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2. Desde logo, porque a medida se revela brutal na sua desumanidade e surpreendente na sua expressão de
recuo civilizacional e cultural. Depois, porque ela é adoptada de forma intencionada e perversamente sinuosa
e plástica – quase ninguém sabe do que se trata: uma circular intena? Uma directiva ministerial? Um despacho
normativo castiçamente verbal? -, que condiciona ou dificulta (mas não impede, naturalmente) uma sua
concreta percepção para efeitos de sindicância jurisdicional (mormente em sede constitucional). Pergunta-se:
por que não asumiu o Governo a intenção normativa através de decreto-lei, ou o Parlamento através de lei?
Enfim, porque ela traduz inequivocamente, para lá de toda a argumentação de raiz sociológica ou sociologista,
psico-sociológica, moralista ou ética outra, sem esquecer as bizarrias discursivas que, desde então, e
ciclicamente, vêm surgindo em certas vozes e imprensa (a mais curiosa e cínica – de um lúcido e inigualável
cinismo – é a de que, com a medida adoptada... diminuiram os casos de grávidas nos liceus); para lá da
argumentação, toda ela marcada por uma perigosa ideia de sumbmissão de valores, regras, princípios
constitucionais a critérios de (duvidosa) eficácia, ela surge como uma crassa preterição de normas e princípios
(válidos, a qualquer título de legitimação, procedimental, formal e material) da Constituição. A verdade é que,
acima de tudo, o direito à liberdade de aprender (de educar e de ensinar) é direito fundamental e na veste de
«direitos, liberdades e garantias individuais». Trata-se, pois, de direito fundamental insusceptível sequer de
constituir objecto de chamadas leis restritivas de direitos.
3. Ora bem, o nosso choque tem a ver também com a circunstância de poucas vozes se terem pronunciado
contra medida tão bárbara quanto ilegal e, sim!, imoral. Com o risco de sermos injustos por omissão,
lembramo-nos de posições públicas enérgicas da Ordem dos Advogados, da Ordem dos Médicos, da AZM, de
Jose Tomás Veiga, de Casimiro de Pina, de José António dos Reis(??) e, se não estamos em erro, também da
Associação de Mulheres Juristas e de alguns profissionais ligados à educação. Nenhum sinal vindo do
Presidente da República ou da PGR; posições no mínimo dúbias de parte de algumas instâncias, públicas e
privadas, ligadas aos «direitos humanos»; silêncio total do PAICV e, mais significativo, de intelectuais a ele
ligados, sendo certo que o partido se reclama de «esquerda democrática e moderna» e do «socialismo
reformista» [é impossível acreditar que todos estejam de acordo com a medida!]; posições fracas, às vezes
parecendo tímidas ou receosas do MPD institucional. Nos media, e, sobretudo, por parte dos jornalistas, com
algumas excepções, uma postura dominante de seguidismo acrítico e, amiúde, de impressionante exercício de
ausência de referências valorativas democráticas, humanistas ou mesmo culturais. Da generalidade dos
intelectuais cabo-verdianos, com honrosas excepções também, mais uma cómoda e alarmante indiferença
(será congénita, quando estão em causa preocupações atinentes à liberdade, como já uma vez a
considerámos, correndo o risco de sermos, por isso, «crucificados»?!). Na absoluta clandestinidade, ficam as
organizações de mulheres.
4. Desta vez, isto é, com este caso do Paul, vá lá que surgiram vozes denunciantes, iniciativas bloguistas,
entrevistas, petições, depoimentos e comentários em jornais on line, um movimento de protesto em curso, bem
que, por vezes, numa forma pudica, quase receosa, enfim, alguma dose de indignação que dá igualmente
algum sinal de esperança de que afinal a democracia e o Estado de direito estão vivos e são irreversíveis
entre nós. Mas continuam persistentes silêncios e omissões preocupantes, estranhando-se que até agora não
se tenha pronunciado a Ordem dos Advogados de Cabo Verde, organismo que tem particulares
responsbilidades neste domínio da defesa do Estado de direito e das liberdades fundamentais e que estaria
bem posicionado para desencadear iniciativas tendentes a pôr cobro, de vez, a esta medida iníqua e que
mancha o país e sua democracia, ao menos na representação que, deles, têm tido muitos de seus amigos e
admiradores.
5. Atrevemo-nos, quiçá com alguma dose de ingénuo idealismo, a fazer um directo apelo ao Dr. JMN e às suas
convicções democráticas: por favor, ponha fim de vez a isto, a esta ignomínia que se abate sobre nós, país,
sociedade, cultura e estilo de vida colectiva e individual que, estamos disto seguros, escolhemos todos em
definitivo.
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