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Entendendo a crise econômica mundial

Por Alceu Garcia


27 de julho de 2002

O traço singular das crises econômicas desde o início do século 19 é a dificuldade de


entrever com precisão a causa ou causas que as deflagram. No passado as depressões
podiam ser imputadas claramente à guerras, revoluções ou catástrofes naturais. A
economia capitalista moderna é diferente. Quando tudo parece estar indo bem,
inexplicavelmente emergem estranhas convulsões de seu bojo, que não podem ser
explicadas por esse ou aquele evento específico. Como não poderia deixar de ser, os
estudiosos do assunto aventaram ao longo do tempo inúmeras hipóteses para a
compreensão das flutuações econômicas.

Todos conhecem ao menos vagamente a teoria marxista que atribui ao capitalismo


contradições imanentes e inexoráveis cada vez mais graves e que ao fim e ao cabo
levariam à sua superação pelo comunismo. A hipótese de Marx pertence ao gênero das
teorias da superprodução, segundo as quais o capitalismo seria tão produtivo que
haveria um encalhe de mercadorias em vista da incapacidade das massas para adquiri-
las. A outra teoria mais conhecida é a de Keynes, que integra o grupo do subconsumo.
Para o inglês, que divisava contradições internas no capitalismo muito parecidas com as
de Marx, as crises são o reflexo da insuficiência de poder de compra por parte da
população. Os seguidores de Marx e os discípulos de Keynes divergem entre si em
detalhes, mas concordam no principal: a economia de mercado é intrinsecamente
instável e perversa. É imperativo para a felicidade geral da humanidade que ela seja
abolida tout court, conforme os marxistas, ou reformada e estritamente controlada pelo
Estado, segundo os keynesianos.

Marx e Keynes diziam que sob certas condições a escassez – a impossibilidade de ter
tudo ao mesmo tempo – poderia ser suprimida e os povos ingressariam então no nirvana
terrestre da abundância. Bastava superar a propriedade privada dos meios de produção,
no caso do alemão, ou reduzir à zero a taxa de juros, conforme o britânico, para que esse
feliz estado de coisas substituísse o desnecessário vale de lágrimas de dura labuta que
aflige os homens desde a expulsão do paraíso. Em outras palavras, os dois mais famosos
e influentes economistas dos últimos cento e tantos anos acreditavam em Papai Noel e
no coelhinho da páscoa. Que sejam justamente esses embusteiros os dois mais famosos
e influentes economistas sintetiza muito bem a confusão moral e o descalabro
intelectual vigente. Marx e Keynes não foram homens de ciência, e sim expoentes do
grupo mais nefasto de todos os tempos, o dos intelectuais socialistas militantes, que
superaram com folga os estragos pretéritos de conquistadores sanguinários como Átila,
Tamerlão ou Cortez. Suas teorias acerca dos ciclos são tão desonestas e erradas que já
nasceram refutadas. Num debate célebre na época, início do século 19, o economista
francês Jean-Baptiste Say conseguira demonstrar os erros cabais de seu colega inglês
Malthus, que formulara uma teoria das crises econômicas depois requentada e enfeitada
por Marx e Keynes, cada um a seu modo.

De sorte que, para quem quer compreender o que está ocorrendo com a economia global
no presente, deve em primeiro lugar descartar in limine as explicações dos economistas
marxistas e keynesianos. No Brasil, terra em que 99% dos economistas tem Marx no
coração e Keynes na cabeça, isso significa desprezar quase in totum as análises dos
pseudo-especialistas. Tampouco há como levar a sério os palpiteiros baratos e
propagandistas vulgares como Veríssimo, Sader e similares. Para entender o que está se
passando é preciso recorrer às análises e pesquisas de estudiosos sérios.

