Antes de começar qualquer discussão sobre assuntos polêmicos, é interessante
definir o que consideramos como tal. Polêmica, ou polémica como falam em Portugal, pode ser definida como sinônimo de controvérsia, debate de idéias. A palavra vem do grego πολεμικός (polemikós), que tem o significado de “referente a guerra, disputa”. Geralmente se fala em polêmicas em referência a disputas, especialmente aquelas públicas, entre É importante, porém, destacar que polêmica não é sinônimo de disputa hostil ou briga. A ideia é de um debate, discussão com argumentos visando o convencimento de outro lado contrário. São partes essenciais em uma polêmica um assunto ou tese central, que é discutida, defensores de ideias contrárias e interesse na resolução deste assunto. Mera discussão sem ideias não é polêmica. Discussão de ideias sem opiniões contrárias também não o é. Se um assunto é discutido por partes contrárias, as idéias são debatidas, mas não há interesse não se pode dizer, por outro lado, que seja uma grande polêmica. Poderia-se argumentar em princípio, que uma polêmica é meramente um exercício intelectual sem grandes resultados práticos pela definição acima colocada. O ponto central, porém, é que as polêmicas surgem geralmente por conta de situações práticas e geralmente importantes, e o resultado das discussões geradas reflete novamente no campo prático da vida. Mais importante ainda, no contexto em que estaremos estudando este assunto, as polêmicas muitas vezes dizem respeito a questões que são, em última análise, morais e religiosas, norteando o procedimento das pessoas.
1.2 Polêmicas, ideias, sociedade e tempo _____________________________
Como dissemos anteriormente, as polêmicas nascem do debate de ideias. Aliás, da diversidade de idéias é que nascem as polêmicas. Não há polêmica sobre algo que todos concordam, enfim. Se as polêmicas nascem da diversidade de ideias é de supor que as polêmicas estejam diretamente ligadas as ideias e concepções que as pessoas possuem. E sabemos que estas ideias e concepções mudam, seja com o tempo, seja com lugar onde as pessoas vivem. Portanto, as polêmicas mudam conforme os locais e o tempo. Quanto ao tempo, geralmente ele faz com que novas polêmicas surjam, no sentido de que pessoas aparecem e colocam objeções ao que era aceito até então. Da mesma forma, ele sepulta antigas polêmicas, fazendo com que elas percam sentido com o passar dos anos. Como já dissemos, as polêmicas estão diretamente ligadas as ideias. Desta forma não é surpreendente que os campos mais propensos ao aparecimento de controvérsias sejam justamente aqueles mais ligados ao campo das ideias – filosofia, política e religião. Principalmente esta última inclusive. Por isto não é fora de lugar uma aula sobre assuntos polêmicos em uma Escola Dominical. Campos de menor proeminência de polêmicas, em relação aos citados anteriormente, são economia, ciências e discussões sobre raças. Como já falado, a importância dada pelas pessoas a um assunto é algo que determina a grandeza que a polêmica em torno do assunto atinge. Portanto, isto explica o fato de através da história os mais acalorados debates terem sido em torno de assuntos ligados a religião. Uma polêmica pode englobar desde poucas pessoas até toda uma sociedade. Com este último tipo de polêmicas é que nos preocuparemos. Assuntos polêmicos são muitas vezes potencialmente divisivos em uma sociedade, pois geram tensões. Devido a isto, alguns assuntos polêmicos não são discutidos em uma sociedade, sendo antes colocados como tabus, só discutidos geralmente entre pessoas que tem suficiente maturidade e confiança para deles tratá-los. Muitos tabus com o tempo passam a ser alvo de polêmicas intensas e por fim são derrubados. Outro fator importante para a extensão de uma polêmica é o conhecimento que se possui sobre o assunto em questão. Como afirmou Gregory Benford, em seu livro de ficção Timescape, “a paixão envolvida em um debate é inversamente proporcional à quantidade de informação segura disponível”. Por informação segura podemos entender aquela que é aceita como verdadeira e sem discussão por todos. Já disseram, e há grande verdade nisto, que quase nenhum avanço teria sido feito na ciência, política e em outras áreas de conhecimento humano se não fosse pelas polêmicas. Pelos dois últimos parágrafos podemos ver que as polêmicas tem tanto lados positivos quanto negativos. Como agir diante delas, portanto? E como agir, como cristão, diante delas? Estas perguntas passaremos a tentar responder.
