est sans nul doute la notion
centrale de la philosophie du droit moderne car elle assure l’articulation nécessaire
entre l’individu et l’expression même du droit – pour les Modernes – la loi. Sans
rentrer dans les détails historiques, il faut rappeler que le but poursuivi par la
philosophie du droit moderne, celle des jusnaturalistes, fut de susciter un
consensus sur des principes admissibles par tous, au moins au sein de la
Chrétienté, permettant une fondation globale du droit par-delà la diversité de ses
manifestations” (SÈVE, René. L’obligation et la philosophie du droit moderne. In:
L’obligation. Archives de philosophie du droit. t.44. Paris : Dalloz, 2000, p.88).
fundamentar a unidade dos direitos das obrigações: a pertinência a este ramo do
direito pelo destaque das particulares características de seus efeitos jurídicos.
Seguimos, assim, Karl Larenz: a unidade do direito das obrigações não deriva da
igualdade dos acontecimentos vitais por ele regulamentados, nem tão pouco de
sua função econômica, mas provém exclusivamente da identidade dos efeitos
jurídicos. Existe uma relação obrigatória sempre que existe uma obrigação frente a
determinadas pessoas para cumprir uma determinada prestação, qualquer que
seja o acontecimento no qual esta relação se fundamente.13
Cabe procurar, portanto, sublinhar minimamente o conjunto eficacial que
possibilita qualificar uma relação jurídica como obrigatória.
O segundo caminho – igualmente traçado por Larenz e desenvolvido no Brasil por
Clóvis do Couto e Silva14 –, refere-se à noção da obrigação como processo ou,
rectius, da relação jurídica obrigacional como processo.
Por intermédio desse enfoque, pretende-se estudar a relação obrigacional sob o
angulo da totalidade, tanto em sua estrututa quanto em sua função.15
Note-se bem que esses dois caminhos não excluem outros como, v.g., aqueles
provenientes da reflexão da filosofia do direito. Estipula-se aqui, previamente,
apenas os limites da reflexão que se pretende desenvolver.
13 LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. t.I Madrid : Editorial Revista de
Derecho Privado, 1958, p.17. 14 COUTO E SILVA, Clóvis V. A obrigação como
processo. São Paulo : Bushatsky, 1976, p.10. 15
O Prof. Clóvis do Couto e Silva traça as linhas gerais dessa perspectiva na
introdução de sua obra A obrigação como processo: “A obrigação, vista como
processo, compõe-se, em sentido largo, do conjunto de atividades necessárias à
satisfação do intresse do credor. Dogmaticamente, contudo, é indispensável
distinguir os planos em que se desenvolve e se adimple a obrigação” (COUTO E
SILVA, p.10).
II.I O vínculo.
Para explicar a relação jurídica obrigacional, tradicionalmente, a doutrina costuma
partir da noção de vínculo jurídico, sendo muito comum justificar esse ponto de
partida a partir da noção romana encontrada nas Institutas de Justiniano: “obligatio
est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicujus solvendae rei”.
Em favor desse caminho, a própria análise sintática da expressão obrigação –
pautada na terminologia latina ob + ligatio –, destaca a idéia de vínculo ou
liame.18
Note-se bem, todavia, que esse vínculo é dotado de um adjetivo muito especial: o
‘jurídico’.
A qualificação do vínculo como jurídico traz pelo menos duas consequências: a) o
destaque dessa relação das demais relações sociais (para alguns autores,
juridicamente irrelevantes); b) a garantia que se impõe a esse vínculo por
intermédio do Direito.
Ocorre que, para a doutrina clássica, o que distingue o vínculo jurídico dos demais
vínculos é a Lei e, ainda, dentre os diversos vínculos jurídicos pode se peceber
uma verdadeira gradação da garantia das posições jurídicas, por eles
engendradas. Essa gradação, por sua vez, também é especificada pela Lei.
Essa gradação eficacial é pormenorizadamente explicada por Pontes de Miranda
no plano da eficácia pelo qual podem perpassar os fatos jurídicos, dentre os quais,
aqueles aptos a engendrar relações jurídicas obrigacionais. Refere-se, aqui, a
diferenciação esclarecida por Pontes de Miranda entre direito subjetivo, pretensão,
ação em sentido material, pretensão em sentido processual e ação em sentido
material.