Como os chamados monetaristas da Escola de Chicago. Para eles, em resumo, a


estabilidade econômica depende da relação entre a quantidade total de dinheiro em
circulação e a quantidade total de bens e serviços produzida. Enquanto houver
equivalência entre ambas essas magnitudes de modo que uma terceira magnitude, o
nível geral de preços, permaneça estável, tudo irá bem. Os problemas decorrem da
queda ou aumento excessivo da oferta de moeda, gerando deflação ou inflação. Para os
monetaristas, a razão principal da grande depressão dos anos 30 teria sido o mau
gerenciamento monetário do banco central americano, que permitiu uma queda abrupta
da quantidade de dinheiro – deflação - quando assistiu a uma quebradeira geral de
bancos (cujos depósitos à vista – dinheiro – deixaram de existir) sem nada fazer. A
crítica que se faz aos monetaristas é que eles raciocinam em termos de agregados, ou
seja, adotam uma teoria macroeconômica dos ciclos que acaba não diferindo muito da
macroeconomia keynesiana, e padece de limitações semelhantes. Ademais, tanto na
crise americana atual quanto na corrente estagnação japonesa, velha de dez anos, a
teoria monetarista falhou na previsão das crises, pois o nível geral de preços em ambos
os casos estava mais ou menos estável, e também na correção delas, pois não houve
quebras bancárias e deflação e mesmo assim o problema continuou. Em defesa dos
economistas de Chicago, contudo, deve ser dito que eles ajudaram a humanidade
derrotando os keynesianos numa grande batalha teórica nos anos 60 e 70 centrada nas
origens e causas da galopante inflação de preços da época, bem como que eles em geral
criticam ferozmente o intervencionismo econômico do protecionismo, monopólios,
subsídios, déficits e controle de preços.

Mas a economia não trata de agregados imaginários, meros entes de razão, e sim de
seres humanos, suas ações e escolhas num mundo de escassez, imperfeições e
incerteza.. Nesse plano mais concreto, chamado de microeconomia, alguns teóricos,
como Joseph Schumpeter, foram pesquisar a dinâmica das crises econômicas. Esse
grande economista partiu do modelo conhecido como equilíbrio geral walrasiano para
concluir que a única variável capaz de perturbar esse equilíbrio e deflagrar as crises
seria a inovação tecnológica. A teoria da destruição criativa, como ficou conhecida, é
muito interessante, mas peca por assumir os postulados irrealistas e insatisfatórios do
equilíbrio geral e por concentrar a inovação em determinados períodos, seguidos de
calmarias técnicas, quando se sabe que no mundo real ela está ocorrendo o tempo
inteiro.

A teoria articulada por Ludwig von Mises sobre antigos insights da escola monetária
inglesa do século 19 e das investigações sobre o capital e o juro de Bohm-Bawerk e
Wicksell, depois desenvolvida por Friedrich Hayek e outros, evita as armadilhas da
macroeconomia e da microeconomia walrasiana, pelo que, na minha ótica, fornece a
mais completa ilustração das flutuações econômicas. Passemos a testá-la. A ênfase é na
moeda, como é o caso dos monetaristas, porém a abordagem é primariamente
microeconômica, concentrando-se nos efeitos que o advento de moeda-crédito nova
provoca nos agentes econômicos. Os economistas austríacos notaram que as crises
revelam subitamente que a maior parte dos empresários e investidores erraram em suas
estimativas do estado futuro do mercado, de modo que suas expectativas de
lucratividade foram frustradas. O erro empresarial é normal (afinal, errar é humano) e
acontece o tempo todo, pois o futuro é por definição incerto. A singularidade das crises
é a enorme quantidade de erros de avaliação simultâneos por parte de empresários
experientes e especuladores astutos. Entender a causa desses blocos de erros é a chave
para decifrar o mistério das crises.

Num mundo em que tudo é heterogêneo só o dinheiro é homogêneo. A moeda tem a


função vital de expressar as razões de troca entre as mais variadas coisas – os preços –
numa única unidade de conta apta a permitir o cálculo econômico racional. Os preços
monetários transmitem informações aos agentes econômicos sobre a escassez relativa
dos fatores de produção e dos bens de consumo, e com base nessas informações os
agentes traçam seus planos e tomam suas decisões. Caso esse delicado mecanismo de
transmissão de informações via preços seja danificado, os agentes estarão mais
propensos a planejar sobre dados ilusórios de realidade e portanto a tomar decisões
erradas.

