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“Inovação técnica e Continuidade social”

Pedro Pereira Neto

Apesar de possuir raízes antigas, talvez nunca como hoje tenha a retórica
sobre a mudança e a inovação estado tão presente nas discursividades públicas,
seja revestindo-a de uma inevitabilidade ora prometaica ora fáustica, seja
atribuindo-lhe o ónus de reinvenção do mundo e das práticas dos actores sociais.
Contudo, a análise conduzida sobre os fenómenos comunicacionais
tecnicamente mediados da contemporaneidade deve resistir à tentação de
enunciação de futurologias ou postulados proféticos, escusando-se à atribuição
pouco fundamentada de nexos de causalidade técnica, e centrando-se nas
características dos actores sociais, nos valores que os orientam, e nos contextos
em que se movem.
Neste sentido, propõe-se neste artigo um contributo para a compreensão
do papel da Comunicação na nossa sociedade a partir da adopção de uma
tríade analítica que compatibilize sujeitos, contextos e tecnologias.

1. Prólogo

Atribuído directa ou indirectamente à utilização das Tecnologias da


Informação e Comunicação (TIC), tornou-se um lugar-comum considerar em
consolidação um vasto conjunto de transformações, designadamente sociais
mas também económicas, políticas e comunicacionais, tais como a emergência
de novas formas de organização social, de novos mercados, de novas
mercadorias, de novos agentes económicos, de novas formas de dominação e
de exercício de poder, e de novas práticas comunicativas.
No entanto, não é nova a retórica – nem as redutoras simplificações nas
quais incorre – em torno das transformações das sociedades e do
comportamento dos indivíduos atribuídas às TIC. Boa parte destas assumpções
tem raízes antigas e, aparentemente na maior parte dos casos, perfeitamente
desconhecidas do grande público, bem como dos actores económicos, políticos
e sociais cuja acção vem a condicionar as representações e práticas dos
indivíduos, e as tendências do sector dos Media.

2.1. O objecto técnico

«O alargamento da electrónica a todas as técnicas de comunicação é um


fenómeno importantíssimo da nossa época. Porém, o paradigma digital não
poderia (…) ser reduzido exclusivamente aos fenómenos da electrónica. Faz
também parte (…) de um sistema de valores cujo enunciado central afirma que
o conjunto dos fenómenos naturais, biológicos, sociais e humanos (…) é
materialmente cálculo lógico. Esta posição filosófica “neo-mecanicista” (…) é um
dos elementos constitutivos da ideologia da Comunicação» (BRETON, PROULX,
2000; p.124 e p.126).

