Você está na página 1de 132

PREFÁCIO ............................................................................................................................................................

3
1. AUTONOMIA LOCAL: CONCEITO E RELEVÂNCIA ....................................................................... 5
1.1. A CARTA EUROPEIA DE AUTONOMIA LOCAL..................................................................... 6
1.2. AS FUNÇÕES DAS AUTARQUIAS LOCAIS .......................................................................... 8
A DIVISÃO DE PODERES ..................................................................................................................... 8
UMA PARTICIPAÇÃO MAIS ALARGADA DA POPULAÇÃO NA VIDA PÚBLICA LOCAL....... 9
SERVIÇOS PÚBLICOS MAIS EFICAZES ......................................................................................... 11
UMA LÓGICA DIFERENTE DE FUNCIONAMENTO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS.................12
1.3. TRADIÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS E ESTATUTO CONSTITUCIONAL
DAS AUTARQUIAS LOCAIS....................................................................................................................13
2. OS SISTEMAS DE AUTARQUIAS LOCAIS....................................................................................16
2.1. ESTADOS FEDERAIS, REGIONAIS E UNITÁRIOS: CONCEITOS E ILUSTRAÇÃO 16
2.2. AS AUTARQUIAS LOCAIS NA ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DOS ESTADOS.... 22
ESTADOS FEDERAIS........................................................................................................................... 23
ESTADOS REGIONAIS ....................................................................................................................... 25
ESTADOS UNITÁRIOS ....................................................................................................................... 26
2.3. RELAÇÕES ENTRE DIFEREN'T'ES NÍVEIS DE AUTARQUIAS LOCAIS.................... 29
2.4. RELAÇÕES ENTRE ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO ESTADO E AUTARQUIAS
LOCAIS ......................................................................................................................................................... 32
3. DIMENSÃO DAS AUTARQUIAS LOCAIS, EFICIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO DAS
POPULAÇÕES: O CASO DOS MUNICÍPIOS............................................................................................. 34
3.1. A DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS: SITUAÇÃO ACTUAL E EVOLUÇÃO NO
PASSADO...................................................................................................................................................... 35
3.2. DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS E EFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS LOCAIS
41
3.3. DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS E DEMOCRACIA LOCAL................................................ 49
3.4. CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 53
4. ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DAS AUTARQUIAS LOCAIS........................................... 55
4.1. PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO E REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES E
COMPETÊNCIAS ......................................................................................................................................... 56
4.2. ANÁLISE COMPARATIVA DAS COMPETÊNCIAS DAS AUTARQUIAS LOCAIS ...... 60
5. AS FINANÇAS LOCAIS........................................................................................................................71
5.1. A AUTONOMIA FINANCEIRA DAS AUTARQUIAS LOCAIS .........................................71
5.2. OS IMPOSTOS LOCAIS EXCLUSIVOS................................................................................. 79
5.3. TRANSFERÊNCIAS E PEREQUAÇÃO FINANCEIRA ......................................................... 85
5.4. EMPRÉSTIMOS DAS AUTARQUIAS ......................................................................................91
6. ORGANIZAÇÃO INTERNA E RECURSOS HUMANOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS......... 94
6.1. OS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS .......................................................................... 94
6.2. OS REPRESENTANTES ELEITOS ..........................................................................................101
6.3. O PESSOAL DAS AUTARQUIAS LOCAIS.......................................................................... 108
7. TIPOS-IDEAIS DE ADMINISTRAÇÃO AUTÁRQUICA E A SITUAÇÃO EM PORTUGAL.115
7.1. DOIS TIPOS-IDEAIS DE AUTARQUIAS LOCAIS...........................................................115
7.2. OS DOIS TIPOS-IDEAIS E A SITUAÇÃO EM PORTUGAL............................................119
PREFÁCIO

Na apresentação de um livro com um título simples, mas genérico, como este


é tão importante informar o leitor sobre as matérias que nele serão
abordadas, e de que forma, como indicar-lhe as questões às quais não
encontrará resposta no corpo do trabalho, e as razões que presidiram às
escolhas do autor.

A estrutura deste livro corresponde, no essencial, à das aulas em


Administração Local Comparada que ministrei na Faculdade de Direito da
Universidade de Estrasburgo, França, de 1993 a 1997, no quadro do curso de
pós-graduação (Diplôme d'Études Supérieures Spécialisées) em
Administração Local. Muita da informação contida nas notas e apontamentos
que coligi para aquelas aulas proveio de estudos e análises comparativas em
que colaborei, ou pelos quais fui responsável, ao longo de cerca de dez anos
de actividade profissional no Conselho da Europa, no domínio dos poderes
locais, primeiro no Secretariado da Conferência Permanente dos Poderes
Locais e Regionais da Europa (que reúne autarcas de todos os Estados-
membros da organização) e, posteriormente, como Secretário do comité de
peritos que supervisiona as actividades intergovernamentais no domínio das
questões locais e regionais.

Tendo sido chamado a exercer funções noutro serviço do Conselho da


Europa, a falta de disponibilidade de tempo obrigou-me, infelizmente, a
interromper aquela colaboração universitária e o material que tinha
preparado para aquelas aulas corria o risco de ficar com divulgação muito
limitada. Um convite do núcleo de coordenação científica do 1? Curso de Pós-
Graduação em Gestão Autárquica (2000/2001) da Faculdade de Economia da
Universidade do Porto ofereceu-me o incentivo necessário para actualizar a
informação recolhida e para a publicar.

Observador, à distância mas atento, da realidade portuguesa, pareceu-me,


contudo, que valeria a pena visar um conjunto mais amplo de leitores
potenciais que um número limitado de alunos universitários em fase de pós-
graduação. Na verdade, cerca de vinte e cinco anos após as primeiras eleições
autárquicas em Portugal, o poder local continua a ser um parente pobre do
sistema político e existem, hoje em dia, tendências centralizadoras que vão
ao encontro «do facto de que a defesa e o reforço da autonomia local (...)
representam uma contribuição importante para a construção de uma Europa
baseada nos princípios de democracia e de descentralização de poder (...) que
permite uma administração simultaneamente eficaz e próxima do cidadão»,
para citar o Preâmbulo da Carta Europeia de Autonomia Local, ratificada pela
Assembleia da República em Dezembro de 1990.

A opção feita de escrever um livro que pudesse ser lido, sem grandes
dificuldades, por todas as pessoas interessadas em temas de administração
pública e de administração autárquica em particular impôs um certo número
de restrições. Assim, o trabalho limita-se a apresentar análises descritivas
sobre diversos aspectos das autarquias locais e pouco se aventura em
argumentos de ordem explicativa ou normativa que teriam que ser
sustentados por desenvolvimentos de natureza empírica ou teórica
consequentes. Pelo mesmo motivo, as referências bibliográficas no corpo do
trabalho são reduzidas à mais simples expressão, embora no final seja
apresentada uma lista bibliográfica. Enfim, certas questões que seria
absurdo tratar em termos meramente descritivos (por exemplo, relações
entre Estado e autarquias locais, regionalização e regionalismo) ou de
natureza mais especializada (por exemplo, administração de zonas
metropolitanas, formas de cooperação entre autarquias locais e os seus
representantes) foram excluídos do trabalho.

A estrutura do livro é despretensiosa. No Capítulo 1 define-se o conceito de


autarquia local, enumeram-se as principais funções das autarquias locais nas
democracias pluralistas e faz-se uma breve referência a diferentes
tradições político-administrativas. Na sequência, o Capítulo 2 serve para
estabelecer uma tipologia de formas de organização territorial do Estado,
para situar os diferentes países da União Europeia no quadro dessa
classificação e para tecer algumas considerações sobre as relações entre
diferentes níveis de autarquias locais e entre estas e a administração
periférica do Estado. O Capítulo 3 analisa, com algum pormenor, a influência
da dimensão das autarquias locais, e em especial dos municípios, sobre a
participação das populações na vida pública local e na eficiência da prestação
dos serviços públicos locais.
Os três capítulos seguintes examinam os principais tipos de recursos das
autarquias locais. No Capítulo 4 apresentam-se os princípios de organização e
repartição de competências (recursos legais), faz-se uma análise comparativa
da repartição das principais competências nos diversos países e indicam-se
similitudes e diferenças nas formas de exercício das competências. O
Capítulo 5 introduz o conceito de autonomia financeira, os parâmetros que
servem à sua avaliação, e analisa os diferentes tipos de recursos financeiros
das autarquias. No Capítulo 6 consideram-se os recursos humanos das
autarquias locais (representantes eleitos e pessoal), bem como as diferentes
formas de organização interna.

Em forma de conclusão, o Capítulo 7 apresenta dois tipos-ideais de


autarquias locais e relaciona-os com as duas principais funções destas
instituições nas democracias pluralistas, sendo a última secção dedicada a
confrontar o sistema de autarquias locais em Portugal com os dois tipos--
ideais.

Um aviso impõe-se ao rematar estes Prefácio; as opiniões expressas neste


livro são estritamente pessoais e não responsabilizam, de forma alguma, a
Organização em que trabalho.

1. AUTONOMIA LOCAL: CONCEITO E RELEVÂNCIA

Existem dois métodos para realizar estudos comparativos de sistemas de


autarquias locais.

O primeiro privilegia os elementos de convergência, as similitudes e


continuidades entre os diferentes sistemas. O segundo, ao contrário, realça
as divergências, diferenças e linhas de fractura que singularizam os sistemas
em comparação.

Enquanto o primeiro método busca uma perspectiva comum a partir das


dissemelhanças encontradas, o segundo parte das características
partilhadas, a fim de identificar e analisar as diferenças. O primeiro método
é - ou deve ser - o preferido para estudos normativos ou de formulação de
políticas; o segundo revela os seus aspectos mais positivos quando utilizado
para análises descritivas e de prospectiva.

Se é certo que os sistemas de autarquias locais dos países da União Europeia


variam enormemente em termos das suas características político-
constitucionais e da importância e repartição dos respectivos recursos
organizacionais (recursos legais, financeiros e humanos), não é menos
verdade que eles partilham muitos elementos que decorrem da sua inserção
em regimes de democracia pluralista.

A existência de um tronco comum de valores e princípios sobre o


funcionamento das instituições da democracia pluralista tornou possível a
elaboração e aprovação pelo Conselho da Europa, em 1985, da Carta Europeia
de Autonomia Local, convenção internacional que já foi ratificada por 12
Estados-membros da União Europeia e assinada pelos restantes (ver Anexos
1 e II).

Nas secções seguintes faz-se uma breve apresentação da Carta Europeia de


Autonomia Local e, em particular, do conceito de autonomia local nela
desenvolvido (1.1.); identificam-se as principais contribuições das autarquias
locais para o bom funcionamento da democracia pluralista (1.2.) e tecem-se
alguns comentários sobre as diferentes tradições administrativas e estatuto
político-constitucional das autarquias locais nos países da União Europeia
(1.3.).

1.1. A CARTA EUROPEIA DE AUTONOMIA LOCAL

Na génese da Carta Europeia de Autonomia Local esteve a vontade de as


associações internacionais dos representantes eleitos das autarquias locais
verem reconhecidas, num instrumento jurídico internacional, as regras
fundamentais que asseguram a independência política, administrativa e
financeira das instituições que os seus membros personificam.

O Conselho da Europa, organização internacional sedeada em Estrasburgo, e


que tem por missão essencial a defesa e promoção dos direitos humanos, da
democracia pluralista e do Estado de Direito, forneceu o quadro adequado
para prosseguir aquele objectivo, nomeadamente devido à existência no seu
seio, desde 1957, de um órgão representativo das autarquias locais, a
Conferência (Congresso desde 1994) dos Poderes Locais e Regionais da
Europa (CPLRE).

Após várias tentativas infrutuosas, nos anos 60 e 70, a CPLRE aprovou, em


1981, um projecto de Carta Europeia de Autonomia Local. Depois de ter sido
retrabalhado por um comité intergovernamental de peritos, o projecto foi
submetido para discussão à Conferência de Ministros responsáveis pelas
autarquias locais, reunida em Roma em Novembro de 1984, que recomendou a
sua aprovação final pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa. Após
esta aprovação, em Junho de 1985, a Carta, com o estatuto de convenção
internacional, foi aberta à assinatura em Outubro do mesmo ano.

No essencial, a ratificação da Carta pelos Estados compromete os mesmos a


respeitar um conjunto de regras fundamentais que asseguram a autonomia
das autarquias locais.

Depois de estabelecer no seu artigo 2° que «O princípio da autonomia local


deve ser reconhecido pela legislação interna e, tanto quanto possível, pela
Constituição», a Carta define no artigo 3° o conceito de autonomia local como
segue:
«1. Entende-se por autonomia local o direito e a capacidade efectiva das autarquias
locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua responsabilidade e no
interesse das respectivas populações, uma parte importante dos assuntos públicos.
2. O direito referido no número anterior é exercido por conselhos ou assembleias
compostas por membros eleitos por sufrágio livre, secreto, igualitário, directo e
universal, podendo dispor de órgãos executivos que respondem perante eles. Esta
disposição não prejudica o recurso às assembleias de cidadãos, ao referendo, ou a
qualquer outra forma de participação directa dos cidadãos permitida por lei.»

No parágrafo 1, a noção de «capacidade efectiva» veicula a ideia de que o


direito formal de regulamentar e de gerir uma parte importante dos assuntos
públicos deve ser acompanhado pelos meios necessários ao exercício de tais
funções. A expressão «sob sua responsabilidade» sublinha que as autarquias
locais não podem ser vistas como formas desconcentradas do exercício do
poder de autoridades superiores. No seu conjunto, este primeiro parágrafo
realça a dimensão «poder local» da definição.
O segundo parágrafo, por sua vez, salienta o carácter democrático -
representativo ou directo - do conceito de autonomia local que pode ser
traduzido por «poder local democrático».
Como veremos em capítulos posteriores, a Carta delimita no seu articulado o
âmbito, as formas de protecção e as condições necessárias ao funcionamento
da autonomia local.

Com o objectivo de assegurar um equilíbrio realista entre a salvaguarda dos


princípios essenciais da autonomia local e a flexibilidade necessária à
integração das especificidades jurídicas e institucionais de cada Estado, a
Carta permite que as autoridades nacionais possam excluir certas disposições
da mesma do conjunto de preceitos aos quais se vinculam.

Embora os princípios de autonomia local enunciados na Carta se apliquem a


todos os níveis e categorias de autarquias locais, a Carta prevê, igualmente,
que, no acto de ratificação, os Estados possam excluir certas categorias de
autarquias, ou parcelas dos seus territórios, do campo de aplicação da
convenção.

1.2. AS FUNÇÕES DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Uma das premissas essenciais deste trabalho é que a democracia pluralista,


com base em eleições livres e imparciais para os cargos políticos, é o sistema
que melhor assegura os princípios da liberdade individual, da igualdade de
oportunidades, do respeito pelos direitos humanos e de solidariedade
colectiva que constituem o património político comum das sociedades
europeias modernas.

A existência de autarquias locais investidas de responsabilidades efectivas


dá expressão, a escalas diferentes do Estado no seu conjunto, ao direi-to de
cada um participar na gestão dos assuntos públicos e permite que essa gestão
se faça de forma mais eficaz e próxima das populações. Esta contribuição
das autarquias locais para a defesa e o reforço da democracia pluralista
merece ser analisada com algum pormenor.

A DIVISÃO DE PODERES
A existência de autarquias locais é, por si só, um factor de enriquecimento da
democracia pluralista. Da mesma maneira que a separação dos poderes
legislativo, executivo e judicial limita as margens de arbitrariedade de cada
um deles, a existência de diversos níveis de decisão, dotados de autonomia
relativa, reduz a possibilidade - e pode mesmo constituir um contra-poder
eficaz - de eventuais abusos do poder por parte da Administração Central.

É por este motivo que os sistemas políticos totalitários não podem aceitar a
existência de autarquias locais, tal como elas são entendidas neste trabalho
e, quando estas existem à data da instauração de regimes totalitários, um
dos primeiros actos dos novos regimes é o de substitui-las por estruturas de
desconcentração do poder da Administração Central. É assim que, após o
golpe militar de 28 de Maio de 1926 em Portugal, as leis de orientação
descentralizadora aprovadas durante a Primeira República foram sendo
progressivamente modificadas ou revogadas. O Código Administrativo
aprovado em 1936, que vigorou sem grandes alterações durante várias
décadas, instituiu um sistema de administração territorial assente em rígidos
postulados de subordinação hierárquica e funcional das «autarquias» à
Administração Central estabelecendo, por exemplo, a regra da nomeação do
Presidente da Câmara e da Câmara Municipal.

De modo mais prosaico, a divisão de poderes associada à existência de


autarquias locais aligeira a carga suportada pela Administração Central,
permitindo que a mesma se concentre em tarefas de natureza estratégica ou
de âmbito nacional (defesa, comércio externo, relações exteriores).

UMA PARTICIPAÇÃO MAIS ALARGADA DA POPULAÇÃO NA VIDA


PÚBLICA LOCAL

As autarquias locais multiplicam as possibilidades de participação das


populações na vida pública local e nos processos democráticos. Em primeiro
lugar, porque o número de actos e campanhas eleitorais autárquicas oferecem
outras tantas oportunidades para a intervenção das populações.

Em segundo lugar, porque outros mecanismos de participação (por exemplo,


referendos locais, intervenção através de organizações não governamentais e
grupos de interesse) vêm enriquecer a vida democrática. Em terceiro lugar,
porque nos países da União Europeia o direito de voto para as eleições locais
é hoje reconhecido a todos os residentes com nacionalidade de um dos outros
países da União Europeia e, em certos países (por exemplo, Dinamarca,
Finlândia, Holanda, Irlanda, Reino Unido, Suécia), esse direito é estendido a
residentes com origem em países não comunitários, embora sujeito a um
certo número de condições.

As eleições para as autarquias locais permitem igualmente fazer participar


activamente na gestão dos assuntos públicos um número muito maior de
pessoas. Se o número de eleitos para os parlamentos nacionais se conta em
termos de poucas centenas, os representantes eleitos para as autarquias
locais totalizam dezenas de milhares ou mesmo centenas de milhares de
pessoas, nos casos da Alemanha (mais de 300 000), da Itália (cerca de 145
000) e da França (mais de 500 000).

Para além do simples aspecto numérico, as análises estatísticas realizadas


num certo número de países indicam que os candidatos eleitos para as
autarquias locais representam de forma mais adequada a população, em
termos de actividade profissional, de pirâmide de idades e de repartição
entre os sexos.

A multiplicação das formas e ocasiões de participação e o elevado número de


representantes eleitos fazem das autarquias locais verdadeiros «centros de
aprendizagem da democracia», quer para jovens líderes políticos, quer para a
população em geral. Esta função foi particularmente evidente na Espanha e
em Portugal após as transformações democráticas da segunda metade dos
anos 70. Mais recentemente, nos países da Europa central e de leste, as
autarquias locais desempenharam um papel importante na formação de novos
quadros políticos (em especial na Polónia através da «fundação de apoio à
democracia local») e na democratização da administração pública em geral.

Enfim, as autarquias locais favorecem a eclosão de laços de solidariedade


social e de participação que extravasam os interesses individuais resultantes
da situação profissional e económica, das orientações ideológicas ou
religiosas. Estas solidariedades são geralmente construtivas e traduzem-se
por fenómenos de mecenato, de intervenções em favor da protecção do
património cultural e natural, etc. Todavia, manda a verdade que se diga que,
em certos casos, «solidariedades territoriais» se traduzem naquilo que os
norte-americanos designam por síndroma «NIMBY (not in my backyard - no
meu quintal é que não)» ou seja, na oposição a certos projectos não em função
da sua bondade intrínseca, mas em função da sua localização no território da
autarquia (por exemplo, aterros sanitários ou co-incineradoras).

SERVIÇOS PÚBLICOS MAIS EFICAZES

As políticas sectoriais definidas pela Administração Central procuram, por


imperativos de razão prática, responder a problemas-tipo ou situações
médias. Uma das características da repartição espacial da população, das
actividades económicas e dos fenómenos socioculturais em geral é a
existência de desigualdades de um lugar a outro. Em certas autarquias
haverá uma população mais idosa que noutras; as actividades de tipo turístico
concentram-se em determinadas autarquias, enquanto que outras baseiam a
sua prosperidade nas indústrias transformadoras.

A existência de autarquias locais permite adequar as características dos


serviços públicos às especificidades das comunidades locais. As autarquias
locais facilitam igualmente a coordenação territorial de uma boa parte dos
serviços públicos, que de outra forma poderiam seguir orientações sectoriais
com efeitos contraditórios para uma mesma comunidade.

Se a adaptação dos serviços públicos às especificidades locais e a sua


coordenação poderiam, certamente com menos eficácia, ser prosseguidos por
órgãos periféricos do Estado, o mesmo não acontece com o terceiro, e
seguramente o mais importante, vector de eficácia das autarquias na
prestação dos serviços públicos locais.

Com efeito, as autarquias permitem às populações definir prioridades


próprias que variam de uma comunidade para outra, em função de elementos
objectivos, mas igualmente de natureza subjectiva. É lógico que numa
comunidade com carências importantes ao nível de equipamentos desportivos
uma das prioridades dos órgãos autárquicos seja a de preencher essa lacuna.
Contudo, duas autarquias, quando confrontadas com um mesmo tipo de
problemas, podem optar por soluções distintas em termos de conteúdo e de
forma de actuação. As autarquias são, por este motivo, uma fonte importante
de inovação político-administrativa e de aumento da capacidade de resposta
dos poderes públicos aos desafios com que são confrontados. A legitimidade
democrática das autarquias locais permite--lhes optar por soluções que
órgãos desconcentrados da Administração Central não poderiam adoptar.

UMA LÓGICA DIFERENTE DE FUNCIONAMENTO DOS SERVIÇOS


PÚBLICOS

Pela natureza dos serviços que estão sob a sua responsabilidade (meio
ambiente, educação, cultura, lazer e desporto, transportes públicos, etc.), as
autarquias locais respondem mais às preocupações das populações enquanto
utentes ou consumidores de serviços do que na qualidade de agentes
económicos.

Por esta razão, na formulação e execução das políticas autárquicas os


representantes eleitos ao nível local obedecem com mais frequência a lógicas
de comportamento topocráticas, ligadas às comunidades e territórios que
representam, do que a consideração de ordem tecnocrática ou economicista.
As vozes dos utentes dos serviços de transportes colectivos têm as mesmas
hipóteses de ser ouvidas que as das organizações sindicais dos trabalhadores
dos transportes. Os defensores do meio ambiente encontram nas autarquias
locais instituições com maior predisposição a ouvi-los do que os
representantes da Administração Central, que tendem a privilegiar
argumentos de ordem sectorial ou macroeconómica.

É por estes motivos que autores de inspiração liberal consideram que as


autarquias locais constituem um antídoto contra certas tendências
corporativistas dos sistemas políticos modernos. De um ponto de vista
diametralmente oposto, mas chegando a conclusões similares, certos autores
de inspiração marxista opinam que as autarquias locais tendem a escamotear
os «conflitos de classe», centrando as atenções em conflitos secundários
relacionados com o consumo e não com a produção e repartição de bens e
serviços.

Por todas as razões avançadas, e qualquer que seja a metodologia de análise


adoptada, é indubitável que as autarquias locais introduzem mecanismos
suplementares de equilíbrio de poderes e de funcionamento da administração
pública favoráveis ao bom funcionamento da democracia pluralista.
1.3. TRADIÇÕES POLÍTICO-ADMINISTRATIVAS E ESTATUTO
CONSTITUCIONAL DAS AUTARQUIAS LOCAIS

A existência de um amplo acordo sobre os princípios e elementos


fundamentais da autonomia local, tal como se encontram dispostos na Carta
Europeia de Autonomia Local, não deve servir para esquecer as diferentes
tradições político-administrativas às quais estão ligadas as autarquias locais
nos países da União Europeia.

As origens das autarquias locais remontam à Idade Antiga, nomeadamente na


Grécia e no Império Romano. Durante a Idade Média, em especial nas cidades
e burgos, a noção de autonomia local ganha expressão concreta um pouco por
toda a Europa em reacção ao poder da aristocracia, fundiária.

A noção actual de autarquia local, no entanto, aparece mais recentemente em


estreita ligação com a legitimação democrática do poder de Estado e com a
dialéctica centralização-descentralização subjacente ao desenvolvimento da
organização territorial do Estado Moderno.

Em termos algo simplistas é possível reduzir a enorme variedade de doutrinas


e tradições político-administrativas a quatro grandes correntes. A primeira
apoia-se na doutrina de Montesquieu da separação dos poderes, em que as
autarquias locais aparecem como um poder moderador. No quadro da
Revolução Francesa de 1789, as autarquias locais definem-se como o «quarto
poder». Num espaço de poucos meses, o território francês é dividido em
communes e départements, ao mesmo tempo que é instituído um sistema de
comissários do Estado ao nível dos départements. Estes viriam a
transformar-se, alguns anos mais tarde (1800), em prefets, acumulando
funções de chefes dos executivos autárquicos e de agentes do governo
central, situação que perdurou, com poucas alterações, até aos anos de 1980.

A influência da Revolução Francesa e do regime napoleónico de prefeituras


que se seguiu estendeu-se ao Luxemburgo, à Bélgica, à Holanda, às regiões
ocidentais da Alemanha, à Itália, à Espanha e a Portugal, bem como, com
características algo diferentes, às monarquias do Norte da Europa
(Dinamarca e Suécia).
A moderna tradição germânica ou, mais propriamente, prussiana,
desenvolveu-se nas regiões orientais da Alemanha actual e da Áustria, como
alternativa ao sistema de inspiração napoleónica imposto na Confederação do
Reno, após a batalha de Iena. A lei prussiana de reforma municipal de 1808
parte da ideia da comunidade local como elemento de base da organização
territorial do Estado, privilegiando aspectos de auto-organização e de
serviço voluntário em prol dessa comunidade. As autarquias locais são
concebidas não só como elementos da administração pública, mas como
«instrumentos da educação nacional», da aprendizagem das responsabilidades
cívicas e de mobilização das energias das populações.

