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índice
Apresentação do Curso Gestão Estratégica Pública.................................................................................04
1a Parte - Capítulos
Cap. 1 - Proposta para a criação de uma Escola de Governo Municipal......................................................08
Bibliografia........................................................................................................................................................79
2a Parte - Capítulos
Cap. 10 - Metodologia de Análise de Políticas Públicas...................................................................................04
Bibliografia........................................................................................................................................................71
10
de governo”. Assim, somente nesta seção é que se
discorre sobre os procedimentos que devem ser
METODOLOGIA DE ANÁLISE realizados, da metodologia que deve ser utilizada, e dos
DE POLÍTICAS PÚBLICAS cuidados que devem ser tomados para formular políticas
que possam ser implementadas de maneira adequada e
para que elas sejam implementadas de forma a alcançar
os objetivos e os impactos visados. Tal tema, entretanto,
10.1 Apresentação não será abordado em detalhe, pois mais do que os
demais, ele tem sido tratado de forma exaustiva por
muitos autores.
Este capítulo tem por objetivo apresentar de forma Não obstante, o conteúdo apresentado nas seções
organizada uma visão acerca dos aspectos políticos que precedem a 9 constitui-se num subsídio tão
envolvidos com a Gestão Estratégica Pública. Mais importante para adquirir a capacidade de elaborar
especificamente, ele se orienta a sistematizar a (formular, implementar e também avaliar) políticas
contribuição de autores que buscam melhorar a maneira públicas, que se espera de um profissional situado no
como o processo de elaboração de políticas desenvolve- interior do aparelho de Estado, que omití-las seria algo
se no âmbito do Estado contemporâneo. Desta forma, assim como esperar que alguém que nunca pisou numa
pretende possibilitar aos profissionais ali situados, e cozinha possa fazer um bom bolo apenas com uma
interessados em construir alternativas aos cursos de ação receita (por melhor que ela seja). Em outras palavras,
tradicionais, um conjunto de categorias e métodos de seria aceitar a proposição tecnocrática de que a
análise apropriados à gestão pública. elaboração de política pública pode ser encarada como
Num certo sentido, ele pode ser entendido como a simples operacionalização de um conjunto de normas,
um auxílio metodológico para a pesquisa de situações - procedimentos e passos de um manual.
políticas, organizações, processos, etc. - relevantes do A seção 11 é uma espécie de resumo das
ponto de vista da Gestão Estratégica Pública, uma ajuda anteriores (com exceção da 9) e pode ser usada como
para tratar estas situações ou sistemas complexos um guia para a Análise de Políticas.
mediante a construção de modelos. Neste sentido, este A intenção deste capítulo é, então, construir uma
capítulo complementa o conteúdo de outros dois - ponte entre as metodologias de planejamento usualmente
“Análise de Sistemas e Construção de Modelos” e adotadas por organizações públicas, cuja ineficácia têm
“Análise Estrutural” - que conformam um amplo espectro sido insistentemente apontada, e esses conteúdos.
de metodologias disponíveis. Estas duas metodologias,
de aplicação relativamente fácil e imediata, podem ser
usadas em praticamente qualquer situação em que um 10.2. Explorando o conceito de Análise
sistema possa ser descrito por uma lista de de Política
características, seja ele qual for. A metodologia de que
trata este capítulo é de aplicação mais complexa e Antes de qualquer coisa, um lembrete:
demorada, mas oferece resultados muito mais relevantes A Análise de Políticas não necessariamente implica
para o entendimento dos ambientes de governo e para a numa identificação do analista com os objetivos daqueles
elaboração de políticas públicas. que controlam o processo político. A subversão do status
A sua estrutura segue muito de perto a proposta quo demanda, talvez mais do que sua preservação, o
feita por um livro bem conhecido (HAM e HILL, 1993) e seu correto entendimento.
pode ser usado para guiar o processo de consulta à Esta extensa seção procura dar conta da
bibliografia sobre Análise de Política. O seu público-alvo complexidade do conceito de Análise de Política,
são os profissionais de formação variada (engenheiros, introduzindo o leitor, simultaneamente, à bibliografia
médicos, administradores, economistas, etc.) que atuam produzida pelos principais autores que se dedicam a este
no setor público ou privado, lidando com temas, de campo e à forma como se vão estabelecendo (e
natureza também muito distinta, relacionados a áreas alterando) os demais conceitos com ele relacionados.
onde é importante a presença do Estado na produção
(ou sua regulação) de bens e serviços para a população
10.2.1. O conceito de Política
(energia, saúde, educação, transporte etc).
Neste capítulo trata-se quase que exclusivamente
da análise, propriamente dita, do processo de elaboração EASTON (1953, p. 130) nos diz que “uma política
de políticas. Isso porque seu propósito, tal como acima (policy) é uma teia de decisões que aloca valor”. Mais
indicado, é instrumentalizar o leitor enquanto analista especificamente, JENKINS (1978, p. 15) vê política como
dedicado ao acompanhamento, avaliação e crítica de um “conjunto de decisões inter-relacionadas, concernindo
políticas cuja responsabilidade de formulação e à seleção de metas e aos meios para alcançá-las, dentro
implementação corresponde a um outro ator. de uma situação especificada”.
Relativamente pouca ênfase é dada à capacitação do Segundo HECLO (1972, p. 84-85), o conceito de
leitor enquanto responsável pela elaboração, política (policy) não é “auto-evidente”. Ele sugere que
propriamente, de políticas públicas. “uma política pode ser considerada como um curso de
É por isso que somente na seção 9 é abordado o uma ação ou inação (ou “não-ação”), mais do que
decisões ou ações específicas”.
HAM e HILL (p. 5) ressaltam que “recentemente a política como a análise de custo e benefício, o orçamento por
pública tornou-se um objeto importante para os cientistas programa e a análise de impacto.
políticos. O que distingue a Análise de Política do que se Em alguns círculos, a Análise de Política nasce
produz em ciência política é a preocupação com o que o como área de pesquisa, contrapondo-se à Administração
governo faz”. Pública. Não obstante, o formato inicial dos cursos (nos
O escopo da Análise de Política, porém, vai muito EUA, nos anos 60) a ela dedicados (focalizados na análise
além dos estudos e decisões dos analistas, porque a organizacional, métodos quantitativos, etc.) não
política pública pode influenciar a vida de todos os enfatizavam com propriedade a questão dos valores,
afetados por problemas das esferas pública (policy) e intrínseca à Análise de Política.
política (politics), dado que os processos e resultados de Em outros círculos, a Análise de Política
políticas sempre envolvem vários grupos sociais e porque estabelece-se por diferenciação/exclusão em relação ao
as políticas públicas constituem-se em objeto específico de Ciência Política, determinando uma inflexão no seu
e qualificado de disputa entre os diferentes agrupamentos enfoque, concentrado na análise das organizações e
políticos com algum grau de interesse pelas questões estruturas de governo; isto é, deslocando o foco da
que têm no aparelho de Estado um locus privilegiado de análise do institucional para o comportamental.
expressão. Apesar das contribuições que desde há muito
A Análise de Política engloba um grande espectro tempo têm sido realizadas por cientistas sociais, o que é
de atividades, todas elas envolvidas de uma maneira ou novo é a escala em que elas passam a ocorrer a partir
de outra com o exame das causas e conseqüências da dos anos 70, e o ambiente mais receptivo que passa a
ação governamental. Assim, uma definição existir por parte dos governos. De fato, pesquisadores,
correntemente aceita sugere que a Análise de Política como Keynes e Marx, já se tinham interessado por
tem como objeto os problemas com que se defrontam questões inerentes à atuação de governo e às políticas
os fazedores de política (policy makers), e como objetivo públicas. Esse movimento recente, entretanto,
auxiliar o seu equacionamento através do emprego de caracterizou-se por oferecer uma nova abordagem e por
criatividade, imaginação e habilidade. tentar superar problemas atinentes aos cursos de Ciência
Política, que tomaram por modelo áreas da Administração
Pública ou deram excessiva ênfase a métodos
10.2.3. O surgimento da Análise de Política quantitativos combinados à análise organizacional.
como campo acadêmico Segundo alguns dos pesquisadores que fundam o
campo, a “policy orientation” é o que distingue a Análise
HAM e HILL (1993) apontam que a preocupação de Política da Administração Pública. O seu caráter
com as políticas públicas, que dá origem ao surgimento normativo (no sentido de explicitamente portador de
da Análise de Política, acentua-se no início da década valores) revela uma preocupação acerca de como as
de 60 e tem origem em duas vertentes de interesse: idéias que emergem da análise podem ser aplicadas no
sentido de alavancar um projeto social alternativo. Neste
ü as dificuldades porque passavam os formuladores caso, a melhoria do processo político através das políticas
de política frente à complexidade cada vez maior dos públicas que promovam a democratização do processo
problemas com que se deparavam, fato que os levou decisório é assumida como um viés normativo.
paulatinamente a buscar ajuda para construção de Mas, segundo eles, a Análise de Política é também
alternativas e propostas para soluções; e problem-oriented, o que demanda e suscita a
ü a atenção de pesquisadores acadêmicos em interdisciplinaridade. A Análise de Política caracteriza-
Ciências Sociais (Ciência Política, Economia, se, assim, pela sua orientação aplicada, socialmente
Sociologia) que progressivamente passaram a relevante, multidisciplinar, integradora e direcionada à
trabalhar com questões relacionadas às políticas solução de problemas, além da sua natureza ao mesmo
públicas e procuraram construir e aplicar tempo descritiva e normativa.
conhecimentos à resolução de problemas concretos Nos anos 80, o debate Estado x mercado,
do setor público. privatização, e a consideração da incapacidade do Estado
para resolver os problemas sociais, levaram à utilização
Foi, assim, a escala dos problemas com que, nos de técnicas de administração desenvolvidas no setor
anos 60, deparavam-se os governos das sociedades privado. A subestimação das dificuldades relacionadas
ocidentais industrializadas, o que levou a um crescente à implementação de políticas é um traço marcante da
interesse pela Análise de Política. Por outro lado, a postura da administração.
dificuldade de tratar problemas fez com que
pesquisadores acadêmicos, sobretudo da área de 10.2.4. Uma tipologia da Análise de Política:
Ciências Sociais, se interessassem, progressivamente, a tensão entre o descritivo e o prescritivo
por questões relacionadas às políticas públicas e
procurassem aplicar seus conhecimentos na sua
Sobre a tensão entre o descritivo e o prescritivo,
elucidação. Ao longo dos anos, surgiram programas e
HAM e HILL (1993) classificam os estudos de Análise
cursos universitários, novas disciplinas e publicações
Política (abordagens, perspectivas) em duas grandes
acadêmicas sobre o tema. Simultaneamente, agências
categorias:
de governos dos países avançados começaram a
empregar analistas de políticas e a adotar novas práticas,
1
Tais estudos têm recebido muita atenção
nos E.U.A., Europa e Reino Unido.
2
Esse tipo de estudo pode ser descritivo e
prescritivo e marca a fronteira entre a “análise de
política” e a “análise para política”.
O caráter de policy orientation da Análise de Política do entendimento acerca da política e do processo político
sugere que a preocupação do analista seja mais quanto prescrições visando a melhores políticas.
direcionada à “análise da determinação da política”
(postura normativa) do que à “análise do conteúdo 10.2.6 A Análise de Política e o contexto
da política” (postura descritiva).
A posição não-engajada, puramente acadêmica, da política
é válida na medida em que a isenção permite uma análise
mais rigorosa. Ela não deve impedir o cumprimento do HAM e HILL (p. 18-19), citando MINOGUE (1983,
objetivo maior (normativo), que deve ser a melhoria do p. 5), ressaltam que, dado que as políticas públicas
processo político. Esta não necessariamente implica produzem efeitos sobre a economia e a sociedade,
numa identificação com os objetivos daqueles que qualquer teoria que as explique satisfatoriamente deve
controlam o processo político. A subversão do status quo também explicar as inter-relações entre Estado, política
demanda, talvez mais do que sua preservação, o seu e sociedade.
correto entendimento. Para entender o processo de elaboração de
Análises neutras, desprovidas de valores, são um políticas, EASTON (1953, 1965) baseia-se num
mito. A pesquisa é sempre influenciada pelos valores do paradigma semelhante ao sistema biológico. Ele propõe
analista. É difícil, mas necessário, que ele não se converta que a atividade política seja analisada em termos de um
num “político” (policy advocate). sistema, abarcando uma série de processos que devem
WILDAVSKY (1979, p. 7) destaca que a Análise permanecer em equilíbrio a fim de que a atividade
de Política envolve um certo aprendizado, a partir da sobreviva. Assim, a teoria dos sistemas proposta por
experiência, especialmente da experiência do fracasso EASTON considera a vida política como um processo
e da correção dos erros cometidos. Segundo HAM e HILL que engloba inputs (entradas ou perguntas), que vêm do
(p. 22), os analistas não se deveriam restringir a examinar ambiente externo (econômico, religioso, cultural etc..),
como políticas podem ser melhoradas, dentro das que se transformam em outputs (saídas ou respostas) -
relações sociais e políticas já existentes: essas próprias as decisões políticas - as quais, por sua vez, retroagem
relações deveriam ser parte do campo de investigação. sobre o ambiente circundante, provocando, assim,
Se a análise política está localizada na estrutura existente sempre novas perguntas (BOBBIO, 1993, p.167).
de relações sociais, e se o escopo é limitado a questões A Análise de Política, dado que deve levar em
já postas na agenda para discussão, então questões consideração o contexto social, econômico e político no
significativas podem ser ignoradas e as necessidades qual se inserem os problemas enfocados, tem seu objeto
de grupos particulares podem ser negligenciadas (p. 21). representado por alguns autores pelo esquema proposto
Uma postura cética, que questione os por EASTON como segue.
pressupostos dos tomadores de decisão é aconselhável. HAM e HILL (p. 16-22) dizem que uma das
Não fazê-lo leva a uma posição
conservadora. Buscar simplesmente a
melhoria das políticas (e não do processo Ambiente Ambiente
político) no âmbito das relações sociais e
políticas existentes termina levando à Demandas
adoção de um critério de qualidade
enviesado: a boa política é aquela que Entradas SISTEMA Decisões e
pode ser implementada (viável). ações Saídas
POLÍTICO
Restringir o foco de análise aos
Apoio, recursos
problemas já contemplados pela “agenda
(de discussão) política” leva a excluir
questões que interessam a grupos política
e socialmente desfavorecidos.
A percepção de que as políticas,
mais do que o mercado, são os
responsáveis pelo progresso social, Ambiente
Ambiente
envolve o questionamento das relações
sociais e políticas existentes; a
consideração tanto das decisões tomadas como das vantagens do paradigma adotado por EASTON está em
“não-decisões”. que a teoria dos sistemas oferece uma forma de
Mesmo a analysis for policy, que supõe um conceituar complexos fenômenos políticos. Ao enfatizar
interesse não (apenas) acadêmico e aplica o instrumental os processos, em oposição a instituições ou estruturas,
da administração visando à sua consecução, demanda o enfoque de EASTON representa um avanço, em relação
a analysis of policy como etapa prévia. Caso contrário, a análises mais tradicionais, no âmbito da Ciência Política
se o policy process (processo de elaboração da política) e da Administração Pública.
não for entendido como um political process, esse Esta visão permite que se defina um setor de
instrumental será ineficaz (não adaptado ao mundo real). política como “um grupo de organizações complexas,
A postura do analista deve, em suma, levar em conectadas umas às outras por dependência de
conta que a Análise de Política envolve tanto a melhoria recursos”. Ela permite abordar a dependência de uma
organização em relação à outra através do exame do conseqüências sejam as maiores possíveis. No segundo,
fluxo de recursos financeiros. Ao fazê-lo, destaca três a ação é vista como resultado do comportamento
características da Análise de Política: organizacional, estabelecido pelas rotinas e
procedimentos operacionais. O terceiro considera a ação
ü As organizações são influenciadas pelas
como resultado de acordos entre grupos e indivíduos, no
sociedades nas quais operam;
sistema político.
ü É necessário assegurar que a análise do Estado Uma outra contribuição importante à compreensão
seja baseada na compreensão de sua relação com a dos processos políticos abordados nesta pesquisa é a
sociedade; metodologia desenvolvida por MATUS (1996). No seu
trabalho “Política, Planificación y Gobierno”, a
ü As atividades do Estado nas sociedades modernas
preocupação implícita é com a análise para a política.
é essencialmente uma atividade organizacional.
Entretanto, algumas das suas críticas dos pressupostos
básicos do planejamento sistêmico exibem elementos
De fato, aplicada às organizações, a teoria dos
interessantes para a abordagem da análise de política.
sistemas permite analisá-las como conjunto de entidades
Como decorrência da discussão das falácias da teoria
mais ou menos interdependentes e constituídas de
sistêmica, o autor introduziu dois novos conceitos, um
partes, que são variáveis mutuamente dependentes. Além
dos quais foi adotado no presente estudo, como se
disso, alguns temas são mais ou menos comuns às
abordará a seguir.
teorias da organização e dos sistemas: os agregados de
De acordo com MATUS (p. 72), “o modelo
indivíduos inseridos no sistema, as relações entre os
sistêmico tradicional tende a tratar o próprio sistema como
indivíduos e o ambiente do sistema organizacional, as
algo estático e incontestável ou, pelo menos, sujeito a
interações dos indivíduos dentro do sistema e as
raras mudanças fundamentais”. Considera, como
condições necessárias para garantir a estabilidade do
pressuposto, que, nesse modelo, o “ator que planeja está
sistema.
fora ou sobre a realidade que planifica”. O ator “não
HAM e HILL (p. 15-18), porém, fazem algumas
coexiste nessa realidade com outros atores, que também
críticas à concepção geral do modelo sistêmico. A
planejam”. Isso leva “o planejador sistêmico, ao não
primeira destaca a excessiva redução lógica dos
aceitar que sua teoria se baseia neste pressuposto
processos, em termos de demandas e apoios convertidos
básico, coloque-se diante do seguinte dilema: ou aceita
em saídas, o que raramente ocorre de modo tão simples,
o pressuposto mencionado, e tem uma teoria consistente,
no mundo prático da elaboração de políticas. O
mas irreal nos seus pressupostos, ou o rechaça por ser
reconhecimento de alguns processos (manipulação de
irreal, mas então sua teoria é inconsistente”.
linguagem, criação de crises, imposição de agendas para
Apoiando-se na suposição anterior, MATUS (p. 76-
autoridades ou mesmo simulação de políticas, por
80) deduz, como postulados do modelo sistêmico, que:
exemplo) é um importante corretivo de ingênuas
hipóteses encontradas na teoria dos sistemas. Um
segundo comentário ressalta que o enfoque sistêmico 1. sujeito é diferençável do objeto;
enfatiza a importância do processo central de conversão 2. não pode haver mais de uma explicação
- a caixa preta (black box) -; isto é, da tomada de decisões verdadeira;
e, no entanto, dá-lhe pouca atenção, ao compará-lo às
demandas e apoios externos. Isso indica a necessidade 3. explicar é descobrir as leis que regem o objeto;
de os estudos basearem-se não apenas na análise de 4. o poder não é um recurso escasso;
sistemas, mas também na dinâmica da tomada de 5. não existe uma incerteza mal definida;
decisões. Uma terceira crítica refere-se ao fato de o 6. os problemas a que se refere o plano são bem
sistema e, em particular, a forma em que os processos
ocorrem dentro da caixa preta constituírem o próprio estruturados e têm solução conhecida.
objeto da ação política. A relação entre as entidades de
governo está sujeita a ajustes contínuos, na medida em Todos esses pressupostos têm regido as teorias
que obrigações e orçamentos são alterados. em que se baseia a prática do planejamento, na América
Reapresentações sistemáticas do processo de políticas Latina e, exceto nos meios acadêmicos, não são
tendem a dar aos conflitos a aparência de jogos. Nesse questionados. A explicação, que se tem procurado para
caso, o problema reside na possibilidade de a política os irrisórios efeitos alcançados pelos planejadores, passa
tratar tanto da garantia de um resultado específico, quanto ao largo da crítica a tais postulados, contentando-se com
da mudança nas regras do jogo. apontar a precária qualidade dos planos, as deficiências
Para HAM e HILL (p. 16), a própria ênfase da teoria das estatísticas, o escasso poder dos órgãos de
sistêmica na idéia da black box (caixa peta) é ilustrativa: planejamento, a inexperiência dos economistas, a
a imagem salienta que os processos implícitos na caixa deficiência de sua formação e o desinteresse político. O
preta dificilmente são penetrados e pesquisados. trabalho de MATUS vai mais além, ao sustentar que os
Tomando os três modelos de ALLISON (1971), que poucos resultados do planejamento tradicional latino-
ajudam a entender os processos, HILL lembra que há o americano devem ser procurados naqueles pressupostos,
modelo do ator racional, o modelo do processo que conduzem a um conceito restrito de planejamento e
organizacional e o modelo de políticas burocráticas. No de planejador e a uma prática economicista e
primeiro, os agentes devem escolher, entre alternativas, tecnocrática, que se isola do planejamento político e do
as metas e objetivos da ação, de modo que suas processo de governo.