Em meados da década de 40 do séc. XX, na sequência de


desenvolvimentos verificados durante o século XIX nas actividades em torno do
cálculo e da mecanografia, é criado o primeiro computador, capaz de calcular
e organizar automaticamente todo o tipo de informações a partir de
determinado conjunto de instruções. Paralelamente a esta nova máquina,
emerge um novo ramo da Ciência dedicado ao estudo de fenómenos de
Comunicação – a Cibernética –, com o qual tem origem boa parte da
argumentação actual em torno de uma Sociedade da Informação ou em Rede.
A partir do modelo conceptual proposto nesse âmbito por Norbert Wiener,
os comportamentos dos indivíduos passariam a ser explicados em função da
natureza das trocas de informação estabelecidas com o meio envolvente, numa
analogia entre o comportamento humano e o de certos dispositivos técnicos,
para cuja análise poderiam ser aplicados os modelos explicativos do segundo. A
partir deste momento, a especificidade de um organismo enquanto sistema de
trocas de informação – quer o seu suporte seja humano ou técnico – passa a ser
determinada pela complexidade dessas trocas.
Em meados da década de 50, o campo das técnicas de Comunicação
Social divide-se em três sub-campos: o dos Media, o das Telecomunicações, e o
da Informática, cada um com características próprias, definidas em torno de
eixos de diferenciação como a Cultura que lhes está associada e as
representações dos profissionais que integram. O campo dos Media, que possui
origens históricas mais antigas, compreende uma considerável diversidade de
práticas comunicativas, privilegiando a Comunicação social em detrimento da
interpessoal. Os profissionais deste campo, com uma formação preferencial em
Ciências Humanas, abordam as técnicas essencialmente enquanto meios a partir
de valores. O campo da Informática - ou seja, da informação tratada de forma
automática - é o campo por excelência da cultura do objecto, no qual o
conceito Informação é tomado pelo seu cariz material ou formal, ou seja, o modo
como a sua natureza numérica facilita o seu tratamento. A formação dos
profissionais deste campo leva-os a centrar-se precisamente nos dispositivos de
tratamento da informação enquanto fins, sejam estes os aparelhos físicos
(hardware) ou os programas/descodificadores (software) utilizados, e na eficácia
com que esse tratamento é concretizado. O campo das Telecomunicações
centra-se nas condições de qualidade do transporte dessa Informação,
colocando-a enquanto produto cuja transmissão deve ser feita em condições de
eficiência máxima.
Estes campos tendem, na actualidade, a convergir em torno de dois eixos,
um infra-estrutural e outro super-estrutural. Em termos infra-estruturais em virtude
do facto de que a utilização da Informática torna possível o tratamento e
armazenamento digital de materiais sonoros, escritos ou filmados, para além da
transferência destes materiais através das redes tornadas possíveis pelas
inovações no domínio das Telecomunicações. Em termos super-estruturais, dada
a transformação da auto-representação da sociedade iniciada nos anos 40,
designadamente a ideia de organização societal como função da optimização
das trocas comunicativas (BRETON, PROULX, 2000; p.114-119).
Corolário destes processos, a transformação mais significativa ocorrida no
domínio das Tecnologias de Comunicação é então, na realidade, a emergência
de um novo paradigma digital, concebido como a sinergia entre inovações em
três dimensões distintas: na dimensão técnica, o surgimento da electrónica como
técnica de base, que permite um tratamento lógico e automático da
informação; na dimensão filosófica, uma nova forma de representação do
mundo enquanto sistema complexo de trocas de informação; na dimensão
político-económica, uma nova organização social e o combate à entropia
enquanto desafios estratégicos.
Contudo, perpassa estas alegações um primado do canal sobre o
conteúdo, do meio sobre a mensagem, associando-se uma simplificação da
inteligibilidade do segundo à simplificação associada à utilização do primeiro.
Não constituirão estes argumentos uma forma de descolagem da dimensão
normativa política e económica face aos valores e sentidos do “mundo da
vida”?

2.2. O contexto

«O paralelo entre o nascimento da escrita (…) e o nascimento da informática (…)


é surpreendente. Em ambos os casos, uma nova técnica de comunicação nasce
do cálculo (…); em ambos os casos, essa técnica passa inicialmente por uma
fase quase exclusivamente consagrada à memorização dos dados e ao
tratamento passivo da informação; em ambos os casos, essa técnica irá pôr-se
em movimento para se transformar no suporte de uma intensa actividade de
circulação de ideias e de informações entre os Homens; em ambos os casos,
uma vez inventada a técnica, será o contexto da evolução social que decidirá a
forma dos novos instrumentos de comunicação»
(BRETON, PROULX, 2000; p.87).

Um dos erros decorrente desta forma específica de determinismo técnico


assenta no facto de se situar a tecnologia fora do sistema social, exercendo
efeitos sobre este, quando na realidade ela é um produto social com origens
sociais específicas, pelo que não é possível apreciar a influência real da
tecnologia sem ter em conta o contexto cultural em que se insere. Assim, a
importância histórica do factor técnico tem de ser interpretada no seu quadro
global: a máquina não pode ser separada do seu quadro social por ser esse
quadro que lhe confere sentido (ROCHER, 1989: 25-29; LYON, 1992: 10).
Tomemos como exemplo o livro impresso, produzido pela primeira vez no
século XV. A sua emergência ocorre num contexto de confluência de três
dinâmicas específicas: o desenvolvimento do espírito mercantil, a circulação das
ideias humanistas, e um novo espírito técnico. Apesar de tornado materialmente
possível pela convergência de factores de ordem técnica – a disponibilidade dos
suportes necessários ao desenvolvimento de um novo processo de reprodução
de textos (a tipografia), o aperfeiçoamento dos transportes e respectivas infra-
estruturas, e os progressos verificados no domínio dos serviços postais – o
estabelecimento do livro impresso resulta sobretudo de um contexto social e
intelectual favorável, em que a circulação de ideias alimentada por oficinas de
cópia manual de manuscritos era já uma realidade. A disponibilidade material e
técnica não poderia, pois, conduzir por si só ao desenvolvimento que a Imprensa
conheceu: as transformações permitidas pela Imprensa durante o Renascimento
não tiveram lugar, por exemplo, na China, essencialmente por questões de
natureza social.
Outros contextos exerceram igualmente influência observável sobre o
desenvolvimento da Imprensa enquanto técnica de Comunicação Social: a
Religião – designadamente a Reforma Luterana e, em certa medida, também a
Contra-Reforma – viria a impulsionar a Imprensa enquanto meio de reforço da
relação do crente com as Escrituras. Também a Política, designadamente a
Revolução Francesa, impulsionou o desenvolvimento da Imprensa, na dimensão
da valorização dos indivíduos-cidadãos politicamente activos, tendo a
Comunicação social assumido neste período um duplo papel que ainda hoje
mantém: o de informar o cidadão e, com isso, permitir o desempenho informado
da sua actividade política; e o de ligação dos cidadãos entre si, contribuindo não
apenas para a partilha de mínimos denominadores comuns mas, através deles,
para a possibilidade de estabelecimento de troca das opiniões, argumentações
e inter-subjectividades nas quais podem fundar-se consensos. Em trabalhos
anteriores tive oportunidade de demonstrar a pertinência da análise de
fenómenos de apropriação social de TIC a partir do seu contexto.