A tradição anglo-saxónica da autonomia local, self-governement, remonta ao


Século das Luzes e aos esforços de teorização e de concretização da ideia do
Estado perfeito (commonwealth). A reforma municipal de 1835 na Inglaterra
consolida os poderes das autoridades municipais e cria um segundo nível
autárquico. Acompanhando a Revolução Industrial, as autarquias locais,
muitas vezes dirigidas elas mesmas por grandes industriais, asseguram de
forma progressiva a prestação, dos serviços públicos essenciais (água e
saneamento, habitação social, etc.) aos novos trabalhadores industriais que
afluem às cidades. A importância das autarquias como prestatárias de
serviços públicos continuou a crescer até aos anos 30; o desenvolvimento do
Welfare State, posterior à II Guerra Mundial, reduziu progressivamente
aquela importância. O sistema de autarquias locais na Irlanda, sob domínio
britânico até ao fim do primeiro quartel do século XX, desenvolveu-se de
forma similar.

A quarta e última grande corrente que convém mencionar constituiu urna


resposta às tendências centralizadoras que se desenvolveram um pouco por
toda a Europa, com a excepção notável da República Federal da Alemanha,
nos anos seguintes à II Guerra Mundial. As exigências da reconstrução das
infraestruturas e da expansão dos sistemas de protecção social; a
popularidade de métodos tecnocráticos de planificação macro-económica; a
luta contra os desequilíbrios regionais, etc., deram azo a fortes tendências
centralizadoras. Em resposta a estas tendências, movimentos sociais diversos
(minorias culturais, movimentos regionalistas, etc.) lutaram, a partir dos anos
60, por formas de organização territorial mais participativas e
descentralizadas. A dialéctica centralização-descentralização manifestou-se
sob formas diversas e com calendários diferentes, em todos os países da
Europa democrática. Ela é responsável, nomeadamente, pelo desenvolvimento
do fenómeno da regionalização, dos anos 70 a esta parte (por exemplo, na
Itália, na França, na Espanha e, mais recentemente, no Reino Unido). Ao
mesmo tempo, as tendências descentralizadoras levaram à reconsideração
das práticas de fusão de municípios, alargaram as formas de participação das
populações na vida pública local (por exemplo, referendos locais, associações
de moradores, mecanismos de participação dos residentes estrangeiros) e
modificaram as relações entre os serviços públicos locais e os cidadãos-
utentes (por exemplo, iniciativas para o melhoramento da qualidade dos
serviços, desburocratização).

A inserção dos actuais sistemas de autarquias locais nos dispositivos


constitucionais dos Estados da União Europeia ocorreu a partir de finais do
século xviu (Luxemburgo, 1789; Bélgica e França, 1831; Dinamarca, 1837;
Holanda, 1843; Finlândia, 1861; Suécia, 1862; etc.). Na Alemanha e na Itália,
as constituições de 1949 e 1948, respectivamente, criaram novas
arquitecturas de organização territorial do Estado. Em Espanha e Portugal,
países sujei-tos a regimes ditatoriais durante uma grande parte do século
passado, os actuais sistemas de autarquias locais foram estabelecidos pelas
constituições democráticas aprovadas em 1978 e 1976.

A Irlanda e o Reino Unido constituem dois casos sui generis no que diz
respeito ao estatuto constitucional das autarquias locais. No primeiro destes
países, as atribuições, competências e estruturas das autarquias locais
derivam exclusivamente das leis ordinárias. Nos finais dos anos 90, um grupo
de peritos independentes encarregado de fazer propostas para a revisão da
Constituição recomendou o reconhecimento constitucional das autarquias
locais. No Reino Unido, a ausência de Constituição escrita e a ideologia da
«soberania absoluta do Parlamento» determinaram uma grande
vulnerabilidade das autarquias em relação às diferentes maiorias
parlamentares, aos seus justificados objectivos e prioridades políticas e, por
vezes, aos seus caprichos.

Nos países onde os direitos e garantias das autarquias locais estão inscritos
nos textos constitucionais, a forma e detalhe dessa inserção varia também
significativamente. Nos Estados Federais (nomeadamente na Alemanha e na
Áustria), a autonomia local é consagrada não só nas Constituições federais,
mas, igualmente, e por vezes com diferenças importantes, nas Constituições
dos Estados federados. Em certos países (por exemplo, Espanha, Itália e
Portugal) as disposições constitucionais são muito pormenorizadas e, no caso
da Itália, completadas ainda por leis constitucionais aplicáveis às regiões com
estatuto especial. Enfim, noutros países (por exemplo, Dinamarca, Finlândia)
um artigo único afirma o princípio da autarquia local e é nas leis ordinárias
que são desenvolvidas as implicações práticas deste princípio.

2. OS SISTEMAS DE AUTARQUIAS LOCAIS

Os actuais sistemas de autarquias locais na Europa são o fruto de um


conjunto complexo de factores que têm a ver: com diferentes percursos
históricos; com a diversidade dimensional, geográfica, cultural e humana dos
Estados; com factores económicos e sociais que condicionam o
desenvolvimento das infra-estruturas físicas (por exemplo, vias de
comunicação); com a importância relativa dos serviços públicos e dos
mecanismos de solidariedade social; com o aumento progressivo da
mobilidade, etc.

Assim sendo, uma explicação adequada das características dos diferentes


sistemas, e das suas diferenças, necessitaria de longos desenvolvimentos de
natureza empírica e teórica que vão muito além dos objectivos deste
trabalho tal como foram definidos anteriormente.

A análise que se segue baseia-se numa tipologia descritiva, em função de


critérios essencialmente jurídicos, que poderá aparecer como
excessivamente formal e estática. O seu principal interesse reside,
obviamente, no número limitado de categorias a que é reduzida uma enorme
variedade de situações.

2.1. ESTADOS FEDERAIS, REGIONAIS E UNITÁRIOS:


CONCEITOS E ILUSTRAÇÃO

Nos Estados unitários, o poder legislativo está concentrado num Parlamento


único. A existência de um ou mais níveis de autarquias locais dotadas de uma
certa autonomia no sentido da Carta Europeia de Autonomia Local - não põe
em causa a única ordem jurídica do Estado.

O grau de autonomia das autarquias locais - ou, por outras palavras, o grau de
descentralização - diz respeito ao funcionamento e organização dos poderes
executivo e regulamentar, que são exercidos no quadro de uma única
hierarquia de normas subordinadas às leis aprovadas pelo Parlamento. As
normas regulamentares aprovadas pelas autarquias locais estão sujeitas a
uma tutela que visa geralmente assegurar o respeito pela legalidade e pelos
princípios constitucionais, mas que pode, em certos casos, incluir um juízo de
oportunidade.

A coexistência de diversas ordens jurídicas no interior de um mesmo Estado


constitui o critério jurídico mais significativo para distinguir os Estados
federais e regionais, por um lado, e os Estados unitários, por outro. Nos
Estados federais e regionais existem assembleias que dispõem de poder de
iniciativa na elaboração e aprovação de normas de nível legislativo em relação
a certas matérias e que, para tal, apenas têm que respeitar as normas
constitucionais ou resultantes do direito internacional ou comunitário.

Nestes Estados, federais ou regionais, a ordem jurídica do Estado central


(ou federal) coexiste com a ordem jurídica de cada uma das suas
componentes (Estado federado, no caso das federações, ou região, no caso
do Estado regional); a autonomia dos poderes executivo e regulamentar das
componentes do Estado resulta inelutavelmente da multiplicação de centros
de poder legislativo. É este último aspecto que estabelece a linha de
demarcação em relação aos Estados unitários.

Para distinguir os Estados federais dos Estados regionais é útil lançar mão a
um princípio base da teoria do federalismo, nomeadamente a participação dos
Estados federados nas instâncias parlamentares da federação, através de
uma segunda câmara do Parlamento com composição e competências
específicas.

Esta segunda câmara, na qual os Estados federados estão representados na


sua base territorial específica (por vezes com sobrerepresentação dos
Estados menos populosos), constitui uma garantia da autonomia dos
componentes da federação. Na verdade, dado que a decisão sobre certos
domínios (elaboração ou modificação da Constituição, políticas monetária e
fiscal) é tomada, na totalidade ou em larga medida, pelo nível central, a
participação das diferentes componentes da federação na produção
legislativa a nível central permite-lhes uma intervenção directa e organizada
neste processo.

A existência desta segunda câmara é característica dos Estados federais e a


sua ausência, nos moldes acima descritos, é um traço comum aos estados
regionais ou unitários. Não quer isto dizer que o bicameralismo não esteja
presente nestes dois tipos de Estado, mas a composição, competências e
modo de funcionamento da segunda câmara não têm por objectivo assegurar
a representação directa a este nível das componentes do Estado.

Seria possível aprofundar outras linhas de clivagem entre os Estados


federais e os regionais (por exemplo, a capacidade de auto-organização e
atribuições em matérias de relações internacionais ou fiscais das
componentes dos Estados federais ou regionais) ou entre estes dois
primeiros tipos e os Estados unitários. No contexto deste livro, porém,
parece mais importante ilustrar empiricamente a categorização acima
esboçada.

A Alemanha, a Áustria, a Bélgica, a Espanha e a Itália são os países da União


Europeia em que o poder legislativo é partilhado entre o nível federal ou
central e o nível territorial imediatamente inferior (Estados federados,
comunidades autónomas e regiões).

Embora no caso português as regiões autónomas dos Açores e da Madeira


disponham de poderes legislativos, tal resulta de estatutos especiais
decorrentes das suas especificidades geográficas e «o Estado é unitário»
(art.º 69, parágrafo 1 da Constituição, 2 revisão de 1989).

De forma idêntica, o Reino Unido continua a ser definido aqui como um


Estado unitário, mesmo se depois da evolução dos finais da última década, a
Escócia, a Irlanda do Norte e o País de Gales dispõem de assembleias
dotadas de poderes legislativos e os governos respectivos têm competências
exclusivas num grande número de domínios (ver 2.2. infra).
Excluindo a defesa, o essencial das relações exteriores e as legislações
monetária e aduaneira (estas, hoje em dia, largamente partilhadas com as
instituições comunitárias), que em termos gerais são da competência dos
poderes centrais, não existem propriamente domínios vedados à intervenção
das componentes principais dos Estados federais ou regionais (ver capítulo
4).

Nos casos da Alemanha e da Áustria, onde se verifica a aplicação do sistema


de administração federal indirecta, os Estados federados são responsáveis,
em grande parte, pela administração e aplicação das normas jurídicas
federais, enquanto que na Bélgica, na Espanha e na Itália o poder central e as
componentes dispõem de sistemas administrativos paralelos para o exercício
das respectivas competências.
A mesma clivagem verifica-se no que diz respeito à justiça e aos códigos civis
e penais que nos três últimos países dependem do poder central, enquanto
que na Alemanha e na Áustria são os Estados federados que assumem
responsabilidades nestes domínios.

Em termos de autonomia legislativa nos domínios da competência das


componentes da federação, a Alemanha e a Bélgica distinguem-se pela
ausência de mecanismos de controlo ao nível central (controlos de legalidade
excluídos).

Nos casos da Áustria, da Espanha e da Itália, os governos federais/centrais


dispõem de mecanismos constitucionais que lhes permitem adoptar medidas,
nomeadamente de ordem suspensiva, sempre que considerem que normas
jurídicas ou actos dos governos de nível inferior são contrários ao "interesse
geral" do Estado ou mesmo de outras regiões, no caso da Itália.

A existência de um órgão jurisdicional (tribunal constitucional na Alemanha,


Áustria, Espanha e Itália; tribunal de arbitragem na Bélgica), encarregado de
resolver questões resultantes de conflitos de competências entre o poder
central e as componentes territoriais do Estado, é igualmente um aspecto
característico das federações e dos Estados regionais.

Como vimos anteriormente, a especificidade dos Estados federais decorre da


representação dos Estados federados no funcionamento do poder central.
Na Alemanha, a segunda câmara parlamentar (Bundesrat) é formada
exclusivamente por delegados dos Estados federados (Lãnder) nomeados
pelos órgãos executivos e que são obrigados a votar de acordo com as
instruções que lhes são dadas pelos mesmos. Na Áustria, o Conselho Federal,
embora com poderes mais limitados que o Bundesrat alemão, organiza a
representação dos Lãnder no funcionamento do poder central.

Enfim, na Bélgica, na sequência da revisão constitucional de 1992, o Senado


passou a ser composto, em parte, por membros directamente eleitos e, em
parte, por membros eleitos pelos conselhos regionais que elegem, por sua vez,
os representantes das três comunidades linguísticas históricas (francesa,
flamenga e alemã).

Nos Estados regionais, as regiões não estão representadas especificamente


na segunda câmara do parlamento. Com efeito, não obstante o facto de serem
eleitos com base em círculos eleitorais regionais, os membros do Senado
italiano têm como função representar a nação e não as regiões. Por sua vez, o
Senado espanhol - embora seja explicitamente considerado como uma câmara
de representação territorial - vê a maioria dos seus membros serem eleitos
com base em círculos eleitorais provinciais e apenas uma minoria é designada
pelas assembleias legislativas das regiões (comunidades autónomas – art. 69º
da Constituição de 1978). O artigo 66° estipula que as duas câmaras
representem «o povo espanhol» e o artigo 67º sublinha o facto de os eleitos
não poderem nunca estar sujeitos a um mandato imperativo de base regional.
Finalmente, o artigo 145º proíbe explicitamente a federação de comunidades
autónomas.

Nos Estados unitários, todos os níveis de autarquias locais, que podem variar
de um a três, pertencem a uma ordem jurídica única e não existem relações
de subordinação entre os diversos níveis.

No conjunto dos países, a existência de um único nível de autarquias locais


(com atribuições correspondentes à totalidade dos serviços públicos locais);
de dois ou três níveis (dividindo responsabilidades por serviços em função da
respectiva complexidade) ou de sistemas mistos (um nível ou dois níveis,
dependendo das características das áreas de jurisdição) resulta não só da
interacção de factores de natureza política, cultural, geográfica e
socioeconómica, mas igualmente de ideias preconcebidas sobre as vantagens
potenciais de cada uma das soluções.

Os defensores de um único nível de autarquias locais avançam que esta


solução permite dar uma resposta coerente ao conjunto de necessidades e
aspirações das comunidades locais. A gestão e a coordenação dos serviços
públicos encontram-se facilitadas pela existência de órgãos deliberativos e
executivos únicos para cada área do território, que podem ser
inequivocamente responsabilizados pelos resultados obtidos. A representação
dos interesses e anseios das comunidades locais, nomeadamente em relação
ao poder central, faz-se através de um único conjunto de eleitos locais,
melhor identificados com as populações que representam, e que, por esse
motivo, adquirem (nomeadamente o chefe do órgão executivo) uma grande
visibilidade e peso político. Pese embora este conjunto de vantagens
potenciais, apenas três países da União Europeia (Luxemburgo, Finlândia e
Portugal) possuem um único nível de autarquias locais.

A grande maioria dos países unitários restantes (Dinamarca, Grécia, Holanda,


Irlanda, Reino Unido e Suécia) possuem dois níveis de autarquias locais,
cobrindo o conjunto do território (Grécia e Holanda) ou a maior parte dele,
sendo, neste caso, adoptadas soluções específicas para as zonas urbanas ou
com características particulares (Dinamarca, Irlanda, Suécia, Reino Unido).

Os proponentes das soluções com dois níveis de autarquias locais fazem notar
que elas permitem a proximidade das populações no controlo da gestão de um
certo número de serviços locais e, ao mesmo tempo, a transferência para
autarquias locais com área de jurisdição mais vasta de serviços e funções
que, pela sua complexidade ou características, requerem pessoal técnico
especializado e equipamentos ou investimentos mais importantes. Para estes
serviços, a existência de um segundo nível de autarquias locais constitui uma
alternativa à criação de associações ou fusão de municípios e à prestação
destes serviços pela administração periférica do Estado ou por institutos
especializados.

Por sua vez, os paladinos das soluções mistas insistem no facto de que elas
permitem combinar os benefícios potenciais dos dois primeiros tipos de
soluções com dois níveis de autarquias nas áreas rurais (com fraca densidade
populacional) e um único nível nas áreas urbanas ou em zonas com
características geográficas (pequenas ilhas) ou culturais (comunidades
linguísticas históricas) específicas.

Dos países federais ou regionais, apenas a Áustria possui um único nível de


autarquias locais, para além dos Estados federados ou regiões. Nos restantes
quatro casos (Alemanha, Bélgica, Espanha e Itália), dois níveis de autarquias
locais coexistem com as componentes territoriais principais do Estado.
Enfim, a França é o único exemplo de um país unitário com três níveis de
autarquias locais.

2.2. AS AUTARQUIAS LOCAIS NA ORGANIZAÇÃO


TERRITORIAL DOS ESTADOS

Na análise que se segue, designam-se por municípios as mais pequenas


autarquias locais dotadas de competências próprias em relação a uma parte
importante dos assuntos públicos, independentemente das denominações
específicas utilizadas nos diferentes países (comunas, cidades, vilas,
municípios, etc.). De igual modo, designam-se genericamente por autarquias
intermédias as unidades que constituem o segundo nível autárquico dos
Estados unitários com dois ou três níveis de autarquias locais, bem como o
segundo nível autárquico (onde ele existe) dos Estados federais ou regionais,
independentemente dos nomes específicos utilizados nos diversos países
(província, condado, distrito, etc.). Enfim, o termo "região" é reservado para
as componentes primeiras dos Estados regionais e para regimes político-
administrativos de base territorial com estatuto especial (nomeadamente
com poder legislativo, como por exemplo: Açores e Madeira, em Portugal;
Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, no Reino Unido; ilha de Ãland, na
Finlândia, etc.). Por razões de facilidade, adopta-se igualmente a designação
de região para o terceiro nível (superior) de autarquias locais francesas,
embora as mesmas, em termos de capacidade legislativa e de estatuto
próprio, se aproximem mais das autarquias intermédias dos outros Estados
unitários do que das regiões dos Estados regionais.

O quadro 2.1. apresenta, de forma sintética, os diferentes níveis de


autarquias locais nos países da União Europeia. Sem entrar em grandes
pormenores, convém chamar a atenção do leitor para algumas peculiaridades
dos diferentes sistemas de autarquias locais.

ESTADOS FEDERAIS

A Alemanha, Estado federal por excelência, é igualmente um caso típico de


um sistema de autarquias locais misto com dois níveis. Com efeito, 114
cidades (Kreisfreie Stadt) acumulam atribuições municipais com as que
geralmente competem às autarquias intermédias. As atribuições das
autarquias intermédias variam consideravelmente de um Estado para outro.
Em certos Lãnder existem igualmente associações, quer de municípios quer
de autarquias intermédias, com atribuições diversas, nomeadamente no
domínio dos transportes públicos ou das questões sociais (por exemplo, no
Nordrheim-Westfalen e no Baden-Würtemberg, respectivamente). Nas
cidades-Estado de Berlim e de Hamburgo existem autarquias intermédias (23
e 7, respectivamente), enquanto que o Estado-cidade de Bremen comporta
dois municípios autónomos. Existem associações de municípios e, em alguns
casos, de autarquias intermédias, nas áreas metropolitanas de Estugarda
(Baden Würtemberg), de Francoforte (Hessen), de Hannover e Brunswick
(Nieder-Sachsen), do Rühr (Nordrhein-Westfalen) e de Sãarbrucken
(Saarland). De uma forma geral, o sistema de autarquias locais na Alemanha
apresenta grandes variações entre os diferentes Lãnder e foi objecto de
grandes modificações na parte correspondente à ex-República Democrática
Alemã, no quadro de reunificação alemã posterior à queda do muro de Berlim.

O sistema de autarquias locais na Áustria é, em comparação com o alemão,


muito menos complexo, com um único nível de autarquias - municípios - e
apenas 15 cidades, consideradas «regiões urbanas», dispondo de um estatuto
especial. Viena é simultaneamente um município, um Estado federado e o
centro de uma região urbana que integra outros 32 municípios do Land
Niederõsterreich.

A Bélgica, o mais recente dos Estados federais da União Europeia, apresenta,


numa primeira aproximação, uma estrutura federal clássica com dois níveis
de autarquias locais. Uma especificidade da Bélgica é que o nível federal é
composto de três comunidades linguísticas (francófona, flamenga e
germanófona) e de três regiões (Vlaanderen, Wallonie e Bruxelas) (artigos 1°
a da Constituição). Para complicar um pouco mais este quadro, o artigo 1' da
Constituição indica que a Bélgica comporta quatro regiões linguísticas: a
região de língua francesa, a região de língua holandesa, a região bilingue de
Bruxelas - capital - e a região de língua alemã. Dado que os censos linguísticos
foram suprimidos em 1962, é difícil saber hoje em dia a que correspondem
exactamente as comunidades e regiões linguísticas.

Quadro 2.1
ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DOS ESTADOS (situação em 1.1.1999)
Tipos de Estado Autarquias locais Administração local do Estado
1. ESTADOS FEDERAIS
Alemanha 16 Estados Ao nível das Autarquias
439 Autarquias intermédias intermédias
14 561 Municípios
(114 com estatuto especial)
Áustria 9 Estados 84 circunscrições
2359 Municípios administrativas chefiadas por
(15 com estatuto especial) Governadores
Bélgica 3 Regiões 10 Governadores
10 Autarquias intermédias
589 Municípios
H. ESTADOS REGIONAIS1
Espanha (1.1.1997) 17 Regiões 17 Delegados do Governo
50 Autarquias intermédias 50 Governadores
8097 Municípios
Itália 20 Regiões 20 Comissários regionais
(5 com estatuto especial) 95 Prefeitos
95 Autarquias intermédias
(2 com estatuto especial)
8099 Municípios
IIL ESTADOS UNITÁRIOS
• Com um nível de autarquias locais
Finlândia 455 Municípios 6 Governadores de província

Luxemburgo 118 Municípios 3 Comissários de distrito


Portugal 275 Municípios 5 Comissões de Coordenação
(+ 30 nas regiões autónomas) Regional
18 Governadores Civis
• Com dois níveis de autarquias locais
Dinamarca 14 Autarquias intermédias 14 Prefeitos de Condado
275 Municípios
(2 com estatuto especial)
Grécia 50 Autarquias intermédias 13 Regiões-Plano
1033 Municípios (2 tipos) 50 Prefeitos
Holanda 12 Autarquias intermédias 12 Comissários da Coroa
572 Municípios

1
Ilhas dotadas de estatuto especial, com poderes legislativos comparáveis aos das regiões nos estados regionais;
existem na Dinamarca (Ferõe e Gronelândia), na Finlândia (Áland) e em Portugal (Açores e Madeira). Após as
reformas de 1998, o Parlamento escocês, a Assembleia da Irlanda do Norte e, em menor grau, a Assembleia do País
de Gales dispõem igualmente de poderes legislativos.
ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DOS ESTADOS (situação em 1.1.1999)
Tipos de Estado Autarquias locais Administração local do Estado
Irlanda 34 Autarquias intermédias 8 Regiões-Plano
(5 com estatuto especial)
80 Municípios urbanos
(de três tipos)
Reino-Unido (1.1.2000)
Inglaterra 34 Autarquias intermédias 9 Regiões de coordenação
(+ Greater London Authority)
353 Municípios
(82 com estatuto especial)

País de Gales 22 Municípios

Escócia 32 Municípios

Irlanda do Norte 26 Municípios


Suécia 23 Autarquias intermédias 24 Governadores
288 Municípios
(3 com estatuto especial)
• Com três níveis de autarquias locais
França 22 Regiões (+ Córsega) 26 Prefeitos regionais
96 Autarquias intermédias (+ 4
Autarquias intermédias ultramarinas 100 Prefeitos departamentais
com estatuto regional)
(+ 4 territórios ultramarinos) 336 Subprefeitos
36 772 Municípios (em 1992)
(2 Autarquias especiais

Enfim, é interessante notar que a área metropolitana de Bruxelas inclui uma


associação de municípios (19), cujas competências são exercidas pelos órgãos
representativos da região Bruxelas - capital.

ESTADOS REGIONAIS

A organização territorial da Espanha, com três níveis de autarquias, data de


1978 e os estatutos das 17 comunidades autónomas foram aprovadas no
período 1979-1983. Sete comunidades autónomas são uniprovinciais (Navarra,
Madrid, La Rioja, Murcia, Asturias, Cantabria e Islas Baleares/Ilies Balears).
Em conformidade com a lei de bases do regime local e com os estatutos
regionais respectivos, Cataluóa/Catalunya e a Comunidad
Valenciana/Comunitat Valenciana criaram organismos metropolitanos em
torno de Barcelona e Valencia. As comunidades autónomas insulares (Islas
Baleares/Il1es Balears e Canarias) possuem conselhos insulares com
características especiais. As cidades de Ceuta e de Melilla possuem
competências que as assimilam a comunidades autónomas. Os estatutos de
cinco comunidades autónomas prevêm a possibilidade de criação de
autarquias locais, supramunicipais (comarcas) distintas do nível provincial
intermédio. Até ao presente, porém, apenas a Cataluóa/Catalunya (37), o País
Vasco/Euskadi (7) e Castilla y Leon (1) deram expressão concreta a esta
possibilidade.

A Constituição italiana de 1948, que definia a República como «una e


indivisível» (artigo 5.°), foi progressivamente dando lugar a um Estado
regional, através de leis constitucionais sucessivas e de eleições regionais. As
leis constitucionais que estabeleceram as cinco regiões com estatuto especial
foram aprovadas em 1948 (Sicilia, Sardegna, Valle dAosta/Vallée dAoste,
Trentino-Alto Adige) e 1963 (Friuli-Venezia Giulia), mas as eleições para os
órgãos representativos das outras regiões apenas se realizaram em 1970.
Enfim, a criação das duas províncias com estatuto especial (Trento e Bozen-
Südtirol/Bolzano-Alto Adige) data de 1969. Convém acrescentar que as
competências regionais foram significativamente reforçadas, primeiro em
1977 e, posteriormente, no período de 1997-98. Na sequência da aprovação
de uma lei em 1990, os limites territoriais de um certo número de províncias
foram alterados para dar lugar a «cidades metropolitanas».

