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O homem das rosas

Porque todos os dias temos diversas razões para descrer e mesmo desistir do ser humano, e
porque a gente sabe que se descrer ou desistir de vez dos nossos semelhantes aí é que a vida perderá
mesmo o sentido, por causa disto é que torno público o que uma amiga minha e leitora dessas crônicas,
lá nos Estados Unidos, me narrou. Ela é uma médica brasileira que há mais de vinte anos vive em Iowa,
um estado no meio-oeste norte-americano no qual, por coincidência, também vivi. Portanto, quando
Monica Hanson me escreveu o que aqui vou cronicando, fui-me sentindo na paisagem interiorana
daquele estado cheio de fazendas de milho e vi alguns bons sentimentos florescerem em mim.

É que os jornais lá publicaram um fato real revelando o lindo, simples e raro segredo de um
cidadão que acabara de morrer. Todo dia, a toda hora está morrendo gente. E nem por isto suas vidas
vão para os jornais. Todos nós guardamos segredos. Alguns são egoístas e inconfessáveis. Mas aquele
homem tinha um segredo. Ele era “o homem das rosas”.

E ela é quem conta: “Quando ele andava nos lugares (barbearia, igreja, restaurante,
supermercado) e escutava histórias de alguém que estava passando uma hora difícil, por doença, perda
de alguém, de emprego, etc., etc., anonimamente, ele enviava uma rosa para a pessoa. Ao morrer, havia
enviado, se não me falha a memória, seis mil rosas! E tinha um pacto com a florista da cidade para ela
não divulgar o seu nome, um segredo que ela guardava (não é um tesouro isso??) até que a mulher do
homem resolveu contar a história no dia do seu enterro. A última rosa que ele enviou foi para a sua
mulher. Disse que para ela reservava a rosa mais bela! Não é de arrepiar?”

Sim, é também de se invejar.

Isto posto, ela ainda acrescenta que na cidade de Iowa há um outro indivíduo anônimo que
todo ano decora três pinheiros que ficam à margem de uma estrada desconhecida. Em pleno natal, de
repente, há aquela manifestação de luzes em meio à neve. E para incentivar gestos parecidos o jornal da
cidade tem um espaço para noticiar coisas que pessoas fazem espontaneamente em favor de outros e
da comunidade.

Quer dizer, nem tudo está perdido.

Sei que as pessoas andam muito assustadas e não interferem para socorrer o outro nem
quando este foi assaltado ou atropelado. É como se todos já estivéssemos também tão atropelados e
assaltados que não aguentássemos ver ou socorrer vítimas.

Mas enquanto houver uma pessoa que mande, desinteressada e anonimamente, uma rosa para
alguém que dela necessite ou a mereça, ainda haverá esperança de que nem tudo secou em nós.

Sei que alguém pode resmungar, “mas que coisa mais piegas!”. Talvez seja. Mas também é
verdade que a aspereza de nossas vidas fez com que embotássemos os sentidos, que tivéssemos
vergonha de nossos sentimentos e emoções. E, no entanto, oferecer uma rosa seria tão simples. Tão
simples e urgentemente necessário.

(Do livro “Tempo de Delicadeza” – Affonso Romano de Sant’Anna)

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