3
“Problema quase-estruturado” é o que não se pode definir nem explicar com precisão; por isso, não se sabe
bem como enfrentá-lo e, muito menos, se conhecem os critérios para escolher entre as opções concebidas para
enfrentá-lo. A primeira dificuldade com tais problemas está em reconhecê-los (MATUS, 1993, p. 580).
4
Estas duas expressões, adotadas e empregadas neste capítulo foram definidas por MATUS (1996, p. 584)
como segue. “Situação” é a realidade explicada por um ator, que vive nela e a interpreta em função de sua própria
ação. Por isso, cada ator pode ter uma explicação diferente de uma realidade. “Momento” é uma instância repetitiva,
pela qual passa um processo encadeado e contínuo, que não tem princípio nem fim bem demarcados (MATUS,
1996, p. 577). Em texto anterior, MATUS detalha esse conceito, explicitando que ele não tem uma característica
meramente cronológica e que indica instância, ocasião, circunstância ou conjuntura, pela qual passa um processo
contínuo ou em cadeia, sem começo nem fim bem definidos. Enfatiza que a passagem do processo por um momento
determinado é apenas o domínio transitório desse momento sobre os outros, que sempre podem estar presentes
(MATUS, 1996, p. 577).
relações entre os grupos sociais. É o que explica, É através do trânsito entre estes três níveis que,
em última instância, a conformação dos outros dois depois de várias reiterações, é possível conhecer o
níveis, quando pensados como níveis da realidade, comportamento da “comunidade política” presente numa
ou as características que assumem as relações a área qualquer de política pública, e desta maneira chegar
serem investigadas, quando pensados como níveis a identificar as características mais essenciais de uma
de análise. Este nível de análise trata da função das política. Este processo envolve examinar a estrutura de
agências estatais que, em sociedades capitalistas relações de interesses políticos construídos pelos atores
avançadas é, em última análise, o que assegura o envolvidos; e explicar a relação entre o primeiro nível
processo de acumulação de capital e a sua superficial das instituições e o terceiro nível mais profundo
legitimação perante a sociedade. É o que se pode da estrutura econômica.
denominar nível da essência ou estrutural. Para ilustrar este ponto, pode-se dizer que a análise
de uma política implica, primeiramente, em identificar as
Ciclo Iterativo da Análise de Política e seus Níveis organizações (instituições públicas) com ela
envolvidas e os atores que nestas se encontram em
posição de maior evidência. Em seguida, e ainda no
primeiro nível (institucional) de análise, identificar as
relações institucionais (isto é, as sancionadas pela
legislação, públicas, etc.) que elas e seus respectivos
atores-chave mantêm entre si.
Passando ao segundo nível, passa-se a
pesquisar as relações que se estabelecem entre
esses atores-chave, que representam os grupos de
interesse existentes no interior de uma organização
e de grupos externos, situados em outras instituições
públicas e em organizações privadas. As relações
de poder, coalizões de interesse, formação de grupos
de pressão, cooptação, subordinação, etc. Devem
ser cuidadosamente examinadas de maneira a
Aparência ou superficial
explicar o funcionamento da organização e as
características da política. A determinação de existência
A figura acima ilustra o Ciclo Iterativo da Análise de padrões de atuação recorrentes de determinados
de Política e os seus respectivos Níveis de Análise. Ela atores-chave e sua identificação com os de outros atores,
mostra que a análise deve desenvolver-se de forma instituições, grupos econômicos, partidos políticos, etc.,
reiterada (em ciclos de retroalimentação) do primeiro para de modo a conhecer os interesses dos atores, é o objetivo
o terceiro níveis, e vice versa, buscando responder as a ser perseguido neste nível de análise.
perguntas suscitadas pela pesquisa em cada nível. Como O terceiro nível de análise é, finalmente, o que
indicado, é no terceiro nível onde as razões últimas destas permitirá, mediante uma tentativa sistemática de
perguntas tendem a ser encontradas, uma vez que é ele comparar a situação observada com o padrão (estrutura
o responsável pela manutenção da estabilidade política de poder e das regras de sua formação) conformado pelo
e pela legitimidade do processo de elaboração de modo de produção capitalista - sua “infra-estrutura
políticas. econômico-material” e sua “superestrutura ideológica” -,
No momento de formulação da política é quando, explicá-lo. É através do estabelecimento de relações entre
através da filtragem das demandas, seleção dos temas a situação específica que está sendo analisada ao que
e controle da agenda, ocorre um processo de tipicamente tende a ocorrer no capitalismo avançado (ou
enfrentamento entre os atores com ela envolvidos cujo periférico, no caso latino-americano) que se pode chegar
grau de explicitação, pelas razões que se explora nas a entender a essência; isto é, entender porque as relações
seções que seguem, é bastante variável. Ele vai desde que se estabelecem entre as várias porções do Estado e
uma situação de conflito explícito, onde há uma seleção destas com a sociedade são como são.
“positiva” das demandas que se refere às funções que Pode-se entender o percurso proposto neste
são necessárias para manutenção de formas de capítulo, e de resto por muitos dos pesquisadores da
dominação na organização econômica, como suporte à Análise de Política, como uma tentativa sistemática de
acumulação de capital e resolução de conflitos abertos, percorrer este “caminho de ida e volta”, apoiando-se
até uma de “não-tomada de decisão”, que opera no nível sempre no “mapa” que este terceiro nível de análise
“negativo” da exclusão dos temas que não interessam à proporciona.
estrutura capitalista (como a propriedade privada ou a
reforma agrária), selecionando os que entram ou não na 10.3. Visões do Estado e Análise Política
agenda através de mecanismos que filtram
ideologicamente os temas e os problemas. A natureza do modelo que o analista utiliza para
Nos momentos da implementação e da avaliação entender as relações entre Estado e sociedade é crucial
outros mecanismos de controle político se estabelecem, para os resultados que se obtêm ao analisar (e elaborar)
tendo por cenário os dois primeiros níveis e, como âmbito uma política pública, a tal ponto que os resultados que
maior e mais complexo de determinação, o terceiro. muitas vezes se obtêm podem variar consideravelmente
segundo a visão que se adote. É claro que a escolha da Entre as suas subdivisões é importante destacar:
visão a ser adotada como guia para a análise não é
neutra. Mesmo quando se trata apenas de descrever e ü Instrumentalista: Entende o Estado liberal como
não de prescrever, neste caso como em outros que um instrumento diretamente controlado “de fora” pela
envolvem uma escolha na qual a postura ideológica classe capitalista e compelido a agir de acordo com
dificilmente pode ser colocada de lado, a opção realizada seus interesses (ela rege mas não governa).
não é simplesmente metodológica. Não obstante, a Capitalistas, burocratas do Estado e líderes políticos
escolha deve dar-se tendo em vista as características formam um grupo coeso em função de sua origem
específicas da política em análise. O que implica dizer de classe comum, estilos de vida e valores
que, mesmo que a visão particular do analista acerca do semelhantes etc. (afinidade com a visão Elitista).
conjunto dos órgãos e políticas que conformam o Estado (Miliband).
seja mais próxima a uma das quatro visões (entendidas,
sempre e como em outros casos em que modelos de ü Estado como árbitro: Quando existe relativo
análise são propostos, de situações extremas), ele não equilíbrio entre forças sociais, a burocracia estatal e
deve descartar a possibilidade de que a análise da política líderes político-militares podem intervir para impor
em foco tenha, como guia metodológico, uma das outras políticas estabilizadoras que, embora não sejam
visões. controladas pela classe capitalista, servem aos seus
Esta seção apresenta as visões Pluralista, interesses. Em situações normais (que não as de
Marxista, Elitista e Corporativista. crise) o Estado atua como árbitro entre frações da
classe dominante. A burocracia estatal é vista,
10.3.1. A visão Pluralista diferentemente da corrente funcionalista, como um
segmento independente/distinto da classe dominante,
A visão Pluralista enfatiza as restrições que embora a serviço de seus interesses de longo prazo.
colocam sobre o Estado um grande espectro de grupos (Poulantzas).
de pressão dotados de poder diferenciado nas diversas
áreas onde se conformam as políticas públicas (embora ü Funcionalista: A organização do Estado e a policy
nenhum possa ser considerado dominante), sendo estas making é condicionada pelo imperativo da
um resultado das preferências destes grupos. O Estado manutenção da acumulação capitalista. Funções:
(ou seus integrantes) é considerado, por uma de suas preservação da ordem, promoção da acumulação de
variantes, como um entre estes grupos de pressão. capital, e criação de condições para a legitimação.
Esta visão tem como interlocutor a visão Marxista Os gastos governamentais para manter essas
clássica, contrapondo-se a ela e reafirmando a funções são: “gastos sociais”, “investimento social”
democracia como valor fundamental e o voto como meio (para reduzir custos de produção), e “consumo
de expressão privilegiado dos indivíduos. A poliarquia social”. Enfatiza os processos macro e não, por
(“democracia real”) e a ação de grupos de pressão é exemplo, a questão do caráter da burocracia ou das
adotada, entretanto, como uma concepção mais realista. elites. (O’Connor)
A aceitação da interpretação Pluralista implica na
adoção de uma visão incremental (em oposição à ü Estruturalista: O Estado é visto como um fator de
racional) sobre o processo de elaboração de políticas, coesão social, com a função de organizar a classe
como se verá posteriormente. dominante e desorganizar as classes subordinadas
através do uso de aparatos repressivos ou ideológicos
10.3.2. A visão Elitista (Althusser).
A visão Elitista pode ser considerada como uma ü Escola da “lógica do capital”: Deduz a necessidade
derivação/ extensão da Pluralista. O esforço de superação funcional do Estado da análise do modo de produção
das óbvias limitações (e irrealismo) da visão Pluralista capitalista. O Estado é entendido como um “capitalista
levou à aceitação da existência de elites, proposta como coletivo ideal”. Ele provê as condições materiais
fundamento teórico da visão Elitista. gerais para a produção; estabelece as relações legais
A visão Elitista (ou neopluralista) ressalta o poder genéricas; regula e suprime os conflitos entre capital
exercido por um pequeno número de bem organizados e trabalho; e protege o capital nacional no mercado
interesses societais e a habilidade destes para alcançar mundial (Altvater).
seus objetivos.
ü Escola “de Frankfurt”: O Estado é entendido
10.3.3. A visão Marxista como uma “forma institucionalizada de poder político
que procura implementar e garantir o interesse
A visão Marxista aponta a influência dos interesses coletivo de todos os membros de uma sociedade de
econômicos na ação política e vê o Estado como um classes dominada pelo capital”. Combina as visões
importante meio para a manutenção do predomínio de funcional e organizacional. (Offe).
uma classe social particular.
seu próprio interesse (public choice)? Num dos estudos seminais acerca das “elites
ü Como se organiza? governantes”, Robert Dahl (1958) tomou como ponto de
partida os resultados do trabalho de, por um lado, Floyd
A reflexão sobre a burocracia dá-se num contexto Hunter (1953), sobre o poder local (concluindo que o
marcado pelo embate capitalismo x socialismo (que controle estava nas mãos de um pequeno grupo de
terminaria por extinguir o Estado e a própria burocracia). indivíduos-chave) e do estudo de Wright Mills (1956) a
Não terá a benevolência do “marxismo oficial”, ante a respeito do poder nacional, nos EUA (que apontava a
burocracia soviética, neutralizado a crítica que deveriam existência de uma elite formada pelos militares,
fazer seus partidários à burocracia das sociedades corporações e agências estatais). Segundo ele, os
capitalistas. métodos utilizados por HUNTER e MILLS não foram
À pergunta de como se afasta a burocracia “real” suficientemente rigorosos para justificar suas conclusões
do paradigma ideal Weberiano, ou o que é, hoje, um bom a respeito da existência de elites.
burocrata, autores como Chapman respondem: Defendendo um ponto de vista pluralista (em
contraposição ao elitista), ele entende que os
ü a burocracia pode ser um instrumento que permite pesquisadores deveriam analisar casos em que existam
atenuar o poder econômico da burguesia - diferenças de preferência entre os atores: quem estuda
defendendo a democracia - (visão pluralista); ou o poder deve analisar decisões reais, envolvendo atores
que possuam preferências diferentes, e explorar se as
ü a burocracia pode agir em conformidade com o preferências de uma hipotética elite dominante são
poder econômico - autonomia relativa - (visão elitista). adotadas no lugar das de outros grupos. Isso porque,
para DAHL (1958:203), “A tem poder sobre B, na medida
Muitos advogam que, pelo menos nos países em que ele pode levar B a fazer algo que, de outra forma,
capitalistas avançados, o poder decisório da burocracia não faria”. E conclui: “Atores cujas preferências
no processo de policy making parece ser capaz, em prevalecem em conflitos sobre questões políticas-chave
situações normais, de contrabalançar os interesses são os que exercem o poder em um sistema político”.
econômicos. Mas até que ponto a burocracia pode atuar Segundo outros autores, existe consenso de que
num ambiente distinto? Não estará ela presa às formas os conflitos sobre assuntos-chave fornecem evidências
de dominação existentes (conservadorismo “intrínseco”)? sobre a natureza da distribuição de poder, mas estas
O fato é que ela possui um poder cada vez maior de evidências precisam ser suplementadas por análises de
definir o caráter das políticas públicas no âmbito de um não-tomada de decisão. Em alguns casos, a não-tomada
sistema presidido por Estado crescentemente corporativo, de decisão assume a forma de decisão e, ao contrário
que combina a propriedade privada dos meios de produção do que postulam os pluralistas, pode ser investigada com
com o controle público exercido por uma burocracia a metodologia que estes propõem. Mais complicado é
constituída de “filhos da classe média” que acedem a estudar o poder quando exercido como formador de
privilégios no âmbito do Estado de bem-estar. opinião. Essa dimensão é considerada por muitos como
A corrente da public choice que propõe a sendo a mais importante e o aspecto mais difícil da
privatização e a reforma do Estado parece visualizar, na pesquisa de poder. Esta discussão metodológica é o que
sua versão mais de “direita”, o mercado como “regulador” leva HAM e HILL a chamar a atenção para o fato de que
da burocracia, enquanto que uma visão mais de muitas vezes os debates sobre a distribuição de poder
“esquerda” entende a participação e controle públicos na sociedade desenvolvem-se no terreno das
como antídotos eficazes ao poder da burocracia. metodologias de pesquisa utilizadas e definições,
Em suma, as contribuições teóricas a respeito das desviando o foco da natureza e estrutura do poder.
organizações e da burocracia pública ultrapassaram a De modo a tornar mais focada a discussão, estes
perspectiva do formalismo idealizado por Max WEBER. autores descrevem o debate travado entre os analistas
Alguns estudos, ao longo das últimas décadas, vinculados às vertentes elitista e pluralista, a partir de
deslocaram a ênfase para o ambiente das organizações, meados da década de 50, englobando as relações que
enquanto outros deram prioridade às regras e às podem ser estabelecidas entre o poder e sua
estruturas, bem como às relações entre as organizações, determinação ou influência sobre as decisões tomadas
os indivíduos e as estruturas informais. A evolução das em âmbito governamental.
abordagens evidenciou as conexões entre questões Embora se adote aqui o roteiro de apresentação
organizacionais internas e o contexto externo. por eles formulado, vale uma lembrança, que talvez
pareça óbvia. Neste caso, como em tantos outros que se
10.5. Poder e tomada de decisão apresenta ao longo deste capítulo, e que envolvem
escolhas metodológicas, a opção do analista não deve
O estudo dos processos de decisão é um dar-se em função de qualquer consideração normativa.
importante ponto de partida para entender as relações Trata-se de escolher um modelo descritivo; isto é, que
de poder. melhor descreva a realidade existente. Algo que
A análise sobre poder e decisão parte do debate represente, explique, o que é e não o que deve ser. Assim,
entre elitistas e pluralistas, que diferem nas concepções embora o enfoque de apresentação, que adota o capítulo,
sobre a distribuição do poder na sociedade atual, como procure revelar o embate ideológico que preside a
também nos métodos de análise que devem ser usados discussão acadêmica, isto não deve ser tomado (pelo
para proceder a investigação.
contrário!) como uma intenção de sugerir ao analista que DAHL para o exame da influência do poder nas decisões.
seu trabalho de análise deva implicar escolhas que não
aquelas baseadas exclusivamente na fidedignidade, em
relação ao mundo real. 10.5.2. As duas faces do poder
10.5.1. O debate entre pluralismo e elitismo HAM e HILL afirmam que os trabalhos de DAHL,
longe de resolverem as pendências entre elitistas e
Este debate revela as divergências de posição pluralistas, teriam aberto uma nova perspectiva de
entre os estudos de DAHL, por um lado, e os de HUNTER estudos sobre o exercício do poder quando BACHRACH
e MILLS, por outro, sobre a existência de uma elite e BARATZ (1963), criticando as conclusões de DAHL,
dominante, beneficiária das decisões e dos resultados afirmam que o exame do poder não poderia ficar restrito
das políticas públicas em cidades norte americanas, nos a decisões chave ou a um comportamento efetivo.
trabalhos de DAHL e HUNTER, e para todo os EUA, no Estes autores formularam um “complemento” à
estudo de Mills. definição de DAHL sobre o poder, afirmando que “o poder
Em seu trabalho, DAHL (1961) aponta que os também é exercido quando um ator A utiliza suas forças
métodos de pesquisa utilizados por Hunter e Mills não para criar ou reforçar valores sociais e políticos e práticas
foram suficientemente rigorosos para justificar suas institucionais que venham a restringir o debate a questões
conclusões. Utilizando a metodologia que propôs, no seu que possam ser politicamente inócuas à A”.
estudo empírico acerca de New Haven (publicado sob o Esta definição dá origem aos conceitos de
título de “Quem governa”), ele conclui as desigualdades mobilização de opinião ou de conformação do processo
(cumulativas ou não) em recursos de poder, a forma de político a questões seguras. Desta forma, os autores
tomada de decisões importantes e o padrão de liderança apontam para a existência de duas faces do exercício do
(se oligárquico ou pluralista). E concluiu que, no período poder:
de 1780 a 1950, ocorreu uma transição gradativa, em ü uma explícita, atuando no nível dos conflitos abertos
New Haven, da oligarquia para o pluralismo. sobre decisões-chave; e
Outros estudos sobre educação e saúde
concluíram que o poder não estava concentrado em ü outra, não aberta, em que os grupos jogam para
grupos particulares, como teóricos elitistas haviam suprimir os conflitos e impedir sua chegada ao
suposto. Pelo contrário, devido ao fato de os recursos, processo de elaboração da política (à agenda de
que contribuem para o poder, estarem dispersos na política).
população, o poder estava fragmentado entre diferentes BACHRACH e BARATZ contribuíram para o
atores. Embora apenas algumas pessoas tivessem surgimento de uma nova fase do debate sobre a decisão
influência sobre questões-chave, a maioria tinha e o poder, ao sustentar que pesquisar o poder não envolve
influência indireta, através do poder do voto. Essa simplesmente o exame de decisões-chave, como
abordagem evidenciou a importância de considerar como propunha a metodologia de Dahl. Para eles, o poder é
decisões-chave são tomadas e como as preferências, também exercido quando A utiliza suas energias para criar
não só da elite, mas também dos outros grupos de atores, ou reforçar valores sociais e políticos e práticas institucionais
atuam no processo. que limitam o escopo dos processos políticos à consideração
DAHL afirma não haver encontrado evidências da pública somente das questões inócuas para A.
existência de uma elite que seria beneficiada por decisões Citam, como exemplo, as questões sobre preconceito
e orientações das políticas públicas. Diferentemente, de cor, nas quais se vêem claramente as duas faces do
MILLS afirmara, antes dele, que uma elite de poder poder: uma operando nos conflitos abertos sobre decisões-
composta de militares, corporações e agências de Estado chave e, a outra, buscando suprimir conflitos e fazendo de
governava os EUA, e HUNTER, examinado a distribuição tudo para o assunto não entrar no processo político,
do poder em Atlanta, relatara ter observado que o poder mediante o que BACHRACH e BARATZ denominam de
nesta cidade se concentrava sob o controle de um certo “não-tomada de decisão”.
número de indivíduos-chave. A idéia forte dos autores no campo metodológico é
A crítica de DAHL aos estudos elitistas concentra- que a metodologia de DAHL para pesquisar o poder é
se no fato de que os trabalhos que afirmam haver inadequada ou, pelo menos, parcial. Isto porque a teoria
encontrado evidências da existência de beneficiários de pluralista é baseada numa concepção liberal que iguala os
políticas públicas teriam examinado a “reputação de interesses das pessoas a preferências por elas
poder” (posição ou status) de indivíduos em sua expressadas. Mas se os interesses das pessoas forem
comunidade ou organização. Segundo DAHL, estas entendidos não como aquilo que elas afirmam ser, a
pesquisas não teriam se detido sobre as decisões reais natureza destes interesses pode ser inferida através da
que teriam sido tomadas e se, nestas decisões, as observação da ação e da não-ação políticas.
preferências expressas por algum grupo de poder teriam Assim, uma análise completa deve perceber tanto o
sido de fato atendidas em lugar das de outros grupos. que de fato acontece como aquilo que não acontece, e
Estas seriam as bases da metodologia proposta por revelar os meios pelos quais a mobilização de opinião atua
para limitar o escopo do debate.