ESTADOS UNITÁRIOS

• Com um nível de autarquias locais

Na Finlândia, apenas o arquipélago de Àland/Alivenanmaa (região autónoma


onde o sueco é igualmente língua oficial) se vem sobrepor ao nível municipal.

No Luxemburgo, o nível municipal é a única expressão do princípio da


autonomia local.
Em Portugal continental, embora a Constituição preveja a existência de três
categorias de autarquias locais (artigo 238°), apenas o nível municipal nos
interessa no âmbito deste trabalho. Com efeito, as freguesias carecem de
competências próprias e de recursos financeiros específicos que garantam a
sua autonomia, no sentido definido pela Carta Europeia de Autonomia Local.
Por sua vez, as regiões administrativas não foram ainda instituídas em
concreto (referendo popular com resultados desfavoráveis em 1999). As
áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto não são autarquias locais, mas sim
«associações de municípios de tipo especial».

As regiões autónomas dos Açores e da Madeira têm estatutos político-


administrativos em tudo similares aos das regiões nos Estados regionais. Os
órgãos das regiões autónomas possuem, entre outras, amplas competências
em matéria de organização e tutela das autarquias locais nos territórios
respectivos.

• Com dois níveis de autarquias locais

Na Dinamarca, o sistema de autarquias locais a dois níveis repousa sobre os


kommuner (municípios) e os amtskommuner (autarquias intermédias). Os
municípios de Copenhaga e de Frederiksborg acumulam as funções dos dois
níveis. Existem igualmente duas regiões autónomas (com poder legislativo): as
lhas Feroé e a Gronelândia.

Na sequência da aprovação de um conjunto importante de leis no período


1994-1998, a Grécia estabeleceu um sistema de autarquias locais a dois
níveis. O primeiro nível estabelece uma distinção entre municípios -
autarquias com população de mais de 10 000 habitantes, cidades-sede das
autarquias intermédias e certas cidades históricas – e comunidades ou
aldeias. As autarquias intermédias, nomeadamente nas regiões insulares, são
por vezes subdivididas administrativamente (eparchion). A península do
Monte Athos possui um estatuto especial de natureza histórica e encontra-
se sob a jurisdição do patriarcado ecuménico.

A Holanda possui um sistema quase uniforme de autarquias locais com dois


níveis (municípios e províncias). Contudo, após a aprovação de uma lei-quadro,
em 1994, sobre a administração local nas zonas metropolitanas e na sequência
de estudos técnicos detalhados levados a cabo em relação a sete zonas, três
províncias metropolitanas (Amesterdão, Haia e Roterdão) estão em fase de
instituição em concreto. Nos outros quatro casos, foi decidido proceder à
revisão dos limites territoriais dos municípios.

O sistema de autarquias locais na Irlanda tem características bastante


peculiares e muitos autores classificam-no como de nível único. Dois tipos de
autarquias com o mesmo tipo de estatuto e atribuições idênticas (counties e
county boroughs) cobrem o conjunto do território. No interior do primeiro
tipo de autarquias inscrevem-se três tipos de autarquias urbanas (boroughs,
urban districts e towns) com competências próprias. Este grande número de
autarquias urbanas faz com que, no âmbito deste trabalho, se inclua a Irlanda
no conjunto de países com dois níveis de autarquias locais. Segundo os
critérios da Carta Europeia de Autonomia Local, os oito regional councils não
podem ser considerados autarquias locais, já que são totalmente desprovidos
de competências executivas. Enfim, cumpre assinalar que os distritos
urbanos na zona de língua gálica (Gaeltach) dispõem de competências
específicas nomeadamente no domínio cultural.

Em relação à Suécia, cumpre apenas assinalar que três municípios


(komrnuner) - Gotland, Malmõ e Gotemburgo - acumulam as suas
competências municipais com a autarquia intermédia (landsting).

De acordo com a doutrina constitucional geralmente aceite, o Reino Unido é


um país unitário formado por quatro «países», a saber: Inglaterra, País de
Gales, Escócia e Irlanda. É evidente, contudo, que o carácter unitário do
Estado parece seriamente comprometido com a aprovação de três leis pelo
Parlamento de Westminster em 1998, que atribuem, em graus diferentes,
poderes legislativos ao Parlamento escocês e às Assembleias do País de Gales
e da Irlanda do Norte, incluindo, nos casos da Escócia e do País de Gales, em
matérias de organização e funcionamento das autarquias locais. Por enquanto,
nestes países as autarquias locais continuam a funcionar com base em leis
aprovadas separadamente para cada um dos países pelo parlamento de
Westminster. Nos três países, apenas um nível de autarquias locais existe
neste momento. Na Inglaterra, as reformas legislativas introduzidas em 1985
e 1992 consolidaram a existência de um sistema misto com 82 autarquias
(metropolitan district councils e unitary councils) acumulando competências
de nível municipal e intermédio, 271 autarquias de nível municipal (London
boroughs, Corporation of the city of London e Dis-, trict Councils) e 35
autarquias de tipo intermédio (34 county councils e GreaterLondon
Authority, esta última instituída, em concreto, apenas em 2000).

Com três níveis de autarquias locais

A França é o único Estado unitário pertencente à União Europeia com três


níveis de autarquias locais. Na verdade, o nível de complexidade do sistema
faz com que persistam dúvidas sobre o número de municípios (com-munes)
existentes na metrópole (36 550 segundo o recenseamento da população de
1990, mas 36 560 segundo uma contagem do Ministério do Interior, de
1992). O número de associações de cooperação intermunicipal (algumas com
competências e recursos financeiros próprios) avizinha as 19 000. Os quatro
départements (autarquias intermédias) doutra-mer (Martinica, Guiana
Francesa, Reunião, Guadalupe) acumulam as competências desse nível com as
regionais. A partir de 1991 a Córsega viu-se igualmente dotada de um
estatuto particular. Os territórios do ultramar (Nova-Caledónia, Polinésia
Francesa, Wallis e Futuna e Territórios Austrais e Antárcticos) possuem uma
organização particular, e existem ainda duas autarquias ultramarinas com
estatuto especial (Mayotte e Saint-Pierre-et-Miquelon), para além de 19
municípios no território continental com estatuto particular (Paris incluído).

2.3. RELAÇÕES ENTRE DIFEREN'T'ES NÍVEIS DE


AUTARQUIAS LOCAIS

Nas Federações, os Estados federais constituem parte do poder central no


qual participam institucionalmente através da segunda câmara parlamentar.
As constituições federais limitam-se, geralmente, a estabelecer um certo
número de princípios, garantindo a autonomia das autarquias locais e o
carácter democrático dos seus órgãos. É aos Estados federados que incumbe
legislar sobre a sua organização territorial interna. Assim, cada Estado
federado possui, ou pode possuir, legislação diferente sobre a matéria,
particularmente evidente no caso alemão. No caso austríaco, os códigos
municipais dos Estados são enquadrados por disposições constitucionais
federais bem precisas, no que diz respeito ao estatuto dos municípios, à
estrutura dos seus órgãos e às competências administrativas próprias.

Nos Estados regionais, de criação mais recente, as relações entre diferentes


níveis de autarquias locais assumem contornos mais delicados associados ao
binómio de forças centralizadoras e descentralizadoras introduzidas pelos
processos de regionalização política. Dentro dos limites estabelecidos pela
Constituição do Estado, e com graus de liberdade diversos, compete às
regiões legislar em matéria de autarquias locais e exercer o poder de tutela
administrativa quando este existe. Idênticas disposições existem nos
Estatutos das regiões autónomas portuguesas (cf. art. 229º da Constituição
da República) e no Scotland Act de 1998 que criou o Parlamento escocês.

As legislações pertinentes dos Estados federados ou das regiões nos Estados


regionais contêm, geralmente, disposições específicas sobre a cooperação
entre diferentes níveis de autarquias locais, em particular no que diz
respeito à gestão em comum de serviços públicos e aos investimentos em
equipamentos e infra-estruturas.

Na Espanha e na Itália, as legislações regionais atribuem às autarquias


intermédias responsabilidades na coordenação de certos serviços municipais
(lei italiana sobre as autarquias locais de 1990, art. 3° e lei de bases do
regime local espanhol, de 1985).

A delegação de competências entre diferentes níveis de autarquias locais e a


transferência de certas funções a organismos geridos por autarquias de
níveis diferentes são possibilidades que existem em quase todos os países e
que deram origem a uma variedade impressionante de fórmulas jurídicas
(consórcios, acordos, associação de autarquias de diferentes níveis, empresas
públicas, etc.). Em certos casos, como na Suécia, a cooperação entre níveis,
no domínio dos transportes públicos locais e regionais, é imposta por lei.

Convém, no entanto, não reduzir as relações entre diferentes níveis de


autarquias aos seus meros aspectos jurídicos.

Em sistemas político-administrativos complexos, as relações entre os


diversos níveis passam por uma grande variedade de canais: políticos
(pessoais e através dos partidos); administrativos (controlos de legalidade e
de oportunidade no caso de competências delegadas); técnicos (normas e
regulamentos técnicos, associações profissionais); financeiros (co-
financiamentos, repartição das receitas fiscais, etc.). Certas relações
assumem um carácter formal, mas um grande número delas são de natureza
informal sem que, por esse motivo, a importância do seu impacto possa ser
minorada.

O sistema francês de colectividades locais ilustra particularmente bem esta


complexidade. Um dos seus princípios legais é o de ausência de dependência
estatutária ou funcional de uma autarquia local em relação a outra. Por
exemplo, a lei de transferência de competências às communes, départements
e régions, de Janeiro de 1983, precisa no seu artigo que «a transferência não
pode ser utilizada para estabelecer ou exercer uma tutela, de qualquer tipo,
sobre outra autarquia local». As diferentes leis de descentralização da
década de 1980 criaram, contudo, um grande número de fórmulas de
cooperação obrigatórias, nomeadamente no que diz respeito ao co-
financiamento das políticas de desenvolvimento regional, de formação
profissional e de investimento em equipamentos públicos. A contratualização
destas formas de cooperação (contrats régionaux de plan, contrats d
agglomération, contrats de ville, contrats de pays, programmes régionaux
annuels d'apprentissage et de formation professionnelle continue, etc.) e as
formas particulares de co-financiamento a que deram lugar conferem às
regiões um poder de influência sobre as outras autarquias locais que ultra-
passa em muito o seu peso relativo em termos de competências e de recursos
humanos e financeiros. Com efeito, as despesas de investimento das regiões
representam cerca de dois terços das suas despesas totais e metade
daquelas despesas consistem em co-financiamentos de projectos e programas
de investimento no quadro de «contratos» em que participam autarquias de
outros níveis.

O facto das regiões disporem de uma margem de manobra importante na


afectação dos seus recursos confere-lhes um poder de influência importante
sobre as políticas de investimento das autarquias locais de outros níveis, em
particular nos domínios do ordenamento do território, do desenvolvimento
regional e dos equipamentos públicos colectivos. Este poder é
particularmente importante na região de Ile-de-France (em torno de Paris)
que possui competências adicionais em matéria de política de solos, de
urbanismo, de espaços verdes, de transportes públicos de passageiros, para
além de dispor de recursos fiscais suplementares.

Contudo, convém matizar esta perspectiva com considerações de ordem


político-eleitoral e de capacidade técnica. As eleições para os conselhos
regionais efectuam-se no quadro dos départements (autarquias intermédias)
e é a este nível que os partidos políticos estão estruturados. Resulta deste
facto que os conseils régionaux são, em grande medida, uma resultante da
situação política a nível dos départements. Este facto é reforçado pela
prática generalizada da acumulação de mandatos eleitorais em autarquias de
diferentes níveis, o que faz com que um grande número de membros dos
conseils régionaux ocupe igualmente funções nos órgãos deliberativos ou
executivos dos départements ou communes.

Em termos de capacidade técnica existe, igualmente, uma desproporção


entre o número de empregos a tempo inteiro – dados de 1993 – ao dispor das
regiões (cerca de 7000), dos départements (cerca de 150 000) e das
communes (cerca de 1 milhão).

2.4. RELAÇÕES ENTRE ADMINISTRAÇÃO PERIFÉRICA DO


ESTADO E AUTARQUIAS LOCAIS

A análise das relações entre a administração periférica do Estado e as


autarquias locais é muitas vezes realizada através de uma dicotomia
estabelecida nos anos 70 entre modelos napoleónicos ou de hierarquia
contínua e os modelos dualistas ou anglo-saxónicos. Nos primeiros, o Estado
delega nas autarquias locais um certo número de competências, e
representantes do Estado (prefeitos, governadores civis, etc.) asseguram a
coordenação da acção das colectividades locais através de tutelas
(administrativas, técnicas, etc.) que comportam um controlo não só de
legalidade dos actos praticados pelos órgãos autárquicos, mas também de
oportunidade em caso de competências delegadas. Nos segundos, as
autarquias locais aparecem como totalmente independentes do Estado em
termos de funcionamento. A supervisão técnica dos actos das autarquias
locais é possível ser assegurada, em termos pontuais, pelos diversos
ministérios especializados, mas nenhuma coordenação existe a um nível
territorial infra-estatal. Posteriormente, esta dicotomia foi alargada para
tomar em linha de conta certos aspectos da situação nos países escandinavos
(hierarquia descontínua), onde a coordenação da supervisão da acção dos
municípios ao nível intermédio por um orgão da administração periférica do
Estado coexiste com os órgãos autónomos da autarquia local do mesmo nível.

A evolução da autonomia local nos países da União Europeia nos últimos 25


anos tornou obsoleta esta modelização dos sistemas de administração
territorial do Estado. Os sistemas napoleónicos desapareceram com as
reformas levadas a cabo em Portugal, Espanha e Itália (anos 70), França
(anos 70 e 80), etc. Por sua vez, a total independência das autarquias locais
nos sistemas duais foi posta em causa desde os anos 60 com a aparição de
mecanismos e estruturas de coordenação regional e veio a revelar-se como
totalmente fictícia quando o Parlamento de Westminster, por iniciativa do
governo presidido pela senhora Thatcher, reduziu à expressão mínima a
autonomia das autarquias locais inglesas através da imposição, de facto, de
uma tutela financeira.

Assim sendo, mais importante do que estabelecer uma aproximação entre as


realidades dos diferentes Estados e os dois, ou três, modelos acima
referidos é analisar, embora de forma breve,. as diversas situações
existentes.

Em todos os países existe uma administração periférica do Estado,


constituída por órgãos e serviços do Estado com competência territorial e
material limitada e que funciona na dependência hierárquica dos órgãos
centrais correspondentes. A importância desta administração é função do
nível de descentralização existente e da extensão e qualidade das
competências delegadas pela Administração Central do Estado às autarquias
locais.

Em muitos casos, os diferentes ministérios ou institutos públicos dispõem de


órgãos e serviços independentes uns dos outros e dispõem de competências
sobre territórios total ou parcialmente distintos. Em todos os países,
contudo, existem instâncias de coordenação, resolução de conflitos de
competências, etc., a um ou mais níveis territoriais.

Na maioria dos países (ver Quadro 2.1.), estas instâncias existem a um nível
territorial correspondente às autarquias locais intermédias (Alemanha,
Bélgica, Dinamarca, Holanda, Suécia) ou superior aos municípios, quando não
existem autarquias intermédias (Áustria, Finlândia e Luxemburgo). Nos
países regionais (Espanha e Itália), mas também na Grécia e em Portugal, elas
existem igualmente a um nível «regional» mesmo se nos dois últimos países as
regiões (enquanto autarquias locais) não existem em concreto e, no caso
português, o distrito não seja uma autarquia intermédia. Na Irlanda e Reino
Unido (Inglaterra), as instâncias de coordenação da administração periférica
do Estado existem apenas a um nível territorial superior às autarquias
intermédias, enquanto que na França existem três níveis territoriais de
coordenação (regional, intermédio e supramunicipal).
Na maior parte dos casos, esses órgãos e serviços são personificados por
representantes do Governo central (prefeitos, delegados do Governo,
comissários, etc.) ou do Chefe de Estado (Holanda e Luxemburgo), sendo que
neste segundo caso os mesmos são colocados na dependência hierárquica dos
Ministérios do Interior respectivos (apenas no caso da Irlanda, a estrutura
criada mantém-se ao nível de dois comités consultivos, sem quaisquer
competências executivas). Cumpre assinalar que, pelo menos em três países
(Dinamarca, Suécia e Reino Unido), estas instâncias funcionara na base de
comissões especializadas com a participação de representantes dos
municípios e mesmo dos sectores privado e associativo (Reino Unido). Enfim,
as funções desempenhadas por estas instâncias variam imenso de um país
para outro. Na maior parte dos países, em particular ao nível intermédio, elas
desempenham funções jurisdicionais ou quasi-jurisdicionais de supervisão,
controlo e de recurso dos particulares, relativamente às decisões e actos dos
municípios. Tal não é, no entanto, o caso nos países anglo-saxónicos.

Em alguns países (Espanha, Grécia, Portugal, Reino Unido) estas instâncias


asseguram a coordenação de parte dos serviços locais do Estado e, no caso
espanhol, mesmo a sua direcção.

Enfim, cumpre salientar que a definição e execução de políticas de


desenvolvimento regional, e em especial a utilização dos fundos estruturais
comunitários, esteve na base da criação ou garantiu a continuidade de
instâncias de coordenação e planificação com a participação de eleitos locais
num número importante de países desprovidos de autarquias regionais
(Finlândia, Grécia, Irlanda, Portugal, Reino Unido - Inglaterra - e Suécia).

3. DIMENSÃO DAS AUTARQUIAS LOCAIS, EFICIÊNCIA E


PARTICIPAÇÃO DAS POPULAÇÕES: O CASO DOS
MUNICÍPIOS

A questão da dimensão óptima das autarquias locais não só tem interesse


analítico e teórico como ocupa, geralmente, o centro dos debates quando se
trata de proceder a reformas da administração autárquica, como se
comprovou recentemente em Portugal aquando do processo de discussão
pública anterior ao referendo sobre a regionalização.

Esses debates fazem frequentemente referência às duas funções essenciais


das autarquias locais, a saber: prestação de serviços, participação e
representação dos interesses das populações (ver cap. 1). Infelizmente, os
argumentos a favor da dimensão «mais eficiente» ou «mais representativa»
das autarquias locais são avaliados muitas vezes sem qualquer base empírica,
o que lhes retira muito do valor. Por exemplo, nos anos 50-60, a preocupação
em aumentar a eficiência e a eficácia na prestação de serviços públicos locais
serviu para justificar reduções drásticas no número de municípios em certos
países europeus. Mais recentemente, o objectivo de aproximar a
administração dos cidadãos levou alguns desses mesmos países a criar
estruturas inframunicipais visando uma participação acrescida das populações
na vida pública local.

A análise comparativa que se segue, utilizando o caso dos municípios como


exemplo, tem como objectivo essencial clarificar um certo número de
premissas indispensáveis para um debate esclarecido sobre esta matéria.

3.1. A DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS: SITUAÇÃO ACTUAL E


EVOLUÇÃO NO PASSADO

O período que se seguiu à segunda guerra mundial foi marcado, na maior


parte dos países da Europa Ocidental, por um crescimento económico rápido,
por uma mobilidade acrescida da população, por uma expansão fulgurante das
zonas urbanas e pelo desenvolvimento dos serviços públicos locais associados
ao «welfare state». Neste contexto em que uma crença generalizada no
progresso técnico facilitava as reformas institucionais, os limites
geográficos das autarquias locais apareceram como desadequados face às
novas necessidades sociais e prioridades políticas.

Quatro alternativas de acção eram possíveis para responder aos novos


desafios:

a) uma reestruturação profunda do sistema de autarquias locais baseada


numa diminuição significativa do número de municípios, através da fusão de
municípios de acordo com supostos critérios de eficácia e de economias de
escala - ajustamento estrutural;

b) uma adaptação pontual a necessidades específicas através de formas


de cooperação entre municípios, mantendo as estruturas dos municípios, mas
explorando em comum as competências e recursos existentes - ajustamento
técnico;

c) um aumento substancial das transferências financeiras do Estado em


favor dos municípios, de forma a permitir-lhes assumir funções cada vez mais
numerosas e complexas, de forma directa ou através de organismos por eles
criados - ajustamento por transferências financeiras;
d) a transferência, para os níveis intermédio, regional ou central, de
algumas competências tradicionais dos municípios - ajustamento por
centralização.

Estas quatro alternativas não eram, obviamente, mutuamente exclusivas e


foram aplicadas em muitos países, quer em simultâneo quer de forma
sucessiva. Algumas tendências e linhas de força podem, no entanto, ser
identificadas.

Uma grande maioria dos países que hoje fazem parte da União Europeia
reduziu significativamente o número de municípios através de reformas
profundas dos sistemas de autarquias locais. Estes ajustamentos estruturais
realizaram-se essencialmente nas décadas de 60 e 70. Nenhuma reforma
deste tipo foi realizada nos anos 80 e apenas um país, a Grécia, levou a cabo
uma reorganização deste tipo em meados da década de 90. Convém
acrescentar que todas estas reformas foram introduzidas por via legislativa
e que fusões voluntárias de municípios, embora previstas nos dispositivos
legislativos da maior parte dos países e por vezes mesmo encorajadas
através de incentivos financeiros, não tiveram expressão significativa. Num
certo número de países, estas reformas foram levadas a cabo através de leis
específicas, que não poderão ser utilizadas de novo. Tal foi o caso da Bélgica,
da Holanda e da Suécia.

De uma forma geral, as autarquias locais foram consultadas previamente


sobre as reformas, de acordo com o artigo 5° da Carta Europeia de
Autonomia Local, que dispõe que:
«As autarquias locais devem ser consultadas previamente relativamente a
qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de
referendo nos casos em que a lei o permita.»

Hoje em dia, a legislação na maior parte dos países prevê a obrigatoriedade


da consulta dos órgãos municipais e, em muitos casos, a possibilidade de
consulta directa da população através de referendos. A Bélgica, contudo,
exclui expressamente a possibilidade de referendos nesta matéria. Enfim,
convém acrescentar que os resultados das consultas não têm geralmente
valor vinculativo. Todavia, no caso da França, a fusão de municípios é sujeita à
opinião favorável de todos eles, o que explica a quase inexistência de fusões
de municípios neste país.

Os ajustamentos técnicos resultantes de formas de cooperação entre


municípios conheceram bastante sucesso no decorrer das décadas de 80 e
90, nomeadamente nas zonas rurais pouco povoadas e nas áreas
metropolitanas. No clima político-liberal que prevaleceu em muitos dos países
analisados nos anos 80, a gestão de muitos serviços públicos foi confiada a
entidades distintas dos municípios, quer do sector privado quer a empresas e
organismos, fruto da cooperação entre autarquias de um ou mais níveis.

As transferências financeiras do Estado a favor dos municípios aumentaram


consideravelmente na segunda metade dos anos 70 (com as excepções de
Espanha e Portugal), após o que a persistência de restrições orçamentais ao
nível central provocou uma contenção desta tendência.

Enfim, de um ponto de vista político, os ajustamentos por centralização


foram praticamente banidos da Europa Ocidental nos últimos cinquenta anos.
Apenas o governo do Reino Unido, conduzido pela senhora Thatcher, levou a
cabo nos anos 80 uma reforma da administração local, inspirada por princípios
fortemente centralizadores.

É evidente que considerações gerais deste tipo e a análise estatística que


será realizada na parte restante desta secção não podem substituir uma
análise detalhada país por país que leve em linha de conta: as tradições e
evolução global dos sistemas de autarquias locais; as relações Estado-
administração local; a natureza federal, regional ou unitária dos diversos
Estados; a existência de um, dois ou três níveis de autarquias locais, etc. Por
exemplo, é claro que em sistemas com vários níveis de autarquias locais a
dimensão dos municípios é uma questão de menor interesse prático do que
nos países com um único nível, já que competências de complexidade
diferente podem ser atribuídas a autarquias de diferentes níveis. Com estas
reservas, é interessante fazer uma análise mais pormenorizada da situação
actual e evolução recente da dimensão dos municípios.

Na Europa, a população média dos municípios varia enormemente (ver o


Quadro 3.1. e a Figura 3.1.). Em cinco países - Alemanha, Áustria, Espanha,
França e Luxemburgo - a dimensão média populacional é inferior a 5000
habitantes. Em outros seis países - Bélgica, Dinamarca, Holanda, Portugal,
Reino Unido e Suécia - ela é superior a 15 000 habitantes. No Reino Unido, a
dimensão média dos municípios é 74 vezes superior à existente em França.

Em quatro países - Alemanha (49,0%), Espanha, França e Luxemburgo - a


maioria dos municípios possui uma população inferior a 1000 habitantes. A
Áustria, Grécia e Itália possuem uma maioria de municípios com menos de
5000 habitantes (ver Quadro 3.2).

No extremo oposto encontra-se um segundo grupo de países (Bélgica,


Dinamarca, Holanda, Portugal, Reino Unido e Suécia) onde a percentagem de
municípios com menos de 5000 habitantes é muito pequena, ou inexistente, e
em que a maioria de municípios possui mais de 10 000 habitantes (no Reino
Unido, todos os municípios possuem mais de 10 000 habitantes). Este grupo
de países conta igualmente com uma percentagem relativamente elevada de
municípios com mais de 200 000 habitantes. Todavia, em termos absolutos,
os países que contam com um maior número de municípios de grande dimensão
(mais de 100 000 habitantes) são a Alemanha (84), a Espanha (55), a Itália
(41) e a França (36). Trata-se de países onde existe igualmente, como vimos,
uma maioria de municípios de pequena dimensão (menos de 5000 habitantes).