Para haver investimento é preciso antes ter havido poupança, a diferença positiva entre
o que as pessoas produzem e o que consomem. A poupança agregada reflete uma
inclinação geral das pessoas de adiar o consumo no presente em troca de mais consumo
no futuro. Se, ao contrário, ocorrer uma preferência generalizada pelo consumo no
presente, a poupança agregada é reduzida ou até substituída pelo consumo do capital
existente, o que resultará em consumo futuro declinante e queda do padrão de vida.
Numa economia de mercado desenvolvida, a poupança chega às mãos dos investidores
mediante complexos sistemas de intermediação e o preço que equilibra a procura e a
oferta de poupança existente é o juro. Esse preço é absolutamente fundamental para o
cálculo econômico dos empresários, que não investirão em linhas de produção cuja
rentabilidade seja menor do que os juros que terão que pagar sobre os recursos tomados.
O juro sinaliza a escassez de poupança e informa que não dá para produzir tudo no
momento, mas apenas os bens de consumo mais urgentemente desejados pelos
consumidores. Outra informação vital fornecida pela taxa de juros é sobre o tempo a ser
consumido no projeto de investimento até que os bens de consumo estejam prontos para
serem oferecidos no mercado. Um projeto que consome tempo demais para maturação
corre o risco de morrer na praia por falta de recursos para mantê-lo, pois até que se
comece a vender e lucrar há que pagar os salários dos empregados, os fornecedores de
insumos etc.

Se porém os bancos decidem emprestar além das suas reservas, eles falsificam dinheiro
(pois depósitos sujeitos à cheque criados ex nihilo são dinheiro em circulação), criam
uma pseudopoupança e consequentemente a taxa de juros, reduzida artificialmente,
deixa de ser um sinal confiável. Os empresários e investidores são induzidos a acreditar
que há mais poupança real do que efetivamente existe. Todas as crises são precedidas de
períodos de prosperidade febril caracterizada por amplos investimentos em bens de
capital e de maturação lenta. Por outro lado, o dinheiro falso bombeado pelos bancos na
economia termina por alimentar grandes movimentos especulativos nas bolsas de
valores e em outros mercados (como o de imóveis). O estimulante dessa febre ilusória
de otimismo eufórico é o crédito artificialmente barato provido pelo sistema financeiro
sob o comando dos governos.
A distorção na cadeia produtiva que se segue decorre do fato de que a criação de
dinheiro falso não implica em que os fatores de produção e bens de consumo também
possam se materializar magicamente. Eles continuam limitados e escassos como antes.
Como há mais dinheiro comprando as mesmas coisas, os empresários passam a disputar
ferozmente entre eles os fatores de produção, cujos preços sobem. De outro ângulo, a
remuneração desses fatores, como os salários dos empregados, começa a ser despendida
em bens de consumo, cujos preços tendem a subir. A inflação monetária pode ser
contrabalançada por um aumento da produtividade (queda dos preços de alguns bens de
consumo pelo aumento da oferta), de modo que o nível geral de preços permaneça
relativamente estável, como ocorreu nos anos 20 e nos anos 90 nos Estados Unidos.
Entretanto, a expansão do crédito além da poupança real fatalmente distorce a alocação
de recursos. O aumento da demanda por bens de consumo força os empresários dos
setores mais próximos do consumo final a competir com os setores mais distantes pelos
fatores de produção. A farra do crédito barato, contudo, gera inflação e estende demais
o endividamento dos agentes econômicos, de modo que, mais cedo ou mais tarde, o
governo e os bancos são forçados a elevar os juros e restringir a oferta de crédito. Chega
de emprestar; a hora agora é de cobrar as dívidas. O aumento dos juros e dos preços dos
fatores subitamente deixa nus com a mão no bolso os empresários do setor de bens de
capital. Eles se dão conta de que suas previsões estavam erradas, que não conseguirão
recuperar o que investiram e aí começa o salve-se quem puder do corte de custos e
demissões. As crises sempre começam nos setores da estrutura de capital mais afastados
do consumo final e só mais tarde vão derrubando o resto.

A recessão, na ótica da teoria austríaca, é o acerto de contas inevitável com o complexo