1.3 Cristãos e as polêmicas ______________________________________
Qual seria o papel do cristão diante das polêmicas que existem na sociedade? O primeiro ponto a se considerar é que as polêmicas são, no fundo, uma disputa em torno do que é a verdade. Se os cristãos são aqueles que possuem a Verdade (conferir Jo 14.6) e a Palavra nos diz “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32) espera-se que os cristãos não fujam de muitas polêmicas. Fato é, porém, que nem todas as coisas são conhecidas e tratadas na Palavra, de forma que nenhum de nós pode plagiar Jesus e dizer que é a verdade. Se não sabemos de tudo, não somos donos da verdade; mas por outro lado temos aquele que é a Verdade como nosso Salvador; como agir? Pode parecer contraditório, mas é aí que mora o bom-senso e a sabedoria. Esta sabedoria em assuntos polêmicos pode ser vista nos servos de Deus retratados na Bíblia. Tomemos como exemplo, Paulo. Quando ele se deparou com a polêmica sobre a circuncisão, sua atitude foi firme e sem margens para dúvidas (conferir em especial Gl 2.11-17). Ele realmente se posicionou e baseado no Evangelho de Cristo fortemente resistiu àqueles que eram do partido dos judaizantes. O mesmo Paulo, porém, se opôs a muitos que promoviam discussões dentro da Igreja (ver 1 Tm 1.3-4, 2 Tm 2.14 e Tt 3.9). Além disso, Paulo afirma: “Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (1 Co 9.22). A resposta no procedimento de Paulo e de outras pessoas mostradas na Bíblia é clara. O cristão precisa saber se posicionar em todas polêmicas que afetem diretamente a fé e o relacionamento são com Cristo. Foi isto que Paulo fez e mais do que isso, o próprio Cristo fez em seu ministério na Terra. Quando se trata de um assunto que atinge frontalmente a fé cristã e os princípios bíblicos é necessária a firme resolução do cristão para se posicionar. Quando se trata, porém, de algo secundário, o cristão deve se levar pela sabedoria, e somente entrar em discussões que sejam edificantes e construtivas. O grande segredo é o relacionamento com Cristo, e isto envolve buscar o conhecimento que se dá na revelação de Cristo. E Cristo se revela de diversas maneiras a nós: pela sua Palavra, pela natureza, pelo relacionamento com nossos próximos e pelo relacionamento direto e pessoal através da vida devocional. Através do relacionamento com Cristo conhecemos a verdade e aprendemos também que há muito que não sabemos. Devemos seguir o conselho encontrado em 1 Ts 5.21: “julgais todas as coisas, retendes o que é bom”. Isso mostra que o cristão não deve ser um obscurantista, mas sim alguém que busca conhecer a verdade e levá-la aqueles que não a conhecem. Devemos porém sempre nos guiar pelo espírito de paz e nos lembrar que existem momentos em que é melhor realmente não entrar em uma polêmica. As palavras dos sábios, ouvidas em silêncio, valem mais do que os gritos de quem governa entre tolos, nos diz Ec 9.17. É interessante para ilustrar o que até agora apresentamos colocar algumas das principais polêmicas nos tempos bíblicos e como estas foram tratadas.