É assim evidente que neste grupo de países existe uma grande disparidade
entre algumas dezenas de grandes municípios e um vasto número de pequenos
municípios. Pode, então, concluir-se que as diferenças de dimensão entre
municípios existem não só entre diferentes países, mas igualmente, e por
vezes de forma particularmente significativa, no interior de um mesmo país.
Com a excepção de Portugal, todos os países em que os médios e grandes
municípios são maioritários reduziram consideravelmente o número de
municípios através de fusões, em particular durante as décadas de 60 e 70
(ver Quadro 3.3 e Figura 3.2). Tal explica as reduzidas percentagens de
pequenos municípios e a proporção elevada de municípios de média ou grande
dimensão. Não quer isto dizer que os países do primeiro grupo não tenham
reduzido igualmente a quantidade de municípios respectivos.

Quadro 3.1.
MUNICÍPIOS – SUPERFÍCIE, POPULAÇÃO E DENSIDADE DEMOGRÁFICA
MÉDIAS (1990)
Municípios
País Superfície media População Densidade media
(km2) média (Hab/km2)
Alemanha 176 4925 211
Áustria 40 3340 84
Bélgica 52 16960 327
Dinamarca 157 18760 120
Espanha 62 4930 79
Finlândia 669 10870 16
França 15 1580 106
Grécia (1998) 128 9736 76
Holanda 53 23200 442
Irlanda1 n.a.2 n.a. 53
Itália 37 7130 193
Luxemburgo 22 3210 146
Portugal 301 32300 107
Reino Unido3 504 118440 235
Suécia 1437 30040 21

1
Dada a estrutura autárquica particular da Irlanda, os valores correspondentes à superfície e à população média
não são significativos.
2
Não aplicável
3
Inglaterra Unicamente
Figura 3.1.POPULAÇÃO MÉDIA POR MUNICÍPIO

Quadro 3.2
DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS
País1 Número Número de municípios em função do número de habitantes (em percentagem do
total de total)
municípios Menos de 1000 1001-5000 5001 -10000 10001- Mais de
100000 100000
Alemanha (95) 14808 7260 (49.0) 4860 (32.8) 1202 (8.1) 1401 (9.5) 84 (0,6)
Áustria (91) 2353 626 (26.6) 1528 (64.9) 130 (5.5) 64 (2.7) 5 (0,2)
Bélgica (94) 589 1 (0.2) 97 (16.5) 167 (28.3) 316 (53.6) 8 (1,4)
Dinamarca (96) 275 0 18 (6.5) 118 (42.9) 136 (49.1) 4 (1,5)
Espanha (96) 8097 4886 (60.3) 2065 (25.5) 524 (6.5) 567 (7.0) 55 (0,7)
Finlândia (97) 455 22 (4.8) 202 (44.4) 120 (26.3) 105 (23.0) 6 (1,3)
França2(90) 36551 28183 (77.1) 6629 (18.1) 898 (2.5) 805 (2.2) 36 (0,1)
Grécia (98) 1033 91 (8.8) 475 (46.0) 282 (27.3) 177 (17.1) 8 (0,9)
Holanda (97) 572 0 31 (5.4) 130 (22.7) 387 (67.7) 24 -4.3
Irlanda (96) 80 0 36 (45.0) 24 (30.0) 20 (25.0) 0
Itália (97) 8103 1951 (24.1) 3906 (48.2) 1169 (14.4) 1036 (12.8) 41 (0,5)
Luxemburgo (96) 118 60 (50.8) 49 (41.5) 6 (5.1) 3 (2.6) 0 0
Portugal (91) 305 1 (0.3) 25 (8.2) 77 (25.3) 179 (58.7) 23 (7,5)
3 3
Reino Unido (99) 433 0 0 0
Suécia (99) 288 0 9 (3.1) 55 (19.1) 213 (74.0) 11 (3,8)

Por exemplo, na Alemanha Ocidental esta redução foi de dois terços do total
e na Áustria de 41%.

1 Ano de Referência entre parêntesis


2 França continental e Córsega, unicamente
3 No Reino Unido, todos os municípios têm mais de 10 000 habitantes.
No entanto, a maior parte dos países deste grupo não reduziu de forma
significativa o número de municípios, a saber: Espanha (12%), França (5%),
Luxemburgo (7%). Na Itália, o número de municípios aumentou 4%, entre
1950 e 1999.

Os países que neste período reduziram de forma mais drástica o número de


municípios foram, por ordem decrescente, a Suécia (87%), a Grécia (83%), a
Dinamarca (80%), o Reino Unido (79%) e a Bélgica (78%).

Uma leitura comparativa dos Quadros 3.1. e 3.3. indica que variáveis como a
densidade de população, a superfície média ou mesmo o número de habitantes
dos municípios não parecem poder explicar a importância relativa da variação
do número de municípios. As razões para os diferenciais encontrados estão
associadas a considerações mais genéricas: sobre a importância dos
representantes eleitos nos sistemas político-partidários a nível nacional;
sobre as atribuições e competências dos municípios de cada país, etc. Uma
análise detalhada destes diversos factores ultrapassa, contudo, o âmbito
deste trabalho.

3.2. DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS E EFICIÊNCIA DOS


SERVIÇOS PÚBLICOS LOCAIS

Como foi indicado na introdução a este capítulo, a ideia que o aumento da


dimensão das autarquias locais contribuiria para melhorar a eficiência e
eficácia dos serviços prestados pelas mesmas esteve na base de muitas das
reformas que nos anos 60 e 70 conduziram a uma redução drástica do número
de autarquias em muitos dos países da actual União Europeia.

Os argumentos que foram utilizados para justificar estas reformas


apoiavam-se em teorias económicas que, a partir de uma variante do critério
neoclássico de eficiência, tentam definir uma dimensão óptima na qual os
benefícios marginais igualam os custos marginais.

De um ponto de vista empírico, a definição de custos marginais e de


benefícios marginais - para o conjunto dos serviços ou para cada serviço - é
de enorme dificuldade. Com efeito, é extremamente problemático quantificar
a produção de certos serviços de natureza qualitativa e não existe nenhum
método objectivo que permita quantificar os benefícios, levando em conta as
economias externas ou os efeitos indirectos dos níveis de serviços prestados.
Acresce ainda que, mesmo se fosse possível dar um tratamento adequado a
todos estes problemas, a perspectiva utilizada (geralmente a dos
consumidores individuais) seria parcial já que, por exemplo, as empresas se
confrontam com um conjunto diferente de funções de custo – e, igualmente,
de benefícios – e que a eventual especialização funcional dos diferentes tipos
e níveis de autarquias seria esquecida.
Quadro 3.3.
NÚMERO DE MUNICÍPIOS EM 1950 E 1999
Evolução
País 1950 1999 Em %
absoluta
Alemanha'1 24272 8077 -16195 -67
Áustria 3999 2359 -1640 -41
Bélgica 2669 589 -2080 -78
Dinamarca 1387 275 -1112 -80
Espanha 9214 8097 -1117 -12
Finlândia 547 455 -92 -17
França (1945) 38 814 (1992) 36 772 -2042 -5
Grécia 5959 1033 -4926 -83
Holanda 1015 572 -443 -44
Irlanda"2 79 80 1 1
Itália 7781 8099 318 4
Luxemburgo 127 118 -9 -7
Portugal 303 305 2 1
Reino Unido 2028 433 -1595 -79
Suécia 2281 288 -1993 -87

Figura 3.2. Redução do número de municípios em %

1
Ex-Alemanha Ocidental unicamente: dados para a ex-RDA não disponíveis.
2
Municípios urbanos unicamente.
Por estes motivos, os estudos empíricos adoptam geralmente uma
metodologia simplificada, avaliando custos directos a partir do postulado de
um nível invariável dos serviços prestados (que se pode designar como «nível
padrão de prestação de serviços»). É claro que a adopção destas hipóteses
de base reduz consideravelmente o âmbito das análises.

Dadas a complexidade do problema e as dificuldades encontradas para obter


resultados empíricos significativos, não é surpreendente que os estudos não
sejam numerosos neste domínio. Mencionam-se, de seguida, alguns dos mais
importantes (Martins, 1995).

Na Dinamarca, um estudo sobre os serviços administrativos municipais,


realizado pela Universidade de Odense nos finais dos anos de 1980, concluiu
que estes serviços eram mais eficientes nos municípios com menos de 15 000
habitantes e com mais de 50 000 habitantes, do que nos municípios com
população compreendida entre os 30 000 e 50 000 habitantes. Contudo, um
outro estudo conduzido pelo Ministério do Interior do mesmo país, em 1989,
sugere que as diferenças de eficiência administrativa entre municípios de
diversos tamanhos são muito pequenas.

Em 1985, em Itália, um estudo pormenorizado foi realizado pelo Ministério


do Interior sobre esta questão, no quadro de um vasto programa de
investigação sobre as relações entre o nível de serviços locais e as
transferências de recursos financeiros para as autarquias municipais e
intermédias (províncias). O estudo teve como base uma análise das despesas
realizadas em 1983 por 7223 municípios (90% do total) em relação a 28
serviços diferentes. O critério dimensional utilizado foi a população
residente e os diversos municípios foram divididos em 13 grupos
demográficos (de menos de 500 habitantes a mais de 500 000 habitantes).

O estudo permitiu estabelecer uma distinção entre serviços cujos custos são
função directa do número de habitantes dos municípios, serviços ditos de
variável dimensional genérica (15 no total - por exemplo: serviços
administrativos, feiras e mercados, manifestações culturais, instalações
desportivas, ensino pré-escolar) e serviços ditos de variável dimensional
específica cujos custos estão associados a outras variáveis (13 no total - por
exemplo: recolha de lixos domésticos - extensão do sistema viário;
saneamento - número de quilómetros de condutas necessárias, ensino
primário -- número de crianças nos estabelecimentos escolares).

Para a totalidade dos serviços ditos de variável dimensional genérica (número


de habitantes), a função de interpolação das despesas médias por habitante
em relação com o grupo demográfico indicou uma correlação quase perfeita.
As despesas por habitante revelaram-se elevadas nos municípios muito
pequenos, atingiam valores mínimos para os municípios com população
compreendida entre 5000-9999 habitantes e cresciam com o aumento da
população dos municípios. A correlação estabelecia-se com base numa função
não linear (quadrática) entre os custos médios por habitante e o logaritmo da
população dos municípios (divididos em 13 grupos).

Quando os diferentes serviços foram analisados individualmente, constatou-


se igualmente que as despesas médias por habitante, em função do logaritmo
da população, descreviam igualmente uma curva em forma de "U" na maioria
dos casos, mesmo se o grupo de municípios que apresentava custos médios
mínimos variava com o serviço (municípios com 5000-9999 habitantes para os
serviços administrativos; feiras e mercados; municípios com 1000-1999
habitantes no caso dos matadouros, etc.).

Estes resultados devem, contudo, ser interpretados com uma certa


prudência, já que o estudo não analisou em pormenor a qualidade dos ser-
viços fornecidos pelos municípios nos diferentes grupos, dado que o seu
objectivo principal era de avaliar as «necessidades de despesa» das
autarquias locais e não de medir a eficiência dos serviços prestados.

Em 1984, na Holanda, o Ministério da Administração Interna encomendou um


estudo a duas universidades (Amesterdão e Leiden) sobre a capacidade
administrativa dos pequenos municípios. Para a realização do estudo, definia-
se como capacidade administrativa a «aptidão dos municípios para assumir as
respectivas funções», em termos de competências legais, capacidade de
resolução de problemas e de resposta às necessidades locais. Três questões
principais eram colocadas no estudo:
a) Com que eficácia o município desempenha as suas funções?
b) Com que eficiência o município desempenha as suas funções?
c) Em que medida as necessidades locais, tal como são exprimidas
democraticamente pela população, são satisfeitas?
Os factores condicionantes da capacidade administrativa foram repartidos
entre externos (independentes da acção dos municípios) e internos (em
função da acção dos municípios). Entre os factores externos contavam-se:
população do município; localização do município na grande concentração
urbana (Randstad); densidade populacional, presença de um ou mais núcleos
urbanos; distancia de um grande centro urbano. Relativamente aos factores
internos, distinguia-se entre: competência técnica dos funcionários; forma de
organizar a «produção» do serviço (empresa municipal, concessão;
administração directa); situação financeira do município.

O estudo abrangeu 30 municípios: dez de 4000 a 5000 habitantes; dez de 14


000 a 16 000 habitantes; dez de 30 000 a 35 000 habitantes. Foram
analisados seis serviços: habitação social; administração dos subsídios de
desemprego; construção e gestão de instalações desportivas; gestão dos
espaços verdes; urbanismo; serviços de luta contra incêndios.

A conclusão geral do estudo foi a seguinte: a capacidade administrativa de


um município é função não só da sua população, mas igualmente - e sobretudo
– de três outros factores: localização do município; estrutura urbana (um ou
mais núcleos urbanos); distância de um grande centro urbano. A dimensão
populacional influencia a capacidade administrativa dos municípios em relação
a certos serviços (distribuição de subsídios de desemprego, serviço de luta
contra incêndios), mas não em relação a outros (gestão de espaços verdes,
por exemplo).

Outros estudos levados a cabo na Finlândia e no Reino Unido concluem


igualmente que o número de habitantes dos municípios não é capaz, por si só,
de «explicar» diferenças nos custos médios unitários dos serviços municipais
e que outras variáveis têm que ser integradas na análise em função dos
serviços.

No que diz respeito a uma possível dimensão óptima dos municípios, parece
claro que esta dependeria não só das atribuições municipais em ter-mos dos
tipos de serviços prestados, mas igualmente das formas de organização e das
técnicas de produção utilizadas para a prestação dos serviços. Dado que
estes factores são variáveis no tempo, quaisquer conclusões nunca poderiam
ser consideradas como definitivas, mas unicamente como de validade
temporal limitada.

Convém ainda acrescentar que, mesmo se fosse possível determinar uma


dimensão óptima para uma dada combinação de «níveis padrão de serviços
prestados», o facto de os órgãos municipais possuírem competências próprias
para definir a importância relativa a atribuir aos serviços de diferentes
tipos, em função de opções políticas e culturais, faz com que qualquer
tentativa de definir uma dimensão óptima dos municípios se confronte com
dificuldades insuperáveis de um ponto de vista prático.
Uma forma mais modesta de relacionar a dimensão dos municípios com a eficiência
dos serviços por eles prestados consiste em tentar definir limiares inferiores de
viabilidade ou capacidade administrativa dos municípios, em função das atribuições
respectivas.

A ideia de que existe uma dimensão abaixo da qual os municípios não dispõem
de um mínimo de capacidade administrativa ou técnica resulta da constatação
de que, isoladamente, os municípios muito pequenos não possuem os recursos
(financeiros, humanos e técnicos) necessários à gestão de serviços
complexos. Esta dimensão corresponde a um limiar abaixo do qual os
municípios não são viáveis em termos de prestação dos serviços em causa.

É claro que este limiar varia em função do serviço. Assim sendo, a definição
do limiar de viabilidade para um conjunto de serviços confronta-se com os
mesmos problemas que a determinação da dimensão «mais eficaz» ou «mais
eficiente», salvo se for adoptado o princípio que é o limiar inferior mais
elevado que fixa o limiar de viabilidade global.

Em muitos países nenhuma tentativa foi realizada para definir o limiar de


viabilidade dos municípios. Todavia, a definição de certas normas técnicas ou
regulamentares, no que diz respeito aos equipamentos municipais ou à
qualidade dos serviços prestados, impõe uma dimensão mínima dos municípios.
Tal é o caso, por exemplo, da Bélgica e da Finlândia, no que diz respeito aos
requisitos técnicos dos estabelecimentos de saúde pública.

Noutros países foram realizados estudos específicos sobre este tema e os


seus resultados foram posteriormente utilizados no quadro de reformas dos
sistemas de autarquias locais.
Na Dinamarca, foi com base em estudos sobre as atribuições dos municípios
em matéria de ensino primário que a população mínima recomendada para os
municípios foi fixada entre 5000 e 6000 habitantes, no quadro da reforma
autárquica levada a cabo em 1970.

Na Alemanha, nos Estados que levaram a cabo reformas dos sistemas


autárquicos após a reunificação, diversos grupos de trabalho foram criados a
fim de estudar esta questão. Esta pluralidade de grupos permitiu levar em
linha de conta as especificidades dos sistemas autárquicos dos diferentes
Lãnder. Na Baviera, por exemplo, o limiar de 2000 habitantes (±10%) foi
estabelecido para os municípios no interior de autarquias intermédias. No
Sarre, foi recomendado que a dimensão dos municípios fosse de pelo menos
8000 habitantes nas zonas rurais e de 15 000 habitantes nas zonas urbanas.
No que diz respeito aos novos Lãnder de Mackemburgo-Pomerânia ocidental e
de Brandenburgo foi fixado o limiar de 5000 habitantes para a criação de
municípios.

Na Itália, o estudo referido anteriormente permitiu concluir que até ao


limiar dos 5000 habitantes o leque de serviços prestados pelos municípios é
bastante limitado, em particular nos domínios da cultura e do lazer. De uma
forma geral, o conjunto de serviços que correspondem às atribuições dos
municípios estão disponíveis apenas nas autarquias locais com mais de 20 000
habitantes. Por exemplo, os serviços culturais, desportivos e sociais são
praticamente inexistentes nos municípios com menos de 3000 habitantes.

Na Holanda, na sequência de diversos estudos levados a cabo nos anos 80, é


geralmente aceite que os municípios com menos de 6000-7000 habitantes,
não dispõem, regra geral, de uma capacidade administrativa suficiente, o que
põe em causa a sua autonomia. Actualmente, a posição oficial é de rejeitar a
criação de novos municípios se a população não atingir os 8000 habitantes.
Um limiar idêntico foi fixado na Suécia aquando da reforma do sistema de
autarquias locais nos anos 70.

Em Portugal, a Lei 142/85 estabelece um conjunto muito restritivo de


condições para a criação de municípios (população mínima entre 10 000 e 20
000 habitantes, superfície mínima, existência de um centro urbano com
população compreendida entre 5000 e 10 000 habitantes, existência de um
certo número de equipamentos colectivos). Contudo, a aplicação em concreto
desta Lei depende da criação das regiões administrativas.

Em conclusão, é indubitável que o limiar da capacidade administrativa


autónoma é função das competências de que dispõem as autarquias. Quanto
mais complexas forem as competências, mais elevado será o limiar. O que não
quer dizer que autarquias de dimensão inferior não consigam fornecer o
mesmo tipo de serviços através de fórmulas associativas ou de concessão de
serviços.

3.3. DIMENSÃO DOS MUNICÍPIOS E DEMOCRACIA LOCAL

Da mesma maneira que considerações sobre a eficiência dos municípios


serviram de base a recomendações, visando o aumento da dimensão dos
mesmos, a crença que grandes autarquias locais não favorecem a participação
dos cidadãos na vida pública local e, mais geralmente, empobrecem a
democracia local, foi utilizado para lutar contra a fusão de municípios de
pequena dimensão.

Em certos países (Espanha, Grécia, Suécia), esta crença foi igualmente


responsável pela aprovação de legislação que prevê a criação de estruturas,
consultivas ou executivas ao nível submunicipal, cada vez que os municípios
excedem uma determinada dimensão.

Para além do facto de que os termos «pequenos» e «grandes» apenas fazem


sentido em contextos específicos, é muito difícil dar um significado preciso à
expressão «participação dos cidadãos». Por um lado, ela pode ser utilizada
para denotar as formas de intervenção directas (eleições, referendos ao
nível local, participação nos órgãos executivos ou deliberativos das
autarquias). Por outro lado, ela pode cobrir formas indirectas de participação
através de movimentos e partidos políticos, grupos de interesse, etc. Enfim,
a participação dos cidadãos não pode ser analisada unicamente em termos
numéricos, já que só cidadãos bem informados e com capacidade de intervir
em todas as fases dos processos decisionais podem subtrair-se a tentativas
de manipulação.
Acresce ainda que certos argumentos clássicos tendem a ignorar os efeitos
das evoluções sociais, económicas e políticas. Acompanhando a mobilidade
crescente da população e das actividades económicas, a escala mais adequada
para equacionar problemas específicos (de transportes públicos, de
localização de instalações desportivas ou culturais, etc.) varia igualmente. A
diversidade crescente de estilos de vida impõe a existência de um leque cada
vez mais diversificado de serviços ao nível local. As tendências que
favorecem a gestão delegada ou a privatização dos serviços públicos locais
modificam os parâmetros de análise das relações entre dimensão dos
municípios e participação dos cidadãos.

Uma vez mais, as análises empíricas estão longe de fornecer respostas


definitivas. Por exemplo, na Alemanha, a análise desta problemática foi
apenas realizada no Estado de Baden-Würtemberg com o objectivo de avaliar
a incidência do número de habitantes dos municípios sobre o número de
pedidos de referendos locais e sobre os resultados dos mesmos, no período
entre 1975 e 1988. Este estudo concluiu que não existia qualquer correlação
entre o número de pedidos de referendos locais, o nível de participação da
população nas votações e a dimensão dos municípios. Estudos conduzidos na
Suécia sobre as percentagens de participação nas eleições locais conduziram
a resultados semelhantes.

Um dos estudos mais interessantes sobre esta matéria foi realizado na


Holanda em 1990. O seu objectivo era o de analisar as relações entre
dimensão dos municípios e a «qualidade da democracia», expressa através de
um certo número de variáveis, e incidiu sobre 30 municípios de menos de 30
000 habitantes. Através de inquéritos directos aos eleitores (amostras
estatisticamente significativas), o estudo debruçou-se sobre a capacidade
efectiva da população para influenciar as decisões dos órgãos municipais e
analisar em que medida os habitantes estavam sujeitos a decisões arbitrárias
da administração municipal.

Dois aspectos do processo decisional foram considerados: o nível de


participação na vida pública local e a representatividade dos eleitos. Os
investigadores analisaram, igualmente, diversos aspectos relevantes da acção
municipal: transparência de gestão, campanhas educativas, «acessibilidade»
dos eleitores aos eleitos.
O estudo constatou que os municípios de maior dimensão possuíam uma
gestão mais transparente e investiam uma proporção mais elevada de
recursos na educação cívica e na consulta da população. Nestes municípios
verificou-se existir, igualmente, uma maior concordância entre as opiniões
dos eleitores e dos eleitos no que diz respeito aos principais problemas dos
municípios. Apenas no que diz respeito à «acessibilidade» dos eleitores aos
eleitos se concluiu que existia uma correlação negativa estatisticamente
significativa.

A análise do grau de abertura e de transparência da administração municipal


indicou que os municípios de maior dimensão tinham adoptado mais
regulamentos e posto em prática mais medidas concretas visando garantir
estes princípios. Apenas no capítulo do licenciamento de obras, os municípios
de menor dimensão apresentavam melhores resultados que os municípios de
maior dimensão. A conclusão geral do estudo sugeria que a dimensão dos
municípios não afecta significativamente a qualidade da democracia local.

Na Suécia, a reforma do sistema de autarquias locais em 1974, com uma


redução dramática (87%) do número de municípios, deu lugar a inúmeras
críticas em termos do seu possível impacto negativo sobre a democracia local.

Em resposta a estas críticas, o Ministério da Administração Pública realizou,


em cooperação com diversas universidades, um estudo pormenorizado da
questão nos finais dos anos de 1970. A partir de uma comparação de
inquéritos similares realizados aquando das eleições locais de 1966 e de
1979, esse estudo permitiu constatar que os eleitores tinham melhorado o
conhecimento sobre os grandes temas eleitorais, sobre a situação dos par-
tidos políticos respectivos e que eles reconheciam mais facilmente os nomes
dos diferentes candidatos. Apenas em termos de conhecimento pessoal dos
candidatos às eleições, a situação tinha evoluído negativamente (-10% em
média).

Deixando de parte este último aspecto, a reforma da administração local


traduziu-se num aumento do interesse pela acção municipal. Esta evolução foi
explicada por um conjunto de factores: o aumento de importância das
competências e serviços municipais com um impacto acrescido sobre a vida
quotidiana dos habitantes; a crescente implicação dos partidos políticos na
vida pública local contribuindo para a «dramatização» das alternativas de
decisão; enfim, uma atenção redobrada dos meios de comunicação (jornais em
particular) sobre as questões de competência municipal.

Em reforço desta evolução positiva constatou-se, igualmente, a aparição e


desenvolvimento de grupos de interesse de base municipal com o objectivo de
influenciar certas opções dos órgãos municipais, bem como a multiplicação de
petições colectivas, etc. A conclusão geral do estudo aventava que a reforma
tinha conduzido a resultados inesperadamente positivos neste domínio.

Resumindo, um grande número de pesquisas universitárias efectuadas no


Reino Unido neste domínio (Smith, 1985) concluía que «não existe correlação
entre a dimensão dos municípios e o interesse dos cidadãos pelas questões
locais, tendo em conta a percentagem de votantes nas eleições municipais, o
conhecimento das autarquias ou os comportamentos em relação aos serviços
locais, aos representantes eleitos ou ao sistema de representação. Em geral,
os estudos sugerem que nas autarquias de maior dimensão as assembleias
municipais possuem uma composição social mais representativa do conjunto
da população e a população revela uma mais forte identidade territorial» (pp.
71-73). Mas convém lembrar que, no Reino Unido, todos os municípios
possuem uma dimensão superior a 10 000 habitantes.

Existe, contudo, um aspecto em que a dimensão média dos municípios tem


consequências directas em termos de participação da população: o número de
representantes eleitos ao nível local. O Quadro 3.4. indica que a França
possui o maior número de eleitos locais (mais de meio milhão!). Este número é
mais de três vezes superior ao da Itália e cerca de 22 vezes superior ao do
Reino Unido, países com população total da mesma ordem de grandeza. Em
termos relativos - número de habitantes representado por cada
representante eleito - a França possui, de longe, o valor mais baixo (116),
seguida pela Alemanha (250), a Finlândia (394) e a Itália (397). No outro
extremo, a Dinamarca (1084), Portugal (1125) e sobretudo o Reino Unido
(2605) apresentam valores particularmente elevados.
Quadro 3.4.
NÚMERO DE ELEITOS LOCAIS
EM FUNÇÃO DA POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS - 1990
Número médio de
Número de Número médio de habitantes
País eleitos eleitos por representados
locais município por
um eleito

Alemanha'1 227470 20 250

Áustria n. d 2

Bélgica 12700 22 783

Dinamarca 4740 17 1084

Espanha 66760 8 597

Finlândia 12570 28 394


3
França' 501590 14 116

Grécia n. d.