de decisões erradas tomadas no passado com base no falso sinal dos juros baixos. Os
empresários têm que ajustar seus planos ao nível de poupança efetivamente existente.
Muitos quebram e são excluídos do rol dos empreendedores. Os assalariados
empregados nas indústrias insustentáveis perdem seus empregos e têm que procurar
outros em setores mais sólidos. O desemprego sobe dramaticamente. Os investimentos
em bens de capital e terra não conversíveis são sacrificados. Não há outro jeito. Quanto
menor for a intervenção externa nesse necessário processo de regeneração do organismo
econômico mais rápida será a sua recuperação. A tremenda crise mundial de 1921 foi
superada em apenas um ano. Já a crise similar de 1929 se prolongou por mais de dez
anos e a convulsão japonesa de 1992 se arrasta até hoje. Isso porque os governos
resolveram intervir e só agravaram os problemas. Medidas protecionistas para
"preservar empregos", gastos deficitários estatais para "gerar empregos", barateamento
do dinheiro com juros zero ou até negativos ("reflação"), controle de preços, subsídios
às indústrias periclitantes, seguro-desemprego para sustentar a "demanda efetiva" e
medidas do gênero impedem a recuperação e prolongam a recessão, transmutada
desnecessariamente em depressão.

A economia de mercado é construída por milhões de contratos entre sujeitos livres, ou


seja, pela cooperação voluntária e mutuamente vantajosa para as partes segundo suas
valorações pessoais e intransferíveis. A base desse sistema incrivelmente complexo é
uma atmosfera geral de confiança (daí "crédito") em que os contratantes cumprirão as
obrigações pactuadas. Ao contrário do que pregam os enfadonhos intelectuários
socialistas, o capitalismo pressupõe uma moralidade social saudável. O elo que
possibilita e liga economicamente todas essas relações privadas é o dinheiro. Ora, se o
dinheiro é sujeito à manipulação fraudulenta pelos governos e bancos, violando a regra
moral básica de não roubar, a imoralidade é infundinda no próprio coração do sistema,
corrompendo-o gravemente. A inflação é uma espécie de leucemia econômica, em que o
sangue do corpo econômico é deliberademente envenenado. É claro que mais cedo ou
mais tarde os órgãos aparentemente saudáveis começarão a falhar e o paciente
descobrirá de repente que está seriamente doente.

A propósito, é abordando o problema do ponto de vista ético que se constata mais


facilmente o absurdo das propostas keynesianas para evitar ou curar as depressões. Para
Keynes e seus sucessores, o Estado se subtrai às regras morais válidas para as criaturas
comuns, pois ele não só pode como deve gastar mais do que arrecada (onerando assim o
patrimônio de terceiros contra a vontade deles!) e falsificar dinheiro em bases
permanentes. Essas falcatruas oficiais são conhecidas pelos eufemismos de "política
monetária" e "política fiscal". Ora, o Estado é uma abstração. O que ontologicamente
existe são indivíduos investidos dos poderes de governo. Não pode ser fecundo um
sistema social em que vige uma moral para uns e outra inteiramente contrária para
outros. A tendência é a imoralidade dos que estão por cima contaminar todo o corpo
social, o que de fato tem acontecido sistematicamente.

A inflação é como as drogas. O primeiro passo para curar um viciado em drogas é parar
de tomar a substância. Depois virão os sintomas da crise de abstinência que o indivíduo
terá que suportar até limpar seu organismo para poder então levar uma vida sã. A
medicina keynesiana, todavia, recomenda atulhar o paciente com a mesma droga em
que ele se viciou além de outras igualmente nocivas! Não admira que tantos "pacientes"
sujeitos à essa terapia charlatanesca tenham chegado perto de bater as botas. O Brasil é
um desses pacientes e os charlatães keynesianos fervilham em torno dos candidatos à
presidência, os já famosos quatro cavaleiros do apocalipse.

Encerrado esse breve esboço teórico das crises econômicas, passemos agora a examinar
a atual recessão à luz dessa teoria. Os anos 90 foram tempos de grande prosperidade nos
Estados Unidos, a mais forte economia do mundo. No comando estava o "senhor dos
mercados", Alan Greenspan, chefe do banco central americano. É curioso que analistas
sérios possam ter acreditado que a saúde econômica mundial dependesse da batuta de
maestro de um único homem. Dá para crer que a inacreditavelmente intrincada
complexidade da economia global pudesse ser conduzida intuitivamente por um super-
homem, que quando sentia uma dorzinha ominosa nas articulações baixava os juros e
quando ouvia uma misteriosa voz interior os aumentava? Pois é nisso que a mídia
dominante quis que se acreditasse. A verdade é bem outra. Greenspan pisou no
acelerador da expansão monetária em meados dos anos 90, aumentando a quantidade de
dinheiro em 10% ao ano e depois em 15% ao ano. Por que fazer isso? Porque
politicamente é interessante; os políticos têm horizonte de curto prazo e fazem qualquer
negócio para que a economia cresça, mesmo que esse crescimento seja insustentável.
Seus sucessores que se virem com a crise.