BACHRACH e BARATZ definem a não-tomada de
decisão como sendo a prática de limitar o alcance real da
tomada de decisão a questões seguras, através da
Gestão Estratégica Pública em Municípios
16 Gapi/IG/Unicamp
5
Esta concepção remete à posição IV da racionalidade limitada por condicionantes estruturais, proposta por FORESTER.
controle ideológico podem ser pesquisadas? modificação das estruturas. A ordem reinante é
É interessante, embora possa ser considerada renegociada, incessantemente. Essa renegociação,
hipócrita, a reação pluralista ao conceito desenvolvido decerto, não constitui um processo fácil, mas, ao abordar
por LUKES: a pesquisa dos “interesses reais” poderia os determinantes da tomada de decisões, ela não deve
ser feita através de avaliações acerca de quem ganha e ser, em absoluto, desconsiderada.
quem perde em determinadas situações. Mas, a pergunta
de “quem se beneficia?”, apesar de interessante, pouco 1. O quadro que segue sistematiza a proposição
tem a ver com a de “quem governa?” de HAM e HILL que, reunindo a contribuição de
De acordo com essa formulação, examinar quem BACHRACH e BARATZ e de outros autores, sugerem
ganha e quem perde, em uma comunidade ou sociedade cinco formas que a não-tomada de decisão pode assumir
particular, revela aqueles cujos interesses reais foram e que deveriam ser tomadas como guia para a pesquisa.
ou não contemplados. Tanto SAUNDERS quanto
BACHRACH e BARATZ concordam em que a questão GUIA PARA A PESQUISA DE SITUAÇÕES
central, nas pesquisas sobre o poder, diz respeito a quem DE NÃO-TOMADA DE DECISÃO
se beneficia. Segundo POLSBY (1980, p. 208), saber
quem se beneficia é tema interessante e frutífero para a
ü usar a força de forma indireta ou velada para
pesquisa, mas difere da questão relativa a quem governa.
impedir que demandas cheguem ao processo
Para ele, mesmo demonstrando que um dado status quo
político (no limite, o terrorismo);
beneficia algumas pessoas de forma desproporcional,
isso não prova que tais beneficiários possam, no futuro,
ü usar o poder para impedir o surgimento de
vir a agir, efetivamente, para impedir mudanças: Isto é
questionamentos através de cooptação;
governar. Seria esse um lembrete útil de que indivíduos
se podem beneficiar, de forma não-intencional, da
ü invocar regras ou procedimentos existentes,
elaboração de políticas.
criar novos ou modificar os existentes como forma
Quando o poder é exercido como formador de
de bloquear reivindicações (“mandar fazer estudo
opinião, torna-se mais complicado estudá-lo. No entanto,
detalhado”, “criar uma comissão”);
este ângulo é o que mais importa. Por isso, a despeito
dos problemas de realizar a sua pesquisa, um grande
ü invocar a existência de valores supremos
esforço vem sendo feito e alguns caminhos foram
para evitar ou desviar contestações não
apontados, em particular o do emprego simultâneo de
desejadas (referência e valores como
teorias aparentemente conflitantes. Segundo BLOWERS
impatriótico, imoral);
(1984, p. 250-251) “é óbvio que perspectivas diferentes
iluminam aspectos diferentes do conflito do poder e cada
ü dissuadir atores mais fracos de agir indicando
uma delas é incompleta”. Essa observação põe em relevo
“sutilmente”, por antecipação, as reações que
a importância da multidisciplinaridade e
poderão ocorrer.
interdisciplinaridade nas pesquisas sobre o poder.
As abordagens disciplinares tradicionais da Ciência
Política revelam bastante força analítica quando se trata 10.5.5. Um quadro sinóptico
da fase ativa do conflito e quando há evidências para
embasar a idéia da existência de participação, de A figura que segue oferece um quadro sinóptico
receptividade e do papel dos atores. A crítica neo-elitista do conteúdo apresentado acima.
é, de certa forma, complementar. O
estruturalismo com raiz na O ESTUDO D O POD E R E DO S PROCESS O S D E DECISÃO
abordagem da economia, com sua (as três faces
fa c es do poder)
ênfase na natureza de classe dos
interesses e das forças econômicas
tipos de c onflito:
subjacentes, e com sua negação da
importância da ação individual na aberto s encobertos latentes
explicação da natureza dos (DA HL: v isão pluralis ta) (BA CHRACH e (LUKES)
BARATZ)
resultados dos conflitos, leva a
análise adiante. Ela pode auxiliar, concepções de poder:
mesmo sem os determinantes de
A tem poder sobre B, A cria ou reforça valores e A exerce poder sobre B
“interesses de classe” ou “forças na m edida em que A práticas institucionais que quando influencia B
econômicas”, porquanto bastaria o leva B a fazer algo que restringem o debate a quest ões de um modo que contraria
conceito de “grupos de poder”, que de outra forma não politicamente inócuas à A seus interesses
incluem elites profissionais e faria
burocráticas. Ressalte-se, porém,
que as estruturas não são fixas e pesquisa sobre s ituações de:
imutáveis: ao invés disso, elas se
modificam pela ação e algumas conflit os abertos não-tomada de
limitação do alcance da
ações podem ser, de propósito, tomada de decisão
e decisões-c hav e decisão
através da manipulação
direcionadas à tentativa de
de valores
10.6. Os modelos de tomada de decisão: estas. Ele é uma caricatura que, mais do que explicar
o confronto entre o racionalismo a realidade, permite contrastá-la e explicá-la como
um desvio em relação ao modelo;
e o incrementalismo
2. Modelo descritivo: partindo do modelo ideal, e
Como indicado acima, a expressão “elaboração identificando os limites que condicionam o processo
de políticas” dá conta de três processos ligados através de decisão, pode-se chegar a modelos que
de laços de realimentação, que denominamos de descrevem satisfatoriamente a realidade;
momentos, mas que são mais comumente (embora
equivocadamente, no nosso entender) referidos como 3. Modelo prescritivo: supõe uma intenção acerca
fases ou etapas. Esses processos são usualmente de como deve ser a realidade.
separados, para fins de análise, em formulação,
implementação e avaliação de políticas. Existe uma fundada associação entre o
O debate acerca do grau de objetividade e incrementalismo e a postura descritiva da análise política,
racionalidade com que deve ser efetivado o primeiro e entre o racionalismo e a postura normativa. Não
destes processos - o processo decisório ou da formulação obstante é uma preocupação recorrente dos autores que
de políticas, ou ainda, o momento de definição preliminar pesquisam o tema formular um instrumento normativo
de objetivos e estratégias - através da ação dos analistas, que evite o irrealismo do racionalismo e a incompletude
fazedores de política ou mesmo dos dirigentes públicos, do incrementalismo.
é um tema importante da Análise de Políticas. A posição A visão incremental destaca que a ação de
aparentemente predominante no debate entre a visão “partidários” de posições distintas, interessados em
racional e a incremental é aquela que atribui a esta última influenciar as decisões no âmbito do processo político,
um maior peso aos fatores de ordem política (politics) ao provocarem um ajuste mútuo e contínuo entre suas
nas escolhas que são efetivamente realizadas no decorrer posições, assegurariam o ideal democrático do
do processo decisório. Podem ser encontradas na pluralismo. Ressalta, por outro lado, que o racionalismo,
literatura diversas abordagens que buscam verificar os por não considerar os interesses políticos existentes na
limites e relações entre racionalidade, poder e decisão sociedade, conduziria à “engenharia social” e ao
e, desta forma, fazer com que a Análise de Política possa autoritarismo.
de fato ser um suporte às decisões e uma ferramenta SIMON, em “O comportamento administrativo”
para a melhoria do processo de elaboração de políticas. (1945), ao concentrar ênfase na busca por eficácia
administrativa no interior das organizações, para a análise
10.6.1 As origens do debate do processo de decisão, avança na caracterização das
duas visões.
HAM e HILL utilizam um enfoque histórico que é o Segundo ele, a visão racional envolve comparar
aqui adotado para entender as origens deste debate. Para (e escolher) as alternativas que melhor sirvam à obtenção
tanto, examina-se os autores mais representativos das de um dado resultado. Ela envolve:
duas visões, estudando, especialmente, as abordagens 1. listar todas as estratégias alternativas;
críticas de LINDBLOM (1965), SIMON (1945), DROR 2. determinar todas as conseqüências que decorrem
(1964), e ETZIONI (1967), sobre os modelos racional- de cada estratégia alternativa;
compreensivo, de racionalidade limitada, incremental e 3. avaliar comparativamente cada um dos conjuntos
de análise estratégica, buscando pontos em comum e de conseqüências.
relações entre eles. SIMON reconhece que seu enfoque possui
Partindo das duas posições extremas, é possível limitações, a partir das perguntas que formula:
mostrar como se pode ir gerando uma postura
eqüidistante e eclética. Reconhecendo que os dois 1. que valores devem ser usados para guiar o
modelos - incremental e racional - são lentes conceituais processo de escolha? como identificar os valores das
irreconciliáveis enquanto tais, o objetivo é chegar a uma organizações?
visão adaptável às diferentes situações encontradas na 2. as organizações não são homogêneas. Os valores
realidade. a elas imputados terminam sendo aqueles dos
As duas devem, de fato, ser interpretadas como indivíduos dominantes;
modelos idealizados do processo de tomada de decisão, 3. a tomada de decisão não se processa da forma
que se baseiam em posições no limite antagônicas acerca lógica, abrangente e objetiva inerente ao
da estrutura de poder na sociedade capitalista, da procedimento racional;
concepção do Estado e do papel da burocracia. 4. como separar fatos e valores, e meios e fins no
Para entender mais claramente a questão, cabe processo decisório se os meios para tanto também
lembrar a distinção clássica entre: supõem valores?
SIMON evolui, em 1957, para um conceito mais
1. Modelo ideal: é uma construção mental, um realista de bounded rationality: a alternativa escolhida não
exercício artificial de raciocínio que consiste, precisa ser a que maximiza os valores do tomador de
inicialmente, em selecionar aspectos de uma dada decisão; só precisa ser boa o suficiente. Portanto, não todos
realidade (ou sistema), que atuarão como variáveis os cursos alternativos de ação precisam ser ponderados.
do modelo, e imputar relações de causalidade entre
ü as decisões dos dirigentes públicos são, em alguma Outro autor que contribuiu significativamente ao
medida, sustentadas por um comportamento de tema é FORESTER (1989). A partir dos estudos de
caráter racional? LINDBLOM e MARCH (1978 e 1982), ele apresenta uma
sistematização que explicita as diferenças entre a posição
ü os analistas podem oferecer formas de trabalho racional-compreensiva e a vertente analítica que percebe
científico que venham a garantir algum apoio contra limites à racionalidade no processo decisório. Baseando-
a incerteza que caracteriza os processos de decisão se em sua importante contribuição, organizou-se o quadro
em âmbito governamental? apresentado a seguir:
MODELOS
infinito ou é poder e é
Tempo sempre limitado limitado tempo é poder limitado conforme
suficiente interesse dos
atores
As diferentes concepções apresentadas revelam conformação das estruturas de poder que estão por trás
o debate sobre as possibilidades do apoio racional às da formulação das políticas. E que as metodologias
decisões e podem fixar os limites entre o mundo da empregadas condicionam o tipo de assuntos a serem
política e as pretensões técnico-racionalistas dos pesquisados e os “achados” que podem ser descobertos.
analistas. Na posição IV, de limitação estrutural, podem
ser encontradas as bases teórico-conceituais para a 10.6.4. O processo de elaboração de
análise de muitas das políticas que são elaboradas em
nosso meio. Políticas Públicas e os modelos de análise
A imagem concebida por HAM e HILL sobre o
ambiente de elaboração da política pública, resultante Para terminar esta extensa seção, a segunda que
da extensa revisão e sistematização da literatura que trata do tema da formulação da política, parece
realizam, aproxima-se do modelo IV de racionalidade conveniente apresentar um resumo sobre o processo de
limitada, com distribuição não eqüitativa de poder entre Elaboração de Políticas Públicas. Ele costuma ser dividido
os diversos interesses em jogo, proposto por Forester. em três fases sucessivas - Formulação, Implementação
Outros dois autores que realizaram um importante e Avaliação - que conformam um ciclo que se realimenta.
trabalho de sistematização são HOGWOOD e GUNN. A política é, primeiramente, formulada, isto é,
Para entender o processo político (penetrar na caixa preta concebida no âmbito de um processo decisório pelos
do enfoque sistêmico) utilizam três modelos (idealizações) “tomadores de decisão”, que pode ser democrático e
do processo de formulação de política: participativo ou autoritário e “de gabinete”; de “baixo para
cima” ou de “cima para baixo”; de tipo racional e planejado
ü modelo racional: baseia-se na hipótese de que a ou incremental e mediante o ajuste mútuo entre os atores
formulação é um processo essencialmente racional, intervenientes; com ou sem manipulação e controle da
em que os atores tomam suas decisões apoiando- agenda dos atores com maior poder; detalhadamente
se numa seqüência de passos sistematicamente definida ou deixada propositadamente incompleta para
observada. No limite, os problemas são entendidos “ver se cola” e como é que fica “na prática”. Dependendo
como “técnicos” (e não políticos), o ambiente é principalmente do grau de racionalidade do processo
consensual, e o processo está permanentemente sob decisório, a fase de Formulação pode contemplar etapas
controle. como pesquisa do assunto, filtragem do assunto,
prospectiva, explicitação de valores e objetivos globais.
ü modelo (burocrático) incremental: supõe que a Depois de formulada, inicia-se a Implementação
formulação é um processo inescapavelmente político, da política, mediante os órgãos e mecanismos existentes
no qual as percepções e interesses dos atores ou especialmente criados pelos burocratas. Dependendo
invadem todas as suas etapas. A implementação, sobretudo do grau de definição da política, eles exercem
mais do que a formulação, é vista como seu poder discricionário - variável principalmente segundo
especialmente problemática. A política é o resultado o nível em que se encontram na hierarquia - adaptando
de uma permanente barganha num ambiente a política formulada à realidade da relação Estado-
conflitado. sociedade e das regras de formação do poder econômico
e político que estas impõem ao jogo entre os atores
ü modelo do processo organizacional: interpreta sociais.
as decisões e ações não como resultado de uma Finalmente, ocorre a Avaliação da política, quando
escolha racional, mas de um comportamento os resultados - entendidos como produtos e metas
baseado em rotinas e procedimentos-padrão definidos e esperados num âmbito mais restrito - e
sistemática e previamente definidos. impactos - entendidos como produtos sobre um contexto
mais amplo e muitas vezes não esperados ou desejados
A opção de adotar o modelo racional como -, decorrentes de sua Implementação são comparados
referência, com status normativo, não deve levar a uma com o planejado, ou no limite, quando a Formulação se
desconsideração dos aspectos políticos inerentes ao dá de forma totalmente incremental, aprovados através
processo de elaboração de políticas. Por outro lado, de um critério de satisfação dos interesses dos atores
descartar esse modelo seria compactuar com aqueles envolvidos. É o grau de racionalidade da fase de
que, cinicamente, desqualificam qualquer pretensão de Formulação e o estilo de Implementação que definem
tornar o processo de elaboração de políticas mais como irá ocorrer a Avaliação. No extremo racional, em
adequado para a solução dos problemas sociais. que existe uma intencionalidade de mudança de um
Como ressaltam HOGWOOD e GUNN: determinado sistema, a Avaliação é condição necessária.
“O modelo racional é aplicado para resolver É através dela que o trânsito do sistema de uma situação
problemas de uma forma sistemática. Ele deve ser inicial a uma outra situação, tida como desejada, pode
também usado para resolvê-los de uma maneira ser promovida. É a Avaliação que aponta as direções de
democrática.” mudança e as ações a serem implementadas num
Do ponto de vista da análise, deve ser sempre momento ulterior. Após a implementação dessas, e a
lembrado que a opção por uma das interpretações impõe avaliação dos resultados alcançados é que,
diferenças substantivas em termos da metodologia de iterativamente, serão propostas novas ações que levarão
pesquisa a ser usada e, portanto, hipóteses quanto à o sistema a aproximar-se do cenário desejado.
Pode-se sintetizar a discussão colocada nesta implementada é necessário que dez pré-condições sejam
seção, dizendo que a associação entre incrementalismo observadas:
e sociedades plurais e entre racionalismo e sociedades 1. Que as circunstâncias externas à agência
totalitárias é falsa (Etzioni). E que, muito importante, é responsável pela implementação não imponham a esta
necessário resgatar a questão central acerca do que restrições muito severas;
significa o racionalismo em sociedades democráticas. 2. Que tempo adequado e recursos suficientes sejam
Uma coisa é tentar definir os objetivos de uma colocados à disposição do programa;
determinada sociedade de uma forma racional, outra é 3. Que não haja nenhuma restrição em termos de
procurar implementar os objetivos democraticamente recursos globais e que, também, em cada estágio do
estabelecidos através de um modelo racional. processo de implementação, a combinação necessária
de recursos esteja realmente disponível;
10.7.Modelos para o estudo da 4. Que a política a ser implementada seja baseada em
uma teoria de causa e efeito válida;
implementação de políticas 5. Que as relações de causa e efeito sejam diretas e
em pequeno número;
O estudo da implementação é às vezes 6. Que haja uma única agência de implementação que
denominado o “elo perdido” entre a preocupação com o não dependa de outras ou, se outras agências estiverem
policy making e a avaliação dos resultados e impactos envolvidas, que as relações de dependência sejam
da política. Ele pode ser resumido à pergunta: Por quê pequenas em número e importância;
certas políticas são bem sucedidas (bem implementadas) 7. Que haja entendimento completo, e consentimento,
e outras não? acerca dos objetivos a serem atingidos; e que estas
Dizemos que a implementação foi mal sucedida condições persistam durante o processo de
quando a política foi colocada em prática de forma implementação;
apropriada, sem que obstáculos sérios tenham-se 8. Que ao mobilizar-se para o cumprimento de objetivos
verificado, mas falhou em produzir os resultados acordados seja possível especificar, em completo
esperados. Neste caso, é provável que o problema (falha) detalhe e perfeita seqüência, as tarefas a serem levadas
da política não esteja na implementação propriamente a cabo por cada participante do programa;
dita, mas na formulação. 9. Que haja perfeita comunicação e coordenação entre
Dizemos que há um hiato (gap) de implementação os vários elementos envolvidos no programa;
quando a política não pôde ser colocada em prática de 10. Que aqueles com autoridade possam exigir e obter
forma apropriada porque aqueles envolvidos com sua perfeita obediência.
execução não foram suficientemente cooperativos ou
eficazes, ou porque apesar de seus esforços não foi 10.7.2. O enfoque bottom up
possível contornar obstáculos externos.