O vínculo jurídico costuma ser tratado sob os auspícios da clássica dicotomia
entre obrigações naturais e obrigações civis. Nesse sentido, conforme explica
Pontes de Miranda.19 Note-se bem que o assunto merece um esclarecimento: há
que se distinguir o vínculo jurídico dos demais vínculos sociais e, dentre os
vínculos jurídicos, aqueles que engendram obrigações perfeitas (ditas obrigações
civis) e as obrigações mutiladas (as obrigações 19 “Já vimos que há direitos,
pretensões e até ações mutilados. Àqueles e a essas correspondem posições
jurídicas imperfeitas, obrigações naturais, pela perda do efeito ou pelo
encobrimento do efeito. Não é o mesmo ser sem pretensão ou ação o direito, ou
estar prescrita a pretensão ou a ação. Os deveres morais são deveres a que
faltam a obrigacão e a ação, ou somente a ação. O Estado não pode prometer a
respeito deles, a execução forçada. Por outro lado, reconhece que o
adimplemento deles não é doação, nem pode dar ensejo à ação de
enriquecimento injustificado (...)”. (PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito
Privado. t.XXII. Rio de Janeiro : Borsoi, 1958, p.30). naturais), utilizando-se, aqui,
da terminologia de Pontes de Miranda.20
Essa distinção é esclarecida, v.g, no Direito Português por intermédio de regra
expressa que reconhece o vínculo jurídico nas obrigações naturais: “Art. 402. A
obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou
social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um
dever de justiça”.21
A tentativa de se fundar o vínculo jurídico obrigacional na Lei e suas
correspectivas limitações acaba se refletindo na chamada crise da teoria das
fontes do direito das obrigações22, por meio da qual reluz a insuficiência das
classificações bipartidas, tripartidas, quadripartidas e quinquipartidas das fontes
das obrigações desenvolvidas do direito romano até hoje.
II.II A prestação
O segundo elemento a ser destacado corresponde ao objeto imediato da relação
jurídica obrigacional23, que determinaria os limites 20 Por vezes, essa distinção
não é clara na doutrina. Cite-se, por exemplo, o pensamento de Orlando Gomes,
segundo o qual a obrigação natural seria destituída de vinculum juris: “(...) o titular
do direito do crédito há de dispor dos meios próprios para compelir judicialmente o
devedor a satisfazer a prestação, se este não cumpre a obrigação
espontaneamente. A coercibilidade do vínculo é, em suma, juridicamente
necessária. O direito, entretanto, não se desinteressa, de todo, de situações nas
quais o dever de prestar é legalmente inexigível. São relações obrigacionais que
não geram pretensão. O credor não pode exigir judicialmente o cumprimento da
obrigação. Falta- lhe, numa palavra, o vinculum juris. A essas relações dava-se a
denominação de obrigações naturais. Na dogmática moderna a construção é mais
ampla. As diversas figuras que se enquadram nessa categoria ampliada se
designam, melhormente, como obrigações imperfeitas” (GOMES, Orlando.
Obrigações. 8.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1986, p.96). 21 “(...) como a lei não
admite enriquecimento sem causa, toda e qualquer atribuição patrimonial deve
fundar-se numa causa <donandi>, <solvendi> ou <credendi>; ora, visto que nas
obrigações naturais não se verifica nenhuma dessas causas, embora o credor
possa reter a prestação, segue-se que a obrigação natural constitui uma causa
autônoma de atribuições patrimoniais válidas” (ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de.
Direito das obrigações. 9.ed. Coimbra : Almedina, 2003, p.174). 22 COUTO E
SILVA, Clóvis V. A obrigação como processo. São Paulo : Bushatsky, 1976, p.74.
23 No Brasil, a distinção é feita por Pontes de Miranda, Orlando Gomes, Luiz
Edson Fachin, dentre outros autores. Cite-se, por todos, Orlando Gomes: “Objeto
imediato da obrigação é a prestação, a atividade do do vínculo jurídico em relação.
Na atualidade, prevalece a concepção de que o “objeto ou conteúdo da relação
obrigatória é a prestação ou seja, aquilo que é devido pelo devedor ao credor”.24
Seguindo a clássica noção de Bevilaqua, por intermédio da obrigação, constrange-
se um sujeito de direito a uma prestação consubstanciada em um dar, fazer ou
não fazer alguma coisa.25
Referida concepção, todavia, não é resguardada de grandes controvérsias.