Essa orgia de dinheiro barato desencadeou os investimentos de longo prazo


insustentáveis previstos na teoria austríaca dos ciclos, bem como jogou gasolina nas
brasas da especulação desenfreada. As ações da Nasdaq foram à estratosfera, muito
embora fosse público e notório que as novas empresas "ponto.com" levariam anos, e até
décadas, antes que começassem a operar no azul. Greenspan começou a falar em
"exuberância irracional" na época, mas era ele quem estava abrindo as comportas da
irracionalidade. E ele sabia disso muito bem, vez que foi aluno de Ludwig von Mises e
conhece a teoria monetária das crises muito melhor do que eu.
Como reza essa teoria, a expansão monetária não pode durar para sempre, sob pena de a
inflação destruir a economia. Greenspan então falava em "pouso suave" do nível de
atividade econômica, excessivamente aquecido, e aumentou a taxa de juros em 1999,
reduzindo o crescimento monetário para menos de 8% anuais. A contração nos setores
de bens de capital prevista pelos austríacos já tinha se iniciado quando o pouso suave
virou uma aterrissagem forçada assustadora. A bolha da Nasdaq estourou, reduzindo à
pó as economias de milhões de investidores. Quase seiscentas empresas "ponto.com"
faliram. A recessão chegou para valer no ano de 2001 e continua bastante séria até o
momento. É claro que a crise nos Estados Unidos afeta o mundo inteiro.

Outro ponto de comprovação da teoria austríaca é a corrente epidemia de fraudes


contábeis em grandes empresas e bancos americanos. É óbvio que jamais aconteceu
uma assembléia geral de grandes empresários para combinar uma maquiagem contábil
generalizada. Essas coisas são feitas no maior segredo. Cada empresa tomou sozinha a
decisão de mentir ao público. O fato de que tantas delas tenham feito a mesma coisa ao
mesmo tempo reflete o desespero comum a cada um desses conglomerados diante do
complexo de estimativas erradas induzidas pela política monetária traiçoeira de
Greenspan. Não se trata aqui de relativizar e desculpar os crimes cometidos por esse
pessoal. Um erro não justifica o outro e a desonestidade deles tem que ser punida. Mas
não se pode esperar que um sistema imoral gere moralidade. De maneira que a recente
declaração de Greenspan contra a "ganância infecciosa" é farisaica e tem por meta tirar
o dele da reta. E a grande imprensa mundial engoliu essa isca com a maior sofreguidão,
pois, eterna cortesã do Estado que é, não poderia admitir que o "senhor dos mercados"
não passa de um super-trambiqueiro e fraudador emérito. Por outro lado, a revelação
das fraudes demonstra a superioridade da ordem de mercado, pois não se pode enganá-
la por muito tempo. A triagem dos lucros e perdas é implacável, cedo ou tarde os
prejuízos produzem seus efeitos. Já as maquiagens contábeis estatais são muito mais
difíceis de detectar, muito mais vultosas e onerosas e no fim não dão em punição para
os políticos e burocratas. Punição mesmo só para os contribuintes que pagam a conta.