Para verificar de que tipo é a situação que se está O enfoque bottom up constitui-se a partir de críticas
tratando, a questão chave é escolher quais dos dois ao enfoque top down ou da introdução de restrições ao
enfoques (top down e bottom up) é a ela mais adequado. que se poderia considerar o caso perfeito, ideal, de
isto é, a qual destes dois extremos a política em análise elaboração de política. Elas são classificadas em:
encontra-se mais próxima. Esta escolha deve dar-se em
função de uma avaliação de conjunto que deve ser 1. relativas à natureza da política: A política entendida
realizada tendo em conta as características que apresenta como instância que, ao ser definida (ou “indefinida”),
a política. Freqüentemente, inclusive porque ela é sempre “cria problemas” de implementação. Políticas deste
uma solução de contingência, de compromisso (situações tipo, que projetam conflitos (ou compromissos) não
mistas podem ocorrer) e por aproximação, esta escolha resolvidos, que não contemplam recursos para sua
pode se modificar ao longo da análise. implementação, que envolvem relações pouco
definidas entre organizações que as devem
10.7.1. O enfoque top down
implementar, que envolvem a criação de novas
organizações, etc. são denominadas “simbólicas”;
O modelo ou enfoque top down aborda o porquê
de certas políticas serem bem sucedidas (bem 2. relativas às relações entre a formulação e a
implementadas) e outras não, partindo de uma definição implementação: A política entendida como uma
de implementação como um processo em que “ações de instância e como um compromisso que se mantém e
atores públicos ou privados são dirigidas ao cumprimento se renova ao longo do processo de implementação;
de objetivos definidos em decisões políticas anteriores”. o que faz com que se torne difusa a interface entre
A política é, assim, entendida como uma formulação e implementação;
“propriedade” dos policy makers situados no topo das 3. relativas às instâncias normativas adotadas pelos
organizações, como atores que têm o controle do analistas. O enfoque bottom up parte da análise das
processo de formulação. redes de decisões que se dão no nível concreto em
O hiato entre as aspirações desses atores situados que os atores se enfrentam quando da
num plano central (federal, p.ex.) e realidades locais seria implementação, sem conferir um papel determinante
a causa dos déficits de implementação. às estruturas pré-existentes (relações de causa e
Para que uma política de tipo top down seja bem
Gestão Estratégica Pública em Municípios
Gapi/IG/Unicamp 25
legislativo ou nos gabinetes dos administradores de alto locus onde ocorre o processo decisório, o principal agente
escalão, uma vez que, de uma maneira importante, ela é responsável pela implementação das políticas e,
de fato feita nas repartições lotadas onde se dá o freqüentemente, onde se avalia o resultado das políticas
atendimento diário do público pelos street-level que nela se formulam e implementam.
bureaucrats. Também no caso das organizações é possível
O poder desses funcionários na conformação das “destilar” modelos capazes de serem usados para sua
políticas efetivamente implementadas é análise. Apoiando-se na contribuição de ELMORE (1978),
consideravelmente superior ao de outros funcionários é possível classificar as organizações em quatro tipos,
públicos de mesmo nível hierárquico e remuneração, mas tomando como referência particular o momento da
que não atuam diretamente com o público. Isto faz com implementação e referindo-os a quatro categorias de
que possam ser considerados como os efetivos análise. Para cada um dos tipos, a Implementação é
“fazedores da política”. entendida, respectivamente, como um sistema de
Estes funcionários - os “implementadores”- gerenciamento, como um processo burocrático, como
quebram regras e estabelecem rotinas para poderem desenvolvimento organizacional e como um processo de
trabalhar, pois caso operassem “segundo o regulamento” conflito e barganha, referidos a quatro categorias de
paralisariam o serviço. Exemplo disso é o que ocorre em análise - Princípio Central, Distribuição de Poder,
situações de conflito em que, freqüentemente, antes de Processo de Formulação de Políticas e o Processo de
entrarem em greve, realizam uma “operação tartaruga” Implementação propriamente dito.
como forma de boicote. O seu poder manifesta-se tanto Os quadros que seguem mostram as
em relação aos consumidores como em relação às características de cada tipo de organização.
agências às quais pertencem.
O seu poder discricionário
é tanto maior quanto: Tipo 1: Organização como Sistema de Gerenciamento
Organizações operam como maximizadores racionais de valor. O atributo
ess enc ial é o procedimento direc ionado a metas; as organiz ações são efic ientes
ü maior a diferença entre a Princípio
na m edida em que maxim izem seu desempenho em relação a seus objetivos e
demanda e a oferta de recursos Central
metas centrais. Cada tarefa que um a organização executa deve contribuir para
disponíveis para serem pelo menos um dos objetiv os que refletem os propósitos da organização.
alocados;
ü menos claras forem as Distribuição
O rganizações são es truturadas sobre o princípio do controle hier árquico. A
responsabilidade pela formulação de políticas e controle completo sobre os
determinações emanadas da de Poder s is temas operacionais recai sobre a alta gerência que aloca tarefas es pec íficas e
direção da agência; objetivos a unidades subordinadas e acom panha seu desempenho.
ü mais pobre ou menos
Para todas as tarefas que a organização executa, existe uma alocação ótima
poderosa e difusamente
de responsabilidade entre sub unidades que maximiza o desempenho da
organizada for a clientela. organização para o cumprimento de seus objetivos. A form ulação consiste em
Formulação
encontrar este ponto ótimo e mantê-lo, ajus tando continuam ente a alocação
Como uma recomendação
interna de responsabilidades.
conclusiva para que a análise do
comportamento dos burocratas Cons iste em definir de uma detalhada relação de metas que reflita
chegue ao resultado esperado, exatamente os objetiv os de um a política; determinar responsabilidades e
Implementação padrões de desempenho para sub unidades cons is tente com seus objetivos;
cabe lembrar que eles muitas monitorar sistematicamente desempenho, e elaborar ajustes internos que
vezes entram na carreira com melhorem a consecução das metas. O p rocesso é dinâmico, não estático; o
ideais que não conseguem realizar desenvolv imento impõe continuamente novas demandas que requerem
na prática. Passam sua vida ajustes internos. Mas a implementação é sempre direcionada a metas e
maximizadora de valor.
produtiva num ambiente de
trabalho corrompido. E, em geral, Tipo 2: Organização como Processo Burocrático
consideram que estão fazendo o As duas características centrais são discric ionaridade (arbítrio) e rotina; todos os
melhor que podem, alocando procedimentos importantes podem ser explicados a partir do irredutível arbítrio
recursos materiais e tempo Princípio exerc ido por func ionários individualmente em suas decisões do dia a dia e a
operação de rotinas desenvolvidas para manter e fazer cres cer s ua pos ição na
sempre escassos para atender a Central
organiz ação.
uma demanda que pode ser
O domínio de arbítrio e rotina s ignifica que o poder tende a ser fragmentado e
entendida (segundo a teoria
disperso entre pequenas unidades que exercem estrito controle sobre tarefas
neoclássica) como virtualmente Distribuição específicas em sua esfera de autoridade. O controle que qualquer unidade pode
infinita, uma vez que o preço do de Poder exercer sobre uma outra, lateralmente ou hierarquicamente, se deve a que, como
as organizações vêm se tornando cres centemente complexas, as unidades se
serviço que prestam é nulo.
tornam altamente especializadas e exercem grande controle sobre suas operações
internas.
10.8.2. Os modelos de
organizações e o processo de Cons iste em controlar o arbítrio e mudar rotinas. Todas as propostas v isando
Formulação mudanças são avaliadas por unidades organizac ionais em term os de uma
elaboração de políticas gradação de afastamento em relação às normas determinadas ; desta forma, as
dec is ões na organização tendem a ser incrementais.
As organizações são Consis te em identificar onde a disc ric ionariedade es tá concentrado e onde, no
elementos centrais no processo de repertório de rotinas organiz ac ionais , são necessárias m udanças, criando-se
Implementação
elaboração de políticas. São o rotinas alt ernativas que representem o propósito da política e induzindo as
unidades organizacionais a s ubstituir velhas rotinas por outras novas.
um outro tema.
Tipo 3: Organização como Desenvolvimento Esta seção apresenta os procedimentos que
Organizacional devem ser seguidos para formular políticas que possam
ser implementadas de maneira
O rganizações devem funcionar para satisfazer as necess idades psicológicas e
adequada e para que elas sejam
Princípio sociais básicas dos que as cons tituem, a partir da autonomia e controle sobre seu implementadas de forma a
Central próprio trabalho, da participação nas decisões que os afetem e do compromisso alcançar os objetivos e os
com os propósitos das mesmas. impactos visados. Objetiva a
Organizações dev em ser estruturadas para maximizar o controle indiv idual, capacitação do leitor enquanto
partic ipação e compromisso em todos os níveis. B urocracias hierarquicamente responsável pela elaboração,
es truturadas maximizam estes as pec tos, mas para pes soas que se encontram nos
Distribuição níveis mais altos da organização, às custas dos que se encontram nos níveis propriamente dita, de políticas
de Poder inferiores . Portanto, a melhor est rutura é a que minimiza o controle hierárquico e
públicas.
distribui capacidade de dec isão entre todos os níveis da organização. Este tema da elaboração
Consiste na construção de consensos e sólido relacionamento interpessoal entre
de políticas, enquanto “arte e
os membros do grupo. Depende da c riação de grupos de trabalho efetivos. A técnica de governo”, tem sido
qualidade das relações interpessoais determina em grande medida a qualidade das tratado de forma exaustiva por
Formulação dec isões. Grupos de trabalho efetivos são carac terizados por metas muitos autores, ao contrário do
compartilhadas, comunic ação aberta, confianç a e apoio recíprocos entre membros
do grupo, completa utilizaç ão das habilidades e controle de conflitos . que ocorre com os objeto das
seções precedentes. O fato de
Cons iste na const rução de consensos e acomodação entre fazedores de que o conteúdo apresentado
polític a e implementadores. O problema central da implementação é a nestas seções seja um subsídio
dificuldade do processo resultar em consens os quanto às m etas , autonomia
Implementação tão importante para adquirir a
individual e compromisso com as políticas por part e daqueles que devem
executá-la. capacidade de elaborar (formular,
implementar e também avaliar)
políticas públicas, quanto aquele
Tipo 4: Organização como Processo de Conflito e que se apresenta a seguir, é o que
Barganha nos leva a abordá-lo com um
detalhe comparativamente menor.
Na verdade, a ênfase que damos
O rganizações são arenas de conflitos nas quais indivíduos e sub unidades c om
aos dois tipos de conteúdo é
interesses específicos competem por vantagens relativas no exercício do poder e coerente com a negação que
Princípio na aloc ação de recursos escassos . temos feito da proposição
Centra l Nunca é estável. Ela depende de habilidades transitórias de indivíduos ou unidades
tecnocrática, de que a elaboração
para mobilizar recursos para manejar os procedimentos dos outros. A posição de política pública pode ser
formal na hierarquia é apenas um dos fatores que det erminam a dis tribuição do encarada como a simples
poder. Outros fatores são conhecimento, controle de recursos m ateriais e operacionalização de um conjunto
Distribuição capacidade de mobilizar apoios externos . O exerc ício do poder nas organiz ações é
fragilmente relacionado à sua es trutura formal.
de normas, procedimentos e
de Poder
passos de um manual.
Consiste em um proces so de barganha no interior e entre unidades da
organização. Dec isões negociadas são o resultado de consenso entre atores com
A intenção desta seção é,
diferentes preferênc ias e recursos. Negociação não requer que as partes entrem por isso, construir uma ponte
em acordo sobre objetivos comuns nem eventualmente requer que elas contribuam entre as metodologias de
Formulação para o êxito do processo de negociação. A barganha exige apenas que as part es planejamento usualmente
concordem em ajustar mutuamente sua conduta no interesse de preservar a
negociação como um instrumento para a alocação de recursos.
adotadas por organizações
públicas, cuja ineficácia têm sido
Consis te numa complexa série de decisões negociadas refletindo as preferências insistentemente apontada, e os
e recursos dos participantes. Sucesso ou fracasso não podem ser avaliados
Implementação c omparando-se o resultado com uma simples declarações de intenção, porque
conteúdos apresentados até aqui.
uma lista de propósitos simples não pode gerar um enunciado consistente dos Ou, alternativamente, através da
interesses das diversas partes participantes do processo. O suc esso só pode ser fundamentação proporcionada
definido em relação aos objetivos de um ator no processo de negociação ou em pela Análise Política, e seu
termos de preservação do processo em si mesmo.
emprego para desvelar os
aspectos mais propriamente políticos envolvidos no
10.9. Os Momentos da elaboração de planejamento, contribuir para tornar aquelas metodologias
políticas públicas mais realistas e eficazes.
Assim, esta seção apresenta os procedimentos
sugeridos por diversos autores que buscam melhorar a
A partir das considerações realizadas nas seções maneira como o processo de elaboração de políticas
anteriores, que se referem quase que exclusivamente à desenvolve-se no âmbito do Estado capitalista
análise, propriamente dita, do processo de elaboração contemporâneo, oferecendo aos profissionais ali situados,
de políticas e que buscam capacitar o leitor a analisar e interessados em construir alternativas aos cursos de
criticamente políticas, cuja responsabilidade de ação tradicionais, um conjunto de categorias e métodos
formulação e implementação não é dele, cabe explorar de análise.
Há que se ressaltar, entretanto, que talvez mais ü Implementação da Política (incluindo seu
do que no caso das seções anteriores, a leitura desta monitoramento e controle);
seção não substitui a consulta às obras aqui referidas.
Entre elas, recomenda-se enfaticamente a consulta ao ü Avaliação e revisão da Política;
livro de HOGWOOD e GUNN (1984), Policy Analisys for ü Manutenção, sucessão ou encerramento da
the Real World. Política.
Para facilitar a consulta aos autores citados, talvez Entre os trabalhos voltados à elaboração de
seja conveniente classificá-los em dois grupos. Um políticas, merece ser destacada a análise realizada por
primeiro mais preocupado em construir categorias de DROR, e que pode ser resumida, utilizando-se os termos
análise e descrever processos de trabalho voltados ao do autor, como as etapas para um policy making ótimo:
conjunto do processo de elaboração de políticas (como
LINDBLOM (1981) e HOGWOOD e GUNN), e um outro A - Meta Policy making
grupo, com interesse mais focado no momento de 1. Análise de Valores Sociais e de Atores envolvidos;
formulação (como DROR (1983) e BARDACH (1998)). 2. Análise da Realidade na qual se pretende atuar;
Como método de trabalho para a compreensão do 3. Processamento de Problemas;
processo de elaboração de políticas, LINDBLOM em seu 4. Desenvolvimento de Recursos;
trabalho seminal propõe a divisão no que considera seus 5. Montagem do sistema de Formulação de políticas;
componentes principais. Disto resulta sua sugestão de 6. Alocação e definição de Problemas, Valores e
que os seguintes passos sejam observados: Recursos;
7. Determinação da Estratégia.
1. os diferentes problemas e reclamações, sociais
ou de governo, chegam ao processo decisório e B - Policy making
convertem-se em temas da agenda de política dos 1. Alocação de recursos;
dirigentes; 2. Estabelecimento de metas operacionais;
2. as pessoas ou atores concretamente envolvidos 3. Estabelecimento de priorização de valores;
com o processo concebem, formulam ou descrevem 4. Preparação de um conjunto de alternativas;
estes temas objeto da ação governamental; 5. Análise de custos e benefícios futuros;
3. planejam-se a ação futura, os riscos e 6. Identificação dos melhores resultados por
potencialidades envolvidas, as alternativas, os alternativa;
objetivos previstos e os resultados esperados; 7. Avaliação de custos e benefícios das melhores
4. os administradores aplicam (implementam) a alternativas.
política formulada;
5. uma determinada política pode ser avaliada, o que C - Post Policy making
pressupõe a construção de metodologias específicas 1. Incentivo à implantação da política;
para este tipo de análise. 2. Execução da política;
3. Avaliação da formulação de política.
Uma observação dos três primeiros passos remete
ao processo de formulação de uma política. Muito embora DROR propõe que todas estas 17 fases sejam
a preocupação com a implementação, para que ela seja apoiadas e interligadas por uma forte rede de
eficiente e eficaz, e também a definição dos processos comunicação e retroalimentação.
de avaliação devam existir previamente à implementação BARDACH, ao sugerir uma seqüência de oito
da política, este processo de planejamento deve ser “passos” para a formulação de políticas, ressalta que ela
separado de sua execução propriamente dita. não deve ser entendida como rígida ou completa e que
Estes cinco passos ou “instâncias” de análise em muitas situações é necessário realizar os passos em
apresentadas por LINDBLOM são desdobrados de modo ordem diversa da apresentada. Além disso, e tal como
didático e rigoroso, ao longo de nove capítulos de seu HOGWOOD e GUNN, o autor afirma que o processo de
livro, por HOGWOOD e GUNN. O percurso que adotam formulação da política é sempre interativo, muitas das
para organizar o trabalho do profissional encarregado da etapas repetem-se, e algumas, como a obtenção de
elaboração de uma Política Pública engloba um conjunto informação, pode ter sua execução realizada
de nove fases: recorrentemente ao longo de todo o processo.
ü Escolha de Assuntos para Definição da Agenda; Os passos propostos por Bardach são os
ü Filtragem de Assuntos (ou decidir como decidir); seguintes:
ü Definição ou processamento do Assunto; 1. Definição do Problema a ser enfrentado;
ü Prospecção ou estudo dos desdobramentos 2. Obtenção de informação;
futuros relativos ao Assunto; 3. Construção de Alternativas;
ü Definição de Objetivos, Resultados e Prioridades 4. Seleção de critérios para avaliar alternativas;
da Política; 5. Projeção dos Resultados;
ü Análise de Opções ou Alternativas para Cursos 6. Confrontação de custos;
de Ação; 7. Tomada de Decisão;
Na primeira coluna, da Formulação, opõem-se os então, como uma instância que, se levada a efeito de
modelos incremental e racional; na segunda, da modo cabal, obriga à explicitação de conflitos encobertos
Implementação, confrontam-se os modelos bottom up e (segunda face do poder) e latentes (terceira face do
top down. e, na terceira, da Avaliação, apresentam-se as poder). Neste caso, existe um elemento concreto - o plano
alternativas da avaliação simplesmente ritualística e a - que explicita o acordo alcançado. Em conseqüência, o
que é, de fato, indutora de mudanças sobre o ambiente critério usado para a avaliação do resultado da política é
em que atua a política. a sua aderência aos objetivos planejados e aos impactos
Existe uma óbvia correspondência entre o modelo desejados: o “bom é o que satisfaz o plano”.
situado à esquerda na segunda e terceira colunas com Em termos do acompanhamento do processo de
aquele situado à esquerda na primeira coluna. Ou seja, implementação da política, enquanto o primeiro modelo
se o modelo que mais se adequa à realidade observada permite apenas o monitoramento de alguns efeitos
é o racional, é provável que a implementação da política (impactos) da política, o segundo contempla o
tenha transcorrido de acordo com um modelo top down monitoramento acerca do cumprimento das metas,
e deva ser por seu intermédio analisada. E, se este é o prazos, utilização de recursos, etc.
caso, é provável que a avaliação dos resultados da política Na segunda coluna, da Implementação, opõem-
possa se dar em torno às metas, objetivos, etc, se os modelos bottom up e top down, que devem ser
previamente definidos e que ela seja capaz de induzir escolhidos pelo analista para proceder a sua análise. Esta
mudanças no processo de formulação e, assim por escolha deve dar-se em função de uma avaliação de
diante, ao longo do “ciclo da elaboração de política”. conjunto que deve ser realizada acerca das
Apesar disto, o procedimento que se aconselha é características que apresenta a política e,
considerar esta correspondência como algo a ser testado, freqüentemente, inclusive porque ela é sempre uma
Dado que situações mistas podem ocorrer. solução de contingência, de compromisso (situações
Voltando à Formulação, vemos que o processo mistas podem ocorrer) e por aproximação, ela se modifica
decisório pode seguir (ou ser assimilado a) um modelo ao longo da análise.
incremental, cuja ênfase é basicamente descritiva e, Embora possa parecer óbvio, vale a lembrança:
aparentemente sem conteúdo normativo, ou racional, cujo Neste caso, como no anterior - dos modelos racional e
objetivo não é apenas descrever a realidade, mas explicá- incremental - e em tantos outros que se apresenta ao
la e, explicitamente, atuar sobre ela (prescrever). longo deste capítulo, e que envolvem escolhas
No primeiro modelo, o processo decisório metodológicas, a opção do analista não deve dar-se em
caracteriza-se pela negociação e barganha, sem a função de qualquer consideração normativa. Trata-se de
utilização de qualquer metodologia específica de escolher um modelo descritivo; isto é, que melhor
planejamento, por exemplo. Vigora apenas o diálogo entre descreva a realidade existente. Algo que represente,
partidários de interesses e cursos de ação distintos, todos explique, o que é; e não o que deve ser.
eles dispondo, idealmente, de informação plena e poder Os processos de Implementação de tipo top down
indiferenciado. O resultado do processo é um ajuste entre possuem uma aparência mais “organizada”, planejada,
eles, que tenderá a assumir uma característica racional. Teoricamente, eles seriam a conseqüência, no
incremental, na medida em que a situação a que tende a plano da implementação, da escolha do modelo racional
chegar o processo decisório diferencia-se de forma para guiar (cuidado, não para analisar) o processo de
apenas marginal, incremental, da existente. A formulação formulação. Como existe neste caso uma nítida
tem como resultado um “consenso” de caráter separação entre o dois momentos, a implementação só
freqüentemente ilusório e precário, posto que baseado se inicia depois da formulação ter sido finalizada em todos
em mecanismos de manipulação de interesses (segunda os seus detalhes pelos policy makers. Burocratas
e terceira faces do poder), que constringem a agenda operando agências com hierarquias, cadeias de
de decisão a assuntos “seguros” e conduzem a situações comando, atribuições, atividades etc. bem definidas, sem
de não-tomada de decisão, que costumam favorecer as superposições e rigorosamente consignadas em manuais
elites de poder. Este “consenso” possui, ademais, um são, neste caso, a regra. Havendo ou não racionalidade
caráter efêmero, na medida em que se pode desfazer no processo, o certo é que a existência de mecanismos
quando da implementação da política. A sua de manipulação de interesses associados à “terceira face
representatividade será, assim, tanto menor quanto mais do poder” são uma garantia da implementação de
desequilibrada for a correlação de forças entre os atores. processos tipo top down.