Holanda n d.

Irlanda n. d.

Itália 145240 18 397

Luxemburgo 1090 9 349

Portugal 8760 29 1125

Reino Unido 22000 42 2605

Suécia 12890 45 667

3.4. CONCLUSÃO

Um primeiro aspecto que cumpre destacar nesta breve conclusão é a enorme


diversidade de situações entre países da União Europeia em termos de
dimensão dos municípios. A superfície média varia entre 15 km2 na França e
1437 km2 na Suécia e a população média entre 1580 habitantes na França e
118 440 na Inglaterra.

1
Excluindo quatro dos novos Lánder
2
Não determinado
3
1983
Contudo, alguns dos países que possuem uma maioria de pequenos municípios
(menos de 5000 habitantes), por exemplo a Alemanha, França e Itália
possuem, em simultâneo, um grande número de grandes municípios (mais de
100 000 habitantes). Num país como a Alemanha existe uma coexistência de
situações, com municípios de grande dimensão média em certos Estados e de
pequena dimensão média noutros.

Convém pois salientar que a diversidade de situações existe não só entre


diferentes países, mas igualmente no interior de muitos deles. Várias análises
sobre este tema esquecem que, hoje em dia, a maioria da população europeia
habita em zonas urbanas de média e grande dimensão.

No que diz respeito à relação entre dimensão e eficiência dos municípios, se


é certo que para determinados serviços a dimensão populacional é um factor
explicativo da eficiência relativa dos serviços públicos locais, para outros,
variáveis de outra ordem (densidade populacional, estrutura etária da
população, etc.) afiguram-se como mais pertinentes. As formas de prestação
de serviços e as «tecnologias de produção» desempenham igualmente um
papel importante nesta matéria. Dado que estas variáveis se modificam em
permanência, a busca de uma dimensão ideal dos municípios não poderá nunca
dar resultados duradouros.

É evidente, contudo, que existe um limiar dimensional abaixo do qual um


município não pode, de forma autónoma, gerir serviços complexos. Este limiar
varia com os diferentes serviços e a questão de determinar um limiar de
viabilidade de um município com competências múltiplas confronta-se com as
mesmas dificuldades de ponderação e de agregação de dados que as
tentativas de estabelecer a dimensão óptima em termos de eficiência, a
menos que o serviço com o limiar mais elevado seja adoptado como
referência.

No que diz respeito à relação entre dimensão e participação dos cidadãos, a


crença de uma correlação negativa não é comprovada pelas análises empíricas.
As formas e mecanismos de participação variam em função da dimensão do
município, mas a qualidade global da democracia local parece depender, pelo
menos, tanto das características e da importância das questões geridas pelos
municípios, quanto do número de habitantes dos mesmos.
Em resumo, as análises empíricas não corroboram a ideia de que os grandes
municípios são mais eficientes que os pequenos ou que estes últimos possuem
níveis mais elevados de participação da população na vida pública local. Assim
sendo, as reformas dos sistemas de autarquias locais não devem assentar em
rígidos ajustamentos estruturais, mas ter por base critérios flexíveis de
salvaguarda dos principais aspectos do poder local: democracia,
responsabilização, subsidiariedade e inovação.

4. ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS DAS AUTARQUIAS


LOCAIS

Do conceito de autonomia local, enunciado no artigo 3° da Carta Europeia, a


saber: «o direito e a capacidade efectiva das autarquias locais
regulamentarem e gerirem... uma parte importante dos assuntos públicos»,
infere-se que as atribuições (conjunto de finalidades a prosseguir) e as
competências (conjunto de poderes funcionais dos respectivos órgãos) das
autarquias locais constituem pilares fundamentais daquela autonomia.

Assim sendo, e no interesse da clareza e segurança do Direito, é normal que a


Carta Europeia de Autonomia Local prescreva no seu artigo 4, parágrafo 1,
que:

«As atribuições fundamentais das autarquias locais são fixadas pela


Constituição ou por lei. Contudo, esta disposição não impede a atribuição às
autarquias locais, nos termos da lei, de competências para fins específicos.»

Esta disposição visa, por um lado, evitar que as atribuições sejam decididas
de forma ad hoc, sem base legal e, por outro lado, garantir uma certa
liberdade aos órgãos legislativos para especificar e completar as
competências das autarquias locais.

Dada a diversidade dos sistemas de autarquias locais nos países da União


Europeia, seria absurdo pretender uma uniformidade das suas competências.
Existem, contudo, alguns traços comuns aos diferentes sistemas que
decorrem, pelo menos em parte, de princípios gerais de organização e de
repartição das competências dos poderes públicos. Convém analisar alguns
destes princípios antes de passar a uma comparação esquemática das
competências das autarquias locais nos diferentes países.

4.1. PRINCÍPIOS DE ORGANIZAÇÃO E REPARTIÇÃO DE


ATRIBUIÇÕES E COMPETÊNCIAS

CLÁUSULA GERAL VERSUS ENUMERAÇÃO TAXATIVA

O artigo 40º, parágrafo 2, da Carta Europeia de Autonomia Local especifica


que:

«Dentro dos limites da lei, as autarquias locais têm completa liberdade de


iniciativa relativamente a qualquer questão que não seja excluída da sua
competência ou atribuída a uma outra autoridade.»

Enquanto entidades políticas que visam promover os interesses das


respectivas populações, as autarquias locais devem poder gozar de um amplo
poder de iniciativa, mesmo se, através da legislação, são definidas regras
gerais para servir de enquadramento formal à acção. O sistema de
atribuições dito de «cláusula geral», tal como definido no parágrafo acima
mencionado, é hoje aceite na quase totalidade dos países da União Europeia,
com a excepção notória do Reino Unido.

Neste último país continua a vigorar um sistema de enumeração taxativa


(ultra vires rule) em que se enunciam de forma detalhada todas e cada uma
das atribuições dos diferentes tipos de autarquias locais. Até há bem pouco
tempo, a legislação proibia a certas autarquias locais de consagrar mais do
que uma determinada percentagem de recursos financeiros à prossecução de
certas atribuições (por exemplo, apoio às actividades económicas).

Se, em termos globais, uma repartição de competências com base na


«cláusula geral» é mais favorável à autonomia local, convém fazer notar duas
reservas importantes.

Primeira, se o desempenho da maioria das competências é enquadrado por


legislação ou regulamentação muito detalhada, ou se os recursos financeiros
necessários são transferidos pelo Estado para fins específicos - a cláusula de
competência geral aplica-se apenas em termos residuais. Tal era a situação
que prevalecia na Suécia e em outros países nórdicos até meados dos anos
80. Para ultrapassar esta situação, foi desenvolvido nestes países um
processo experimental, designado por «municípios livres», que isentou
temporariamente certos municípios e autarquias intermédias da necessidade
de cumprir, de forma estrita, um grande número de regulamentos e normas
técnicas em domínios como o ensino pré-escolar e primário, planos de
ocupação dos solos, centros de saúde e assistência social. No final deste
período experimental, que foi avaliado muito positivamente, nova legislação
reduziu significativamente o peso da regulamentação detalhada,
nomeadamente nas áreas do ensino pré-escolar e primário e da assistência
social.

Segunda, em países onde existem dois ou três níveis de autarquias locais, uma
aplicação sem reservas da cláusula geral seria contrária aos objectivos de
legibilidade do sistema e à responsabilização dos órgãos autárquicos. Por este
motivo, a reforma de sistema autárquico na Itália, em 1990, manteve o
princípio de cláusula geral para os municípios, mas preferiu enunciar
taxativamente as competências das autarquias intermédias (províncias). Um
sistema idêntico é utilizado na Alemanha na maior parte dos Lãnder, no que
diz respeito à repartição de competências entre os municípios (Gemeinden) e
as autarquias intermédias (Land Kreise).

O PRINCÍPIO DE SUBSIDIARIEDADE

A popularidade do princípio de subsidiariedade parece ser uma função inversa


da clareza com que o mesmo é definido. Tal é particularmente evidente no
que diz respeito à repartição de competências entre as instituições da
Comunidade Europeia e dos Estados-membros. Mas a mesma ambiguidade
persiste quando o princípio é utilizado para analisar a repartição de
competências no interior dos Estados.

O princípio de subsidiariedade encontra uma primeira formulação detalhada


na doutrina social da igreja católica dos anos 30. A ideia-base subjacente ao
princípio é que o poder político deve intervir na vida social apenas na exacta
medida em que as diferentes componentes da sociedade - do indivíduo à
família, da comunidade local à nação - sejam incapazes de responder às
necessidades sociais. E a encíclica Quadragesimo Anno acrescenta que «seria
perturbar negativamente a ordem social, retirar às comunidades de ordem
inferior, para confiar a colectividades mais vastas e de um nível mais elevado,
as funções que aquelas são capazes de assegurar elas mesmas». Antes de ser
um princípio de repartição de competências institucionais, a noção de
subsidiariedade é um princípio político e filosófico de organização das
relações entre Estado e sociedade civil.
No âmbito deste trabalho, interessa considerar o princípio essencialmente na
sua dimensão institucional interna aos Estados.

Embora o princípio esteja implícito nas Constituições dos Estados Federais e,


em particular, da República Federal da Alemanha, a Carta Europeia de
Autonomia Local foi o primeiro instrumento jurídico a defini-lo de forma
explícita. Com efeito, o parágrafo 3 do artigo 4° da Carta prescreve que:

«Regra geral, o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de


preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos. A atribuição de uma
responsabilidade a uma outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a
natureza da tarefa e as exigências de eficácia e economia.»

Esta cláusula expressa uma clara preferência pela descentralização de


competências (em favor de órgãos democraticamente eleitos e dotados de
poderes próprios, cf. parágrafo 1 do artigo da Carta) mas, ao mesmo tempo,
indica que a amplitude e a natureza da tarefa, bem como considerações de
eficácia e de economia, podem privilegiar outras soluções. Em termos
práticos, ao aceitar que a repartição de competências deve ter em conta «a
amplitude e a natureza da tarefa», o princípio sugere que autarquias de um
mesmo nível podem não exercer as mesmas competências em função de
diferenças de dimensão e de recursos (ver secção 4.2.).

A aplicação do princípio de subsidiariedade deve ser feita em simultâneo com


a utilização de outros princípios de organização e funcionamento do Estado,
nomeadamente: equidade; unidade de acção; eficácia; coordenação, e
solidariedade.
Mesmo se fosse possível determinar, para cada nível de autarquias, um
conjunto de competências próprias, é evidente que a imbricação de funções
impõe a cooperação e coordenação da acção das autarquias de diferentes
níveis.
TIPOS DE COMPETÊNCIAS

O artigo 4° da Carta Europeia de Autonomia Legal dispõe, nos seus


parágrafos 4 e 5, que:

«4. As atribuições confiadas às autarquias locais devem ser normalmente


plenas e exclusivas, não podendo ser postas em causa ou limitadas por
qualquer autoridade central ou regional, a não ser nos termos da lei.
5. Em caso de delegação de poderes por uma autoridade central ou regional,
as autarquias locais devem gozar, na medida do possível, de liberdade para
adaptar o seu exercício às condições locais.»

É evidente que um sistema onde todas as atribuições fossem independentes


umas das outras e em que, por consequência, cada autarquia possuísse um
conjunto de competências exclusivas facilitaria a legibilidade do sistema e a
responsabilização dos órgãos autárquicos pelos resultados obtidos. Tal
situação, contudo, não é a mais frequente nem, necessariamente, a mais
eficaz. Com efeito, certas atribuições (por exemplo, educação) envolvem
competências que são exercidas mais eficazmente a níveis diferentes (por
exemplo, construção de escolas primárias e gestão dos professores). A
cooperação entre diferentes níveis impõe-se nos casos em que as atribuições
são partilhadas. O que se afigura importante nestes casos é que a delimitação
de competências seja claramente expressa na lei.

Como vimos anteriormente (capítulo 2), em alguns países as autarquias de


nível inferior exercem não só competências próprias, mas igualmente
competências que lhes são delegadas quer pelo Estado quer por autarquias de
nível superior. Subjacente a esta delegação está a ideia de que as autarquias
de nível inferior são mais eficazes para a realização de certas funções, já
que conseguem adaptar melhor os serviços fornecidos às características e
anseios das populações das respectivas áreas. Para tal, elas necessitam de
gozar de uma certa liberdade no exercício das competências delegadas.

Convém, contudo, acrescentar que esta liberdade não é desejável quando a


natureza das competências delegadas possui um carácter obrigatório ou diz
respeito a funções (serviços) que requerem uniformidade de acção (por
exemplo, documentos de estado civil) sem a qual o princípio de igualdade dos
cidadãos perante a lei seria posto em causa. O carácter obrigatório do
exercício de certas competências é particularmente importante nos países
onde a administração periférica do Estado é reduzida - sistemas dualistas ou
de hierarquia descontínua (ver secção 2.4.); Portugal é o único país onde a
distinção entre competências obrigatórias e facultativas não existe.

Por esta razão, mas igualmente porque a autonomia de decisão dos órgãos
autárquicos se veria diminuída caso eles tivessem que assegurar a execução
de um número excessivo de competências delegadas, as disposições da Carta
Europeia de Autonomia Local definem um equilíbrio de princípios e de tipos
de competências claramente favoráveis à descentralização e ao poder local
democrático.

4.2. ANÁLISE COMPARATIVA DAS COMPETÊNCIAS DAS


AUTARQUIAS LOCAIS

As últimas décadas foram assinaladas nos países da União Europeia por uma
tendência descentralizadora das funções do Estado em favor das autarquias
locais. Vários factores explicam esta evolução: o fim das ditaduras na
Espanha, Grécia e Portugal; a crise do Estado-providência e a crescente
popularidade da noção de subsidiariedade; as reformas dos sistemas de
autarquias locais que reforçaram consideravelmente as capacidades dos
municípios em termos de recursos humanos e financeiros; a adopção de novas
formas de gestão dos serviços públicos locais (empresas de economias
mistas, concessão, empresas intermunicipais, associações de municípios, etc.).

O Quadro 4.1. (págs. 68 e 69) indica claramente que existe um «núcleo duro»
de competências dos municípios nos países analisados (12 dos 15 Estados-
membros da União Europeia).

a) Competências dos municípios em todos os países (12): bombeiros;


ensino pré-escolar e primário; habitação social; ordenamento do
território (planos e controlo da ocupação dos solos); sistema de esgotos;
recolha de lixo e limpeza pública; museus e bibliotecas; espaços verdes;
instalações desportivas; promoção do turismo;

b) Competências dos municípios em quase todos os países (10-11):


educação de adultos; protecção à terceira idade; cemitérios; teatros,
construção e conservação de arruamentos e estradas municipais;
transportes públicos de passageiros; fornecimento de gás;
abastecimento de água; promoção económica;

c) Competências dos municípios na maioria dos países (7-9): polícia e


ordem pública; protecção civil; estado civil; ensino secundário; protecção
do consumidor; distribuição de energia eléctrica em baixa tensão.

A tipologia das competências varia, contudo, significativamente em função


das características dos serviços. As competências no que diz respeito: à
polícia (9); bombeiros (9); ensino pré-escolar (20); ensino primário (11);
ordenamento do território (11); esgotos (10); recolha de lixos e limpeza
pública (10); cemitérios (7) são obrigatórias na grande maioria dos países
considerados (número de países entre parêntesis). Ao contrário, as
competências em matéria de cultura, lazer e desporto – teatros (2), museus e
bibliotecas (0); espaços verdes (2); instalações desportivas (2) – e serviços
económicos – gás (1); abastecimento de água (4); promoção económica (0): e
turismo (1) são, na esmagadora maioria dos casos, facultativas (o número de
países onde a competência é obrigatória é indicado entre parêntesis).

As competências relativamente a serviços tecnicamente complexos (ensino


secundário, hospitais, distribuição de electricidade, promoção económica,
turismo) são partilhadas ou atribuídas a autarquias de nível superior; o
mesmo sucede com funções onde existem diferentes níveis (quantitativos ou
qualitativos) de serviços prestados, nomeadamente: teatros, museus e
bibliotecas; rede viária; transportes públicos de passageiros. As
competências exclusivas são reservadas, na grande maioria dos países, aos
serviços tecnicamente pouco complexos ou de âmbito territorial bem
delimitado, a saber: polícia municipal; bombeiros; ensinos pré-escolar e
primário; habitação social; ordenamento do território (planos e controlo da
ocupação dos solos); esgotos; recolha de lixo e limpeza pública; cemitérios;
abastecimento de água.

No que diz respeito às autarquias intermédias, elas são responsáveis, de


forma exclusiva ou com competências partilhadas, por serviços que, por
razões de complexidade técnica ou de âmbito territorial, extravasam as
capacidades administrativas dos municípios, e que na sua ausência seriam da
responsabilidade ou do governo central ou de institutos públicos. Tal é o caso
do ensino secundário, hospitais, protecção da terceira idade, equipamentos
culturais e serviços económicos especializados.

As «regiões», nos estados federais e regionalizados revestem-se, antes do


mais, de uma dimensão política que resulta da sua capacidade legislativa. Para
além de competências sobre serviços de grande complexidade, tais como
ensino superior, desenvolvimento económico, formação profissional,
aeroportos e portos, elas possuem igualmente competências alargadas no
domínio da educação, a todos os níveis, e da cultura. Na Espanha, Bélgica
(Cornmunautés) e Itália, o aspecto cultural esteve mesmo na origem da
criação de certas autarquias regionais. Na França, onde as regiões existem
enquanto terceiro nível de um Estado unitário, elas desempenham
essencialmente funções administrativas e de coordenação no que diz respeito
ao sistema de planeamento nacional e de contratualização para a realização
de programas de investimento, em parceria com o governo central ou com
autarquias de nível inferior (sem subordinação hierárquica).

Quadro 4.1.
COMPETÊNCIAS DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Luxemburgo
Dinamarca

Finlândia
Alemanha

Espanha

Portugal
Holanda
Bélgica
Áustria

Suécia
Grécia
França

Função

Administração geral
Policia, Ordem Pública (M-I-R) (M) (M) - (M)-R (M) (M) (M) (M) (M) - -
Bombeiros (M) (M) (M)-R (M) (M)-I M (M) M-I (M-I) (M) M (M)
Protecção Civil (R) - - (M-I) M-(R) M - M-I (M) - M (M-1)
Estado Civil (M) (M) M (M) (M) - (M) - (M) (M) - -

Educação

Ensino Pré-Escolar (M) (M) (M-I-R) (M) (M-R) M (M) (M-I) (M) (M) M (M)
Ensino Primário (M-R) (M) (M-I-R) (M) (M-R) (M) (M) (M-1) (M) (M) M (M)
Ensino Secundário (M-I-R) (M-R) (M-I-R) (I) M-(R) (M) (I-R) (Md) (M-I) - M (M)
Educação de adultos M M M-I-R (MI) M-R M (R) M-I (M) - M M
Hospitais (M-I-R) (M-R) M-R (1) M-(1-R) (M) - M-I (M) (M) - (I)

Acção Social

Terceira Idade (M-I) M-R M-I-R (M-I) (M)-I-(R) M 1 M (M-1) (M) M

Assistência social (M-I) (M-R) - (M-l) (R) M - (M)

Habitação e urbanismo

Habitação Social M M M-R (M-1) (M-1-R) M M M-I (M-I) (M) M M


Ordenamento do
(M) (M) (M-R) (M) (M-I-R) (M) (M) (M-I) (M-I) (M) M (M)
Território
COMPETÊNCIAS DAS AUTARQUIAS LOCAIS

Luxemburgo
Dinamarca

Finlândia
Alemanha

Espanha

Portugal
Holanda
Bélgica
Áustria

Suécia
Grécia
França
Função

Meio ambiente
Esgotos (M) (M) M-R (M) (M) (M) (M) (M) (M-I) (M) M (M)
Lixos e limpeza pública (M) (M) M-R (M) (M) (M) (M) (M) (M-I) (M) M (M)
Cemitérios (M) (M) (M) M (M) (M) M (M) (M) M -
Matadouros M M M-I-R - M - - M (1) M - -
Protecção do consumidor M - - (M) (M-R) M - - - - M (M)
Cultura, Lazer,
Desporto
Teatros M-I-R M-R R (M-I) M-I-R M M-I M-I (M-I) M M M-I
Museus, Bibliotecas M-I-R M-R M-I-R M-1 M-(I-R) M M-I M-I M-I M M M-I
Espaços verdes M-1-R M-R M-I-R M (M)-R M M M-I Md M M (M)
Instalações desportivas M-I (M) M-I-R (M) (M-I)-R M M M M-1 M M M
Transportes e
Comunicações
Rede viária (M-I-R) (M-R) M-I-R (M-I) (M-1-R) M M-I 1 (M-I) (M) M (M)
Transportes públicos (M-I-R) (M-R) M-R (M-1) (R) M M-I M-I (M-I) - M (M-I)

Serviços Económicos

Gás M R M M M M M M M-I (M) - M


Água (M) (M) (M-R) M M-(R) M M M-I (I) (M) M M
Electricidade (M-I) (M-R) (M-R) (M) (M-R) M 1 - (1) (M) M M
Promoção Económica M-R M-R M-1-R M M-I-(R) M M M-I M-I - M -
Turismo M M M-GR M-I (M-R) M M M-I M-I M M M-I

M – Município I - Autarquias Intermédias R – Região O Função obrigatória

Não é possível analisar aqui em pormenor as competências das autarquias dos


diversos países. Parece útil, no entanto, tecer algumas considerações sobre
algumas funções de forma a realçar pontos comuns ou diferenças
significativas entre os vários sistemas.

a) Polícia: na maior parte dos países latinos e germânicos (incluindo o


Luxemburgo, mas excluindo Portugal), o policiamento ao nível local
(limitado à prevenção e patrulhamento) é uma competência municipal
pela qual o chefe do órgão executivo assume a responsabilidade primeira
(por vezes como representante do Estado). A luta contra a grande
criminalidade e a manutenção da ordem pública são, contudo,
asseguradas por corpos de polícia do Estado. Na Dinamarca e na Suécia,
a polícia é uma responsabilidade exclusiva do Estado. Na Espanha, as
Comunidades autónomas podem criar «polícias autonómicas» que estão
sujeitas, contudo, à legislação do Estado.
b) Bombeiros: com excepção da Itália, os serviços de protecção contra
incêndios estão colocados sob a responsabilidade dos municípios. Na
Bélgica, a região Bruxelas-capital assume responsabilidade na sua área
de jurisdição. Na Dinamarca, os municípios exercem as suas
competências neste domínio com o auxílio de uma organização de
assistência privada com a qual todos eles estabeleceram um acordo de
cooperação.

c) Ensino: na maior parte dos países latinos e germânicos existe uma


dicotomia de competências no que diz respeito às instalações e pessoal
técnico e auxiliar, por um lado, e à gestão do sistema educativo,
conteúdos e condições de trabalho do corpo de professores, por outro.
O primeiro aspecto é da competência das autarquias locais de
diferentes níveis, em função do grau de ensino; o segundo é da
responsabilidade do Estado. O exemplo mais acabado deste esquema é a
França, onde a construção e manutenção dos estabelecimentos de ensino
pré-escolar e primário é uma competência dos municípios; os collèges (2°
e 3° Ciclos do Ensino Básico) relevam da competência das autarquias
intermédias (départements) e os liceus e os estabelecimentos de ensino
especializado estão sobre a alçada das regiões.

Ao mesmo tempo, a elaboração dos programas, a remuneração do


pessoal, a organização dos estudos e a carta escolar relevam da
competência do Estado.

A situação é completamente diferente nos países nórdicos e anglo--


saxões. Por exemplo, na Suécia, um dos principais motivos invocados para
realizar a reforma estrutural (fusão dos municípios) dos anos 70 foi o
de criar municípios com capacidade administrativa suficiente para gerir
integralmente o sistema de ensino não universitário. Os municípios são
responsáveis pelas instalações e pelo conjunto do pessoal (professores e
pessoal auxiliar). As despesas com o ensino representam cerca de 60%
das despesas dos municípios. Mas, como as condições de trabalho do
pessoal (incluindo salários) e a organização e conteúdos do ensino são
fortemente regulamentados a nível central, a liberdade de acção dos
municípios nestas matérias é extremamente reduzida. A situação é
muito semelhante (incluindo despesas) no Reino Unido, mesmo se aí o
sector público funciona em concorrência com um forte sector privado.

Enfim, registe-se que, na Irlanda, as autarquias locais não possuem


competências neste domínio.

d) Hospitais: Na Dinamarca e na Suécia são as autarquias intermédias as


responsáveis pelas instalações e pelo conjunto do pessoal (médico,
técnico e auxiliar) do sistema de saúde; na Finlândia, os municípios são
obrigados a participar em institutos públicos intermunicipais que gerem
de forma integrada o conjunto de instalações e serviços de saúde (e de
assistência social). As despesas com a saúde representam mais de dois
terços das despesas das autarquias intermédias na Suécia e na
Dinamarca.

Na França, os hospitais estão formalmente sob a responsabilidade das


autarquias (três níveis), mas a gestão e a política de investimentos são
da competência do sistema de Segurança Social que envolve não só o
Estado, mas igualmente as organizações patronais e sindicais.