O fato é que a crise está posta e seus desdobramentos para o bem ou para o mal
dependerão das ações futuras do governo dos Estados Unidos. Seguir o caminho
trilhado por Hoover e Roosevelt nos anos 30 é receita segura para uma depressão de
grandes proporções. Naquele tempo, o governo americano fez tudo o que se poderia
imaginar de pior para abortar a recuperação. Instituiu altíssimas tarifas alfandegárias,
arruinando o comércio internacional, duplicou os impostos, descarregou subsídios sobre
setores ineficientes, desvalorizou o dólar, contraiu déficits fiscais enormes, inflacionou
a moeda e interveio no mercado de trabalho. A recessão inicial então se eternizou como
uma brutal depressão. Infelizmente, as autoridades americanas não aprenderam a lição
do passado, pois estão seguindo trilha semelhante no presente. Greenspan "reflacionou",
voltando a bombear crédito em doses cavalares na economia americana com juros de
quase zero. Não adiantou nada, é claro. Bush e o Congresso estão unidos na política de
subsídios e no protecionismo, o que vai naturalmente gerar retaliações dos outros países
e blocos comerciais. Uma guerra comercial agora seria um desastre, como foi nos anos
30. Adotando as indefectíveis recomendações dos keynesianos, que nessas horas sempre
retiram o velho pangaré da "política fiscal" de suas nauseabundas estrebarias, Bush
elevou dramaticamente os gastos públicos americanos, o que gera déficit, que tem que
ser financiado via inflação ou endividamento, e a dívida pública americana não é baixa.
Estimulados pelo abundante crédito ao consumo e pela ideologia keynesiana da
gastança como meio de encorajar a "demanda agregada", os americanos se endividaram
muito e estão poupando pouquíssimo. Os investimentos estão muito dependentes de
poupança externa, que está melindrada pela crise de credibilidade do mercado
americano e ameaça fugir para pousos mais seguros. O déficit comercial está alto e
aumentando. De resto, o belicismo do governo Bush pouco contribui para a estabilidade
mundial. O cenário é lastimável e alimenta o pessimismo.

Para piorar, os políticos estão fazendo a costumeira demagogia lançando empresários


fraudadores aos leões para encobrir sua própria culpa no cartório pela situação atual.
Fala-se em regulamentações mais severas e draconianas, o que só pode entravar ainda
mais um mercado que, ao contrário do que se pensa, já é excessivamente cerceado por
copiosas leis e regulamentos. Tudo isso é fumaça. Fraudar a contabilidade sempre foi
crime e já existem rígidos mecanismos de prevenção que falharam porque o Estado
costuma falhar. É da natureza da burocracia ser ineficiente. Nem se fosse possível
designar um policial para seguir como uma sombra todos os contadores do país daria
jeito no problema, pois quem garante que os policiais não seriam por sua vez
incompetentes ou sujeitos à corrupção? Teria que haver um fiscal do policial do
contador, e depois um fiscal do fiscal do policial do contador e assim por diante.

Para não ficar somente na sinistrose, vale lembrar que aparentemente não há no
horizonte próximo a ameaça de ideologias insensatas como o nazismo e o comunismo,
que nos anos 30 ainda tinham o frescor da novidade e não tinham sido testados e
reprovados pela experiência histórica. A realidade ensinou duras lições aos políticos que
se encantaram pelo marxismo e pelo keynesianismo, de modo que prevalece ainda um
certo consenso de que a economia de mercado deve prevalecer, mesmo que
pesadamente obstruída pelas "políticas públicas". O que se pode assegurar é que os
ciclos econômicos continuarão a se repetir enquanto existir a manipulação política da
moeda, e não há sinal de que isso possa mudar no futuro previsível. A arquitetura
monetária do capitalismo moderno é um castelo de cartas sujeito a desmoronar parcial
ou totalmente a qualquer momento. Vamos torcer para que nada de mais grave aconteça
no mundo, porque no Brasil a crise tem raízes locais, é inevitável e será grave, aconteça
o que acontecer com a economia global. Mas essa é outra história.

Bibliografia: Quem quiser se aprofundar no assunto, não pode deixar de ler os clássicos
de Mises, The Theory of Money and Credit e Ação Humana, de Hayek, Prices and
Production, e de Rothbard, Man, Economy and State e America´s Great Depression.
Graças à internet, hoje é possível ter acesso fácil à estudos e informações relevantes
sobre a atualidade. Não depender da pasmaceira intelectual da imprensa e da academia
brasileira não tem preço. O único problema é que saber inglês é indispensável. Quase
todos os livros acima estão disponíveis na página do Mises Institute. Outras fontes
excelentes são os artigos diários e os estudos publicados em periódicos especializados
disponíveis naquele mesmo website, sobretudo os de William Anderson, Frank Shostak,
Gene Callahan e Roger Garrison. Os artigos de Gerald Jackson publicados no site do
The New Australian também são excelentes. No Brasil há pouco material, destacando-
se o livro Economia e Liberdade do Professor Ubiratan Iorio, que também publica
excelentes análises no seu site.
Entendendo a crise financeira mundial
de um jeito simples
Escrito por Alan
18 outubro, 2008

Ultimamente só se você for um E.T. para não ter ouvido falar da crise que assombra os
mercados financeiros pelo mundo a fora. Você deve ser mais E.T. ainda se pensar “o
que eu tenho a ver com isso?”, pois eu te digo: TUDO. Todos nós estamos diretamente
relacionados à crise financeira que começou nos Estados Unidos.