A identificação do objeto/conteúdo da obrigação como uma prestação é reflexo da
chamada doutrina pessoalista, segundo a qual a obrigação propiciaria o
surgimento de uma relação pessoal na medida em que vincularia dois sujeitos de
direito a um dever de prestar.26
Refere-se, aqui, a um sentido eminentemente moderno da doutrina pessoalista,
absolutamente diverso, v.g., do sentido encontrado em determinada época do
direito romano, segundo o qual o credor teria um direito sobre a pessoa do
devedor, inclusive como uma forma de devedor destinada a satisfazer o interesse
do credor. Objeto mediato, o bem ou o serviço a ser prestado, a coisa que se dá
ou o ato que se pratica. O objeto da obrigação específica de um comodatário é o
ato de restituição da coisa ao comodante. O objeto dessa prestação é a coisa
emprestada, seja um livro, uma jóia, ou um relógio. Costuma-se confundir o objeto
da obrigação com o objeto da prestação, fazendo-se referência a este quando se
quer designar aquele, mas isso só se permite para abreviar a frase. Tecnicamente,
são coisas distintas.” (GOMES, Orlando. Obrigações. 8.ed. Rio de Janeiro :
Forense, 1986, p.17).
É recorrente nos manuais de direito civil a explicação do que vem a ser obrigação
por intermédio da definição de Clóvis Bevilaqua: “relação transitória de direito, que
nos constrange a dar, fazer ou não fazer alguma coisa, em regra economicamente
apreciável, em proveito de alguém que, por ato nosso ou de alguém conosco
juridicamente relacionado, ou em virtude da lei, adquiriu o direito de exigir de nós
essa ação ou omissão.” (BEVILAQUA, Clóvis. Direito das Obrigações. 8.ed., Rio
de Janeiro: ed. Paulo de Azevedo, 1954, p.14).
Segundo Judith Martins-Costa trata-se da corrente teórica do pessoalismo,
tributável a Savigny, com grande influência no século XX. Sobre o assunto, na
doutrina brasileira, cf.MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código
Civil. v.V. t.I. Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.13. Nesse sentido, v.g.,
encaminha-se a definição dada por Pontes de Miranda: “os negócios jurídicos de
direito das obrigações irradiam pretensões pessoais, isto é, pretensões a que
alguém possa exigir de outrem, debitor, que dê, faça, ou não faça, em virtude de
relação jurídica só entre eles. A pretensão supõe o crédito; a obrigação, a dívida”
(PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. v.XXII. Rio de Janeiro :
Borsoi , 1958, p.9).
sujeição pessoal em garantia ao adimplemento, sendo igualmente vedada
qualquer cessão desse vínculo ou da posição jurídica correspectiva a ele.27
Opositores dessa corrente, com destaque para Eugène Gaudemet, procuraram
sustentar que a relação obrigatória, muito mais do que vincular dois sujeitos,
acabaria por vincular dois patrimônios.
Justifica-se esse posicionamento, por sua vez, com o que seria uma tendência do
direito contemporâneo retratada por uma suposta diminuição da importância da
pessoalidade, o que se poderia demonstrar por intermédio, por exemplo, pelo
fenômeno da ampla transmissibilidade de créditos e dívidas. 28
Segundo Massimo Bianca o conjunto de teorias, genéricamente chamadas de
objetivistas ou patrimoniais, tendencionalmente procurariam ressaltar, no direito
das obrigações, a posição do poder do credor em detrimento da posição de dever
do devedor: “Ora, o poder principal que tem o credor é aqule de atuar por meio da
execução forçada. Pelas teorias patrimoniais, assim, o direito de crédito é
fundamentalmente aquele direito sobre o patrimônio do 27 Segundo Massimo
Bianca, “in prevalenza si convenne che il creditore non ha un diritto sulla persona
del debitore. Una tale concezione poteva ammettersi in relazione all’originaria
obbligazione dello ius civile, che prevedeva attraverso il nexum una forma di
assoggettamento personale a garanzia dell’adempimento, e consentiva che
attraverso l’addictio l’inadempiente venisse materialmente asservito al creditore”
(BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. L’obbligazione. t.IV. Milano : Giuffrè, 1993,
p.33). 28 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. v.V. t.I.