2.2.1. A Imprensa como exemplo de contexto


Num outro registo, o da Comunicação Social (CARDOSO, NETO, SANTOS,
AMARAL, 2006), os dados apontam para um usufruto e consequente
circunscrição das transformações nas práticas à compabilização das TIC com as
prerrogativas de rentabilização dos recursos humanos e materiais, e com a
sedentarização do trabalho jornalístico já em curso antes da introdução destas
tecnologias.
De facto, perante a fraca expressão do recurso a anúncios classificados
como forma de financiamento, a proximidade entre o número de hetero- e de
auto-referências publicitárias, e tendo em conta que falamos de uma actividade
económica em que o lucro constitui a principal meta, é mais ou menos seguro
afirmar que as edições online dos jornais mainstream são, no essencial,
implantações simbólicas num novo território, que permitem apresentar e
promover o conjunto das actividades, editoriais e outras, desenvolvidas pelos
grupos económicos a que pertencem.
Apesar de a constituição de sinergias possibilitar a racionalização de custos
e serviços, o aumento da capacidade negocial, e o investimento em iniciativas
cuja rentabilidade não é imediata, o aproveitamento destas potencialidades
situa-se sobretudo na maximização dos proveitos gerados a partir de conteúdos
já existentes, muitas vezes em detrimento da qualidade dos conteúdos
disponibilizados: à implantação numa nova plataforma não está a corresponder,
de um modo geral, a criação de conteúdo novo. Sem prejuízo da criação de
conteúdo novo para a edição online verificada em alguns dos jornais analisados,
ressalta da análise uma tendência geral para o reaproveitamento dos conteúdos
da edição em papel no ambiente electrónico. O facto de a própria ordem dos
parágrafos não conhecer alteração diz bem da prática de maximização dos
proveitos gerados a partir de trabalho já produzido para a edição em papel, e a
relativa ausência de alteração do seu formato indicia também a prevalência,
enquanto visão/metáfora orientadora, da organização do texto como feito na
redacção da edição em papel.
Relativamente à utilização do espaço virtual adicional para publicação,
apenas algumas publicações alteram a sua prática de enquadramento temático
de cada notícia, apresentando uma parte significativa das publicações um
número menor de notícias nas suas primeiras páginas online. O maior
aproveitamento observado neste domínio encontra-se na substituição de títulos
por teasers. As edições online não apresentam também diferenças face ao
encontrado nas edições em papel quanto ao aproveitamento de hiperligações
para fact checking, A fraca utilização da hipertextualidade traduz-se também na
ausência frequente de hiperligações que relacionem peças noticiosas,
confirmando-se a perspectiva de Deuze, para quem o aproveitamento da
hipertextualidade é actualmente medíocre (2001: p.4/5), o que pode ser
explicado pela fraca valorização que delas é feita pela maior parte dos
jornalistas, sobretudo os mais jovens.
Ainda que a natureza multimédia de uma notícia surja nas respostas de
mais de 85% dos jornalistas (sobretudo os mais velhos) como algo desejável, a
utilização da fotografia como elemento associado a / referenciado em cada
peça noticiosa surge com menor frequência no ambiente online, algo que é
coerente com a desvalorização que dela é feita quando considerada
isoladamente pelos jornalistas. Sem grande surpresa face ao tipo de jornalismo
em análise – imprensa escrita –, observa-se também não apenas a ausência de
utilização e de valorização do vídeo como recurso, mas ainda do áudio.
Por outro lado, mesmo tendo em conta a valorização da interactividade
defendida pelos jornalistas, estes reconhecem na sua grande maioria o facto de
que este potencial não está a ser explorado. Não obstante o facto de 80% dos
jornalistas inquiridos (sobretudo os mais jovens) concordarem – pelo menos em
parte – com a ideia de que o jornalismo online deve ser marcado pela
interacção entre jornalistas e leitores, mais de 93% (sobretudo, novamente, os
mais jovens) reconhece que o estabelecimento da mesma não é facilitado –
sensivelmente a mesma percentagem que reconhece o facto de a divulgação
de endereços pessoais de correio electrónico não ser uma prioridade no médium
em que trabalham.
Neste sentido, não obstante o interesse de que a Internet se reveste para a
imprensa – novo mercado, com oportunidades de segmentação de perfis de
consumo e respectiva personalização de produtos e conteúdos, com vista à
geração de novas receitas –, estamos claramente numa fase de reutilização de
conteúdos das edições em papel, complementada pela exploração de algumas
das potencialidades do novo meio, como a utilização de hipertexto, e uma
aposta na interactividade e personalização dos mesmos, provavelmente em
virtude de a evolução do Jornalismo online em Portugal não ter vindo a pautar-se
por uma ruptura com o Jornalismo tradicional.