No Reino Unido e na Irlanda, o sistema público de saúde é da


responsabilidade directa e exclusiva do Estado. Na Espanha e na Itália,
as regiões possuem competências importantes neste sector mas não as
utilizam necessariamente. Em Espanha, por exemplo, apenas 6 das 17
Comunidades Autónomas adoptaram legislação de base pertinente.

e) Cemitérios: para terminar esta secção com uma curiosidade, assinale-se


que na Dinamarca, Finlândia e Suécia é a Igreja que gere a quase
totalidade dos cemitérios, sendo o financiamento assegurado através do
«imposto de culto».

UNIFORMIDADE E DIVERSIDADE NA REPARTIÇÃO E NAS FORMAS DE


EXERCÍCIO DAS COMPETÊNCIAS

A capacidade efectiva de uma autarquia para exercer as suas competências


de forma autónoma é uma função dos recursos humanos e financeiros de que
dispõe e das necessidades de despesa com as quais é confrontada. No
interior de um mesmo país, a quantidade e qualidade destes recursos e as
«necessidades de despesa» variam com as características da autarquia (por
exemplo, uma autarquia com uma população muito jovem terá mais
«necessidades de despesas» no domínio do ensino que uma outra com
população mais idosa) e com a sua dimensão.
Na maioria dos países as competências das autarquias de um mesmo nível são
idênticas, independentemente das características ou dimensões respectivas.
Contudo, esta afirmação necessita de ser qualificada e não se aplica a certos
países, nomeadamente: Alemanha, Espanha, Irlanda e Reino Unido.

Em primeiro lugar, convém relembrar que em certos países com estrutura


federal ou regional (por exemplo, Alemanha e Espanha) a responsabilidade
pela organização do sistema autárquico é confiada aos Estados (Lãnder) e às
regiões (Comunidades Autónomas) que dispõem - em grau variável - de poder
legislativo sobre a repartição de competências entre os níveis autárquicos a
elas subordinados. Na Alemanha, as competências confiadas aos municípios
variam significativamente entre os Estados. Convém acrescentar que a
situação não é idêntica em todos os países federais ou regionais. Na Áustria,
a Constituição federal contém disposições muito detalhadas sobre a
organização autárquica e, por este motivo, as competências dos municípios
são quase idênticas no conjunto do país.

Em segundo lugar, a utilização, na maior parte dos países, do princípio de


«cláusula geral» na repartição das atribuições tem implicações muito
diferentes, consoante as competências que delas decorrem possuam um
carácter obrigatório ou facultativo. No que diz respeito ao segundo tipo de
competências, mesmo se a legislação coloca todas a autarquias no mesmo
plano, é claro que diferentes autarquias podem exercer as suas competências
de forma diferente, em função das características respectivas (um município
numa região de alta montanha fornecerá serviços de tipo diferente de um
município de características balneares) e dos recursos de que dispõe. Como
vimos no capítulo anterior, uma percentagem muito elevada dos municípios
italianos não utiliza as suas competências nos domínios culturais, desportivos
e sociais.

Em terceiro lugar, em certos países, algumas autarquias assumem


competências que noutras áreas são confiadas a dois níveis de autarquias
distintas. Tal é o caso, como vimos no capítulo 2, dos municípios de Copenhaga
e Frederiksborg na Dinamarca, que exercem igualmente funções de autarquia
intermédia. Esta situação, excepcional no caso da Dinamarca e que é prevista
na Itália na legislação (de 1990, mas não ainda aplicada) sobre as «cidades
metropolitanas», constitui uma característica estrutural dos sistemas
autárquicos da Alemanha, Irlanda e Reino Unido.

Na Alemanha, com a excepção das cidades-Estado de Berlim, Bremen e


Hamburgo, a administração autárquica é organizada a dois níveis. Se
deixarmos de lado as diferenças que existem entre os vários Estados em
termos de grau de «municipalização» das funções autárquicas, as
competências municipais correspondem a uma das três situações possíveis. As
cidades (Kreisfreie Stadt) que se situam fora da área de jurisdição de uma
autarquia intermédia (Landkreis) acumulam competências próprias,
correspondentes aos dois níveis autárquicos, com as competências que
noutras áreas são delegadas ao órgão executivo (Landratsamt) da autarquia
intermédia. Por sua vez, os municípios que são sede administrativa de
autarquias intermédias (Grosse Kreisstadt) assumem nas suas áreas de
jurisdição as competências delegadas ao órgão executivo da autarquia
intermédia, para além das competências específicas municipais. Enfim, os
outros municípios limitam-se aos exercícios das competências municipais
(próprias ou delegadas pelo Estado). Estas três situações, ilustradas a partir
da legislação do Estado da Baviera, reproduzem-se, com algumas diferenças,
nos outros treze Estados (excluindo as três cidades-Estado).

No sistema de autarquias irlandês, os dois tipos de autarquias intermédias


(county councils e county boroughs) possuem competências que cobrem o
conjunto das atribuições autárquicas, mas um dos tipos (county borough)
acumula funções de dois níveis. No que diz respeito aos três tipos de
autarquias de primeiro nível, dois deles (borough corporation e urban
districts) possuem as mesmas competências: o terceiro (town commissions)
possui sobretudo funções de representação.

No Reino Unido, como vimos no capítulo 2, os sistemas de autarquias locais


são diferentes nas quatro componentes do Estado (Inglaterra, Escócia,
Irlanda do Norte, País de Gales). Nas três últimas componentes existe
apenas um único nível de autarquias; na Irlanda do Norte, os municípios
dispõem de competências mais reduzidas do que na Escócia e País de Gales.
Na Inglaterra coabitam três sistemas diferentes. Nas áreas onde existem
dois níveis de autarquias (district councils e country councils), o nível
municipal é responsável, em exclusivo, por: colecta de impostos locais;
habitação social; cemitérios. As autarquias intermédias são responsáveis por:
ensino pré-escolar, primário e secundário; assistência social; bombeiros,
polícia; estado civil; protecção do consumidor; bibliotecas. Os dois níveis
partilham competências no que diz respeito a: planeamento local; transportes
públicos; protecção civil; protecção do ambiente; cultura e lazer. Nas áreas
onde existe um único nível de autarquias (unitary authorities), estas
acumulam as competências dos dois níveis.

Enfim, na área metropolitana de Londres, a Greater London Authority,


instituída em concreto em 2000, possui competências limitadas aos
transportes públicos, à polícia, aos bombeiros e protecção civil, ao
planeamento estratégico do território da área metropolitana, à promoção da
economia, do turismo, da cultura e do desporto da zona metropolitana e à
protecção do meio ambiente. As outras competências continuam a ser
exercidas pelos órgãos executivos das autarquias municipais preexistentes.
É evidente que no caso da Alemanha, da Irlanda e do Reino Unido a dimensão
dos municípios é apenas um dos factores (e de forma implícita) que justifica
a atribuição de competências diferentes em autarquias de um mesmo nível.

Na Espanha, no caso dos municípios, a relação entre dimensão da autarquia e


competências é mais directa. Embora as mesmas competências sejam
confiadas a todos os municípios, independentemente do número de
habitantes, uma distinção é claramente feita, no artigo 26° da Ley de Bases
del Regímen Local de 1985, no que diz respeito aos «serviços mínimos,
obrigatórios ou elementares» que os municípios devem assegurar, de forma
autónoma ou em associação:

a) em todos os municípios: iluminação pública; cemitérios; manutenção da


rede viária municipal; abastecimento de água potável; esgotos; controlo
da qualidade dos produtos alimentares e das bebidas;
b) nos municípios com mais de 5000 habitantes: jardins públicos;
bibliotecas; mercados e tratamentos de lixos;
c) nos municípios com mais de 20 000 habitantes: protecção civil; as
sistência social; bombeiros; instalações desportivas; matadouros;
d) nos municípios com mais de 50 000 habitantes: transportes públicos e
protecção do meio ambiente.

Os municípios podem igualmente solicitar à região (Comunidades Autónomas)


de que dependem a isenção da prestação de certos serviços mínimos,
correspondentes à sua dimensão, se se considerarem incapazes de os criar e
gerir convenientemente. Enfim, o auxílio previsto ria lei, de acordo com o
princípio de subsidiariedade, das províncias aos municípios, é orientado
preferencialmente para a organização e prestação dos serviços mínimos.

Para terminar este capítulo, convém abordar, de forma necessariamente


breve, as diferentes formas através das quais os órgãos autárquicos podem
exercer as competências que a lei lhes comete.

Para além da pura e simples delegação, ou transferência, das competências


para um outro nível autárquico, ou para o Estado - solução que é possível e
utilizada, em particular nos países com mais de um nível de autarquias locais -
as autarquias têm ao seu dispor, na maioria dos países, um amplo leque de
opções formais para o exercício das suas competências que, por facilidade de
exposição, podem ser divididas em directas e indirectas.

Directas:
a) serviços autárquicos ou municipais: desprovidos de autonomia financeira
ou administrativa e sem personalidade jurídica;
b) serviços municipalizados autárquicos: com autonomia financeira e
administrativa, mas sem personalidade jurídica;
c) empresas públicas autárquicas ou municipais: com autonomia
administrativa, financeira e patrimonial; com personalidade jurídica
pública e sujeição ao regime geral do direito privado;
d) participação maioritária em empresas de tipo comercial;
e) formas associativas: associações de municípios; serviços
intermunicipalizados; empresas intermunicipais.

Indirectas:

a) concessão: em que o agente para o qual o exercício da competência é


transferido se obriga a respeitar um caderno de encargos, em troca da
receita de tarifas cujos montantes são fixados pelas autarquias. Embora
no caso geral as despesas de investimento sejam cobertas pela entidade
concessionária, na variedade do arrendamento (cujo prazo é mais curto)
compete à autarquia assegurar aquelas;
b) sociedades de capitais mistos com participação pública minoritária;
c) convénios de cooperação com o sector associativo e organizações não
governamentais;
d) contractos de prestação de serviços com o sector privado.

As formas de exercício das competências têm muito a ver com as


características dos sistemas de autarquias locais. Nos sistemas de
características napoleónicas (ou de hierarquia contínua) existe
historicamente (excepto em Portugal) uma grande tradição de prestação de
serviços por vias indirectas, em particular através de concessões ou de
criação de sociedades de capitais mistos. Em França, por exemplo, existem
mais de 700 sociedades de capitais mistos deste tipo, particularmente
activas nos domínios do desenvolvimento urbano e da habitação social. Na
Alemanha existe igualmente uma longa tradição de sociedades deste tipo, no
domínio da habitação social.

No que diz respeito aos serviços económicos (água, energia eléctrica,


saneamento), a contratualização com o sector privado para a prestação de
serviços é a regra em França, enquanto que na Alemanha a forma preferida é
a das empresas públicas municipais (ou autárquicas). De uma forma geral, os
serviços municipalizados estão em perda de velocidade.

Na Alemanha, na Itália e, de uma forma geral, nos países latinos, existe uma
grande tradição de cooperação com o sector associativo no domínio da
Assistência Social.
No Reino Unido, nos anos 80, houve uma forte tendência que favoreceu a
contratualização com o sector privado, mesmo se as formas directas do
exercício das competências continuaram a ser dominantes. Nos países do
Norte da Europa, tal é igualmente a regra.

No capítulo final deste trabalho veremos que a opção por uma ou outra forma
de exercício das competências deriva, em boa parte, de diferentes maneiras
de entender o papel e as funções principais das autarquias locais.
5. AS FINANÇAS LOCAIS

A quantidade e «qualidade» dos recursos financeiros ao dispor das autarquias


locais são variáveis de importância crucial para avaliar a «capacidade efectiva
das autarquias locais para gerirem (...) uma parte importante dos assuntos
públicos» e, desde logo, a sua autonomia, tal como vem definida no artigo da
Carta Europeia de Autonomia Local.

A autonomia financeira das autarquias locais é função de um conjunto de


factores que têm a ver com as relações entre os recursos, atribuições,
competências e características das autarquias (nomeadamente a dimensão).

Antes de proceder a uma análise dos diferentes tipos de recursos


financeiros das autarquias, convém considerar com algum detalhe diferentes
aspectos da autonomia financeira.

5.1. A AUTONOMIA FINANCEIRA DAS AUTARQUIAS LOCAIS

O conjunto de disposições que visam definir e assegurar a autonomia


financeira das autarquias locais constitui o artigo 99 da Carta Europeia de
Autonomia Local. O âmbito desta autonomia está especificado nos dois
primeiros parágrafos, que se lêem como segue:

«1. As autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional,


a recursos próprios adequados, dos quais podem dispor livremente no
exercício das suas atribuições.
2. Os recursos financeiros das autarquias locais devem ser proporcionais às
atribuições previstas pela Constituição ou por lei.»

Três aspectos são postos em evidência nestes dois parágrafos,


nomeadamente que os recursos financeiros das autarquias devem ser:
próprios e adequados; livres de afectação; proporcionais às atribuições.
Antes de descrever a situação das finanças locais nos países da União
Europeia convém tirar algumas ilações dos aspectos acima mencionados.
Primeira, os recursos financeiros devem sempre ser analisados em função das
características das competências (obrigatórias versas facultativas;
exclusivas versas partilhadas). Por exemplo, como vimos no capítulo anterior,
em França, o pagamento dos salários dos professores é feito pelo governo
central, enquanto que nos países escandinavos ele é da responsabilidade dos
municípios (Finlândia e Suécia) ou dos municípios e autarquias intermédias
(Dinamarca). Por esta razão, a quantidade de recursos financeiros de que as
autarquias escandinavas têm necessidade para exercer as suas competências
no sector do ensino (pré-escolar, primário e secundário) são muito maiores do
que em França. Tal não quer dizer, no entanto, que elas disponham,
necessariamente, de uma maior autonomia, já que a relação aluno/professor,
a fixação dos salários e as condições de trabalho destes são fixados a nível
central.

Segunda, se uma quantidade superior de recursos financeiros não garante,


por si só, um maior grau de autonomia é evidente que a situação contrária é
incompatível com um alto nível de autonomia. A este respeito, é importante
frisar que os recursos financeiros permitem adquirir outros recursos
(humanos e técnicos) e que estes são indispensáveis para uma adequada
formulação e implementação das actividades das autarquias.

Terceira, é importante distinguir entre os recursos financeiros dispo-níveis


para as autarquias locais no seu conjunto e os recursos financeiros de cada
uma delas em particular. Por exemplo, para populações totais e recursos
financeiros locais da mesma ordem de grandeza, o Reino Unido possui menos
de 450 municípios (incluindo as autarquias unitárias), enquanto que a França
possui mais de 36 000. Em média, os recursos financeiros de cada um dos
municípios ingleses é cerca de 80 vezes superior ao dos municípios franceses.
É evidente que esta situação tem consequências em termos da capacidade
destes para contratar e manter pessoal especializado, para conseguir
economias de escala e, pelo menos em teoria, para redistribuir recursos
entre sectores de actividade e prioridades de acção.

Quarta, quando se analisam os recursos financeiros das autarquias é


importante ter em linha de conta a existência de um ou mais níveis
autárquicos. Com efeito, quando há apenas um nível, os municípios
representam, por si só, todo o espaço de autonomia local. Tal não é o caso em
países como a Espanha, França e Itália onde coexistem três níveis com
atribuições e competências complementares ou nos países escandinavos
(Dinamarca, Suécia) onde as autarquias intermédias desempenham um papel
importante.

Os diferentes aspectos acima referidos, e as consequências que deles


decorrem, dificultam comparações directas entre estatísticas que, para além
disso, carecem muitas vezes de bases conceptuais homogéneas. Por estes
motivos, a avaliação do grau de autonomia financeira das autarquias locais
tem que ser realizada por aproximações sucessivas.

Um primeiro indicador interessante é o peso relativo das finanças locais nos


diferentes países. O Quadro 5.1. e a Figura 5.1. exprimem as despesas
municipais em função do Produto Interno Bruto de cada um dos países da
União Europeia.

Uma primeira constatação é que os países escandinavos (Dinamarca,


Finlândia, Suécia) colocam a fasquia muito alta. Tal é particularmente
impressionante dado que dois deles (Dinamarca e Suécia) possuem igualmente
autarquias intermédias com despesas importantes no sector da saúde. Entre
os países com um único nível de autarquias, Portugal apresenta um peso
relativo de despesas municipais duas vezes inferior ao Luxemburgo e quase
quatro vezes inferior à Finlândia. Os valores registados nos países com três
níveis de autarquias (Espanha, França, Itália) e nos países federais
(Alemanha e Bélgica em particular) seriam muito diferentes, caso os outros
níveis autárquicos fossem incluídos (por exemplo, os valores mais que
duplicariam nos casos alemão, espanhol e francês).

A noção de autonomia financeira requer igualmente que uma parte dos


recursos sejam resultantes de impostos locais, de natureza diversificada e
evolutiva, e que, no essencial, sejam livres de afectação predeterminada.
Estes requisitos são introduzidos nos parágrafos 3, 4 e 7 do artigo da Carta
Europeia de Autonomia Local:

«3. Pelo menos uma parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve
provir de rendimentos de impostos locais, tendo estas o poder de fixar a
taxa dentro dos limites da lei.
4. Os sistemas financeiros nos quais se baseiam os recursos de que dispõem
as autarquias locais devem ser de natureza suficientemente diversificada e
evolutiva de modo a permitir-lhes seguir, tanto quanto possível, na prática, a
evolução real dos cus-tos do exercício das suas atribuições. (...)
7. Na medida do possível, os subsídios concedidos às autarquias locais não
devem ser destinados ao financiamento de projectos específicos. A
concessão de subsídios não deve prejudicar a liberdade fundamental da
política das autarquias locais no seu próprio domínio de atribuições.»

Quadro 5.1.
AS DESPESAS MUNICIPAIS EM PERCENTAGEM DO PRODUTO INTERNO BRUTO

País Ano Percentagem (%)


Alemanha 1993 8,1
Áustria 1993 12,7
Bélgica 1993 4,9
Dinamarca 1994 19,9
Espanha 1994 4,9
Finlândia 1993 18,0
França 1992 5,5
Grécia 1989 3,3
Holanda 1994 13,3
Irlanda 1994 4,9
Itália 1993 7,0
Luxemburgo 1993 9,9
Portugal 1993 4,6
Reino Unido 1994 11,0
Suécia 1994 27,5
Fonte: Conselho da Europa (1997)
Figura 5.1.
DESPESAS MUNICIPAIS EM PERCENTAGEM DO PIB
Para compreender o alcance destas disposições, convém referir os principais
tipos de recursos financeiros das autarquias, a saber:

a) impostos locais exclusivos — que os contribuintes pagam à autarquia e


em relação aos quais esta tem competência para fixar a taxa de imposto
aplicável (e, por vezes, outros elementos do imposto tais como a base do
imposto e as isenções) dentro de limites fixados pela lei;

b) taxas e tarifas - que os utentes pagam à autarquia pela prestação de


certos serviços, devido à utilização de bens do domínio público, pela
remoção de limites jurídicos (taxas) ou em contrapartida da prestação
de serviços económicos tais como abastecimento de água, recolha e
trata-mento de lixos, saneamento (tarifas);

c) transferências (do Estado ou de outras autarquias) - que podem assumir


três formas: dotações, participação nas receitas de impostos cobrados
pelo Estado ou outras autarquias (nestes dois casos as receitas não são
consignadas) e subsídios ou receitas consignadas (em que a utilização
dos recursos é destinada ao financiamento de despesas ou tipos de
despesas específicas);

d) o produto de empréstimos - contraídos pelas autarquias para financiar


a sua acção;

e) outros – entre os quais se incluem: os rendimentos e o produto dos bens


próprios ou da sua alienação; o rendimento de certos serviços do âmbito
autárquico; multas e coimas; heranças, legados e doações.

Os recursos correspondentes aos tipos mencionados nas alíneas a), b) e e)


devem ser considerados recursos próprios da autarquia. Por sua vez, os
impostos locais exclusivos, juntamente com a participação nas receitas de
outros impostos e com as dotações, constituem o essencial dos recursos de
que as autarquias podem dispor livremente na sua acção, mesmo se em certos
caso as escolhas na afectação de recursos são limitadas indirectamente pelo
exercício das competências obrigatórias. Com efeito, os montantes cobrados
pela prestação de serviços económicos são, na maioria das vezes, consagradas
integralmente ao financiamento daqueles serviços. Enfim, uma alta
percentagem de subsídios indica, na prática, a impossibilidade de a autarquia
controlar as prioridades das suas actividades.

Os Quadros 5.2. e 5.3. indicam, respectivamente, a repartição dos recursos


financeiros dos municípios pelas principais categorias de receitas e as
percentagens dos vários tipos de transferências no total das receitas. O
Quadro 5.4. indica as percentagens dos recursos próprios, dos recursos não
afectados e dos subsídios no total das receitas. Sobre este último quadro
vale a pena fazer alguns comentários.
Em cinco dos quinze países - Dinamarca, Finlândia, França, Portugal e Suécia -
os recursos próprios dos municípios aproximam-se, ou excedem, dois terços
das receitas municipais. Em dois países – Holanda e Reino Unido - as
percentagens são inferiores a um quarto das receitas totais. Para evitar mal-
entendidos, cumpre tornar claro que os municípios não dispõem do controlo
total sobre os montantes dos recursos próprios. No que diz respeito aos
impostos locais exclusivos, a base do imposto (matéria colectável) é fixada
pelo Estado e as taxas de imposto apenas podem variar, na maior parte dos
casos, dentro de limites fixados pela lei. Enfim, relativamente à facturação
dos serviços económicos, as receitas das tarifas cobradas não podem,
geralmente, exceder o custo real dos serviços prestados ou valores fixados
pelo Estado.

Quadro 5.2.
REPARTIÇÃO DOS RECURSOS FINANCEIROS DOS MUNICÍPIOS (em % do total)
País Ano Impostos locais exclusivos Taxas e tarifas Transferências Empréstimos Outros
Alemanha 1993 19 16 45 9 11
Áustria 1993 15 19 35 8 23
Bélgica 1993 32 5 40 13 10
Dinamarca 1994 51 22 24 2 1
Espanha 1994 31 16 37 10 6
Finlândia 1993 34 11 31 3 21
França 1992 36 2 26 10 26
Grécia 1989 2 22 58 6 12
Holanda 1994 5 13 60 19 3
Irlanda 1994 18 10 57 2 13
Itália 1993 18 11 38 9 24
Luxemburgo 1993 31 29 37 3 0
Portugal 1993 29 19 38 6 17
Reino Unido 1994 11 6 77 0 6
Suécia 1994 61 8 19 1 11
Fonte: Conselho da Europa (1997)
Quadro 5.3.
TIPOS DE TRANSFERÊNCIAS PARA OS MUNICÍPIOS
(em % do total dos recursos financeiros)
Participação em
País Ano Dotações Subsídios Outros
Impostos
Alemanha 1993 17 15 13 0

Áustria 1993 26 1 0 8

Bélgica 1993 0 25 5 10

Dinamarca 1994 2 12 0 11

Espanha 1994 0 8 29 0

Finlândia 1993 1 28 1 0

França 1992 0 24 0 2

Grécia 1989 25 25 0 8

Holanda 1994 0 54 4 3

Irlanda 1994 0 11 46 0

Itália 1993 2 8 24 5

Luxemburgo 1993 24 2 0 11

Portugal 1993 1 31 4 2

Reino Unido 1994 17 32 27 0

Suécia 1994 0 11 8 0
Fonte: Conselho da Europa (1997)
Quadro 5.4.
RECURSOS FINANCEIROS DOS MUNICÍPIOS: PRÓPRIOS, NÃO AFECTADOS E
SUBSÍDIOS (em % do total dos recursos)
País Ano Recursos próprios Recursos não afectados Subsídios

Alemanha 1993 46 51 13

Áustria 1993 57 42 0

Bélgica 1993 47 57 5

Dinamarca 1994 74 65 0

Espanha 1994 53 39 29

Finlândia 1993 66 73 1

França 1992 64 60 0

Grécia 1989 36 52 0

Holanda 1994 21 59 4

Irlanda 1994 41 29 46

Itália 1993 53 28 24

Luxemburgo 1993 60 57 0

Portugal 1993 65 61 4

Reino Unido 1994 23 60 27

Suécia 1994 80 72 8
Fonte: Conselho da Europa (1997)
A parte dos recursos não afectados (impostos locais exclusivos + dotações +
participação em outros impostos) varia de menos de um terço do total das
receitas na Irlanda e Itália a valores que se aproximam ou excedem 60% em
sete países, nomeadamente e por ordem crescente: Holanda, França, Reino
Unido, Portugal, Dinamarca, Suécia e Finlândia. Enfim, os subsídios (receitas
consignadas) são particularmente significativos na Itália, Reino Unido,
Espanha e Irlanda (por ordem crescente).

Sobre o último indicador convém acrescentar três reflexões. Primeira, se é


certo que a inexistência de subsídios é um elemento favorável à autonomia
financeira, a presença de subsídios específicos de valor relativo elevado não
representa necessariamente um aumento do controlo sobre as prioridades
específicas da autarquia. Na verdade, quando subsídios a 100% são atribuídos
para o exercício de funções delegadas pelo Estado (ou por uma autarquia de
nível superior), o subsídio é a compensação normal pela administração
indirecta da função. Nestes casos, se o subsídio fosse inferior a 100% o
controlo sobre as prioridades da autarquia seria maior, já que esta seria
obrigada a desviar outros recursos para esta função, diminuindo, em
consequência, o volume de recursos sem afectação predeterminada.
Segunda, as restrições associadas aos subsídios variam consideravelmente
em função do grau de precisão com que os mesmos são atribuídos. Um
subsídio concedido para um projecto de investimento específico é muito mais
constrangedor do que um subsídio destinado a um domínio de atribuições da
autarquia.

Finalmente, a utilização de subsídios pode ainda ser considerada justificada,


de um ponto de vista de defesa da autonomia financeira, em casos de
calamidade pública, quando a despesa apresenta um carácter muito irregular
no tempo, ou em situações em que uma obrigação de despesa condicionaria
irremediavelmente as prioridades da autarquia.

