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RBTI RELATO DE CASO

2007:19:2:243-244

Sepse durante a Gestação. Relato de Caso*


Sepsis during Pregnancy. Case Report
Renato Laks1, José L. Pedroso1, Juliana E. Marques Pinto1, Aécio F. T. Gois2

RESUMO é potencialmente fatal. O tratamento foi baseado no Sur-


viving Sepsis Campaign e a paciente apresentou melhora
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A sepse durante a significativa dos parâmetros de perfusão nas primeiras ho-
gestação é uma complicação rara. O comprometimen- ras com ótima evolução, apesar da gravidade da doença.
to fetal resulta principalmente da descompensação Unitermos: gestação, pielonefrite, sepse.
materna, por conseguinte, o tratamento deve ser dire-
cionado ao bem-estar da mãe. Poucas evidências per- SUMMARY
mitem extrapolar o tratamento de pacientes não ges-
tantes para as gestantes, porém, o tratamento basea- BACKGROUND AND OBJECTIVES: Sepsis during preg-
do no Surviving Sepsis Campaing parece adequado e nancy is a rare complication. This potentially fatal disease
prático. O objetivo deste estudo foi rever o tratamento often occurs due to maternal infectious and can lead to fe-
da sepse na gestação e relatar um caso de gestante tal loss. Therefore, any attempted treatment must be aimed
com sepse grave que evoluiu favoravelmente. at the mother’s well being. As a matter of fact, there are few
RELATO DO CASO: Paciente com 22 anos, primigesta, recent medical publications about sepsis in pregnancy. In
na 27ª semana de gestação foi internada com diagnóstico spite of this, the treatment based on Surviving Sepsis Cam-
de pielonefrite aguda. Um dia após a internação apresen- paign seems suitable and practical. The aim of this article
tou quadro de sepse, com hipoxemia refratária às medidas is making a case report highlighting a very well succeeded
não-invasivas necessitando de intubação traqueal. Após treatment of a pregnant woman with urinary sepsis.
a intubação evoluiu com hipotensão refratária à expansão CASE REPORT: A 22 year old in her 27th week of preg-
volêmica necessitando de fármaco vasoativo. Foi inter- nancy is hospitalized with pyelonefhritis. One day later,
rompido o uso de noradrenalina no mesmo dia e prescrito she begins presenting signs of sepsis and unrespon-
cefepima. Evoluiu com importante melhora dos padrões sive hypoxemia, resulting in intubation. Afterwards, she
ventilatórios, sendo extubada e recebeu alta hospitalar evolved with persistent low blood pressure that was un-
logo após completar o tratamento com antibiótico. Ao responsive to volume expansion and had to be put on
completar a 42ª semana de gestação foi internada para in- vasopressor medication. She received intensive care su-
dução do trabalho de parto, sendo realizado parto vaginal, pport based on Surviving Sepsis Campaign. The patient
sem intercorrências. evolved with an important improvement of her ventilatory
CONCLUSÕES: A sepse na gestação, mesmo sendo rara stats and was extubated. After completing antibiotic treat-
ment, she was discharged and delivered a healthy baby
1. Médicos Residentes de Clínica Médica da EPM - UNIFESP.
2. Coordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Pronto Socorro after 42 weeks pregnancy.
da EPM - UNIFESP. CONCLUSIONS: Sepsis in pregnancy is a rare and po-
*Recebido da Unidade de Terapia Intensiva do Pronto Socorro da tentially fatal complication. The main treatment is based
Escola Paulista de Medicina - Universidade Federal de São Paulo on Surviving Sepsis Campaign. The patient had an outs-
(EPM – UNIFESP), São Paulo, SP.
tanding improvement and overcame her condition after
Apresentado em 02 de fevereiro de 2007 intensive care support.
Aceito para publicação em 23 de março de 2007
Key Words: pregnancy, pyelonefhritis, sepsis.
Endereço para correspondência:
Dr. Renato Laks INTRODUÇÃO
Rua Napoleão de Barros, 715 – 1º A - Vila Clementino
04024-002 São Paulo, SP
Fone: (11) 5576-4000 Fax: (11)5572-9397 A sepse é uma doença sistêmica que traduz resposta
E-mail: renatolaks@yahoo.com
inflamatória exacerbada à presença de microrganismos
©Associação de Medicina Intensiva Brasileira, 2007 em tecidos previamente estéreis. Dentro do espectro de

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Vol. 19 Nº 2, Abril-Junho, 2007