Rio de Janeiro : Forense, 2003, p.14 Faz-menção, aqui, da confluência entre
elementos da noção romana das obrigações com a noção germânica. Conforme
explica Pontes de Miranda: “No direito romano, as relações jur[idicas do direito das
obrigações eram mais estritamente pessoais do que hoje. O vinculum iuris prendia
as pessoas do devedor e do credor, de modo que o objeto da prestação era
secundário. O direito germânico foi que oncorreu para essa deslocação dos
pontos de ligação, caracterizando a pessoalidade do direito e das pretensões
como relação entre sujeito ativo e passivo porém sem a inserção da pessoa em si”
(PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito Privado. v.XXII. Rio de Janeiro :
Borsoi , 1958, p.8).
devedor que pode ser realizado por meio da via executiva”.29
Massimo Bianca, todavia, esclarece que o poder ao qual se referem os defensores
das teorias patrimonialistas apenas diz respeito a um momento patológico da
relação jurídica obrigacional enquanto remédios contra o inadimplemento, o que
não se confunde com o direito primário do credor que corresponde à pretensão ao
adimplemento, ainda que esse resultado seja alcançado prescindindo se de uma
ação do devedor (como, v.g., no pagamento feito por terceiro).30
Em uma tentativa de síntese do pensamento entre as teorias pessoalistas e
patrimonialistas, destacam-se as doutrinas mistas ou analíticas, que procuram
destacar na relação obrigatória dois elementos diferenciados: o dever-obrigacional
(schuld) contraposto à responsabilidade (Haftung).
Na relação obrigatória é perceptível que o devedor pode ser constrangido a
cumprir o dever-obrigacional que está vinculado, visando satisfazer o interesse do
credor. Para além do seu dever de prestar, todavia, seria também perceptível a
automática responsabilidade que recairia sobre o seu patrimônio.
II.III A patrimonialidade
A prestação pode existir em outros ramos do direito civil. No direito das
obrigações, todavia, a prestação tem uma característica essencial: a
patrimonialidade.
A patrimonialidade da prestação é considerada na doutrina italiana como uma
característica essencial para a determinação da relação jurídica obrigacional, até
mesmo por provocação do que determina o artigo 1.174 do Código Civil Italiano.34
Note-se bem que o requisito da patrimonialidade diz respeito à prestação e não ao
interesse do credor. A patrimonialidade, nesse sentido, corresponderia à
suscetibilidade de valoração econômica da prestação.
O requisito da patrimonialidade da prestação é justificado por diversas razões,
dentre as quais as seguintes, tratadas por Umberto Breccia35: a) possibilidade da
conversão da obrigação original, nas 33 Segundo Marcos Bernardes de Mello: “o
traço característico da relação jurídica pessoal, diferentemente das de direito real,
é o de que a cooperação de outrem, em regra, mas não somente, o devedor,
constitui elemento indispensável para o exercício dos direitos e pretensões que a
integram. Sem o adimplemento da obrigação pelo devedor, espontâneo ou forçado
(por meio do exercício da ação), ou por terceiro, quando possível, não se realiza o
direito do credor. Ninguém pode fazer adimplir, por si próprio, obrigação, de que
seja credor. Em qualquer hipótese, na obrigação de dar, na de fazer ou na de não
fazer, há necessidade de que outrem a satisfaça, mesmo em lugar do devedor,
substituindo-o, quando possível (obrigações não personalíssimas), até pela
substituição do adimplemento por indenização (obrigações personalíssimas de
fazer). E esse ato de adimplemento configura, precisamente, a necessidade de
cooperação que caracteriza o direito pessoal” (BERNARDES DE MELLO, Marcos.
Teoria do fato jurídico: plano da eficácia. São Paulo : Saraiva, 2003, p.206). 34
“Art. 1174. Carattere patrimoniale della prestazione. La prestazione che forma
oggetto dell’obligazione deve essere suscettibile di valutazione economica e deve
corrispondere a un interesse, anche non patrimoniale, del credittore”. 35
BRECCIA, Umberto. Le obbligazioni. Milano : Giuffrè, 1991, p.46-52.
hipóteses de inadimplemento, em uma prestação pecuniária substitutiva que
possa ser equivalente; b) a possibilidade da realização de juízos de valor ligados
ao sinalagma das obrigações por meio de institutos como a lesão (pode-se citar,
no mesmo sentido, o estado de perigo e a base objetiva e subjetiva do negócio); c)
a determinação de um critério para a licitude ou a ilicitude de determinados
vínculos constituídos por meio do exercício da autonomia privada.