5.2. OS IMPOSTOS LOCAIS EXCLUSIVOS

Do que atrás fica exposto, é claro que os impostos locais exclusivos são o tipo
de recursos que pelas suas características – recursos próprios e não
afectados – melhor protegem a autonomia financeira local.
Os valores do Quadro 5.5. (ver igualmente Figura 5.2.) são reveladores de
importantes diferenças no grau de descentralização fiscal existente nos
países da União Europeia. Para efeitos de comparação, é preciso ter em
conta, contudo, que nos países federais as receitas do Estado incluem os
níveis central e federado e que, no caso dos países unitários e regionais, as
receitas fiscais das autarquias intermédias e das regiões são contabilizadas
juntamente com as dos municípios.

Com esta reserva é evidente que os países escandinavos (Dinamarca,


Finlândia, Suécia) apresentam valores de receitas dos impostos locais
consideravelmente superiores às dos outros países. Em nove dos países, as
receitas dos impostos locais são inferiores a 10% das receitas fiscais do
Estado, sendo que na Grécia (2,1%) e Irlanda (2,8%) os valores são
particularmente baixos.

No que diz respeito à escolha dos impostos locais exclusivos nos vários
países, esta é determinada pelos habituais critérios: equidade; facilidade de
colecta; eficiência; elasticidade; visibilidade e imobilidade da base do
imposto. Alguns destes critérios (imobilidade da base de imposto; visibilidade
do imposto em relação às competências) são particularmente importantes no
caso das autarquias. Diferenças significativas nos tipos de impostos
utilizados ou nas taxas utilizadas para um mesmo imposto poderiam ocasionar
fenómenos de evasão fiscal e de «migração» das actividades económica ou da
população residente.
Quadro 5.5.
RECEITAS DOS IMPOSTOS LOCAIS EXCLUSIVOS EM PERCENTAGEM
DO TOTAL DAS RECEITAS FISCAIS DO ESTADO E DO PIB (1994)
Percentagem das receitas Percentagem do
País
fiscais do Estado (%) PIB (%)
Alemanha 12,6 3,0

Áustria 16,5 4,6

Bélgica 7,8 2,4

Dinamarca 32,0 16,0

Espanha 20,8 4,6

Finlândia 32,8 11,6

França 18,2 4,5

Grécia 2,1 0,6

Holanda 4,4 1,2

Irlanda 2,8 0,9

Itália 7,1 2,0

Luxemburgo 8,0 2,6

Portugal 7,3 1,8

Reino Unido 5,0 1,4

Suécia 46,4 17,3


Fonte: Conselho da Europa (1998)

Como é indicado nos Quadros 5.6. e 5.7., os principais impostos utilizados


pelos municípios e, mais geralmente, pelas autarquias locais na Europa são os
impostos sobre as propriedades imobiliárias (incluindo as transacções sobre
estas propriedades) e o imposto sobre o rendimento (essencialmente dos
particulares).
Figura 5.2
RECEITAS DOS IMPOSTOS LOCAIS EXCLUSIVOS EM PERCENTAGEM
DO TOTAL DAS RECEITAS FISCAIS DO ESTADO
Quadro 5.6.
OS PRINCIPAIS IMPOSTOS LOCAIS EXCLUSIVOS
Imposto
Impostos Imposto
sobre Impostos sobre Imposto sobre a
País sobre o sobre o
propriedade o rendimento massa salarial
rendimento 2 consumo
imobiliária 1
Alemanha ❑ ❑ ❑

Áustria ■ ■ ■

Bélgica O❑ O❑ O❑ O❑ O❑

Dinamarca X ❑ ❑

Espanha X X X

Finlândia X ❑ ❑ ■

França X X

Grécia ■ ■

Holanda O❑

Irlanda ❑

Itália ❑ ❑ ❑

Luxemburgo X X X

Portugal X

Reino Unido O❑

Suécia ❑ ❑

Fonte: Conselho da Europa (1997)

■ - Taxa fixada pelo Estado/região


❑ - O município pode fixar livremente a taxa

X - O município pode fixar a taxa dentro de certos limites


o - Imposto não obrigatório

1 Inclui impostos sobre transacções de propriedades.


2 E sobre os lucros (Luxemburgo).
Quadro 5.7.
COMPOSIÇÃO DAS RECEITAS FISCAIS
DAS AUTARQUIAS LOCAIS 1 EM PERCENTAGEM (1994)
Imposto sobre Imposto
Imposto sobre o
País prop. sobre o Outros
rendimento 2
Imobiliária consumo
Alemanha 80,4 18,5 0,8 0,3
Áustria 33,8 10,0 34,1 22,1
Bélgica 77,6 - 22,4 -
Dinamarca 92,8 7,1 0,1 -
Espanha 15,0 39,1 42,2 3,7
Finlândia 95,1 4,8 0,1 -
França 14,6 35,0 11,5 38,9
Grécia - 48,3 - 51,7
Holanda - 66,9 33,0 0,1
Irlanda - 100,0 - -
Itália 23,9 42,1 34,0 -
Luxemburgo 92,8 6,7 0,5 -
Portugal - 40,5 - 59,5
Reino Unido - 95,6 - 4,4
Suécia 99,6 - 0,4 -
Fonte_ Conselho da Europa (1998)

1 Municípios, autarquias intermédias e regiões (excepto Estados federais).


2 Inclui imposto sobre lucros.

O imposto sobre a propriedade imobiliária é principalmente utilizado . na


Irlanda, Reino Unido e, com um grau de importância relativa inferior, na
Holanda. Trata-se de um imposto globalmente pouco elástico e cuja base é
pouco dinâmica (salvo em zonas de rápida expansão urbana). Não espanta,
pois que os países que o utilizam em quase exclusividade sejam, sem
excepção, aqueles onde a importância das receitas fiscais locais é
particularmente baixa.

Ao contrário, o imposto local sobre o rendimento aparece associado aos


países onde as receitas fiscais constituem a fonte privilegiada das finanças
locais (mais de 90% na Dinamarca, Finlândia, Luxemburgo e Suécia).

Na grande maioria dos países, as autarquias locais não determinam as


isenções de impostos e são, em princípio, compensadas pelas isenções
decididas pelos órgãos legislativos a nível superior. Uma excepção notória a
esta regra é a Bélgica, onde a existência de impostos locais não se reveste de
um carácter obrigatório.

Igualmente, na maioria dos países e para a maioria dos impostos, as taxas


estão sujeitas a enquadramento pelas entidades superiores. Tal não é, porém,
o caso dos impostos sobre o rendimento nos países nórdicos e dos impostos
sobre a propriedade imobiliária no caso dos países anglo-saxões. Na Irlanda a
possibilidade de fixação de limites superiores para os impostos sobre a
propriedade imobiliária existe desde 1978, mas não é aplicada de 1982 a esta
parte. No caso do Reino Unido, igualmente para este tipo de impostos, a
fixação pelo governo central de limites superiores muito estritos nos anos 80
(rate-capping) esteve na base de importantes conflitos e conduziu à queda do
último governo presidido pela Senhora Thatcher.

5.3. TRANSFERÊNCIAS E PEREQUAÇÃO FINANCEIRA

Como vimos anteriormente (Quadro 5.2.), as transferências representam, na


maior parte dos países, uma parte significativa dos recursos financeiros das
autarquias locais.
Dos vários tipos de transferências, os subsídios (receitas consignadas a fins
específicos) são geralmente considerados como tendo um impacto negativo
sobre a autonomia local. É neste sentido que deve ser entendida, por
exemplo, a proibição genérica de subsídios ou comparticipações financeiras
públicas às autarquias, excepto em condições especiais fixadas na própria lei
(por exemplo, calamidade pública, autarquias afectadas por investimentos da
Administração Central, etc.), estabelecida na lei das finanças locais
portuguesa (art. 10º da Lei nº 1/87).

Todavia, existem três tipos de situações em que os subsídios se justificam


plenamente: para o financiamento de competências que as autarquias locais
exercem por delegação da Administração Central ou por conta de outras
autarquias; para promover serviços ou investimentos em que os benefícios se
estendem significativamente para além dos limites territoriais da autarquia;
para cobrir uma parte dos custos inerentes à prestação de serviços sujeitos
a normas técnicas ou objectivos específicos fixados pela Administração
Central.
Fora destes casos, é evidente que a utilização de outros tipos de
transferências (dotações e participação em impostos) se afigura como uma
solução mais respeitadora dos princípios-base da autonomia local. Assim
sendo, é encorajante constatar (ver Quadro 5.3.) que em apenas quatro dos
quinze países da União Europeia os subsídios representam uma parte
significativa dos recursos financeiros dos municípios.
Antes de passar a uma análise mais pormenorizada das dotações e dos
mecanismos de perequação financeira, convém notar que, em anos recentes, o
desenvolvimento da Política Regional da Comunidade Europeia e dos sistemas
de Contratos-Programa entre um ou mais níveis de autarquias locais e a
Administração Central para a realização de projectos de investimento se
traduz, na prática, num reforço da capacidade da Administração Central para
influenciar as decisões de investimento das autarquias locais. Tal é o caso,
em particular, nos países (por exemplo, Grécia e Portugal) onde as
participações do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)
representam uma parte significativa das despesas de investimento das
autarquias locais.

Na maior parte dos países, a participação das autarquias nas receitas dos
impostos do Estado e as dotações constituem o essencial das transferências
financeiras para as autarquias locais. Nos Estados federais são geralmente
as «regiões» (Estados federados) que asseguram o essencial das
transferências. Nos Estados unitários e, em grande medida, nos Estados
regionais, a Administração Central está na origem da maior parte das
transferências.

As dotações e, em certa medida, as participações nos impostos fixados a


outros níveis, permitem corrigir dois tipos de desequilíbrios. O primeiro tipo
– desequilíbrios fiscais verticais – corresponde a situações em que as
autarquias de um ou mais níveis constatam que a utilização de taxas de
impostos locais «aceitáveis» não lhes permite garantir níveis «aceitáveis»
dos serviços pelos quais são responsáveis.

O segundo tipo – desequilíbrios fiscais horizontais – ocorre quando duas ou


mais autarquias de um mesmo nível constatam que, para fornecer níveis de
serviços idênticos, teriam que utilizar taxas de imposição significativamente
diferentes.
Este segundo tipo de desequilíbrios pode resultar de três tipos de factores:
a) diferenças nas necessidades de despesa: para competências idênticas
nos domínios do Ensino Pré-primário, uma autarquia que possui na sua
área de jurisdição uma percentagem de crianças relativamente elevada
terá mais necessidades de despesas que uma outra onde aquela
percentagem é inferior;
b) diferenças nos custos unitários dos serviços: para competências
idênticas no domínio da manutenção da rede viária, uma autarquia em
zona de montanha terá custos unitários superiores a uma autarquia em
zona de planície;
c) diferenças de capacidade fiscal: para taxas de imposição idênticas,
uma autarquia numa zona de elevados rendimentos ou onde os valores
imobiliários são altos recolherá mais receitas do que uma autarquia onde
aqueles valores são inferiores.

Enquanto os serviços são fornecidos pelo Estado, as diferenças das


necessidades de despesa, dos custos ou dos potenciais fiscais não são claras.
À medida que as competências são descentralizadas, estas diferenças
tornam-se evidentes e, na ausência de mecanismos de correcção, podem
exacerbar desequilíbrios socioeconómicos preexistentes. O estabelecimento
de mecanismos de perequação financeira para autarquias de um mesmo nível
é, por esta razão, uma medida essencial de acompanhamento dos processos
de descentralização. Quanto mais importantes forem os desequilíbrios
espaciais socioeconómicos no interior de um país mais fortes e robustos
devem ser os mecanismos de perequação financeiros.

Na Carta Europeia de Autonomia Local este imperativo é expresso no


parágrafo 5 do artigo 9º:

«A protecção das autarquias locais financeiramente mais fracas exige a


implementação de processos de perequação financeira ou de medidas
equivalentes destinadas a corrigir os efeitos da repartição desigual das
fontes potenciais de financiamento, bem como dos encargos que lhes
incumbem. Tais processos ou medidas não devem reduzir a liberdade de
opção das autarquias locais no seu próprio domínio de responsabilidade.»

Enquanto os desequilíbrios fiscais verticais podem ser corrigidos através de


dotações ou de participações nos impostos a outros níveis (a Áustria, a
Grécia e o Luxemburgo utilizam este último método para cobrir cerca de um
quarto das despesas das autarquias locais), a correcção dos desequilíbrios
financeiros horizontais requer a utilização de dotações ou mecanismos de
perequação adaptados a cada situação.

No passado não muito longínquo, em certos países, a repartição das dotações


entre autarquias fazia-se muitas vezes com base em critérios discricionários
que favoreciam o clientelismo. Hoje em dia, a existência de critérios
objectivos é a regra utilizada em todos os países da União Europeia.

A evolução do volume global das transferências é hoje igualmente


determinada quer por critérios objectivos (por exemplo, indexação com base
nas receitas da TVA ou com base no PIB), quer através de negociações entre
o governo e as associações representativas das autarquias locais (por
exemplo, trienalmente na França). De uma forma geral, pode dizer-se que as
disposições do parágrafo 6 do artigo 99 da Carta Europeia são respeitadas, a
saber:

«As autarquias locais devem ser consultadas, de maneira adequada, sobre as


modalidades de atribuição dos recursos que lhes são redistribuídos.»

Na maior parte dos países onde as dotações têm algum peso no conjunto dos
recursos financeiros das autarquias, elas visam corrigir quer os
desequilíbrios financeiros verticais quer os horizontais. Na maior parte dos
casos em que aquele peso específico é relativamente pequeno, dotações de
perequação horizontal são claramente identificadas (por exemplo, Dinamarca,
Itália, Suécia), enquanto que nos outros o objectivo de correcção dos
desequilíbrios horizontais é suposto influenciar a fórmula de repartição da
dotação global.

É evidente que quando a dimensão de perequação horizontal não é claramente


identificada não se deve assumir que a dotação serve para diminuir os
desequilíbrios horizontais. Na Espanha, por exemplo, a dotação «participação
nas receitas do Estado», que corresponde a cerca de 99% da dotação do
Estado aos municípios, em nada contribui para a diminuição dos desequilíbrios
horizontais, já que 70% das verbas são distribuídas em função directa da
população (com uma ponderação que privilegia os maiores municípios); 5% são
distribuídas em função directa do número de estabelecimentos de 19 e 29
Ciclos do Ensino Básico; 25% em função directa das receitas fiscais. No caso
português, depois da publicação da Lei nº 2/92, 40% do Fundo de Equilíbrio
Financeiro é distribuído em função directa do número de habitantes e do
número médio de pernoitas nos estabelecimentos hoteleiros e nos parques de
campismo e 15% é atribuído igualmente por todos os municípios. Se este
facto contribui, sem dúvida, para a redução dos desequilíbrios fiscais
verticais é irrelevante para a diminuição dos desequilíbrios horizontais.

Para que as dotações permitam corrigir eficazmente os desequilíbrios


horizontais é necessário que elas comportem directamente as diferenças de
custos unitários, de capacidade fiscal e de necessidade de despesa.

Começando por este último tipo de diferenças, é evidente que estas não
podem ser calculadas em abstracto; elas estão associadas às competências
das autarquias. Quanto mais extensas forem as competências, mais complexa
terá que ser a fórmula de repartição. Por exemplo, na Holanda, o sistema de
cálculo de repartição do «Fundo dos Municípios» que entrou em vigor em
1997 inclui mais de 40 variáveis com ponderações que vão de 22,5% (número
de habitantes) a 0,1% (superfície inundável) e introduz novas variáveis tais
como a presença de minorias étnicas (2,5%) e o número de povoações antes
de 1830 (1%).

Na Dinamarca, 16 variáveis são utilizadas na fórmula de repartição das


dotações aos municípios em função das necessidades de despesa. Por sua vez,
a fórmula equivalente de repartição das dotações às autarquias intermédias
(condados) contém apenas sete variáveis e a ponderação adicionada das
despesas hospitalares e médicas em função da importância relativa dos
diferentes grupos etários corresponde a 51,3% do total, o que é
compreensível uma vez que as principais competências destas autarquias
dizem respeito ao sistema médico e hospitalar.

No que diz respeito à perequação da capacidade fiscal, o novo sistema


introduzido na Suécia, a partir de 1996, é certamente o mais radical já que,
após redistribuição, as receitas fiscais por habitante variam entre 98 e 101%
da média nacional. Para obter este resultado, a base de imposto de cada
autarquia é multiplicado por uma taxa de imposto estabelecida pelo governo.
As autarquias cuja receita ultrapassa a média nacional contribuem para um
fundo de perequação das receitas fiscais que é, em seguida, redistribuído aos
municípios em que a receita fiscal por habitante é inferior à média nacional. É
evidente que a exequibildade deste sistema depende do facto de, na Suécia,
99,6% das receitas fiscais locais provirem do imposto sobre o rendimento.

Enfim, o sistema utilizado na Inglaterra para a repartição da dotação global


de funcionamento das autarquias (Revenue Support Grant) visa, em
simultâneo, a redução dos desequilíbrios das necessidades de despesa e das
capacidades fiscais. Cada ano, a Administração Central fixa as necessidades
de despesa (Standard SpendingAssessment) de cada autarquia em função de
critérios demográficos, geográficos e sociais. Em seguida, a dotação global é
repartida entre todas as autarquias de maneira a que, se as despesas
corresponderem ao SSA, a taxa do imposto sobre a propriedade imobiliária
(principal imposto local) será idêntica em todas as autarquias (abstracção
feita da variação das receitas do imposto sobre as propriedades imobiliárias
de carácter comercial).

Do que atrás fica exposto poder-se-ia inferir que a perequação financeira


implica necessariamente a intervenção de um nível de administração superior
àquele onde existem os desequilíbrios horizontais. Tal não é, porém, o caso.
Na Alemanha - entre os Estados federados e entre os municípios de cada
Estado -, na Dinamarca e na Suécia, como vimos anteriormente, a perequação
horizontal é conseguida através de mecanismos que transferem recursos das
autarquias mais favorecidas às menos favorecidas. Este tipo de perequação
requer, contudo, um grau relativamente uniforme de desenvolvimento
socioeconómico e de consenso político em torno da solidariedade territorial.
Na Alemanha, a perequação horizontal entre Estados federados teve que ser
atenuada na sequência da reunificação da última década. Por sua vez, o
sistema sueco teve que ser alterado na sequência de uma decisão do Tribunal
Supremo em 1995 que declarou inconstitucional o método de transferência
directa de recursos entre municípios. O novo sistema de perequação da
capacidade fiscal, descrito acima, funciona essencialmente como um sistema
de perequação horizontal, mas todas as verbas transitam pela Administração
Central.
5.4. EMPRÉSTIMOS DAS AUTARQUIAS

O parágrafo 8 do artigo 9° da Carta Europeia da Autarquia Local prescreve


que:

«A fim de financiar as suas próprias despesas de investimento, as autarquias


locais devem ter acesso, nos termos da lei, ao mercado nacional de capitais.»

Embora, na maior parte dos países, as autarquias sejam autorizadas a


contratar empréstimos a curto prazo com vista a equilibrar a tesouraria ou
acorrer a despesas correntes de carácter excepcional e possam utilizar
empréstimos a médio prazo com o objectivo de saneamento financeiro, o
essencial dos empréstimos contratados pelas autarquias destina-se ao
financiamento de investimentos. Na verdade, em muitos países o recurso a
empréstimos para financiar despesas de funcionamento é expressamente
proibido.

Raros são os países onde o recurso ao crédito é totalmente livre (Finlândia,


França e Suécia - ver Quadro 5.8.). Em certos países, o acesso ao mercado de
capitais é livre abaixo de montantes preestabelecidos (Luxemburgo) ou de
valores limiares máximos do serviço de dívida (Dinamarca e Espanha) e
requer a aprovação da entidade da tutela, em caso contrário. Na Holanda e na
Itália os empréstimos não estão sujeitos a aprovação prévia, mas devem
respeitar um conjunto de condições muito pormenorizado, estabelecido por
via legislativa. Nos restantes países o recurso ao crédito requer aprovação
quer caso a caso quer em termos do montante anual inscrito no orçamento
das autarquias (Alemanha).

Até há poucos anos atrás, as autarquias locais de um certo número de países


eram obrigadas a contrair os seus empréstimos junto de instituições de
crédito específicas. Embora hoje em dia essa limitação legal tenha
desaparecido, instituições como o Crédit Commercial de Belgique, o Crédit
Local de France, a Caixa Geral de Depósitos, em Portugal, e o Public Works
Loan Board, no Reino Unido, dominam esmagadoramente o mercado de
empréstimos às autarquias locais nos países respectivos.

Em muitos dos países onde a contracção de empréstimos pelas autarquias


está sujeita à aprovação prévia, ou é regulamentada de maneira
pormenorizada na lei, existem limites legais ao endividamento. Noutros
países, a capacidade das autarquias para cobrir os encargos com
amortizações e juros são factores decisivos para a autorização dos
empréstimos. Na Inglaterra, por exemplo, o governo fixa anualmente o
montante máximo dos empréstimos que cada autarquia pode contrair. Na
Dinamarca, as autarquias intermédias não podem contrair empréstimos que
excedam 25% das despesas anuais de investimento. Em Portugal, os serviços
de dívida não podem exceder (salvo excepções estipuladas na lei) o maior dos
limites do valor correspondente, seja a 25% do montante que recebem do
Fundo de Equilíbrio Financeiro, seja a 20% das despesas de investimento
realizado no ano anterior

Quadro 5.8.
EMPRÉSTIMOS A MÉDIO E LONGO PRAZO
DAS AUTARQUIAS LOCAIS: ALGUNS CRITÉRIOS
Contratação de Limite legal de Empréstimos em divisas
País
empréstimos endividamento estrangeiras
Alemanha Requer aprovação Sim Requer aprovação

Áustria “ Não “

Bélgica “ Não “
Livre abaixo de certos
Dinamarca Sim Livre
limiares
Espanha “ Não Requer aprovação

Finlândia Livre Não Livre

França “ Não “

Grécia Requer aprovação Não Requer aprovação


Holanda Regulamentada Não Proibida
Irlanda Requer aprovação Não “

Itália Regulamentada Sim n.d.1


Livre abaixo de certos
Luxemburgo Não Não utilizados
limiares
Portugal Requer aprovação Sim Proibida

Reino Unido Requer aprovação Sim Requer aprovação

Suécia Livre Não Livre

1 Não disponível
Na Itália, na sequência de uma crise da fiscalidade local nos anos 80 que
levou a que em muitas autarquias os empréstimos representassem cerca de
dois terços das receitas totais, a Administração Central foi obrigada a
assumir uma grande parte das dívidas dos municípios. Na sequência desta
crise, uma série de decretos-leis veio regulamentar pormenorizadamente a
gestão financeira municipal e foram estabelecidos limites legais de
endividamento em função do total das receitas municipais. Na Bélgica,
igualmente nos anos 80, o excessivo endividamento de vários municípios
conduziu a situações de ruptura financeira. Em paralelo com a introdução de
programas de reequilíbrio financeiro para certos municípios, as entidades de
tutela adoptaram critérios muito mais restritivos para a aprovação de
empréstimos.

A situação legal, no que diz respeito à possibilidade dos municípios


contraírem empréstimos em moeda estrangeira, é bastante diferenciada. Em
certos países (Holanda, Irlanda e Portugal) existe uma proibição, enquanto
outros (Dinamarca, Finlândia, França, Suécia) não estabelecem qualquer
diferença entre os empréstimos na moeda nacional ou noutra. Convém
acrescentar, contudo, que mesmo onde a possibilidade existe ela é raramente
utilizada. Para os países da «zona Euro» a situação alterou-se
significativamente com a introdução da moeda única.

Enfim, os critérios de convergência associados à introdução do Euro colocam,


em alguns países, limitações de natureza macroeconómica aos empréstimos às
autarquias. Na verdade, dado que as despesas de investimento das autarquias
representam percentagens bastante elevadas das despesas de investimento
do Estado, o seu aumento, através de empréstimos, poderia levar a
ultrapassar os limiares de endividamento do Estado.

Não surpreende, pois, que os empréstimos às autarquias sejam, hoje em dia,


objecto de mecanismos de negociações entre a Administração Central e as
autarquias locais de vários países (Alemanha, Áustria e Dinamarca).
6. ORGANIZAÇÃO INTERNA E RECURSOS HUMANOS DAS
AUTARQUIAS LOCAIS

Os representantes eleitos e o pessoal constituem os recursos humanos das


autarquias locais. É evidente que a melhor ou pior qualificação destes
recursos, de um ponto de vista político e profissional respectivamente, e as
condições que lhes são proporcionadas para exercerem as suas missões
influenciam consideravelmente o funcionamento das autarquias locais.

Para além destes recursos, a existência de um ou mais órgãos e a articulação


entre eles são igualmente elementos importantes para analisar e avaliar as
características das autarquias.

6.1. OS ÓRGÃOS DAS AUTARQUIAS LOCAIS

O ÓRGÃO DELIBERATIVO

A existência de um órgão deliberativo eleito é um traço comum ao conjunto


das autarquias locais dos países da União Europeia. Apenas na Espanha, nos
municípios com menos de 100 habitantes (obrigatoriamente) ou com população
compreendida entre 100-250 habitantes (facultativamente), o órgão
deliberativo representativo cede lugar à assembleia dos residentes que
exercem colectiva e directamente as competências do órgão deliberativo.