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SEPSE DURANTE A GESTAÇÃO. RELATO DE CASO

doenças agudas e graves, a sepse apresenta taxa de no Hospital São Paulo com quadro de febre e mal-estar
mortalidade em torno de 30% a 55%. Quando se consi- havia dois dias e, com sinal de Giordano positivo no exa-
dera um tempo maior de acompanhamento, pode chegar me físico. Foi feito o diagnóstico de pielonefrite aguda e
até 75%. prescrita cefalotina.
A sua incidência deve aumentar nos próximos anos, ten- Após 24 horas apresentou quadro sugestivo de síndro-
do em vista o envelhecimento populacional, o maior nú- me da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) e leuco-
mero de imunossuprimidos, o maior número de pacien- grama com 18500 leucócitos, 5% de bastões e 78% de
tes submetidos à procedimentos invasivos e os maiores segmentados, preenchendo critérios para sepse, sendo
conhecimentos da síndrome, levando ao diagnóstico substituído o antibiótico para cefepima.
precoce. No Brasil os dados epidemiológicos são ainda Dois dias após apresentou hipoxemia refratária às medi-
escassos. Estudo recentemente apresentado (BASES das não-invasivas, necessitando de intubação traqueal.
study)1 mostrou que cerca de 25% dos pacientes interna- Após a intubação, evoluiu com hipotensão refratária à
dos em unidade de terapia intensiva (UTI) a apresentam expansão volêmica, necessitando de fármaco vasoativo.
na internação ou desenvolverão um quadro compatível Foi interrompida a noradrenalina no mesmo dia, sendo
com sepse grave. realizado expansão volêmica e prescrito hidrocortisona.
A sua real epidemiologia é controversa em função da he- No início da taquipnéia apresentava gasometria com pH:
terogeneidade de definições da síndrome e da necessi- 7,47, paCO2: 24,2 mmHg, PaO2: 58,9 mmHg, HCO3 17,8
dade de acompanhar os pacientes durante toda a inter- mEq/L, saturação 93,4% e lactato de 6 mg/dL. Após a
nação para uma real avaliação da incidência. intubação, apresentava pH de 7,21, pCO2: 32,1 mmHg,
Existem grandes estudos epidemiológicos de sepse. An- PaO2:123 mmHg, lactato: 10 mg/dL, e HCO3: 12,4 mEq/l,
gus e col.2 fizeram análise retrospectiva de 6.621.559 ad- com saturação de 97,3%. No mesmo dia o lactato au-
missões hospitalares e identificaram incidência de sepse mentou para 33 mg/dL, mantendo os demais parâmetros
grave de 2,26%, com mortalidade de 28,6%. O estudo da gasometria. A SVO2 era de 95%.
prospectivo BASES, realizado no Brasil, que analisou to- Foram necessários no primeiro dia 8 litros de solução fisio-
dos os pacientes admitidos em UTI, mostrou incidência de lógica para a normalização dos parâmetros de perfusão.
sepse grave de 27% com taxa de mortalidade de 46,9%1. Após três dias do tratamento inicial, a paciente apresen-
Entretanto, a sepse durante a gestação continua sen- tava na gasometria pH: 7,37, PaCO2: 32,3 mmHg, PaO2:
do uma complicação rara, com estimativa de 0,3% nos 80,8 mmHg, lactato: 11 mg/dL e relação PaO2/FiO2 de
EUA3, apresentando prognóstico favorável, com menor 202 (com FiO2:50%) e SVO2: 82%. Foi realizada radiogra-
mortalidade do que em pacientes não gestantes. fia de tórax apresentando opacidades difusas em ambos
Este fato deve-se provavelmente à menor faixa etária, a os hemitórax, sugestivo de edema pulmonar não hidros-
ausência de comorbidades e a presença de provável lo- tático, pelo quadro de sepse (Figura 1).
cal de infecção (pelve) na população obstétrica. Na urocultura de entrada houve crescimento de Escheri-
O comprometimento fetal resulta principalmente da des-
compensação materna. Por conseguinte, a prioridade do
tratamento deve ser direcionada ao bem-estar materno.
Poucas evidências permitem extrapolar o tratamento das
pacientes não gestantes para as gestantes. Porém, o tra-
tamento baseado no Surviving Sepsis Campaign parece
adequado e prático.
O presente estudo teve como objetivo rever o tratamento
da sepse na gestação e relatar um caso de gestante com
sepse grave que evoluiu favoravelmente.