A implementação deste “consenso” é, na Por oposição, no caso dos processos de tipo
aparência, desprovida de conflitos. E, na medida em que bottom up são profissionais com considerável poder de
não exista um elemento concreto como um plano, que decisão sobre os assuntos-chave, de conformação da
explicite o acordo alcançado, o critério usado para a agenda, e elevada discricionariedade, os que
avaliação de seu resultado é: o “bom é o possível”; ou, implementam a política. Um continuum formulação-
em outras palavras, o bom é o que satisfaz a elite. implementação é típico neste caso, e as organizações
O segundo modelo envolve a utilização de envolvidas (ver item seguinte nesta seção) possuem uma
metodologias específicas de planejamento como apoio aparência e lógica de funcionamento totalmente distinta:
ao processo decisório. É através delas que se realiza muito mais “frouxa e desorganizada”. É freqüente em
uma minuciosa definição dos interesses, valores e processos deste tipo que conflitos encobertos no
objetivos de cada um dos atores (ou partidários) de momento da formulação, por impossibilidade ou
interesses e cursos de ação distintos. O plano funciona, inconveniência de que as decisões sejam de fato
tomadas, irrompam com toda a força durante a 10.11.4 Uma tipologia das organizações
implementação. É freqüente que a análise de uma política tenha
A forma como os resultados, produtos e impactos que incluir a análise da organização(ões) com ela
são obtidos em cada caso, ao longo da implementação, envolvida(s). Isto ocorre não apenas porque as
é compreensivelmente variada. organizações são unidades de análise mais suscetíveis
Por isso, na terceira coluna - momento da avaliação de serem analisadas de maneira produtiva,
- sistematizam-se as duas situações extremas, transcendendo as idiossincrasias e subjetividades deste
correspondentes, conforme se apontou, aos modelos ou daquele ator interveniente. Como já ressaltado, elas
incremental e racional, respectivamente. No primeiro são elementos centrais no processo de elaboração; são
caso, do modelo incremental, uma vez que não houve o locus onde ocorre o processo decisório e o principal
uma preocupação prévia em definir indicadores (metas, agente responsável pela implementação das políticas.
etc.) que pudessem mensurar os resultados alcançados, Como ressalta ELMORE (1978): “Uma vez que,
compará-los com os projetados, e assim avaliar em que virtualmente, todas as políticas públicas são executadas
medida o processo de implementação foi bem sucedido, por grandes organizações públicas, somente através do
a avaliação só poderá ser realizada, conforme apontado, entendimento de como funcionam tais organizações é
através de um critério difuso, subjetivo, de satisfação dos que se pode compreender como as políticas são
atores envolvidos. Critérios ex-post, exógenos ao lapidadas em seu processo de implementação”.
processo, são então adotados de modo a proceder ao Embora não exista um procedimento padrão para
que denominamos de avaliação ritualística, uma vez que proceder a sua análise, mesmo porque a vertente da
ele é mais um processo de legitimação, não raro administração durante muito tempo considerou pouco
manipulador e demagógico, do que uma avaliação relevante a pergunta de “por quê as organizações não
propriamente dita. funcionam como deveriam”, é possível encontrar algumas
No caso do modelo racional, ocorre o oposto. Uma pistas nas contribuições relativamente mais recentes à
vez que indicadores adequados foram definidos, e que teoria das organizações.
critérios ex-ante, endógenos ao processo, foram Talvez a contribuição mais significativa, neste
explicitamente adotados, a verificação de consecução das sentido, seja a realizada por ELMORE (1978),
metas, resultados e impactos esperados se dá de modo apresentada na seção “Os modelos de organizações e o
transparente e inequívoco. Ao contrário do caso anterior, processo de elaboração de políticas”. A partir dela é
em que o parâmetro de avaliação é o grau de satisfação possível caracterizar as instituições que se pretende
das elites que dominam o processo de elaboração da analisar. De fato, uma boa providência para iniciar a
política desde a sua formulação, a avaliação pode ser análise de uma organização, quando não se conta ainda
realizada através da comparação entre metas e com elementos suficientes para realizar um trabalho mais
resultados, conduzindo a mudanças significativas no focado, é tentar classificá-la num dos quatro modelos ou
próximo “ciclo da elaboração de política”. “casos ideais” em relação aos quais o caso concreto que
se está analisando pode ser considerado como um
desvio.
O quadro apresentado a seguir, provocativamente
denominado “Grade para Identificação de Organizações”,
fornece uma visão sintética da contribuição de ELMORE.
Trata-se de uma “matriz de dupla entrada”, com dezesseis
células construída a partir da tipologia apresentada na
seção acima indicada. Em conjunto com ela, o quadro
proporciona pistas de pesquisa que permitirão iniciar o
trabalho de uma forma metódica, através do uso das
categorias do estudo das organizações. O seu objetivo é
reforçar a recomendação de que as categorias que
sugere sejam usadas para iniciar um processo de análise
de uma organização qualquer.
-controle hierárquico -fragmentado entre -disperso: minimizar controle -poder instável, dependente da
Distribuição de Poder
-top down subunidades hierárquico e maximizar capacidade de alavancar
especializadas controle individual recursos e não da hierarquia
Formulação (decisão) de -encontrar o ótimo teórico e -controlar a discricionariedade -qualidade = F (sinergia entre -negociação permanente, não
políticas organizacionais mantê-lo para alterar incrementalmente grupos de trabalho efetivos) por metas mas para preservar
as rotinas -consenso baseado em mecanismo de alocação de
confiança e relacionamento recursos
interpessoal
Processo de implementação - adequação do comportamento -identificação dos pólos de -acomodação entre -êxito: preservação da
a valores e metas poder para coibi-los e formuladores (metas) e negociação
possibilitar a mudança implementadores
(autonomia)
de política.
10.11.5. O confronto entre o Planejamento
Assim, se o analista opera enquanto “fazedor de
Tradicional e a Negociação políticas” numa área de política pública em que o ambiente
O debate em torno das “bondades” do político é semelhante ao tipificado à esquerda, em que o
planejamento tradicional vis-à-vis a negociação é poder é assimétrico ou encontra-se concentrado, e a
recorrente na literatura sobre o Planejamento e a Análise presença de mecanismos de manipulação de interesses
de Política. Como freqüentemente costuma ocorrer, este (segunda e terceira faces do poder) facultam um efetivo
debate situa-se muitas vezes sobre bases falsas, controle da agenda de decisão, sua escolha metodológica
imputando, cada contendor ao outros, posições que não deverá estar pautada:
correspondem à realidade. A tática de “construir um ü no que diz respeito à visão do Estado, pela
espantalho para derrubá-lo mais facilmente” faz com que concepção elitista e não pela pluralista;
às vezes fique difícil ao analista desvelar a realidade em ü no que tange ao modelo do processo de decisão
meio à neblina ideológica que cerca debates deste tipo. (neste caso normativo e não descritivo), no racional
O quadro abaixo é um guia metodológico que dialoga e não no incremental;
com alguns dos capítulos deste documento (e não com as
demais seções deste capítulo), nos quais o analista ü no que respeita ao auxílio do processo de decisão,
encontra-se tipicamente inserido numa estrutura de o analista deve procurar construir um modelo
elaboração de políticas (ou de planejamento) no interior do explicativo causal da realidade observada, que
aparelho de Estado. permita aos tomadores de decisão uma visão
O quadro sistematiza as diferenças mais notáveis adequada das conseqüências de suas preferências
apresentadas num processo de elaboração de política e ações, e não simplesmente aplicar o modelo
quando conduzido de acordo com o espartilho extremo normativo ou institucional já consagrado e que tende
do Planejamento Tradicional, ou segundo o figurino - cuja quase que inexoravelmente à reprodução do status
aparência fashionable é, entretanto, às vezes ilusória e quo;
demagógica - da Negociação. ü Finalmente, e ainda no que concerne ao auxílio do
processo de decisão, o analista deve
esforçar-se para que seja estabelecido um
Elaboração de Políticas Públicas compromisso explícito entre os atores. Isto
Planejamento é, que seja concebido um plano o mais
Negociação
Tradicional racionalmente detalhado possível (em que
Poder Poder não somente metas e resultados sejam
assimétrico FORMULAÇÃO distribuído definidos, mas que sejam explicitados os
PROCESSO Agenda permeável
Agenda controlada valores e interesses dos atores
DECISÓRIO
a a
2 e 3 faces Conflitos abertos intervenientes) e não confiar
simplesmente que o “ajuste mútuo de
CONTINUUM
do poder
Marco
Modelo
POLICY:
POLICY: partidários” leve a uma solução que
valores Institucional
Explicativo objetivos TOP DOWN
bom é o
Normativo assegure a melhoria das políticas.
meios possível
Causal Por oposição, se o ambiente político
Ajuste mútuo
Plano entre partidários com o qual se defronta o analista enquanto
IMPLEMENTAÇÃO “fazedor de políticas” é semelhante ao
RACIONALISMO INCREMENTALISMO
tipificado à direita, sua opção metodológica
CONCEPÇÃO CONCEPÇÃO
deverá ser a oposta em cada um dos
ELITISTA PLURALISTA planos de escolha acima indicados.
autoritarismo ou participação? O estilo e a atuação contracorrentes,
democracia ou manipulação?
tecnocracia ou transparência?
mudança ou status quo?
que aqui se recomenda ao analista “fazedor
de política”, parecem ser os mais coerentes
com o ideal burocrático weberiano e com
uma proposição ideológica fundada em valores
Muitos dos conceitos e relações que nele aparecem democráticos. Segundo ela, cabe aos servidores públicos
são os utilizados no quadro anterior e foram apresentados privilegiar a transparência, a participação, a
no decorrer do capítulo. Por esta razão, e adotando um desconcentração do poder, a igualdade de direitos e
procedimento semelhante ao do item anterior, exploram-se oportunidades a todos os cidadãos em detrimento do
os contrastes existentes entre as situações (concepções e autoritarismo, do comportamento tecnocrático, da
modelos) extremas, normalmente assimilados ao manutenção do status quo e da manipulação de interesses.
Planejamento Tradicional e à Negociação. Finalmente, cabe ressaltar que este estilo parece
O quadro pode então ser entendido como um ser, ainda mais do que em outras regiões, um objetivo a
conjunto de critérios auxiliares para a decisão acerca de ser perseguido por aqueles que, na América Latina,
que cursos de ação deve tomar - Planejamento Tradicional percebem a extrema concentração de poder econômico
ou Negociação - na presença de situações extremas, tendo e político que entrava o nosso desenvolvimento.
como pressuposto o compromisso inerente à postura
normativa já referida, da melhoria do processo de elaboração
11 METODOLOGIA DE
TRABALHO EM
EQUIPES
por equipe dirigente de uma organização. Entre os
procedimentos típicos da preparação de reuniões,
destaca-se uma série de sugestões e comentários
específicos para a composição de equipes de trabalho
no interior das organizações.
Ainda que aparentemente possam ser percebidos
11.1. Apresentação como sendo de senso comum, os procedimentos
apontados não são adotados usualmente como práticas
de trabalho nas organizações públicas. Fruto de nossas
Este capítulo tem por finalidade apresentar aos experiências, podemos afirmar que grande parte dos
participantes procedimentos para ampliar a efetividade entraves e dificuldades comuns na gestão pública
do trabalho em organizações públicas. Ele é voltado poderiam ser evitados com a adoção de procedimentos
menos a conteúdos do que a práticas de trabalho em de trabalho simples e “óbvios” como os check lists
equipe, de rápida assimilação e fácil incorporação à apresentados.
cultura dessas organizações. A sua adoção permitirá Os conhecimentos e cuidados enfocados neste
aumentar a capacidade de trabalho e melhorar a capítulo buscam garantir uma base geral para maior
coordenação de ações e a implementação de políticas. efetividade no trabalho de equipes dirigentes no interior
É bastante amplo e variado o espectro de temas de organizações públicas.
que abarca, indo desde assuntos complexos, como a
filosofia da linguagem, até simples check lists para 11.2. Comunicação para a Ação
verificação das providências necessárias para organizar
uma reunião. O trabalho em grupo é aqui considerado
como o principal padrão operacional das atividades Este item foi elaborado, principalmente, a partir das
realizadas por equipes de direção em âmbito público. É contribuições do professor Fernando Flores (1991, 1994).
um espaço extremamente importante para viabilizar As organizações funcionam com base na
processos decisórios mais efetivos. Este capítulo, então, integração das atividades e iniciativas de indivíduos e
pode ser entendido como um substrato para o equipes. Uma das formas de produzir esta integração é
compromisso de aperfeiçoar a elaboração de políticas organizar os processos de comunicação interna, já que
públicas, conforme expresso no capítulo sobre Metologia para trabalhar as pessoas estão sempre coordenando
de Análise de Políticas Públicas. suas ações em relação às ações de outras. A
comunicação nas organizações pode ser vista como um
O capítulo é composto por três segmentos. fluxo contínuo de conversações voltadas à negociação,
fixação e verificação do cumprimento de compromissos
O primeiro, nas próximas três seções, apresenta através da troca de mensagens escritas e faladas entre
elementos conceituais gerais que conformam a pessoas e equipes.
comunicação humana, denominados como Atos Ao falar, estamos coordenando ações, fazendo
Lingüísticos básicos - afirmações e declarações - e, no coisas, produzindo. O que permite a coordenação de
interior destas, os compromissos. A seção 11.4 destaca ações é a existência de uma linguagem comum utilizada
uma visão original a partir da teoria da linguagem sobre nas falas e documentos que conformam os processos
as distinções possíveis entre falar e escutar, e suas de discussão e decisão nas organizações. A coordenação
implicações para uma boa comunicação no trabalho. de ações pode ser vista como um fluxo de conversações;
O segundo segmento, seções 11.5 a 11.9, e toda conversação pode ser reduzida a uma pequena
apresenta um modelo para coordenação de ações que variedade de movimentos básicos de linguagem. Estes
tomam como base elementos de estudos da linguagem movimentos básicos são chamados Atos de Fala ou Atos
consubstanciados em padrões a partir dos quais as Lingüísticos (SEARLE, 1969, 2000). São eles que
pessoas se comunicam cotidianamente no trabalho. Esse constituem os significados nos discursos e permitem
modelo resume e exemplifica o uso de recursos de estruturar a comunicação voltada ao trabalho e à ação
linguagem básicos. Seu objetivo é desenvolver de governo. Como regra geral, toda a comunicação
procedimentos voltados à otimização da comunicação humana relacionada ao mundo do trabalho, mas não
entre as pessoas e à coordenação de ações em equipes apenas a esse ambiente, pode ser realizada utilizando-
de trabalho como elementos fundamentais para a se dois tipos distintos de atos lingüísticos: as afirmações
elaboração de políticas. É dado destaque na seção 11.7 e as declarações.
- planejamento de conversações - às diversas Ao considerarmos a fala como ação - que sempre
modalidades de comunicação envolvidas nas reuniões estabelece um vínculo entre a palavra de um lado e o
que usualmente são realizadas nos espaços de trabalho. mundo, de outro -, cabe perguntar: Quem tem a primazia;
O terceiro segmento, seção 11.10, sintetiza a palavra ou o mundo? Quem conduz a ação?
procedimentos operacionais para a realização de Quando a palavra deve adequar-se ao mundo e,
encontros ou reuniões no espaço cotidiano de trabalho. portanto, o mundo é que conduz a palavra, falaremos de
Os procedimentos são aqui sub-divididos em padrões de afirmações.
organização de caráter preparatório, para realização Quando ocorre o contrário, a palavra buscando
modificar o mundo; ou seja, o mundo é que deve adequar- “vai chover amanhã”. Teremos que esperar até amanhã
se à palavra, falaremos de declarações. para sabermos se a afirmação é verdadeira ou falsa. Nas
afirmações acerca do passado, pode ocorrer algo similar.
11.2.1. Afirmações Ex. “choveu em Brasília no dia 10 de maio de 1942”.
Teoricamente, pode ser confirmada a afirmação.
As afirmações têm a ver com o mundo dos fatos.
As afirmações correspondem às descrições, pois Falar, portanto, nunca é um ato inocente. Cada ato
são proposições acerca de nossas observações. Elas lingüístico caracteriza-se pelos diferentes compromissos
buscam descrever as coisas como elas são, embora não sociais envolvidos. Quando afirmamos algo nos
saibamos como elas são realmente. Sabemos somente comprometemos com a veracidade de nossas afirmações
como as observamos. E, dado que os seres humanos perante a(s) pessoa(s) que nos escuta.
compartilham, por um lado, uma estrutura biológica
comum e, por outro, a tradição de distinções de sua
comunidade, lhes é possível compartilhar o que 11.2.2. Declarações
observam. Mas, isso nem sempre ocorre. Só podemos
dizer que os indivíduos têm estruturas biológicas Nas declarações, geramos um novo mundo para
diferentes. As distinções entre as cores vermelho e verde nós. A palavra gera uma realidade diferente. Depois de
só nos falam de nossa capacidade de reação diante do dizer o que se disse, o mundo já não será mais o mesmo
meio externo, mas não nos falam da mesma realidade de antes. Este foi transformado pelo poder da palavra.
externa. Nós, seres humanos, observamos segundo as Exemplo: declaração de independência de um país.
distinções que possuímos. Isto significa dizer que, sem As declarações não ocorrem somente em
distinguir mesa não posso observá-la. Posso ver momentos especiais da história. Elas estão em nosso
diferenças em termos de cor, de textura, de forma, etc. cotidiano - quando o juiz diz, inocente; quando um árbitro
Assim, por exemplo, não podemos falar de domingo, Rio diz, gol; quando o oficial diz, vos declaro marido e mulher;
de Janeiro e sol, sem as distinções do que sejam quando dizemos em nossa casa, é hora de jantar; quando
domingo, Rio e sol. Alguém que não tenha estas alguém cria uma nova companhia; quando alguém
distinções não pode afirmar “fez sol domingo passado contrata ou despede uma pessoa; quando o professor
no Rio”. Quem tem razão? Quem está mais próximo da diz, aprovado - em todos estes casos, o mundo passa a
realidade? A pessoa que tem as distinções ou a pessoa ser diferente depois da declaração. A ação de fazer uma
que não as tem? Estas perguntas só fazem sentido para declaração gera uma nova realidade. A realidade se
as pessoas que compartilham o mesmo conjunto de transforma segundo a vontade de quem fala, e assim, as
distinções. As afirmações se fazem sempre dentro de coisas deixam de ser como eram antes.
um “espaço de distinções” já estabelecido. Diferentemente das afirmações, as declarações
Mesmo compartilhando o que observamos, não não estão relacionadas com nossas capacidades
podemos afirmar que as coisas são como realmente são. compartilhadas de observação. Estão relacionadas com
Podemos somente concluir que compartilhamos das o poder. E isso faz toda a diferença. Adicionalmente, para
mesmas observações; isto é, que observamos o mesmo. as declarações terem validade é preciso que sejam
Quanto à distinção entre o verdadeiro e o falso, cumpridas. Esta capacidade vem da força ou da
esta só é válida para condições sociais e históricas autoridade. A força nos obriga a aceitá-la, para evitar
determinadas. O verdadeiro e o falso são convenções desintegração. A autoridade é o poder que um grupo
sociais que tornam possível a coexistência em sociedade. social exerce sobre certas pessoas para fazer
Uma afirmação verdadeira é uma proposição para a qual declarações válidas. Ambas são expressões de poder.
podemos apresentar uma testemunha (membro qualquer Exemplos: O juiz que faz um matrimônio tem autoridade
de nossa comunidade com quem compartilhamos das para declarar duas pessoas marido e mulher. Outra
mesmas distinções que, por estar no mesmo lugar neste pessoa declarando o mesmo não geraria o mesmo efeito
momento, pode coincidir com nossas observações). Ao e, possivelmente, ninguém levaria a sério.
dizer “no domingo passado fez sol no Rio”, chamaremos As declarações não são verdadeiras ou falsas
de verdadeira esta afirmação se demonstrarmos que, como as afirmações. São válidas ou inválidas, segundo
com quem temos distinções comuns, estando ele lá no a pessoa que as faz. O oficial de um casamento não
domingo passado, compartilhou do que observamos. poderá dizer mais tarde que, realmente, não queria dizer
Podemos nos valer também de algum documento cuja o que declarou, sem usufruir as conseqüências de um
validade seja aceita. Pode-se pensar que o mundo da atuar inconsistente. A pessoa a quem se outorgou a
ciência funciona com base na busca da construção de autoridade para fazer uma determinada declaração deve,
afirmações sobre eventos e fenômenos que são comumente, cumprir com certas normas para poder fazê-
estudados de forma sistemática. la.