Depois de ler um pouco a respeito e me interar das notícias eu resolvi escrever aqui no
meu blog, com minhas palavras, como começou esta crise financeira para que até os E.
T.’s possam entendê-la e começar a se preocupar com ela.

Encontrei esta imagem no site do Jornal Folha e resolvi publicá-la para ilustrar o
raciocínio:
Ilustração da crise americana - Arte Folha.

Tudo começou com o crescimento do mercado de imóveis americano, logo após a crise
das empresas “pontocom” ou “dot com”, em meados de 2001. Após tal crise o mercado
de imóveis se aqueceu e o FED (Federal Reserv - Banco Central (BC) Americano)
resolveu abaixar os juros para incentivar o crédito e o consumismo. Aliás, mais do que
incentivar, o FED queria era reencorajar as pessoas a tomarem empréstimos,
financiamentos, etc.

Pois bem, a tática do FED funcionou e o mercado imobiliário se aproveitou disso,


principalmente depois de 2003 quando os juros para financiamento de imóveis chegou a
1% ao ano, o menor em 50 anos nos EUA.

Em 2005 o “boom” no mercado imobiliário ia a todo vapor e comprar um imóvel, ou


mais de um, era fácil e também considerado um bom investimento, visto o aquecimento
do mercado. Nesta época as hipotécias cresceram absurdamente. Hipotecar um imóvel é
o ato de refinanciar este imóvel, ou seja, vamos supor que um imóvel valha U$
100.000,00. Você pega U$ 100.000,00 e paga a hipotéca todo mês e usa os U$
100.000,00 para gastar no que você quiser. É uma prática bem comum nos EUA.
Nesta época algumas empresas que faziam as hipotecas descobriram um nicho de
mercado que não era explorado: o crédito “subprime”. Crédito “subprime” é um tipo de
crédito considerado de segunda linha, ou seja, para pessoas de baixa renda e com
histório de inadimplência. Logicamente que este tipo de crédito tem muito mais risco
envolvido, pois as garantias de recebimentos são bem pequenas. Também é lógico que
por ser mais arriscado os lucros que incidem em tais créditos são bem maiores.

Agora começam os problemas. Atraidos pelas promessas de altos ganhos com o crédito
“subprime”, bancos e fundos de pensão compraram tais títulos das empresas de
hipotécas, permitindo que tais empresas tivessem mais capital para emprestar sem ter
recebido nenhum cetavo do primeiro empréstimo. Vamos exemplificar para facilitar o
entendimento. O Sr. Firmino hipoteca sua casa no valor de R$ 10.000,00. A empresa de
hipoteca paga R$ 10.000,00 ao Sr. Firmino para que ele faça pagamentos mensais de R$
200,00 durante 100 meses totalizando R$ 20.000,00. Um bom lucro de 100%. O Sr.
Firmino é um baita de um caloteiro, mais como é considerado “subprime” ele consegue
crédito mesmo assim. Bom, o Sr. Pedro é o gestor de um fundo de pensão, como
PREVI, Real Grandeza, e outras do Brasil, e resolve comprar tais títulos da dívida do
Sr. Firmino com a empresa de hipoteca. A empresa de hipoteca vende o crédito
concedido ao Sr. Firmino por R$ 15.000,00 sendo que tal crédito renderá R$ 20.000,00
ao final dos 100 meses. Agora a empresa de hipoteca, sem ter recebido nada do Sr.
Firmino, já tem mais R$ 15.000,00 para emprestar. O Sr. Pedro, como um bom gestor,
vende estes títulos para outros investidores, com promessa de altos lucros. Agora,
advinhem o que vai acontecer se o Sr. Firmino não pagar a dívida? Se isso acontecer
toda a cadeia que envolve a empresa de hipoteca, o fundo de pensão do Sr. Pedro e os
investidores que compraram os títulos dele, será prejudicada por falta de dinheiro.

É isso que está acontecendo hoje. As pessoas que contrairam crédito não estão
conseguindo pagar, gerando um volume enorme de inadimplência e um medo em todo
mercado em relação a títulos “subprime”, que apesar de serem de alta lucratividade, não
tem mais garatia de recebimento. Na verdade nunca teve, na prática.