RELATO DO CASO

Paciente com 22 anos, primigesta, com idade gestacio-


nal de 27 semanas e 4 dias, com antecedente de pielo-
nefrite por gram-negativo, tratada com cefalotina. Estava
fazendo uso de macrodantina profilática. Foi internada Figura 1 – Radiografia de Tórax

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LAKS, PEDROSO, PINTO E COL.

chia coli multi-sensível. As hemoculturas permaneceram DISCUSSÃO


estéreis.
A ultra-sonografia dos rins e das vias urinárias mostrou A sepse na gestação é uma complicação rara, mas po-
nefromegalia e pequena dilatação pielocalicial bilateral. tencialmente fatal. A prevalência de bacteremia na ges-
Rins tópicos com forma e contornos normais. tação nos EUA é de 7,5/1000 admissões. Dessas so-
O ecocardiograma mostrou boa função ventricular, com mente cerca de 10% evoluem com sepse3.
ausência de vegetações. A mortalidade varia conforme as características étnicas
A paciente manteve diminuição da hemoglobina (Hb) de e socioeconômicas. Com índices de mortalidade mater-
forma progressiva, de 9,4 g/dL, com hematócrito (Ht) de na maior do que 1000 por 100.000 nascimentos, princi-
27% na internação e depois de três dias de tratamento palmente em países africanos, e menores do que 20 por
a Hb era de 6,9 g/dL e Ht de 20%, sendo administrado 100.000 nascimentos em países europeus.
três concentrados de hemácias, com Hb posterior de Nas gestantes os principais agentes etiológicos da sep-
9,7 g/dL. Permanecendo nesse nível até a alta hospita- se são os gram-negativos, contrariamente a população
lar, após 15 dias de internação, quando apresentava Hb geral, em que predominam os gram-positivos.
de 10,2 g/dL, com Ht de 30%. As infecções do trato urinário são muito comuns na
Manteve febre até o 4º dia, por conta da administração gestação devido às alterações funcionais, anatômicas
de uma cefalosporina de quarta geração, permanecen- e hormonais, sendo a Escherichia coli responsável por
do dois dias afebril. Após cinco dias voltou a apresentar cerca de 80% das infecções do trato urinário (ITU) e
febre, sendo diagnosticada pneumonia associada ao 95% das pielonefrites agudas. São preditores de ITU
ventilador e prescrito carbapenêmico por 10 dias. sintomática após 20 semanas de gestação: diabete me-
Evoluiu com importante melhora dos padrões de ven- lito, SIDA, alterações anatômicas do trato urinário, ante-
tilação, sendo extubada, completando o tratamento cedente de ITU, antecedente de Chlamydia trachomatis
com imipenem e recebendo alta hospitalar logo após. e uso de drogas ilícitas4.
Nova radiografia de tórax evidenciava melhora impor- No caso relatado, a paciente apresentava como fator de
tante (Figura 2). risco somente o uso de drogas ilícitas.
O tratamento foi baseado no Surviving Sepsis Cam-
paign, elaborado em 2003 por uma ação conjunta de
11 organizações internacionais, consistindo em uma di-
retriz para o manuseio dos pacientes com sepse grave
e choque séptico, com o objetivo de melhorar sua so-
brevida5.
A paciente apresentou melhora significativa dos pa-
râmetros de perfusão nas primeiras horas, com ótima
evolução, apesar da gravidade da doença.

AGRADECIMENTOS

Consentimento escrito foi obtido da paciente para publi-


cação do estudo.

REFERÊNCIAS
01. Silva E, Pedro Mde A, Sogayar AC et al - Brazilian Sepsis Epidemiological
Study (BASES study). Crit Care, 2004;8:R251- R260.
02. Angus DC, Linde-Zwirble WT, Lidicker J et al - Epidemiology of severe
sepsis in the United States: analysis of incidence, outcome, and associa-
ted cost of care. Crit Care Med, 2001; 29:1303-1310.
03. Fernandez-Perez ER, Salman S, Pendem S et al - Sepsis during preg-
Figura 2 – Radiografia de Tórax Pré-Extubação nancy. Crit Care Med, 2005;33:S286-S293.
04. Ovalle A, Levancini M - Urinary tract infections in pregnancy. Curr Opin
Ao completar a 42ª semana de gestação foi internada Urol, 2001;11:55-59.
05. Dellinger RP, Carlet JM, Masur H et al - Surviving Sepsis Campaign guide-
para indução do trabalho de parto, realizando parto va- lines for management of severe sepsis and septic shock: Crit Care Med,
ginal, sem intercorrências. 2004;32:858-873.

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