2.2.2. O Terceiro Sector como exemplo de contexto

No âmbito do Terceiro Sector (NETO, xxxx) – um dos mais dinâmicos da


sociedade e em que, por essa razão, a observação das implicações da utilização
das TIC é possível com maior detalhe – uma das abordagens científicas mais
interessantes resulta do trabalho de Snow sobre o entendimento de que a acção
colectiva não é a expressão da irracionalidade mas antes uma resposta
significante que compreende estruturas relacionais mediadas por valores. Apesar
de reagir a ameaças objectivas, a mobilização social que procuram é o
resultando de um processo de mediação que a enquadra e interpreta, particular
no qual o conceito de Snow de matriz de enquadramento (frame) é uma
ferramenta de análise relevante. Esta matriz interpretativa simplifica o mundo ao
seleccionar e codificar objectos, situações e eventos, sugerindo modos de acção
com vista à transformação de tensões em curso, compreendendo dois
elementos: a definição do problema, e a identificação das estratégias
necessárias para o solucionar, as quais incluem os recursos necessários e os
conteúdos culturais mais adequados (GARNER, 1996: 56; MCCADAM, MCCARTHY,
ZALD, 1996: 291; MELUCCI, 1996: 17; ZALD, 1996: 265; TARROW, 1998: 110; RUCHT,
1999: 213).
Neste domínio, observa-se desde a década de 80 um processo de
adaptação dos repertórios de acção no panorama europeu das ONG, no
sentido de garantir o reconhecimento da sua legitimidade política e técnica por
parte dos actores políticos institucionalizados. A transformação dos seus
repertórios organizacionais e de acção está associada à especificidade dos seus
dispositivos interpretativos culturais, influenciados pelas transformações no
domínio da tecnologia (ZALD, 1996: 266-270). Em Portugal, verificou-se que a
utilização de algumas das TIC (designadamente o correio electrónico) se
massificou já no seio das ONG nacionais, a ponto de terem substituído quase
todas as restantes formas de contacto interno e externo, constituindo dessa forma
uma ferramenta basilar que substitui os outros media, mais que um instrumento
adicional de trabalho.
No entanto, apesar destes sinais de abertura à utilização de novos recursos
tecnológicos, a estrutura destas organizações é função muito maior, por um lado,
dos seus objectivos, recursos humanos e recursos financeiros, e por outro lado, das
características do contexto em que actua, bem como das especificidades e
competências dos actores sociais envolvidos, seja interna, seja externamente, em
particular no que diz respeito a reuniões para tomadas de decisão e a contactos
formais (quer os estatutariamente definidos, quer aqueles obrigatórios por Lei). O
espaço de lugares continua a ser determinante neste processo, face ao espaço
de fluxos: como garante Gualter Baptista (GAIA), as decisões tomadas em
reuniões são em maior número que aquelas emergentes de contactos por correio
electrónico.
Assim sendo, uma vez que o conhecimento das potencialidades da Internet
pode neste momento ser superior à utilização efectiva que lhe é dada, a
introdução e instrumentalização destas tecnologias não acarretou uma
transformação da estrutura das organizações do Terceiro Sector no nosso país,
sendo o cenário mais frequente o da instrumentalização para prover a
necessidades ou fins semelhantes aos já existentes para as Tecnologias
anteriormente utilizadas, os quais são na realidade uma das motivações e
predisposições para a acção (KUTNER, 2000).