Em 2006 os preços dos imóveis americanos atingiram seu valor máximo e começaram a
cair. Os juros do FED que vinham subindo para frear a infração, começou a afastar os
compradores pois o crédito naturalmente começou a encarecer. Com isso a oferta de
venda começou a superar a demanda de compra de imóveis, fazendo o preço dos
imóveis despencar e as taxas de inadimplência subirem exponencialmente. Com os
juros mais altos as pessoas não conseguiam pagar seus empréstimos gerando um medo
de calotes por parte das empresas de hipotéca, diminuindo o crédito e desacelerando
fortemente o crescimento da economia nos EUA. Quanto menos crédito, menos gente
compra alguma coisa e logicamente menos dinheiro circula, gerando um problema de
liquidez (dinheiro disponível).

Mais como isso pode atingir o mundo todo? Simples, lembra das pessoas que
compraram os títulos do Sr. Pedro do exemplo que dei acima? Pois bem, tais pessoas
podem estar em qualquer lugar do mundo e a falta de dinheiro, por não pagamento de
tais títulos, chega até elas afetando os mercados financeiros de todo o mundo. Isso é a
globalização.

Os primeiros efeitos da crise foram sentidos ainda no ano passado, pelo BNP - Paribas
Investment Partners, divisão do banco francês BNP Paribas, congelou cerca de 2 bilhões
de euros dos fundos Parvest Dynamic ABS, o BNP Paribas ABS Euribor e o BNP
Paribas ABS Eonia, prevendo problemas com os títulos “subprime” dos Estados
Unidos.

A reação do mercado imobiliário, diante da medida tomada pelo BNP Paribas, não
poderia ter sido outra a não ser pânico. Uma das maiores empresas de hipoteca dos
EUA, a American Home Mortgage (AHM) pediu concordata e a Countrywide
Financial, outra gigante do setor hipotecário, teve que ser comprada pelo Bank of
America para não quebrar também.

Também vale lembrar que vários outros grupos financeiros e bancos ao redor do mundo
perderam bilhões com os titulos “subprime”.

Recentemente as empresas Fannie Mae e Freddie Mac, duas gigantes do meio


hipotecário, também deram sinais que poderiam quebrar. Estas duas empresas eram
detentoras de metade dos 12 Trilhões em empréstimos para moradia nos EUA. O
Departamento do Tesouro americano interveio e anunciou uma juda de até U$ 200
bilhões. Já o banco Lehman Brothers não teve tal ajuda e acabou pedindo concordata
após negociações para injeção de dinheiro e até mesmo empréstimos do governo foram
por água a baixo.

Com a concordata do Lehman Brothers, o banco Merrill Lynch ao Bank of America foi
vendido, uma ajuda de U$ 85 bilhões foi concedida a seguradora AIG por medo de
quebra por falta de fontes de captação de empréstimos, a quebra do banco de
empréstimos em poupança (”savings & loans”) Washington Mutual - considerada pelos
especialistas como a pior quebra de um banco americano -, venda do banco Wachovia
que era o quarto maior banco dos EUA e anunciou fusão com o banco Wells Fargo, em
uma operação de US$ 15,1 bilhões em troca de ações.

Os problemas do Wachovia têm boa parte de sua origem na aquisição da companhia


hipotecária Golden West Financial em 2006, por cerca de US$ 25 bilhões, quando o
mercado imobiliário ainda estava em um momento de euforia. Com a compra, o
Wachovia assumiu US$ 122 bilhões em hipotecas do tipo ‘Pick-A-Payment’, na qual a
Golden West era especialista. Nessa modalidade, os mutuários tinham permissão para
deixar de fazer alguns pagamentos.

Para combater esta onda de falências entre seus bancos, o Congresso Americano
aprovou um plano de ajuda de U$ 700 bilhões. O plano do governo americano é
comprar justamente os títulos “podres”, que são títulos com resgate quase improvável,
cuja grande maioria são títulos vindos do crédito “subprime” do sistema hipotecário
americano.

O melhor neste momento é ter bastante cautela e ficar muito atento aos movimentos do
mercado financeiro. Se você tem dinheiro investido na bolsa o melhor a fazer é esperar
e não tomar nenhuma atitude brusca.

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