O requisito da patrimonialidade da prestação propicia outras reflexões. Peço a
atenção para duas.
A primeira delas diz respeito às possibilidades de avaliação objetiva do que venha
a ser essa patrimonialidade, até mesmo para que ela efetivamente possa
representar um critério limítrofe para o exercício lícito da autonomia privada.
Segundo Umbertbo Breccia, na análise do artigo 1176 do Código Civil Italiano, a
principal conclusão a respeito do requisito da patrimonialidade corresponderia a
uma equivalência com a idéia de negociabilidade:
(...) Para fins normativos ou preceptivos o único critério relevante aponta para
ressaltar que a prestação não é tal em termos jurídicos se não é ‘negociável’: o
artigo 1174, segundo esta controversa leitura aparece como uma das normas que
contribuem para definir a obrigação e as linhas essenciais das noções de contrato
e de liberade contraual, naquela incerta zona na qual é posta os limites entre a
valoração da licitude e a valoração da relevância jurídica da relação.36
Não se pode negar, todavia, que o requisito da patrimonialidade representa uma
das grandes dificuldades do direito contemporâneo para tratar das situações não
patrimoniais. Isso fica 36 BRECCIA, p.51. bem claro com a relevante distinção
feita pelo Código Civil italiano segundo a qual a prestação deve ser
patrimonialmente avaliável, ainda que o interesse não o seja.
O segundo aspecto que merece realce indica o teor protetivo aos direitos de
personalidade que a característica da patrimonialidade acaba ensejando. Se o
direito das obrigações circunscreve-se ao campo patrimonial reafirma-se a
impossibilidade de que as medidas para cumprimento coativo da obrigação
recaiam sobre a pessoa. 37
O leitor mais crítico pode estar se perguntando: o texto carece de uma menção
sobre as insuficiências da separação entre os planos obrigacional e real; falta no
texto a reflexão sobre situações intermediárias, tais como as obrigações propter
rem e ob rem; são 45 Nesse sentido, segundo Orlando Gomes “predominam (...)
as relações complexas, nas quais a mesma parte ocupa, concomitantemente, as
posições ativa e passiva, porque lhe tocam direitos e obrigações que,
inversamente, correspondem ao outro sujeito” (GOMES, Orlando. Obrigações.
8.ed. Rio de Janeiro : Forense, 1986, p.17).
poucas as menções às novas tendências do direito das obrigações, mormente no
que diz respeito às cláusulas gerais.
É hora de um habeas corpus preventivo. Não se desconsidera nenhum desses
assuntos. Tampouco, todavia, acredita-se que a reflexão sobre os elementos
caracterizadores da relação jurídica obrigacional seja impertinente! O leitor deve-
se lembrar que no início do ensaio optou-se por uma delimitação dos objetivos
deste estudo até mesmo para que seus objetivos fossem alcançados.
Acreditamos que por meio da reflexão crítica sobre os elementos caracterizadores
da relação jurídica obrigacional, pode-se superar a velha identificação do
fenômeno obrigacional pelo binômio crédito e débito. Neste caminho, alargam-se
as fronteiras para compreensão da noção de relação jurídica obrigacional como
processo e da nova metodologia de estudo do direito das obrigações que lhe é
inerente. E por aí pode-se encontrar combustível para vôos muito mais longos do
que aqueles que este ensaio poderia ter.
V. Bibliografia
ALMEIDA COSTA, Mario Júlio de. Direito das obrigações. 9.ed. Coimbra:
Almedina, 2003.
BERNARDES DE MELLO, Marcos. Teoria do fato jurídico: plano
da eficácia. São Paulo : Saraiva, 2003. BETTI, Emilio. Teoria generale delle
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: Giuffrè, 1993. BRECCIA, Umberto. Le obbligazioni. Milano : Giuffrè, 1991.
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habitacional. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2003. _____. Redes contratuais:
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mercado. Revista de direito público econômico, São Paulo, v.7, 2004 (no prelo).
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. v.V. t.I. Rio de
Janeiro : Forense, 2003. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado
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