Uma afirmação falsa é uma proposição que, sujeita 11.2.3. Algumas Declarações
a confirmação, seria refutada por qualquer testemunha Fundamentais no Trabalho [e na vida]
que a presenciasse. Se refutada, é falsa, apesar de
continuar sendo uma afirmação. Muitas vezes estas
afirmações não podem ser confirmadas por falta de Há um vasto ramo de declarações que não
condições necessárias, são as afirmações acerca do necessitam de uma concessão social de autoridade,
futuro. Por exemplo, nos casos de previsão do tempo - posto que estão associadas à própria dignidade da
pessoa humana. A saber:
Gestão Estratégica Pública em Municípios
Gapi/IG/Unicamp 39
Se escutamos uma sirene, interpretamos “é uma ü “Escuta” uma preocupação com o andamento do
ambulância, alguém teve um acidente; são os bombeiros, projeto, seja porque as coisas não estão indo bem;
houve um incêndio”, etc. seja porque podem ser ampliadas exatamente por
Cabe então, propor uma diferenciação: ouvir é estarem indo bem;
diferente de escutar. Ouvir é perceber os sons, um
fenômeno biológico. Escutar deve ser percebido como ü “Escuta” que isto implicará em ampliar suas
um fenômeno lingüístico mais complexo: ouvir + atribuições, trabalhar mais e, eventualmente,
interpretar. Podemos fazer uma argumentação aumentar os atritos familiares.
semelhante e ainda mais complexa inserindo, por Ao escutar a resposta “vou estudar o assunto e nos
exemplo, uma distinção entre Olhar e Ver ou Observar. reunimos na semana que vem”, o prefeito “escuta”:
A observação mais ampla sempre implica em
apreender algo além do que foi dito. Escutamos mais do ü um pedido de tempo;
que palavras e frases, escutamos ações. Se quisermos
apreender o sentido daquilo que foi expresso, deveremos ü uma inquietação com a mudança;
captar as ações envolvidas no falar. Quando alguém me
diz: “Você quer participar da reunião amanhã?”, escuto a ü dúvidas acerca da sua decisão, receio frente às
frase que foi dita, um pedido que foi feito e a ação possíveis conseqüências, etc.
decorrente de minha possível resposta, que será ir ou
não ir à reunião. Em cada momento, um dos interlocutores contribui
Ao escutar um pedido ou uma oferta, sempre com suas histórias para a conversa em andamento.
criamos histórias, nos fazendo duas perguntas:
11.4.2. A Partir de Onde Escutamos e
a) Para quê esta pessoa está me dizendo isto?
Sempre atribuímos um sentido às nossas ações, Interpretamos
fazendo interpretações que lhes dão coerência.
Chamamos essas interpretações - ou histórias - de Tanto quem fala, como quem escuta, o faz a partir
inquietações. Assim, quando nos perguntamos “Para de seus problemas, preocupações e histórias. Podemos
que...?”, estamos indagando: “Quais são as distinguir pelo menos cinco âmbitos, que influem nas
preocupações de meu interlocutor ao me dizer isto?”. interpretações que fazemos:
Estamos ainda construindo uma interpretação sobre as
inquietações a partir das quais o orador está falando. HISTÓRIA PESSOAL
Se escutarmos alguém dizer “Estou pensando em Escutamos a partir de nossa história pessoal,
contratar Jorge para coordenar este projeto!”, e sabendo constituída de vivências e experiências anteriores. Ao
que Jorge é um reconhecido especialista em organização construir as histórias que dão sentido ao que escutamos,
e métodos, posso interpretar que o orador pode estar fazemos associações, tomamos como referência
preocupado com a estruturação do projeto; que o projeto experiências vividas, outros casos conhecidos, juízos já
tenha características que exijam este tipo de formados.
conhecimento; ou que o orador esteja preocupado em
evitar falhas desta natureza ocorridas no passado, ainda CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL
que estas frases não tenham sido ditas de modo explícito. Dado que somos seres sociais, nossa história
Como cada um diz o que diz e seu interlocutor(a) pessoal está altamente impregnada pela cultura da qual
escuta o que escuta, esta interpretação, a história sobre fazemos parte, formada por sistemas de crenças e
as preocupações do orador, pertence a quem escuta e valores, por histórias criadas e recriadas pelo conjunto
não a quem fala. Se pretendermos ser escutados de da sociedade na qual vivemos. Cada um escuta a partir
forma efetiva, precisamos considerar este fenômeno, de um pano de fundo histórico-cultural distinto.
checando com nosso ouvinte se aquilo que ele escutou
corresponde ao que quisemos dizer, perguntando, por ESTADO DE ÂNIMO
exemplo: “O que você escutou?”. Tanto os estados de ânimo com os quais as
pessoas entram num diálogo, quanto os estados de ânimo
b) Como meu futuro poderá ser afetado com isto? que uma conversa cria, influenciam fortemente o escutar.
Conforme o estado de ânimo, serão distintos os
Cada ação que escutamos pode gerar um futuro significados atribuídos ao escutado, as interpretações
diferente, com maior ou menor incidência no curso de desenvolvidas, os juízos sobre o futuro, a predisposição
nossas vidas. Podem ser abertas ou fechadas para vislumbrar o que é possível na vida, a vontade para
possibilidades, podem ser criadas novas preocupações a ação. É muito diferente escutar a partir da tristeza ou
das quais teremos de cuidar, etc. da euforia. Em uma conversa, os estados de ânimo
Por exemplo, o(a) Prefeito(a) pede para que um(a) costumam mudar várias vezes - em sentido positivo ou
secretário(a) amplie o âmbito de atuação de um negativo. Cabe, pois, fazer-se a pergunta “A partir de que
determinado projeto de governo. Ao ouvir/interpretar tal estado de ânimo meu interlocutor está me escutando? É
pedido, o(a) secretário(a):
um estado de ânimo condizente com esta conversa?”. ü Quais são as ações envolvidas no que esta pessoa
está dizendo?
CONTEXTO
As experiências vividas imediatamente antes da c) Futuro - Resultados:
conversa, o lugar, a hora, o grau de formalidade, ü quais são as conseqüências dessas ações?
condições em que acontece o diálogo, etc... são
elementos que configuram o contexto de uma conversa ü que possibilidades se abrem ou se fecham com o
e influem no escutar. Incidem sobre o que pode ser que esta pessoa diz?
possível na conversa: os significados e as interpretações;
predispõem mais para alguns tipos de interpretações do A seguir é apresentado em detalhe um esquema
que para outros; criam certas expectativas. É diferente prático a partir do qual uma equipe de governo pode
conversar sobre trabalho à noite, numa mesa de bar ou organizar todo o seu fluxo de trabalho e decisões. Neste
de dia, no escritório; sobre um determinado tema num esquema ganham destaque os atos lingüísticos
lugar feio e barulhento ou à beira-mar; em situação de apresentados acima e os momentos mais adequados a
estresse ou em ambiente relaxado; sob a pressão de sua utilização.
sinais externos de poder ou sem eles.
Critérios de Avaliação
Compromissos:
Indicam uma promessa em fazer algo. O cumprimento
ex: comprometo-me a combater a pobreza com o
Projeto Geração de Renda
Diretivas:
Capacidade de mando
Ordenar para fazer.
Expressões:
Simbolismos e qualificações.
Sinceridade
ex: Seria bom tomarmos um café agora.
Bom dia! Como vai? Como você está linda!
Juízos:
Julgamentos e avaliações Qualidade da fundamentação
ex: O Programa de Renda Mínima apresenta
excelentes resultados
Podem ser analisadas dezenas de tipos de declarações diferentes. Neste trabalho, destacamos:
Ao falar/conversar, uma pessoa está definindo como ela e seu(s) interlocutor(es) irão coordenar suas ações
no futuro. Esta definição pode ter como objetivo fixar compromissos, persuadir, animar, motivar, convencer, dar
segurança, gerar ação ou passividade, divertir, etc. Sempre produzimos combinando conversações. Um problema
declarado por determinada equipe de trabalho pode dar origem a diferentes atos lingüísticos, gerando diferentes
efeitos sobre pessoas e situações.
Ação
ü A Instituição “X” agiu da forma “Y” no passado. É O objetivo desta seção é apresentar uma forma
uma instituição séria e profissional. Por isso, podemos particular de conhecimento que pode ser utilizado ao
esperar bons resultados de seu trabalho. organizarmos uma reunião para tratar um determinado
problema ou assunto. Nela são apresentadas cinco
ü O Programa “W” obteve excelentes resultados. modalidades de conversações que ocorrem num
Podemos disseminar sua implantação para outras ambiente de trabalho. Uma delas é a modalidade de
regiões do Estado.
conversação para coordenação de ações, destacada na
seção anterior.
As declarações com as quais avaliamos situações
Ao invés de tentar produzir uma contribuição
ou ações de governo não buscam descrever, mas
original ao tema, optou-se por apresentar um extrato de
interpretar uma realidade conforme esta é percebida por
texto elaborado por Rafael Echeverría e Alícia Pizarro,
algum ator social. Neste sentido, os juízos não pertencem
inspirado nos trabalhos desenvolvidos originalmente por
ao objeto observado, mas à equipe técnica, órgão ou ator
Fernando Flores.
social que os declara. Essa avaliação é condicionada
Segundo os referidos autores, quando estamos
pelos conhecimentos e experiências prévias, valores,
conversando com alguém ou com um grupo de pessoas
interesses e ideologia de quem está emitindo o
realizamos dois tipos de conversações simultâneas. Por
julgamento. Assim, os juízos podem ser válidos ou
um lado, estamos realizando uma conversação pública
inválidos, de acordo com a autoridade conferida a quem
que mantemos com a(s) outra(s) pessoa(s). Por outro,
os faz; e bem ou mal fundamentados, de acordo com a
mantemos uma conversação privada, íntima, em que
qualidade das evidências utilizadas para respaldá-los. Isto
avaliamos o que se passa na conversação pública. Essa
quer dizer que uma avaliação não pode ser qualificada
conversação privada é uma reflexão interior, oculta, na
como verdadeira ou falsa. A avaliação, enquanto Ato
qual observamos e julgamos o que ocorre ao nosso redor:
Lingüístico pertencente ao grupo das Declarações, deve,
falas, expressões, emoções, postura corporal, e etc.
portanto, ser percebida como essencialmente diferente
O que percebemos através das conversações
das Afirmações.
privadas é decisivo para uma boa comunicação. Muito
do que pensamos e sentimos, e que é parte de nossa
Exemplos:
conversação privada, não é revelado por nós na
A VW fabrica automóveis. (afirmação)
conversação pública, pois consideramos que isto poderia
desagradar ao outro, ser inoportuno ou comprometer o
A GM produz os melhores automóveis médios.
que procuramos alcançar com a conversação.
(julgamento)
Normalmente, filtramos o que faz parte de nossa
conversação privada e o fazemos de forma automática.
João tem dois filhos. (afirmação)
Refletir sobre esta constatação nos permite distinguir
melhor seus componentes, e observar a dinâmica gerada
João é um bom pai. (julgamento)
entre a comunicação pública e as diversas conversações
O projeto “Bolsa-Escola” foi criado pelo Governo
privadas que realizamos simultaneamente.
do Distrito Federal em 1995. (afirmação)
A análise das conversações públicas constitui-se
em uma tipologia particularmente poderosa no espaço ações, pois não há clareza sobre o rumo a seguir. É
das organizações. São cinco os tipos distintos de necessário fazer então, uma conversação para possíveis
conversação que se diferenciam entre si, neste caso, pela ações, em cujo centro está a busca de informações e o
relação que estabelecem com um problema identificado levantamento de diferentes opções de ação. A sua base
por uma equipe de trabalho. é a criatividade, a abertura ao novo, a invenção e a
Diante um determinado problema2, cada uma procura por alternativas.
destas modalidades de conversação oferece um caminho
Conversação para possíveis conversações
distinto para enfrentá-lo. O domínio das formas de
Muitas vezes, tanto no espaço de trabalho como
conversação serve como ferramenta para a resolução
no pessoal, enfrentamos com outra pessoa, ou grupo de
de problemas. Ante todo problema, sempre teremos uma
pessoas, situação em que sentimos que conversar é difícil
conversação possível que nos permitirá avançar em
ou parece ser impossível. Chegamos até a abandonar
direção a uma solução.
projetos que exigiam trabalhar juntos por nos sentirmos
Estas modalidades de conversações que ocorrem
resignados diante da aparente impossibilidade de
no espaço organizacional são:
melhorar a maneira como conversamos e nos
relacionamos. A conversação para possíveis
ü Conversação de justificativas e explicações
conversações pode permitir melhorar a maneira como
Esse tipo de conversação surge de maneira quase
conversamos. Para conseguir este objetivo, o mais
espontânea no momento em que se percebe algum
importante é entender que o tema desta conversação é
problema ou alguém busca declarar alguma insatisfação.
a dificuldade que existe em realizar uma conversa, para
Com ela procura-se dar uma resposta à pergunta: “Por
trabalhar junto. Trata-se de fazer explícito ao outro nosso
quê isto está ocorrendo?” É um tipo de conversação
sentimento, nossa visão, o que nos passa com a forma
baseada em julgamentos e explicações, e que
atual de conversar que mantemos. A função desta
corresponde à análise de problemas e à análise de
modalidade de conversação é acertar com as outras
situações. Com ela refletimos sobre o passado e o
pessoas envolvidas uma forma de conversar diferente,
interpretamos, verificamos tendências, explicamos
que satisfaça a todos. Para isso é necessário pensar em
problemas.
normas e protocolos de conversação que estão fazendo
falta.
ü Conversação para coordenação de ações
É importante combinar nossa capacidade de
Essa é a conversação com a qual, por excelência,
proposição com a de indagação3. Abrir ao outro a
busca-se organizar a ação e resolver problemas.
oportunidade de também dizer como está percebendo e
Corresponde à definição e cumprimento de
vivendo a dificuldade a aprtir de seu ponto de observação.
compromissos, é a base de toda a reflexão e proposição
É necessário escutar sem uma postura defensiva para
estruturada como planejamento. Toda conversação no
podermos entrar em um processo de busca conjunta de
trabalho deve desembocar em uma conversação para
respostas sobre como superar a situação. Esse tipo de
coordenação de ações, dado que ela nos permite “fazer
conversação pode não ser esgotado em um primeiro
as coisas acontecerem”. Esse tipo de conversação é
encontro. Muitas vezes, são necessárias várias
central na vida das organizações e no trabalho.
conversações para que seja alcançado um resultado
satisfatório.
ü Conversação para possíveis ações
Com freqüência ocorre que, diante de um ü Conversação para construção de relações
problema, não sabemos o que fazer para enfrentá-lo, não Esse é um tipo especial de conversa para novas
sabemos que ações darão conta do problema, a quem conversações. Ocorre normalmente ao ser iniciada uma
fazer pedidos, ou quais são os compromissos que podem nova relação de trabalho ou ao ser criada uma nova equipe
ser estabelecidos a respeito. Às vezes, uma linha de ação de trabalho. Não basta selecionar os futuros membros de
é iniciada e, ao meio do caminho, nos damos conta de uma equipe de governo, de uma equipe de trabalho. Não
que não está clara a que direção estaremos nos dirigindo basta reunir as pessoas e procurar dizer “claramente” o que
de fato. Nessas ocasiões, torna-se necessário travar uma cada um fará para que todos saiam trabalhando. É
conversação diferente. Não adequado ter uma necessário construir relações mútuas: a qualidade destas
conversação de histórias, julgamentos e explicações, nem será a base do trabalho conjunto no futuro.
tampouco uma conversação para a coordenação de Tendo pela frente um problema, uma nova
2
“Problema” é a percepção de que “algo não está 3
Propor / Indagar. Propor: falar a partir de nossas
ocorrendo como deveria”, e que leva ao reconhecimento de próprias inquietações, revelando nossas perspectivas pessoais
uma necessidade, declaração de insatisfação ou formulação para soluções de problemas, encaminhamento de
de uma demanda. A percepção de problemas é conformada conversações e nossos limites cognitivos e emocionais.
pelas inquietações, insatisfações e emocionalidade de cada Indagar: pedir que as outras pessoas revelem suas
indivíduo envolvido, e a sua formulação é limitada pelas inquietações, apresentem suas percepções e preocupações,
competências de quem o declara e por sua capacidade de abrindo espaço para a construção, conjunta e compartilhada,
observação. (ver cap. Sobre Metodologia de Diagnóstico de de respostas adequadas a problemas comuns.
Situações)
situação, cada uma dessas modalidades de planejamento Negociação. (B) se compromete, ou não, em
de conversações oferece um caminho distinto para atuar realizar o pedido feito por (A) ou faz uma contra-oferta,
e coordenar ações. Essas tipologias são ferramentas procurando redefinir condições, negociando tarefas e
fundamentais para a resolução de problemas, para a ação prazos, fixando compromissos e responsabilidades para
de coordenar projetos e equipes de trabalho. Perante todo a execução do que foi solicitado.
problema sempre haverá uma conversação possível mais
adequada, que nos permitirá avançar em direção à sua 3ª Fase:
resolução. A efetividade com que logremos superar um Realização. Fase em que (B), executa a tarefa a
problema depende, em muitos sentidos, do uso que que se comprometeu, com prazos e condições
fazemos de nosso poder para estruturar nossas asseguradas, e declara haver cumprido o pedido.
conversações.