2.3. O Sujeito

Veen e Inglehart estabelecem uma relação entre este contexto e a


mudança que observamos nos valores – os principais catalizadores da acção dos
indivíduos, segundo Weber –, os quais, nas sociedades desenvolvidas, se
encontram mais relacionados com consumo e expressão cultural que com a
esfera da produção (CROOK, PAKULSKI, WATERS, 1992: 145/146; NEVEU, 1996: 69).
Assim sendo, na sequência da introdução tardia de valores
pós-materialistas na sociedade portuguesa, somente nos últimos anos se terão
tornado uma preocupação nacional algumas das metas sociais já presentes em
outras sociedades modernas. Por outro lado, uma info-alfabetização que apenas
nos últimos anos pareceu conhecer alguma expansão não é ainda suficiente
para assinalar uma massificação da utilização das TIC por parte dos indivíduos,
pelo que qualquer análise nesse domínio tem de compatibilizar-se com as suas
características, valores e predisposições para a acção.

2.3.1. Os jornalistas enquanto sujeito

De acordo com os dados, a maior parte dos jornalistas, pese embora a


utilização que revelam fazer da Internet, não possui formação específica para a
sua utilização. Para além disso, não obstante o facto de a posse de
competências para a sua utilização ser por eles considerada valorizadora da sua
condição profissional e da sua cotação no mercado de trabalho –
particularmente entre os jornalistas mais jovens e mais escolarizados –, a verdade
é que a maioria dos jornalistas – novamente os mais jovens e escolarizados – não
demonstra interesse em frequentar essa formação. Paralelamente, conclui-se que
mesmo nos casos marginais em que essa formação foi frequentada, apenas ao
nível iniciático ela foi promovida pelo empregador, ficando o seu
aprofundamento ao critério do interesse particular de cada jornalista.
Apesar de a actualização da edição online reunir um significativo consenso
entre os jornalistas como prática a seguir, deve ser notado o facto de serem os
jornalistas mais velhos e menos info-literados a defenderem a reprodução de
conteúdos da edição em papel no ambiente online, os mesmos que consideram
possível a compatibilização entre rapidez e rigor informativo, sendo os mais jovens
e mais escolarizados/info-literados os mais críticos desta ideia.
Em termos de prática individual no domínio da interactividade, quase
metade dos inquiridos não lê o correio dos leitores que recebe. Sem prejuízo de a
esmagadora maioria dos que lê o fazem a tudo o que lhes chega (sobretudo os
mais velhos), respondem a apenas metade, e 14% a nada o fazem. Assim, nem
toda a comunicação estabelecida por intermédio de jornais online pode ser
considerada interactiva, uma vez que a verdadeira interactividade não se reduz
a uma resposta (cenário frequente nas secções de correio dos leitores) mas
pressupõe o estabelecimento de um verdadeiro diálogo e feedback.
Assim sendo, para lá das directrizes impostas pelo ambiente empresarial em
que exercem a sua profissão, e as condicionantes éticas com que, apesar de
tudo, a classe ainda tenta balizar – ou justificar – a sua prática, o contacto directo
com estes profissionais revelou sobretudo representações relativas ao impacto
das TIC e disposições para a sua utilização que variavam de indivíduo para
indivíduo, de acordo com o seu perfil, designadamente ao nível da sua idade,
escolaridade, e info-literacia. Para alguns dos jornalistas contactados, o próprio
computador pessoal não assumia um papel diferente daquele assumido pelo seu
precursor, a máquina de escrever, e o seu aproveitamente limitava-se ao
estritamente necessário.