1.4 Polêmicas nos tempos bíblicos __________________________________
A Bíblia nos mostra algumas polêmicas que foram importantes na história do povo de Israel e para a Igreja Primitiva. Citaremos a seguir algumas destas. Primeiramente no Antigo Testamento: A condução do povo de Israel durante o êxodo: principalmente a liderança de Moisés foi alvo de grande controvérsia durante este período. Esta polêmica levou Israel a ficar 40 anos andando pelo deserto antes de entrar em Canaã. A liderança e os passos a serem dados pelo povo após o fim do êxodo e morte de Moisés: esta controvérsia se seguiu até a eleição de Saul como rei, ou talvez nunca tenha deixado de existir dentro de Israel. O legalismo e ritualismo contra o culto a Deus, pregado pelos profetas. A divisão do povo de Israel entre Judá e a maior parte das demais tribos após a morte de Salomão. O culto as divindades pagãs/sincretismo contra o javismo. Manter a independência lutando contra as potências ascendentes na região ou entregar-se e tornar-se vassalo. Voltar do exílio ou permanecer nas novas cidades para onde o povo foi levado e misturar-se aos outros povos. Estas eram as principais polêmicas presentes no AT. Se observarmos com atenção que no fundo havia algumas ideias que norteavam todas estas polêmicas. A questão da unidade e identidade de Israel como povo separado e escolhido entre os demais era o grande ponto central em boa parte das polêmicas e discussões que permeiam o AT. Quanto ao Novo Testamento, podemos colocar algumas importantes polêmicas, nomeando-se: A identidade de Jesus como o Messias. A questão da Lei dentro do Evangelho: precisavam os cristãos seguir os antigos preceitos da Lei Mosaica? A discussão em relação aos gentios dentro do plano de Deus. Muitas outras polêmicas apareceram na época em que o NT estava sendo escrito. Não é para menos. Este era acima de tudo um período de grandes transições para o povo de Israel e para todo o mundo, naquela época e posteriormente. O próprio Jesus era alguém que levantava polêmicas (veja por exemplo Mt 16.13-14) e não se esquivava de emitir opiniões quando questionado sobre pontos polêmicos. Citamos algumas polêmicas na Bíblia. Escolhamos agora uma das mais importantes para ver como ela foi tratada na época do NT. Na época após a morte/ressurreição/ascensão de Jesus logo se seguiu uma grande discussão em relação a como os não-judeus, ou os assim chamados gentios, deveriam ser incluídos dentro do plano da Salvação em Jesus. Alguns judeus convertidos a Cristo pregavam que os gentios deveriam se submeter às Leis do AT para poderem servir a Jesus – se circuncidar, seguir as restrições alimentares, os ritos de lavagem e purificação. Estes eram o partido dos judaizantes. Em contraposição, outro grupo, que teve em Paulo seu grande expoente e líder, acreditava (por iluminação divina no caso de Paulo) que os gentios não deveriam se submeter à Lei, e nem os judeus, pois Cristo a cumprira e inaugurara novos tempos. Esta discussão era particularmente importante naquela época, de forma que Paulo dedicou boa parte de suas cartas para tratá-la. Esta questão durou até depois da época do NT, mas o chamado Concílio de Jerusalém, retratado em At 15 resolveu a questão oficialmente na época do NT. Longe de nos aprofundarmos nos detalhes desta questão, vejamos alguns pontos importantes que podemos tirar da forma como ela foi tratada: Primeiramente, vemos que os servos de Deus muitas vezes precisam se colocar em polêmicas para defender os pontos centrais da fé. Paulo o fez muitas vezes. A questão foi decidida com discussões, ponderações, mas acima de tudo recorrendo a autoridade das Escrituras e cuidadoso estudo desta (ver At 15.16-18). Não foram negligenciados porém os fatos e acontecimentos (ver At 15.3-5). As polêmicas da época bíblica de forma alguma esgotam as polêmicas na história da Igreja. Pelo contrário. Muitas outras questões foram importantes na longa história que não nos conta a Palavra. Somente para ficar com algumas destas controvérsias importantes da história pós-bíblica, citemos as controvérsias sobre o gnosticismo, montanismo, monasticismo, as controvérsias cristológicas do período imperial pós-Costantino, pelagianismo, as controvérsias iconoclastas, das investiduras, escolasctiscismo, a Reforma, deísmo, reavivamentos, ecumenismo e por aí vai. Citando brevemente estas polêmicas antigas, não esgotaremos nossa referência às mesmas, pelo contrário, usando-as como base para nosso desenvolvimento do assunto atual. Terminando este primeiro capítulo/aula, coloquemos o plano de estudos que será a base pela qual prosseguiremos.
1.5 Plano de Estudos ____________________________________________
Antes de propriamente entrar na discussão dos assuntos polêmicos atuais,
iniciaremos com a discussão das ideias que estão por trás da maioria das polêmicas modernas. A discussão entre fé e razão, ou ciência e religião, é a base de grande parte das discussões modernas. Comecemos por este ponto. Lembramos que assim fazemos por ser as ideias a base de onde surgem as polêmicas.