A apartir da observação dos procedimentos 4ª Fase:
segundo os quais as pessoas se comunicam e de como Avaliação. (A) recebe o resultado da ação
podem ser aprimoradas as conversações cotidianas no realizada, verifica o que foi feito e declara que as
trabalho, podemos definir que tipo de reunião ou encontro condições de satisfação foram, ou não, cumpridas. É uma
de trabalho coletivo organizar para cada tipo diferente de fase em que pode ser forte o componente de
assunto ou situação que encontramos pela frente. aprendizagem sobre erros e acertos, criando condições
Nas seções a seguir, apresentamos uma para novos ciclos de coordenação de ações.
seqüência de procedimentos específicos e detalhados Como pode ser visto, cada umas das fases
para a estruturação e realização do trabalho em equipes. descritas neste ciclo básico em que é reproduzido o
Os tópicos apresentados sintetizam nossa experiência movimento da comunicação apresenta características
com a estruturação e realização de reuniões de equipes particulares que devem ser respeitadas para que a
dirigentes para tratar dos mais variados assuntos no coordenação de ações venha a ser efetiva. Com a
âmbito de governo, em especial encontros de conclusão de um ciclo de coordenação de ações como
planejamento e organização de gestão. aqui descrito, seu objetivo, a anulação da insatisfação
inicial, deve ter sido alcançado. O esquema a seguir
11.8. O Ciclo da Coordenação de Ações sintetiza o ciclo da comunicação no trabalho.
2ª Fase:
Ex. 2: PROJETO – Plano de Contingência para a redução do impacto das chuvas de verão
de janeiro a março de 2001 em Caramuru.
- Atendimento ao público eficiente, rápido, em ambiente - 70% das pessoas que são atendidas nos balcões da
de conforto prefeitura afirmam ter sido bem atendidas [pesquisa Jornal ABC]
- Agilidade no atendimento aos públicos interno e externo - 60% dos casos resolvidos imediatamente / os 40% dos
- Desburocratização de procedimentos casos restantes são resolvidos com redução de 50% do tempo atual;
- Informatização de todas as instâncias públicas - Construção de mais 5 unidades de atendimento até jun/2005
- Postos de Informação Participativos atingem todas - 100% do pessoal de atendimento capacitado para as funções
as metas: integração plena do governo com a sociedade; - Reformulação física e de procedimentos no Paço Municipal
- Todos os departamentos de todas as secretarias e - Informatização total até dez/2005.
empresas da Prefeitura foram integrados pelo sistema.
Como poderá ser observado, optamos por ü Garantir informações prévias e enviar convite aos
apresentar de forma sintetizada e direta, em muitos casos participantes. Organizar e divulgar a pauta
simples check lists, conjuntos de cuidados e previamente e com prazo adequado aos requisitos
procedimentos para a verificação das providências solicitados. Uma pauta para convocação de uma
necessárias para organizar de forma completa uma atividade deve conter:
reunião ou encontro de trabalho em equipe. O que ü Data e local em que será realizada, horário para
resultou em um acervo operacional que pode evitar erros início e término;
e esquecimentos, às vezes triviais, mas que em muitos
casos representam a diferença entre uma atividade bem ü Relação de participantes e responsável pela
sucedida e outra que leva a muita insatisfação e desgaste convocação;
político.
Acreditamos que o êxito de qualquer reunião exige ü Objetivos estabelecidos;
coerência e atenção na coordenação de 3 etapas7: ü Informações e documentos que os participantes
Preparação, Condução e Fechamento. Cuidados para devem consultar ou levar.
o tratamento adequado e a coordenação do trabalho em
cada uma destas fases são apresentados em detalhe a Etapa 2 - Condução
seguir. Esta etapa é a realização da atividade propriamente
dita e demanda atenção especial às funções de
Etapa 1 - Preparação coordenação, relatoria e ao uso de técnicas de
São cuidados a tomar na etapa de preparação: 8 visualização e de trabalho em grupo.
ü Contatos com um(a) dirigente, assessor(a) ou Ela compõe-se dos seguintes momentos:
representante de uma instituição, interessado na
organização da atividade para garantir que a atividade ü Início da atividade9;
se dê sobre o tema/problema demandado. Verificar
se o tema escolhido está de acordo com a missão, ü tratamento do assunto10;
funções, objetivos previstos ou planejamento de ü encerramento dos trabalhos.
atividades da organização.
O momento do encerramento de um encontro
ü Definição da Equipe que irá participar; demanda três tipos de cuidados:
ü Seleção e adequação do local / ambiente.
Providenciar o que for necessário; 1) Como concluir o tratamento do tema principal
que motivou a realização do evento ou processo?
ü Sala ampla, ventilada e bem iluminada;
ü Mesas e cadeiras adequadas; As atividades que exigem trabalho participativo, em
especial os encontros de planejamento e avaliação da
ü Painéis, Lousa/quadro branco/ “flip”, papel, gestão, são realizadas por um grupo de pessoas para
canetas, fitas, cartões, cola; discutir algum assunto ou solucionar um problema.
ü Verificar necessidade de retroprojetor e tela, TV e Considerando que um encontro de trabalho em equipe
vídeo, projetor de slides, gravador e microfones, micro materializa-se enquanto uma rede compromissos e
e impressora; conversações, deve-se fazer com que o encerramento
da atividade seja um insumo para a fase de
ü Garantir que não haja interrupções imprevistas; implementação, que se seguirá ao encontro. A rigor, o
ü Dificultar a entrada de telefones; produto final, a etapa que encerra um encontro, já deve
estar prevista em um roteiro de trabalho construído
ü Montar roteiro para o trabalho. Um roteiro completo especificamente para ela.
prevê e organiza cada momento de uma reunião, Como regra geral, o encerramento do tratamento
indicando, para cada etapa, o que será feito, como, de um assunto pode ser definido através de um Painel
quem fará e quando, e listando os recursos síntese dos Produtos obtidos:
necessários.
7
BROSE (1993), NETO (1992), DOYLE (1978).
8
Ver a seguir, Organização de Equipes de Projeto.
9
Em especial, garantir espaço na abertura dos trabalhos à apresentação pessoal e profissional dos participantes,
definição precisa dos objetivos do encontro e resultados esperados, duração e procedimentos que serão adotados, visando a
garantir aos participantes as informações mínimas essenciais para ampliar a efetividade das discussões e decisões.
10
O que diz respeito fundamentalmente à escolha adequada de um método de trabalho ou roteiro de perguntas e
decisões a tomar e também às técnicas ou dinâmica de trabalho em grupo que serão utilizadas para garantir que o assunto
definido para o encontro seja tratado integralmente.
2) Como prosseguir?
Um outro cuidado que faz parte do encerramento dos trabalhos é levantar o que deve ser feito para que os
produtos definidos durante a atividade sejam encaminhados. Esse cuidado não se refere ao assunto e seu tratamento,
mas a ações de coordenação operacional para garantir uma continuidade no processo.
Um Painel de Encaminhamentos deve indicar:
11
Sintetizado de SCHUBERT e outros, 1995; e complementado com notas de experiências.
realizados coletivamente. Devem ser apresentados uma ü equipes atuando de forma coordenada geram uma
síntese das decisões tomadas, as informações dinâmica positiva para a organização;
necessárias ao acompanhamento, e relacionados os ü a qualidade das decisões em equipe é normalmente
mecanismos de cobrança definidos. O trabalho com maior do que a das decisões individuais.
técnicas de visualização ao longo do encontro facilita em
muito a produção do relato de uma atividade em grupo. Para chegar a resultados consistentes, a equipe e
A relação dos desdobramentos previstos deve sempre sua forma de operação devem possuir as seguintes
ser parte integrante do relatório da atividade. características:
ü seus membros devem ter objetivos comuns;
b) Desdobramentos
Garantir a compreensão, por parte do dirigente que ü o trabalho deve ser cooperativo e participativo;
solicitou a realização da atividade e de sua equipe de ü as responsabilidades e tarefas devem ser
trabalho, dos compromissos definidos durante os claramente definidas;
trabalhos, a forma como se dará a divulgação do relatório
e das avaliações pertinentes, descrevendo inclusive os ü a liderança deve ser compartilhada por todos os
procedimentos para o acompanhamento, petição e membros da equipe;
prestação de contas definidos. ü deve haver tempo suficiente para a discussão e
definição de soluções consistentes;
c) Comunicação Formal à Organização ü o trabalho e a definição de suas etapas devem ser
A informação sobre uma atividade em equipe ao cuidadosamente preparados;
organizador ou dirigente deve ser composta por uma
ü as regras para o desenvolvimento dos trabalhos
síntese dos trabalhos e um relatório completo.
devem ser estabelecidas pela equipe e reconhecidas
por seus membros.
d) Avaliação Global da Atividade
Cumpridos os requisitos apresentados acima, cabe 11.10.5. Regras para Formação de Equipes
ao coordenador do encontro realizar uma avaliação formal
O dimensionamento de uma equipe depende da
de todo o processo, desde os primeiros contatos até a
importância da situação a ser tratada ou da complexidade
entrega do relatório completo a quem demandou a
do problema a ser solucionado, e das áreas, setores de
atividade. Essa conversação é fundamental e deverá
atividade ou outras organizações envolvidas. Por isso,
verificar se os critérios de satisfação e resultados
são quatro as regras fundamentais para viabilizar e
definidos foram cumpridos, permitindo o encerramento
organizar um grupo de trabalho:
de um ciclo de coordenação de conversações e a entrada
em novos ciclos, com um outro patamar de qualidade.
ü A qualificação pessoal e profissional de seus
Concluída a apresentação dos procedimentos
membros é mais importante que a posição
sugeridos para uma realização efetiva de encontros de
hierárquica;
trabalho participativos e produtivos, destacamos a seguir
ü Para decisões e soluções de problemas é
um conjunto de cuidados necessários para a organização
importante que os membros tenham conhecimentos
de equipes de trabalho.
diversificados;
ü A equipe deve ser pequena para garantir o fluxo
11.10.4. Organização de Equipes de informações e a eficiência na tomada de decisões.
Adotamos a perspectiva de que o trabalho em ***** IMPORTANTE:
equipe é a principal forma de trabalho nas organizações. ü Trabalhar em equipe e de forma participativa pode
Além disso, é a forma por excelência dos processos de causar conflitos na estrutura hierárquica de uma
discussão, análise de situações, resolução de problemas, organização. Por isso, para obter êxito, é necessário
planejamento e tomada de decisão utilizada por equipes assegurar a vontade política e o apoio dos
dirigentes. Os cuidados com a formação e organização responsáveis.
de equipes fazem parte do ponto de preparação de
atividades. Dada a importância que lhe atribuímos, São os seguintes os passos sugeridos para a
optamos por destacar esta apresentação em uma seção Formação de Equipes:
específica.
O trabalho em equipe é a forma apropriada para A. Identificar na organização os integrantes
realizar estas tarefas, uma vez que: potenciais da equipe:
ü agrega os conhecimentos e experiências de seus
membros, facilitando o trabalho em situações - Quem possui conhecimentos, informação,
complexas; experiência ou capacidade; Quem pode melhorar a
ü possui mais força para influenciar a trajetória da qualidade das decisões sobre um tema ou problema
organização do que pessoas individualmente; específico. Normalmente é desvantajoso que todos os
ü apresenta flexibilidade para mudar a orientação em membros de um grupo conheçam muito de um problema;
situações novas; - Quem pode estar interessado no tema. Avaliar o
significado e intensidade do interesse. Evitar “jeitinhos”
e “carreirismos”.
Quem pode vir a se interessar pelos resultados do
trabalho; nível hierárquico, cooperação, desenvolvimento
exigido e prestígio.
11.11.Considerações Finais
eventos negativos.
12
Para fazer frente a este tipo de evento é necessário
desenvolver capacidade para a formulação e
CONDUÇÃO DE CRISES implementação de planos de governo com baixa
suscetibilidade ao imprevisto.
Os procedimentos mais adequados, para tanto,
como será visto a seguir, são:
ocorrência - não foi possível evitar, mas é possível reduzir 12.3. Estruturas para Apoio ao
o estrago. (atendimento médico de emergência, Processamento de Crises
vacinação, geração de energia de emergência, pessoal
treinado, equipamentos, ambulâncias, equipamentos de
bombeiros, equipes de gerenciamento de crises, ação A história latino-americana está cheia de exemplos
comunicativa: quem será o responsável por falar ao de baixa capacidade de governo, apesar dos dirigentes
público, o que dirá, com que freqüência e de que forma, políticos revelarem muita experiência e boa formação
quando uma crise se instalar). intelectual e cultural. A experiência não vale por si só.
3) Reativo para reduzir conseqüências Uma formação profissional de nível universitário também
(atendimento de longo prazo às vítimas, atenção sanitária, não leva necessariamente a adquirir condições
local para novas instalações, projeto para reconstruir indispensáveis para governar. Só poderemos falar em
casas afetadas, estoques de alimentos e medicação, boa capacidade pessoal de governo, ou seja, de perícia,
empresas sob contrato para manter produção, contratar quando houver uma combinação de conhecimento,
seguro patrimonial e sobre documentos, reserva no experiência, estruturas de gestão e métodos de trabalho
orçamento) adequados.
Alguns elementos prejudicam a capacidade de
c) Como Avaliar Surpresas? resposta das equipes de governo frente a situações
ü Qual é a probabilidade de ocorrência? inesperadas:
[Baixa, Muito Baixa ou Desprezível]
I. A desinformação e a não existência de sistemas e
ü Se ocorrer, qual será o impacto? procedimentos deterioram gravemente a capacidade
[Alto, Médio ou Baixo] de julgamento e tomada de decisões em momentos
de crise;
ü Qual é o custo para formular um Plano de
Contingência? II. O erro de reação, produto direto da baixa força de
[Alto, Médio ou Baixo] vontade e da baixa capacidade de processamento
dos problemas que já foram acumulados pelo
d) Que planos de contingência preparo? processo histórico;
ü Para enfrentar surpresas que causariam um alto
impacto sobre a população, sobre o projeto de III. O erro de descontrole, produto da rapidez e das
governo ou sobre a imagem do governante; surpresas provocadas por uma crise, e de nosso
despreparo para selecionar opções corretas sob a
ü Planos com custo de formulação baixo; tensão por ela gerada pela mesma;
ü Planos para enfrentar surpresas com maior IV. O erro da imprevisão, imperceptível hoje, pelo qual
probabilidade de ocorrência. um pequeno desvio nos levará, mais tarde muito longe
do objetivo. Corresponde a falhas na qualidade da
decisão entre opções críticas, em épocas de
e) O quê fazer? normalidade. A normalidade reduz a sensibilidade aos
perigos. Uma trajetória em que a gestão recebe
crescente avaliação positiva pode deixar a equipe de
Formular: governo mais descuidada em relação às ameaças.
Preparar: Ativar: A desorganização e a baixa capacidade de governo
Calcular nos conduzem a decisões desacertadas e a omissões
Difundir, Colocar um plano
necessidades, graves. Sobre esse ponto, é bem ilustrativa a citação
Treinar em ação quando
recursos, de Sun Tzu: “... lamentando-se na encruzilhada, disse:
pessoas / ocorre o
meios e riscos; não foi aqui que você deu meio passo errado e
equipes; problema; amanheceu a quilômetros do caminho certo?”;
Montar cadeia
Garantir de decisão e Velocidade de
informação ativação; O primeiro e o segundo tipos de falha são produtos
gerenciamento;
necessária e de estruturas de planejamento e de deliberação - que
Deixar Plano
confiável; Gerenciar crise/ denominamos ‘direção estratégica’ - deficientes na
em condições
operações; estrutura do governo. O terceiro implica que o sistema
de implantação
Projetar o de manejo de crises inexiste ou é de muito baixa
imediata.
plano de Monitorar qualidade. O último caso destaca a dificuldade para
contingência. informação. reconhecer as encruzilhadas antes de se chegar a elas,
e de parar para examiná-las com cuidado, verificando as
opções críticas. Mas quando a improvisação impera, o
mais provável é que esse tipo de opção não seja
percebida e sigamos em frente, sem consciência das
conseqüências de uma escolha que, no momento dado,
nos parece carecer de importância. A história latino-
13
de mudança num período de 20 a 30 anos. É um tatear
em relação ao futuro, com ampla e alta visão até o limite
ANÁLISE ESTRATÉGICA no qual os caminhos conhecidos desaparecem e nascem
idéias sem nitidez e trilhas não-palmilhadas. Trata-se,
portanto, da acepção normativo-prescritiva da palavra
estratégia, que tem importância especial na concepção
de uma grande estratégia. Nesse raciocínio, a imaginação
13.1. Apresentação criadora domina as urgências e importâncias imediatas
para sonhar, com sentido prático, sobre o futuro. Nessa
perspectiva, o conceito de jogo é secundário, o que
Neste capítulo são apresentados os conceitos realmente importa é criar um ou vários caminhos
fundamentais para a utilização da análise estratégica inexplorados para orientar o desenvolvimento da ação
como suporte à ação de governo. Ele toma por base a futura. Na grande estratégia, a interação não se realiza
contribuição do professor Carlos Matus, especialmente contra outros, mas contra a própria incapacidade para
em dois de seus trabalhos: Estratégias Políticas, de 1996, criar opções ou para decifrar nosso desconhecimento
e Guia de Análise Teórica do PES, de 1997. Além da inerente sobre o futuro. Se um ator vence esse desafio,
apresentação de conceitos sobre estratégia, tática e obtém uma vantagem em face de todos, impondo um
princípios estratégicos básicos, são detalhados novo jogo com novas regras. Nesse primeiro plano, a
procedimentos práticos para a análise de atores e para a grande estratégia surge como uma ferramenta para
formulação de ações baseadas em um processamento esclarecer questões como: para onde caminhar; que
tecno-político de situações e objetivos a atingir. objetivos devem ser perseguidos; qual o limite entre o
Nas seções 13.2 a 13.4, são sumariados os possível e o sonho; como criar caminhos que ainda não
elementos conceituais e princípios gerais sobre a análise existem e que ninguém percorreu. Nessa fronteira, a
estratégica e o estudo de atores, conforme propostos utopia e a estratégia andam de mãos dadas.
originalmente por Matus. A segunda acepção do termo estratégia refere-se
Na seção 13.5 são apresentados três conjuntos a um tipo especial de jogo, o esportivo, no qual se medem
de procedimentos e exemplos práticos para o exercício as diferenças de habilidade entre os adversários a partir
da análise estratégica em situação de governo. São de condições iguais. Os jogos esportivos não têm história
destacados os protocolos para a análise de atores, para cumulativa de vantagens e desvantagens; cada jogo é
a formulação de operações estratégicas, e para a uma unidade que parte de condições eqüitativas; são
formulação de ações e resultados de governo, tomando jogados voluntariamente durante um tempo
por base uma verificação de cenários. convencionado; têm regras claras e precisas; e cada jogo
é isolado em relação a outros jogos. Alguns desses jogos
13.2. Conceitos básicos sobre estratégia constituem problemas bem-estruturados altamente
complexos, como o xadrez ou o bridge, em razão da
A palavra estratégia é usada com diferentes grande quantidade de possibilidades. Outros são quase-
significados. Ainda que não seja aconselhável iniciar esta estruturados e sua complexidade não repousa no grande
seção com definições que fecham prematuramente a número de jogadas imagináveis, mas no fato de que elas
nossa apresentação, alguns esclarecimentos são não são finitas e enumeráveis, dado o espaço de
indispensáveis para evitar confusões. Ignorado o uso criatividade e recursos que suas regras permitem, como,
abusivo, a palavra estratégia tem, pelo menos, para por exemplo, no futebol ou no truco. Todos eles
nossos objetivos presentes, três interpretações úteis e compartilham o critério de competir em condições
defensáveis. MATUS (1996, 28-32): eqüitativas, com a única exceção do aspecto de
habilidade que o jogo tenta avaliar; e por isso suas regras
a) estratégia como modo de indicar alguma coisa são precisas e capazes de refinar o objetivo da avaliação.
importante ou indispensável para alcançar um objetivo No jogo de xadrez, todas as condições iniciais são iguais
futuro, transcendente e relativamente distante; para ambos os competidores, exceto a habilidade para
jogar xadrez, que é exatamente o que o jogo quer medir.
b) estratégia de um jogo esportivo, entendida como Portanto, o conceito esportivo de estratégia não deixa de
um modo de superar os obstáculos interpostos por ser uma boa metáfora para entender as estratégias
um adversário que se supõe ter objetivos que políticas, que se caracterizam por referir-se a jogos
conflitam com os meus; desiguais com regras matizadas de ambigüidade, e com
memória e história cumulativas.