2.3.2. Os activistas das ONG enquanto sujeito

No âmbito da instrumentalização das TIC, um dos desafios que se coloca é


a dinamização destas últimas. Contudo, a variável decisiva neste âmbito é o
utilizador, argumentando Joanaz de Melo (LPN) no mesmo sentido, quando
afirma que «estas tecnologias exigem alguma pró-actividade da parte dos
interlocutores: é preciso que as pessoas o queiram».
Ao nível da Quercus, as oportunidades de utilização das TIC não estão
esgotadas dado que algumas tecnologias cuja utilização seria proveitosa não se
encontram ainda banalizadas, como é o caso da video-conferência, mas
segundo Francisco Ferreira (Quercus) «para isso é preciso que todos tenhamos
esses meios em casa: computador, Internet rápida, etc».
Um outro aspecto deve ser realçado: são os portugueses com idade até 35
anos os que mais utilizam a Internet – com valores que oscilam entre dois terços e
três quartos, consoante as fontes utilizadas –, tendência tanto mais significativa
quando este escalão etário representa apenas aproximadamente um terço da
população. Em situação semelhante de sobre-representação encontram-se os
estudantes. Comum entre estas duas coortes existe a sua caracterização em
termos de uma info-literacia que não encontra paralelo na restante população,
uma marca indelével de desigualdade educacional que a disponibilização e
utilização das TIC não apenas não mitiga como parece acentuar.
Para estes activistas, a Internet era então, já, uma parte do seu património
prévio à própria acção integrada numa ONG, sendo os casos de não-utilização
explicados por pura falta de interesse ou necessidade apercebida, pelo que à
mera disponibilização de uma forma material não correspondia necessariamente
um interesse na sua associação a uma essência ou conteúdo.

3. Epílogo

Três ordens de argumentos são hoje, como no passado, accionados em


prol do desenvolvimento e aplicação das Tecnologias de Comunicação. Em
primeiro lugar, a argumentação filosófico-ideológica que reconceptualiza o
Homem e a sociedade como redes complexas de trocas informativas. Iniciada na
década de 40, esta ordem de argumentos vê esta cosmovisão como o inevitável
caminho a seguir, na senda da modernização das sociedades, fazendo-se ouvir
ainda hoje.
Em segundo lugar, e como expressão desta inevitabilidade, a
argumentação economicista surgida na década de 70 que considera as TIC
como factor capaz de impulsionar os mercados económicos e, dessa forma,
constituir solução para crises económicas.
Por último, consequência da impregnação da sociedade por esta
ideologia, a argumentação de natureza cultural que, face à adopção
presumivelmente generalizada das TIC, defende que o desenvolvimento técnico
se tornou necessário para responder às “necessidades” dos utilizadores. Nesta
fase, é visível um investimento argumentativo em técnicas consideradas de
utilização inevitável e acessível, num contexto em que as telecomunicações são
representadas como o “sistema circulatório” da cosmovisão dominante, no qual
se assegura e através do qual se controla a circulação e distribuição da
Informação (BRETON, PROULX, 2000; p.293-298).
No entanto, as TIC parecem constituir mais factores de intensificação de
processos em curso na ordem Capitalista, não assinalando qualquer transição
para um novo paradigma social. Para que uma eventual Sociedade em Rede
tenha realmente lugar será necessário ultrapassar as desigualdades herdadas da
sociedade industrial, existente ao nível do acesso e controlo dos benefícios
potencialmente decorrentes das TIC, algo que não apenas parece não estar em
curso como pode inclusivamente reflectir e aprofundar desigualdades estruturais:
na realidade, o centralismo, os monopólios e as desigualdades não estão em vias
de desaparecimento (LYON, 1992; DIANI, 2001: 126; DORDOY e MELLOR, 2001: 181,
PICKERILL, 2001: 143).
A Internet e o seu impacto devem, pois, ser considerados como mais um (e
não “o”) episódio na História da transformação dos meios de comunicação,
causada pela complexa acção combinada de necessidades apercebidas,
pressões competitivas e políticas, e inovações tecnológicas. Importa reconhecer
a importância da Internet mas (e sobretudo) importa relativizá-la
contextualizando-a, sob pena de menosprezarmos a complexa teia
multidimensional de factores subjacentes ao processo evolutivo – e não
revolucionário ou unilateral – através do qual agentes sociais incorporam
artefactos técnicos no seu quotidiano (BOCZKOWSKI, 2004: p2).
Esta teia de factores compreende dinâmicas económicas, técnicas e
culturais/simbólicas: ao nível económico, dados os efeitos dos custos de
produção e distribuição, da concorrência entre media ou organizações do
mesmo tipo e, fundamentalmente, de tipos diferentes pelo mesmo mercado, seja
de leitores e de publicidade, seja de acesso ao sistema político; ao nível técnico,
dados os constrangimentos associados à desigual distribuição de plataformas de
acesso e de competências no âmbito da info-literacia – quer no caso dos
jornalistas, quer no caso dos leitores, quer ainda no caso dos activistas; ao nível
cultural/simbólico, dado o modo como a apropriação de tecnologias é feita a
partir de uma cultura e valores particulares, atendendo às características e
opções de consumo dos indivíduos.

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