c) estratégia como modo de lidar ou cooperar com o Na terceira acepção, admite-se que a grande
outro em um jogo social para vencer sua resistência estratégia já foi explorada e tem uma resposta clara ou
ou obter sua colaboração. aproximada baseada na intuição, no senso comum ou
num estudo formal. O caminho criador do futuro está
O primeiro significado é comumente utilizado para estabelecido, e agora a preocupação é como caminhar
explorar o futuro num horizonte de tempo de longo prazo. um trecho nessa direção, porque o trajeto visível em
Indica o que deve ser feito, conforme o interesse do ator direção à escuridão do futuro é crivado de obstáculos
entre os quais se incluem outros jogadores ou atores sobrevivência em um ambiente hostil e, muitas vezes,
sociais, que perseguem objetivos diferentes dos meus contra um agressor. Essa tensão, agressiva ou defensiva,
ou conflitantes com os meus. Aqui o problema assume o estabeleceu, como coisa muito natural, a relação estreita
caráter de um jogo com e contra outros. É um jogo com entre o conflito, a cooperação, a tática e a estratégia.
história. Ninguém pode evitá-lo. Os próprios jogadores
estabelecem as regras, acatam-nas, violam-nas e as Em Clausewitz a distinção é precisa e econômica
alteram. Nesse jogo surgem oportunidades, ameaças e em palavras:
problemas que desafiam os jogadores. Estratégia
significa ter um plano de jogo para vencer essas “... a tática ensina a usar as forças armadas nas
dificuldades. A bússola indica o norte, e o caminho está batalhas, e a estratégia é a utilização das batalhas para
traçado. A pergunta “para alcançar o quê?” - específica alcançar o objetivo da guerra “.
da grande estratégia - agora transforma-se nas perguntas
“como avançar nessa direção?” e “o quanto avançar?”, e Se ampliarmos a definição de combate ou batalha
elas desafiam os participantes do jogo social. incluindo nesta distinção qualquer jogada de cooperação
Nesse terceiro caso, a estratégia refere-se a e de medição de forças, a definição acima será um ponto
problemas quase-estruturados, ou seja, problemas que de partida para abordar a estratégia e a tática em relação
têm as seguintes características: ao jogo social conflitivo ou cooperativo. Mudando apenas
algumas palavras, podemos sintetizar como segue essa
a) não são enumeráveis todas as variáveis relevantes conceituação:
e, portanto, não é finito o número de possibilidades
futuras; só é possível enumerar algumas delas; Tática: é o uso dos recursos escassos na
produção da mudança situacional imediata.
b) não é possível precisar todas as relações entre as
variáveis, já que muitas delas são imprecisas ou Estratégia: é o uso da mudança situacional
nebulosas; e imediata para alcançar a situação-objetivo de um plano
de governo.
c) a solução de um problema quase-estruturado é
situacional, já que uma boa solução para um jogador No vocabulário que adotamos para a gestão
pode ser má solução para os outros. É um problema estratégica, a tática e a estratégia são aplicáveis a
que escapa às possibilidades da formalização qualquer campo social e a qualquer tipo de postura, seja
matemática. de cooperação, oposição ou de conflito violento. A
realização de um plano de governo exige a produção de
A estratégia para a atuação governamental explora uma seqüência de ações com impacto direto sobre os
uma parte da grande estratégia, e coincide com o objetivos, as quais, mescladas com ações táticas, que
horizonte de tempo do plano de governo. Contrasta com facilitam as primeiras, combinam seu efeito para
a estratégia esportiva porque lida com um jogo contínuo transformar a proposta normativa do plano em realidade
sem começo nem fim, inter-relacionado com muitos viável. Tal realização demanda: (a) o uso da vontade se
outros jogos e submetido, pelo menos em alguns casos, a viabilidade técnica e política já estiver dada; ou (b) a
a regras de desigualdade. criação da vontade e da viabilidade no horizonte de tempo
A discussão sobre análise estratégica que do plano, nos casos em que elas não existirem.
realizamos neste capítulo aborda a estratégia do jogo A vontade política que move um plano manifesta-
social, e inscreve-se nesta terceira acepção da palavra se no desenvolvimento de uma estratégia para construir
estratégia como cálculo interativo aplicado a problemas sua viabilidade e, justamente, essa vontade exige que o
quase-estruturados. Refere-se ao momento estratégico deve ser predomine sobre o pode ser.
na formulação de um plano de ação. Essa dimensão da A relação desigual deve ser - pode ser encarnada
palavra estratégia tem enorme importância na prática na vontade do dirigente, expressa no esforço extremo
diária nos campos da política, da economia, das reformas para superar as restrições. Desse modo, o deve ser
organizativas e na implementação de políticas sociais. A substitui o pode ser e finalmente o é, só depois de
realidade social mostra constantemente como os esgotarem-se todos os esforços para dar viabilidade a
indivíduos e as organizações lutam para abrir o próprio um plano ou ação de governo. Esforços que se podem
caminho, perseguindo objetivos que, às vezes, são revelar infrutíferos no limite em que as restrições
complementares entre si e que, outras vezes, são constituam uma barreira intransponível em última
conflitivos. Portanto, a análise estratégica acompanha o instância. Há situações impossíveis que nenhuma
ser humano, de algum modo, desde a infância, para estratégia é capaz de superar, mas antes de chegar a
ensiná-lo a chamar a atenção dos pais, na competição esse limite é necessário pôr à prova a resistência dessa
escolar, no jogo esportivo, no trato com os companheiros, barreira com o máximo de vontade. A partir daí, a vontade
na relação madura com os pais e na conquista do primeiro transforma-se em voluntarismo que nega o impossível.
namorado ou da primeira namorada. É parte da vida Em toda estratégia existe o outro. Um outro que
humana, ainda que não se tenha consciência dela e a não é inferior, nem por hipótese nem na realidade. Esse
escola a ignore como disciplina. Antes de sair da infância outro é capaz de jogar igual ou melhor do que eu, e por
homens e mulheres já praticaram estratégias muito isso devo considerar a possibilidade de que sua estratégia
variadas. Algumas dessas estratégias lidaram com a me derrote. O outro representa um obstáculo ou uma
facilidade, mas, em qualquer dessas duas possibilidades, ameaças, golpes, pausas e respostas entre os atores
é um jogador criativo, difícil de submeter-se ou adaptar- divididos em posições contrárias. Usualmente o que está
se aos meus interesses. Assim, a estratégia é um modo em jogo são as ações de governo, um projeto ou uma
de encadear a mudança situacional e de aproximar-me operação, outras vezes um conjunto de operações, um
da situação-objetivo, superando os obstáculos ativos e programa, em casos menos comuns, joga-se em torno
criativos que o outro opõe, em sua luta para obter êxito, de um plano político, econômico, de relações
lembrando que seu êxito pode ser a minha derrota, a internacionais, ou relativo a qualquer aspecto da
não ser que surjam espaços de cooperação sobre realidade, onde um dirigente atua em busca de um
objetivos comuns. Se a estratégia é conflitiva, a cadeia objetivo. Sabe que para alcançá-lo não tem outro recurso
de situações deve ser crescentemente favorável a mim senão lutar, produzir jogadas, realizar operações, e
e desfavorável ao outro, em circunstâncias nas quais o viabilizar ações de forma estratégica. Porém, quanto mais
outro tenta fazer o mesmo que eu. Em contrapartida, se eficaz é sua jogada, se tem objetivos conflitivos com
a estratégia for de cooperação, todos ganham com a outros, maior será a motivação dos adversários para
mudança situacional e cada um alcançará algo de sua desviar ou anular seus resultados com movimentos que
situação-objetivo. Nesse caso, o seu êxito ajuda o meu a contrabalancem. Todas as partes jogam. Portanto, cada
êxito, e o meu êxito alimenta o seu. jogador está sujeito ao imperativo de resolver um
Estabelecido que a ação estratégica sempre problema complexo que tem pelo menos três aspectos:
estabelece uma relação com o outro, surgem os
problemas psicológicos, éticos e afetivos, numerosos e i) ter capacidade para produzir a jogada, apesar da
complexos, que nunca são tratados nas tentativas dos ação contrária ou perturbadora dos outros atores;
modelos matemáticos para formalizar esse tipo de
análise. De fato, nenhum cálculo econômico nem de ii) conseguir que cada ação tenha os resultados
estratégia política tem sentido sem atender a certos previstos para alcançar um objetivo parcial, e por essa
princípios básicos de ética, sem admitir que certas ações via, através de uma cadeia de ações, alcançar o
são proibidas por algum tipo de regras. Imagine-se o objetivo perseguido; e
efeito que teria sobre a teoria do trabalho, da distribuição
da renda e da alocação de recursos, se fosse aceita como iii) tentar prever com suficiente antecipação as
normal a transgressão de algumas normas básicas de possíveis jogadas dos outros a fim de aproveitar com
ética, como não roubar e não matar. Como funcionaria o eficácia as oportunidades que o jogo abre e fecha,
mercado? Como seria a credibilidade nos negócios e na ou se posicionar frente às ameaças percebidas.
política? É preciso ter extremo cuidado quanto a este
aspecto, pois existe uma tendência teórica, favorecida Nos três aspectos mencionados, a eficácia de uma
pela barbárie tecnocrática, de isolar completamente a ação não depende inteiramente do ator que planeja, pois
ética, de um lado, e a economia e a política, de outro. é influenciada pelas condições anteriores que abriram
No jogo social conflitivo, a estratégia indireta é tão ou fecharam as jogadas dos outros e pelas reações que
velha quanto o homem, e equivale a minar as bases de eles produzem, simultaneamente ou como conseqüência
sustentação do adversário em vez de agredi-lo da referida ação. O mesmo acontece com os demais
frontalmente, na plenitude de suas forças. O conflito, atores em relação aos seus próprios planos.
como duelo entre cavalheiros, é um caso excepcional e Às vezes, essas ações são jogadas isoladas,
simples de confronto que se assemelha mais ao esporte. parciais e com curto alcance. Outras vezes, constituem
No entanto, diferente da guerra, a estratégia indireta não um conjunto coerente capaz de configurar um plano. Para
é a melhor possibilidade política. Na competição os resultados da teoria da análise estratégica, isto não
democrática podemos estabelecer um princípio distinto: faz a menor diferença, pois em ambos os casos a unidade
o ideal de uma estratégia é a cooperação para alcançar de análise é cada ação.
a situação-objetivo, transformando um jogo de soma zero O jogo político desenvolve-se em um ambiente de
em outro de soma positiva. Se isto não for possível, ainda muita nebulosidade e incerteza sobre o futuro, de modo
restará a estratégia de oposição que se decide na que o cálculo que precede e preside cada jogada, de
medição política e direta de forças. O valor do objetivo cada participante, é extremamente complexo e gira em
perdido ou postergado na cooperação entra torno destas quatro perguntas:
necessariamente no cálculo entre as duas opções.
A ação estratégica exige uma combinação de 1) Com que atores devo interagir para construir a
engenho e de capacidades operativas. Mas, como ela viabilidade dos meus objetivos?
depende muito das organizações, no caso de tratar-se
de uma entidade pequena, exige-se do dirigente mais 2) Qual o espaço de estilos políticos e de
talento que capacidade organizativa, e suficiente possibilidades estratégicas que ofereço e qual me é
pensamento estratégico. Em contrapartida, no caso de oferecido: cooperação, oposição ou confronto
tratar-se de uma grande organização, a estratégia violento?
dependerá muito da capacidade organizativa, além do
talento para a direção; neste caso, requerem-se métodos 3) Que meios posso utilizar para influenciar as
estratégicos. motivações e capacidades dos outros: autoridade,
Uma ação estratégica é uma aposta que se realiza persuasão, negociação, medição de forças, etc?
através de ofertas, disputas, simulações, acordos,
4) Como devo ordenar no tempo a seqüência das estruturado e uma coordenação entre meios e fins, ou entre
minhas jogadas? os recursos a utilizar e os resultados esperados com a ação.
Os recursos devem ser proporcionais ao valor dos objetivos,
Os procedimentos apresentados na seção 13.4 à e os objetivos devem ser proporcionais à magnitude e
frente procuram, cada um à sua maneira, auxiliar o qualidade dos recursos. O que é válido tanto para a
dirigente público a responder a estas perguntas quando cooperação quanto para o conflito. Agredir para roubar um
formulando um plano, projeto ou ação de governo. real implica não só uma violação da ética, mas um recurso
desproporcional ao valor do objetivo. O mesmo acontece
13.3. Alguns princípios estratégicos se, em uma negociação, não se oferece a um aliado quase
nada em termos de benefícios mútuos e significativos. Gritar
fundamentais
com um dirigente para conseguir um emprego público
estabelece a desproporção inversa: um meio
Destacados os elementos conceituais básicos para excessivamente frágil para um objetivo difícil. Um excesso
a análise estratégica, cabe apresentar alguns princípios ou uma deficiência nos dois lados da equação torna a
operacionais para a definição de linhas de ação política estratégia eficaz ou ineficaz.
e para a formulação de ações estratégicas. São Em síntese, deve-se escolher, dentre as estratégias
denominados princípios porque em estratégia não consistentes com o objetivo, a que implique menor esforço.
existem receitas absolutas, mas orientações positivas Não superutilizar o poder; não “colecionar” adversários
(como agir) e negativas (equívocos a evitar), que devem desnecessariamente; fazer uso racional dos recursos
ser valorizadas criteriosamente. financeiros, proteger todos os recursos escassos; preferir
a cooperação sempre que ela puder compensar, mais
13.3.1. Princípios positivos adiante, a perda de objetivos imediatos.
e) Valorização multi-temporal e multi-dimensional de situação inicial. Evitar o pior tem a máxima prioridade
conseqüências em relação a qualquer princípio positivo. Proteger-se
Mesmo que se disponha de muitos recursos, deve- contra a possibilidade de que a situação final seja pior que
se avaliar as conseqüências de uma estratégia em diversos a situação inicial é o principal objetivo de um dirigente público.
horizontes de tempo e nos diferentes campos do sistema O pior é perder a liberdade de ação e, no limite, ser
social. Explorar as conseqüências políticas de uma decisão obrigado a tomar a decisão trágica de escolher entre dois
econômica e as conseqüências econômicas de uma decisão males. A guerra Iraque-Kuwait-Estados Unidos, mais uma
política. Nunca se joga em uma só frente e em uma só vez, contribui com um exemplo interessante. Qual é a
dimensão. Por exemplo, o Presidente Bush, do Partido situação do Iraque, no pós-guerra? Pior ou melhor que
Republicano, enquanto concentrava sua atenção no conflito antes? Parece evidente que é pior.
e nas possibilidades da guerra contra o Iraque, abria um b) Não enfrentar o adversário quando ele estiver
espaço interno para a luta política interpartidária. As preparado.
declarações do senador republicano Bob Dole apontavam Deve-se buscar envolver o adversário em um clima
nessa direção - embora com exagero e visando a obter de confiança, sinceridade e propósitos transparentes de
vantagens políticas -, quando, ao assumir que a guerra era benefício mútuo. Se, de início, isso não for possível,
iniciativa republicana, declarou: desgastar a força do adversário, distraí-lo ou tentar
“A estratégia republicana consiste em desalojar surpreendê-lo. A ética política tem muito valor e é necessária,
Hussein do Kuwait. Receio que a estratégia de alguns mas não é a ética dos jogos esportivos. Deve-se procurar
democratas seja a de tirar Bush da Casa Branca”. sempre deixar o adversário em inferioridade de condições.
f) Encadeamento das estratégias Em relação a esse objetivo, pode-se seguir três caminhos:
Onde termina uma estratégia e começa outra? desmotivar o adversário, incapacitá-lo ou distraí-lo.
Pensar na situação resultante de uma ação como se ela Desmotivar pertence ao campo das estratégias psicológicas
fosse a situação inicial da ação seguinte. O plano deve de persuasão, desmoralização, desânimo e desinteresse.
prever e prover o movimento seguinte, tanto no caso de Incapacitar inscreve-se nas estratégias de duelo, controle
êxito quanto no de fracasso; e, sobretudo, no caso de êxito de recursos, habilidade, desorganização e superioridade
ou fracasso parciais, muito comuns em política. O plano técnico-científica. Distrair é tema das táticas de surpresa e
deve evitar os becos sem saída e afastar a incerteza. As confusão.
declarações do Almirante Gene Larocque, do Centro de c) Não iniciar uma ação se não estiver preparado.
Informação sobre a Defesa, de Washington, expressam É impossível negociar e persuadir o outro, ou obter
bem a idéia do encadeamento de estratégias, quando uma vitória eficaz contra um adversário, nos casos em que
prognostica com excessiva segurança, no início do conflito não se criou a situação oportuna para isso; o êxito é
Iraque-Kuwait, as conseqüências da guerra que rejeita e construído mediante uma seqüência de passos preliminares,
quer evitar. Disse Larocque, em um prognóstico que se de preparação de terreno, de análise sistemática de
revelou equivocado: necessidades e conseqüências.
“Supondo-se que derrotemos os iraquianos, d) Não repetir uma estratégia fracassada.
poderemos aumentar em 100 bilhões nossa dívida nacional: O reforço de uma mesma estratégia é, em geral,
o preço do petróleo subirá às nuvens, os preços das ações insuficiente para aumentar-lhe a eficácia. Não repetir, de
terão queda vertical, perderemos mercados para os alemães imediato, uma ação fracassada, a menos que a situação
e japoneses, nosso nível de vida deteriorar-se-á, aumentará mude dramaticamente a seu favor, o que usualmente é
a instabilidade no Oriente Médio. (...) Não haverá glória, improvável. A única exceção a este princípio é o erro
vantagem ou gratidão se fizermos uma guerra no Golfo provocado pelo sub-dimensionamento das operações que
Pérsico”. integram a cadeia de ações. Mesmo neste caso, a repetição
A partir da nova situação prevista, o governo dos encontrará o adversário com a atenção já dirigida para essa
Estados Unidos deveria dar continuidade ao processo, com linha de confronto e, portanto, por ocasião da repetição, o
novas estratégias para lidar com outros problemas. A adversário estará mais bem preparado que na ação original.
declaração de Larocque é um bom exemplo das dificuldades e) Não confundir reduzir a incerteza com preferir a
apresentadas pelas relações de causalidade social, quando certeza.
se trata de fazer prognósticos absolutos. O desenvolvimento A esse respeito, nota Clausewitz, com agudeza:
ulterior da 1a Guerra do Golfo demonstrou que muitas dessas
predições eram equivocadas. O caso mais recente parece “Podemos pedir que (a incerteza) seja a menor
representar melhor a predição. possível, mas só em relação a um caso específico, isto
é, tão reduzida quanto possível neste caso específico,
mas não podemos exigir que se dê sempre preferência
13.3.2. Princípios negativos aos casos nos quais a incerteza seja menor. Seria um
grande erro. Há casos em que a maior ousadia significa
São princípios orientados pelo que não deve ser feito, a maior sabedoria”.
ou o que deve ser evitado, e podem ser assim sintetizados:
Este princípio negativo procura evitar graves
a) Evitar o pior.
confusões. A certeza não é critério para a seleção dentre
É o princípio básico, aliado de qualquer princípio
alternativas: é critério para melhorar uma alternativa,
positivo. Nenhuma estratégia deve admitir, como resultado
supondo-se constantes todas as demais variáveis. A
possível e provável, que a situação final seja pior que a
Exemplo idealizado para análise de atores e formulação de ações construtoras de viabilidade política
- Ator que planeja: equipe de coordenação do projeto.
- Ação de Governo: Projeto ASA 2003-2006.
13.5.2
a) O estratagema de Tróia
Objetivos:
1- acabar com o cerco à cidade de Tróia que já dura
10 anos
2- derrotar os troianos
R1
b) Análise idealizada sobre a lenda de Tróia: +
R2
Plano:
Aposto que:
Antecedentes: A1- Podemos construir um cavalo onde caibam 30
Dado que: soldados;
O Sítio a Tróia já dura 10 anos e A2- Deixá-lo como um troféu aos troianos;
estão todos cansados. Os A3- Simular uma retirada
Troianos estariam propensos a se A4- Os Troianos levarão o troféu para dentro dos
deixar enganar com uma falsa muros;
retirada. Sua curiosidade e A5- À noite, o espião que está dentro da cidade abre
crenças os farão aceitar um troféu a porta na barriga do cavalo;
dado pelos gregos. A6- Os soldados sairão do cavalo, dominarão a
guarda e abrirão os portões da cidade;
A7- Invasão da cidade e encerramento da guerra.
Ação 1- construir um cavalo de madeira c/ capacidade Suposições: seja obtida surpresa, os troianos não
p/ 30 soldados; consigam dar um alarme antes da invasão e não haja
contra-surpresas;
Suposições: os gregos podem construir um cavalo
com as características e a qualidade necessárias, a Avaliação: Aceitável
tempo e sem que nenhum espião troiano descubra;
a) Levantamento de Variáveis
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