As competências genéricas dos órgãos deliberativos incluem, na maioria dos


países, a aprovação das políticas municipais e seus instrumentos (planos de
actividade, orçamentos, regulamentos, taxas dos impostos locais, quadros de
pessoal, etc.), o acompanhamento e controlo do órgão executivo e a
autorização para a prática de certos actos do órgão executivo (contratação
de empréstimos, criação de empresas municipais, alienação de bens imóveis,
etc.).
O número de membros dos órgãos deliberativos varia geralmente com a
dimensão da autarquia (ver Quadro 6.1.). A composição é fixada, na maioria
dos casos, em legislação específica e, em alguns países, pelo próprio órgão
deliberativo (Dinamarca e Reino Unido). Num certo número de países, os
órgãos deliberativos dos grandes municípios possuem um número de membros
específico.
Quadro 6.1.
A ORGANIZAÇÃO INTERNA DAS AUTARQUIAS LOCAIS
Órgão deliberativo (o.d.) Órgão executivo
País Forma de Número de Forma de Número de
Chefe do executivo
eleição membros designação membros
Alemanha (1) (1) (l) (1) (2)
Áustria Proporcional 9-37(I) Eleito pelo o. d. 3-12 (I) (3)
Idem 5-55 (I) Idem 1+2-10 (I) Nomeado pela
Bélgica Coroa (I+II)
“ 47-84 (II) “ 1+6 (II)
“ 75-118 (III) “ 1+4-11 (III) Eleito pelo o.d.
Comissões eleitas
Dinamarca “ 9-31 5-7 Idem
pelo o.d.
Eleito pelo o.d. (I)
(II) 1+<1/3o.d.(I) Varia em função da
Espanha “ 5-25 (I) Nomeado pelo (II) população (I) eleito
Chefe do 1+2-10 (III) pelo o.d. (II+III)
executivo (III)
Fiulàndia “ 17-85 Eleito pelo o.d n.d. Eleito pelo o.d.
Maioritário (I) 9-69(I) Idem 1 (I)
França Idem (II) 15-67 (I) 1 (II)
Proporcional
31-197(III) 1 (III)
(III)
Maioritário (I) 11-41 (I) 1+2-6 (I)
Grécia
(II) 21-37 (II) 1+4-6 (II)
Proporcional 9-45 (I) - 1+2-8 (I) Nomeado pela
Holanda
(I) (II) 39-83(II) 1+3-9(11) Coroa (I)(II)

Idem 9-52 (I) - 1+ o.d. Funcionário eleito


Irlanda
20-48(II) - 1*o.d. por 7anos
Maioritário (I) 12-60 (I) Nomeado pelo l+2-6 (I) Eleito directamente
chefe do executivo
Idem (II) 24-45(II) l+<1/4o.d. (I)(II)
Itália (I) (II)
Proporcional Eleito pelo o.d.
30-80 (III) n,d. Eleito pelo o.d. (III)
(III) (III)
Maioritário ou Nomeado pela Nomeado pela coroa
Luxemburgo 727 16
proporcional coroa ou governo ou governo
2n+ 1 (n- Eleito
Portugal Proporcional 5-17 Eleito directamente
freguesias) directamente

Reino Unido Maioritário 40-147 - (o.d.) - (o.d.) -

Suécia Proporcional 31-71 Eleita pelo o.d. - Eleito pelo o.d.


Fonte Conselho da Europa

(I) Municípios; (II) Autarquias intermédias; (III) Regiões.


(1) Os sistemas eleitorais e o número de membros dos órgãos varia de Estado para Estado.
(2) Na maior parte dos Estados os chefes dos executivos municipais e das autarquias intermédias são eleitos
directamente.
(3) Eleições directas em cinco Estados.
Assim, em Espanha, onde o número de conselheiros municipais varia, em geral,
de 2 a 25, os municípios com mais de 100 000 habitantes adicionam dois
conselheiros por cada 200 000 habitantes suplementares. Na França, os
municípios de Lião (73), Marselha (101) e Paris (163) excedem o número de
conselheiros municipais regulamentarmente estabelecido (69). Situação
idêntica se verifica na Suécia onde o órgão deliberativo de Estocolmo possui
101 conselheiros municipais contra um máximo de 71 nos restantes municípios.

Na maioria dos países, e aos diversos níveis, os órgãos deliberativos são


eleitos através de sistemas de base proporcional. O método de D'Hondt é de
longe o mais utilizado (por exemplo, Áustria, França (em parte), Itália,
Portugal, Espanha), mas outros métodos (Imperiali - Bélgica; St. Lagüe -
Suécia; Droop - Irlanda) são igualmente utilizados. A Grécia e o Reino Unido
(«first past the post») utilizam escrutínios de maioria relativa; na Grécia a
lista mais votada recolhe automaticamente três quintos dos mandatos, sendo
os dois quintos restantes repartidos entre as outras listas segundo um
rnétodo proporcional.

Na França, na Espanha e na Itália, os órgãos deliberativos regionais são


eleitos através do método de D'Hondt, mas são utilizadas diferentes
soluções para a eleição dos órgãos deliberativos dos municípios e das
autarquias intermédias. Na Itália, nos municípios em que a população é
inferior a 15 000 habitantes, dois terços dos mandatos são atribuídos à lista
maioritária, sendo os restantes repartidos pelas outras listas segundo o
método de D'Hondt. Nos municípios em que a população é superior a 15 000
habitantes, a lista ou coligação de listas que, na primeira ou segunda volta
recolham mais de 50% dos sufrágios, recebe 60% dos mandatos. Ao nível das
autarquias intermédias, o sistema é similar ao utilizado para os municípios
com mais de 15 000 habitantes. Na França, nos municípios com menos de
3500 habitantes, a lista que obtém a maioria absoluta à primeira volta, ou
maioria relativa à segunda volta, recebe todos os mandatos. Nos municípios
com mais de 3500 habitantes as listas em situações similares recolhem
metade dos mandatos, sendo os restantes repartidos, segundo o método de
D'Hondt, por todas as listas que receberam mais de 5% dos sufrágios
(incluindo a lista majoritária). As eleições para os órgãos deliberativos das
autarquias intermédias são realizadas com base em círculos eleitorais uni-
nominais (cantoras), através de um escrutínio majoritário a duas voltas
(maioria absoluta na primeira volta e maioria relativa na segunda volta).
A utilização de um único círculo eleitoral para as eleições municipais é regra
na maioria dos países, independentemente do sistema eleitoral, excepto na
Áustria, Irlanda, Reino Unido e Suécia. Na Irlanda e no Reino Unido são
sistematicamente utilizados vários círculos eleitorais, e nos outros dois
países este sistema aplica-se quando o número de votantes excede um certo
limite (Áustria - 1000; Suécia - 6000).

ÓRGÃO EXECUTIVO

Se uma certa uniformidade existe ao nível dos órgãos deliberativos, uma


enorme diversidade prevalece no que diz respeito à composição, forma de
eleição e chefia dos órgãos executivos.

As competências genéricas dos órgãos executivos incluem, na maior parte dos


países, a elaboração e execução das políticas autárquicas sujeitas à decisão
dos órgãos deliberativos (plano de actividades, orçamento, obras e serviços
públicos, etc.), bem como a organização e funcionamento interno das
autarquias (gestão do pessoal e do património, administração e gestão
corrente, etc.).

Para além disso, em certos países, os chefes dos órgãos executivos de um ou


mais níveis de autarquias exercem funções por conta do Estado (Alemanha,
Áustria, França, Holanda, Itália e Luxemburgo). Por exemplo, em Itália, os
chefes dos executivos dos municípios agem na qualidade de representantes
do Estado nos domínios de polícia, ordem e segurança públicas, saúde e
higiene públicas, estado civil, recenseamentos eleitorais e recolha de
estatísticas. No exercício das funções que lhes são conferidas pela lei, ou
delegadas pelo Estado, nestas matérias os chefes dos executivos municipais
(sindico) têm autoridade sobre os serviços periféricos do Estado e são
responsáveis perante a autoridade de tutela e não perante o órgão
deliberativo do município.

Na Holanda, na Espanha (ao nível dos municípios e autarquias intermédias) e


em certos Estados da Alemanha, o chefe do executivo preside o órgão
deliberativo, mas, no primeiro destes países, sem direito a voto ao nível
municipal e com direito a voto (por vezes de qualidade) ao nível das
autarquias intermédias. Na Alemanha, na maior parte dos Estados, os chefes
dos executivos dos municípios (que exercem funções a tempo inteiro) e das
autarquias intermédias são, ao mesmo tempo, chefes dos serviços
administrativos e nomeados funcionários públicos a título temporário. Os
chefes dos executivos dos pequenos municípios que exercem funções não
remuneradas são nomeados funcionários públicos honorários.

No que diz respeito à composição do órgão executivo, a regra é a existência


de um órgão colegial cuja forma de designação e chefia é variável de país
para país e cujo número de membros é variável com a dimensão do órgão
deliberativo. Dois tipos de excepções devem, contudo, ser assinaladas. Na
França, o chefe do órgão executivo, aos três níveis autárquicos, concentra na
sua pessoa todos os poderes executivos: Todavia, ele (a) pode delegar, sob a
sua autoridade e controlo, uma parte das suas competências em adjuntos
(eleitos, para o efeito, pelo órgão deliberativo) ou mesmo, em caso de
necessidade, em outros membros do órgão deliberativo. Na Espanha a
situação é similar ao nível dos municípios e autarquias intermédias. No
extremo oposto, na Irlanda e no Reino Unido, não existem órgãos executivos
das autarquias (excepto para a área metropolitana de Londres e para as
«regiões» da Escócia e País de Gales) e é o próprio órgão deliberativo que é
investido de poderes executivos segundo mecanismos próprios que serão
descritos de forma sumária mais adiante.
O modo de designação do órgão executivo e da sua chefia varia de país para
país e no interior de certos países, em função do nível de autarquia
considerado ou da sua dimensão.

No que diz respeito ao órgão executivo no seu conjunto, convém distinguir


cinco tipos de situações:

a) eleição directa pela população: Portugal é o único país onde tal acontece;
b) eleição pelo órgão deliberativo: esta solução é a adoptada na Áustria, na
Bélgica, nos quatro principais municípios da Dinamarca (Copenhaga,
Aarhus, Aalborg e Odense), na Espanha (ao nível municipal e das
autarquias intermédias), na Finlândia, na França, na Grécia, na Holanda e
na Itália (ao nível regional). Na Bélgica (ao nível regional) e na Holanda
(aos dois níveis), os membros dos órgãos executivos podem não ser
membros dos órgãos deliberativos;
c) comissões executivas eleitas pelos órgãos deliberativos: esta é a
situação existente na Dinamarca (excepto nos quatro municípios acima
referenciados) e na Suécia (os membros podem ser escolhidos fora dos
órgãos deliberativos). Esta situação diferencia-se da anterior na medida
em que, no seio do órgão deliberativo, existem outras comissões com
poderes executivos limitados e sujeitos à autoridade geral da comissão
executiva;
d) nomeação pelo chefe do executivo – na Espanha (ao nível regional) e na
Itália (ao nível dos municípios e das autarquias intermédias): os membros
dos órgãos executivos são nomeados (e podem ser destituídos) pelo
chefe do órgão executivo (livremente no caso das regiões espanholas).
Nas regiões espanholas e nas autarquias intermédias italianas, os
membros dos órgãos executivos podem não ser membros dos órgãos
deliberativos;
e) no Luxemburgo, os órgãos executivos (chefia e outros membros) são
nomeados pelo Grão-Duque ou pelo Ministério do Interior após consulta
dos órgãos deliberativos.

Passando agora a analisar o modo de designação da chefia do órgão executivo,


três situações coexistem:

a) eleição directa pela população: tal é a situação, hoje em dia, na Ale-


manha (para a maioria dos municípios), na Áustria (para os órgãos
executivos dos municípios em cinco dos nove Estados), na Espanha (nos
municípios onde não existe órgão deliberativo), na Itália (para os
municípios e autarquias intermédias) e em Portugal;
b) eleição pelo órgão deliberativo: na Alemanha, na Áustria e na Espanha
(exceptuando os casos assinalados), na Bélgica (regiões), na Dinamarca,
na Finlândia, na França, na Grécia, na Itália (regiões) e na Suécia;
c) nomeação pela coroa ou pelo governo: na Bélgica (para os municípios e
autarquias intermédias), na Holanda e no Luxemburgo; em todos estes
casos os órgãos deliberativos são consultados antes da designação se
efectuar. Na Holanda, os chefes dos executivos autárquicos são muitas
vezes funcionários do Ministério do Interior.

Na Irlanda e no Reino Unido não existem órgãos executivos claramente


identificados. Na Irlanda, os membros dos órgãos deliberativos partilham o
poder executivo com um manager, funcionário das autarquias intermédias ou
das grandes cidades. Na prática, as funções executivas estão concentradas
nos managers que são nomeados pelos órgãos deliberativos por períodos de
sete anos e cujos mandatos podem ser suspensos por decisão da maioria
qualificada de dois terços desses mesmos órgãos.

Na Inglaterra (com a excepção já mencionada da área metropolitana de


Londres), as funções deliberativas e executivas estão concentradas num
mesmo órgão (Council) que pode delegar parte delas em comités
especializados. Na prática, o chefe do grupo político maioritário no Council,
bem como os Presidentes de certos comités, assumem papéis preponderantes
na condução das políticas autárquicas. O sistema, contudo, carece de
transparência e, por essa razão, o actual governo (Dezembro 2000) pretende
fazer aprovar legislação que estabeleça uma separação clara entre órgãos
deliberativos e executivos. Em princípio, as autarquias poderão optar por um
dos três modelos seguintes: chefe do executivo directamente eleito e outros
membros nomeado por ele; chefe do executivo e outros membros eleitos pelo
órgão deliberativo; chefe do executivo directamente eleito e auxiliado, nas
suas funções executivas, por um manager designado pelo órgão deliberativo.

ORGANIZAÇÃO INTERNA DAS AUTARQUIAS

De uma forma geral, e de acordo com os princípios e espírito de autonomia


local, as autarquias possuem uma grande liberdade para adaptar as
estruturas e regime de funcionamento dos seus órgãos às especificidades
locais. Em alguns países, contudo, algumas regras detalhadas fazem parte da
legislação pertinente.
Na Áustria, a nomeação do director da administração de cada um dos
Estados requer a aprovação da autoridade federal de tutela. Na Dinamarca, o
mandato da comissão de finanças é expressamente definido na lei sobre as
autarquias locais. Na Finlândia, a existência de comités eleitorais e de
comités de auditoria é obrigatória. Enfim, no Reino Unido, a criação de
comités nos domínios da educação e dos serviços sociais é, igualmente,
obrigatória e a legislação impõe que os diferentes grupos políticos
representados no órgão deliberativo estejam representados, nas mesmas
proporções, nos diferentes comités e subcomités.
6.2. OS REPRESENTANTES ELEITOS

O bom funcionamento e sucesso das autarquias locais, como de qualquer outra


instituição política, depende em boa parte da qualidade dos representantes
para elas eleitos.

É indubitável que as autarquias terão tanta mais facilidade de atrair


candidatos de bom calibre quanto o exercício de funções autárquicas for
considerado valorizante, de um ponto de vista social ou político. A percepção
do «valor» dos cargos autárquicos depende de um conjunto de factores
complexos, tais como a cultura política dominante (importância atribuída à
democracia local), os sistemas eleitorais e a estruturação dos partidos
políticos, as tradições administrativas, as atribuições, os recursos
financeiros, a organização interna das autarquias, etc. Ocupar um cargo de
chefe do órgão executivo de uma cidade francesa, italiana ou portuguesa de
média dimensão é social e politicamente mais valorizante que ocupar um cargo
de chefe do executivo de uma cidade sueca ou dinamarquesa do mesmo
tamanho. Enquanto que na França, em 1987, 53% dos postos do governo
central eram ocupados por políticos que tinham ocupado - ou continuavam a
ocupar - cargos autárquicos, no Reino Unido a percentagem homóloga era de
14%. Enquanto em Espanha, Itália, França e Portugal os chefes dos
executivos autárquicos são, geralmente, figuras de proa dos partidos
políticos respectivos, nos países anglo-saxões existe uma clara dualidade
entre os sistemas políticos nacional e local.

É impossível, no âmbito deste trabalho, analisar em pormenor os vários


factores que explicam esta situação. É evidente, contudo, que a remuneração
dos representantes eleitos, a facilidade de conjugar os cargos electivos com
outras actividades profissionais, o acesso à informação e a uma formação
profissional específica e o apoio à reintegração profissional dos
representantes eleitos são variáveis que influenciam as decisões individuais
de candidatura aos órgãos autárquicos e o desempenho dos representantes
eleitos.

No seu artigo 7°, a Carta Europeia de Autonomia Local limita-se às


disposições seguintes:
«1. O estatuto dos representantes eleitos localmente deve assegurar o livre
exercício do seu mandato.
2. O estatuto deve permitir uma compensação financeira adequada das
despesas efectuadas no exercício do mandato, bem como, se for caso disso,
uma compensação pelo trabalho executado e ainda a correspondente
protecção social.
3. As funções e actividades incompatíveis com o mandato do representante
eleito localmente não podem ser estabelecidas senão por lei ou por princípios
jurídicos fundamentais.»

No essencial, estas disposições visam garantir que os representantes eleitos


possam exercer de forma adequada o seu mandato e que considerações de
ordem material não impeçam pessoas motivadas e qualificadas de apresentar
as suas candidaturas para os órgãos autárquicos. As secções que se seguem
analisam em algum pormenor o segundo aspecto, mas vale a pena comentar de
maneira breve o primeiro.

Em todos os países as incompatibilidades são regidas por disposições legais


que visam impedir: a acumulação de mandatos de dois órgãos executivos
(Áustria, Bélgica, Espanha, Finlândia e Suécia); a eleição para um órgão
autárquico de um funcionário da administração de tutela (Espanha, Finlândia,
Itália, Luxemburgo) ou da própria autarquia (França, Alemanha, Bélgica,
Dinamarca, Grécia, Irlanda, Itália, Portugal, Reino Unido); os concessionários
de serviços autárquicos (Bélgica, Espanha, Grécia, Itália, Luxemburgo,
Portugal); os magistrados (Bélgica, Espanha, Grécia, Itália, Luxemburgo,
Portugal); os membros das forças de polícia ou militares no activo (Bélgica,
Grécia, Irlanda, Itália, Portugal), etc. Em certos casos, as incompatibilidades
são igualmente motivos de inelegibilidade. Enfim, a título de curiosidade
mencione-se que, na Grécia, os advogados e os professores universitários não
podem exercer simultaneamente um mandato de eleito local e a respectiva
profissão.

REMUNERAÇÃO

Na Alemanha, os representantes eleitos recebem um subsídio de função que


é suposto cobrir todas as despesas gerais (telefones, documentação, etc.)
ligadas ao exercício do cargo; por vezes, este subsídio é pago sob a forma de
senhas de presença às reuniões. Para além disso, as despesas específicas
(viagens, etc.) são reembolsadas e é paga uma compensação por perda de
rendimento quando as obrigações dos cargos se situam necessariamente no
interior do horário normal de trabalho. Os chefes dos executivos municipais
e das autarquias intermédias recebem um salário enquanto funcionários
temporários da autarquia. Os montantes das várias remunerações são fixados
pelas próprias autarquias, em função da população e no quadro de
regulamentação ao nível do Estado.

Na Áustria, os representantes eleitos recebem um subsídio de função que


tem como referência os salários dos funcionários superiores das autarquias,
e que é destinado a compensar as perdas de rendimento e as despesas gerais
inerentes aos cargos. São pagas senhas de presença e os custos associados à
participação efectiva às reuniões são reembolsados. Legislação específica
rege as remunerações dos chefes dos executivos das grandes cidades e dos
deputados e membros dos executivos dos Estados.

Na Bélgica, os membros dos órgãos executivos recebem salários. Os


montantes são fixados pela Coroa (municípios) e pelos órgãos deliberativos
das autarquias intermédias e regionais em função da população das
autarquias.

Por exemplo, os chefes dos executivos dos municípios com mais de 50 001
habitantes e com população entre 30001 – 50 000 habitantes devem exercer
os respectivos cargos a tempo inteiro e a meio tempo, respectivamente. Os
representantes eleitos para os diversos órgãos deliberativos recebem senhas
de presença quando participam nas reuniões. Ao nível das autarquias
intermédias e das regiões, os deputados são reembolsados igualmente dos
custos de transporte.

Na Dinamarca, os membros dos órgãos executivos recebem salários (tempo


integral) das autarquias e os presidentes das comissões são considerados
assalariados a tempo parcial. Os outros representantes eleitos recebem
subsídios de função cujo valor depende da população da autarquia e do
número de comissões de que são membros. Se o exercício de funções
acarreta uma perda de rendimentos, é igualmente paga uma compensação
pecuniária. Enfim, para além de senhas de presença e de ajudas de custo
(transportes) referentes às sessões dos órgãos deliberativos, os membros
com filhos menores recebem subsídios para cobrir os custos de infantário e
creche durante as reuniões autárquicas.

Na Espanha, os tipos de remunerações dos titulares dos cargos autárquicos


são similares às praticadas nos dois países anteriores, com a diferença de
que compete aos órgãos deliberativos fixar a lista de cargos que devem ser
exercidos em regime de actividade exclusiva e que os montantes das diversas
remunerações são fixados pelos órgãos deliberativos sem enquadramento
legal pormenorizado. No que diz respeito aos deputados regionais, o seu
estatuto é adaptado do dos deputados e senadores do Parlamento espanhol.

Na Finlândia, na maior parte dos municípios, os presidentes e vice-


presidentes dos órgãos deliberativos e das principais comissões recebem uma
remuneração permanente suplementar às senhas de presença que são pagas a
todos os membros pela participação nas reuniões dos respectivos órgãos. Eles
têm igualmente direito a compensação por perda de rendimento, a ajudas de
custo de transporte e a subsídios para cobrir as despesas de infantário e
creche aquando das sessões autárquicas. Os montantes das remunerações são
fixados livremente pelas autarquias, mas as compensações e subsídios são
fixados de acordo com recomendações da associação de municípios
finlandesa.

Na França, o conjunto de cargos autárquicos é suposto ser exercido a título


gracioso. Os chefes dos executivos municipais e os seus adjuntos recebem,
contudo, subsídios de função fixados por lei e que variam com a população da
autarquia. Estes subsídios servem igualmente de compensação pela perda de
rendimentos resultante do tempo consagrado aos cargos .autárquicos. Os
representantes eleitos aos níveis intermédios e regionais recebem senhas de
presença e ajudas de custo (transporte e estadia) pela participação nas
sessões autárquicas.

Na Grécia, os chefes e adjuntos dos órgãos executivos dos municípios e os


presidentes dos órgãos deliberativos autárquicos recebem «gratificações de
função», cujos montantes são fixados anualmente pelo Ministério do Interior
em função das receitas das autarquias. São pagas senhas de presença e de
reembolso das despesas resultantes da participação nas sessões autárquicas
a todos os representantes eleitos.
Na Holanda, os cargos de membro dos executivos das autarquias intermédias
e dos municípios com mais de 24 000 habitantes correspondem a empregos a
tempo inteiro e os cargos executivos das outras autarquias são considerados
empregos a meio tempo. Todos estes representantes (e os chefes dos órgãos
executivos em questão) recebem salários cujos montantes são fixados pela
autoridade de tutela. Os outros membros dos órgãos deliberativos recebem
um subsídio de função, ajudas de custo e compensação por perda de
rendimentos, podendo estas últimas ser substituídas, em parte, por senhas
de presença.

Na Irlanda, a grande maioria dos representantes eleitos apenas recebe


subsídios de função (para cobrir despesas de correio, telefónicas e de
representação) e ajudas de custo. As autarquias podem, contudo, pagar
gratificações especiais aos presidentes dos órgãos deliberativos e aos
representantes que ocupam funções honoríficas (Lord Mayor).

Na Itália, os membros dos órgãos executivos dos municípios e das autarquias


intermédias recebem salários cujos montantes são calculados em função da
população residente nas autarquias. Estes salários são duplicados para os
membros que não possuem outro emprego remunerado. Os membros dos
órgãos deliberativos homólogos recebem senhas de presença pela
participação nas reuniões dos órgãos dos comités subordinados, assim como
ajudas de custo de transportes. Os membros dos conselhos regionais
recebem ou um salário (calculado em percentagem dos salários dos
parlamentares italianos) ou senhas de presença e um subsídio para despesas
de viagem. Para além dos salários de conselheiros regionais, os membros dos
executivos regionais recebem subsídios de função suplementares.

No Luxemburgo, as autarquias pagam directamente às entidades patronais


dos representantes eleitos compensações pecuniárias pelas ausências
resultantes do exercício dos cargos autárquicos. Os membros dos executivos
municipais recebem subsídios de função que variam com o número de
membros do órgão deliberativo e cujos valores máximos são fixados pela
autoridade de tutela. Os outros representantes eleitos cobram senhas de
presença.

Em Portugal, os membros dos executivos municipais (a tempo inteiro ou a


meio tempo) têm direito a remunerações mensais cujos valores-base são
fixados por referência ao vencimento atribuído ao Presidente da República,
segundo índices variáveis com a população dos respectivos municípios. Os
outros membros dos executivos municipais e os membros da assembleia
municipal têm direito a senhas de presença por cada reunião do órgão
autárquico a que compareçam, a ajudas de custo e a subsídios de transporte
quando necessários ao exercício dos cargos respectivos.
No Reino Unido, todos os membros dos órgãos deliberativos autárquicos
recebem um subsídio de função fixado pelo próprio órgão dentro de limites
estabelecidos ao nível nacional. Para além disso, as autarquias podem atribuir
senhas de presença e subsídios particulares aos membros que desempenham
funções específicas (presidentes de comité, por exemplo). Ajudas de custo
(transporte e estadia) são igualmente atribuídas.

Enfim, na Suécia os representantes eleitos têm direito a compensação por


perda de rendimentos. Quando o exercício dos cargos (segundo o órgão
deliberativo da autarquia) impõe funções a tempo inteiro ou a meio tempo, o
conjunto das remunerações é equiparado a um vencimento cujo montante é
fixado pela autarquia. Esta pode, igualmente, reembolsar as despesas
associadas ao exercício dos cargos; a maior parte das autarquias paga as
despesas de infantário e creche dos filhos dos representantes eleitos.

Esta breve resenha permite concluir que os tipos de remuneração dos


representantes eleitos estão fortemente relacionados com as características
das autarquias e dos seus órgãos. Existem, contudo, outros aspectos que
resultam de valores e práticas sociais mais largas. Por exemplo, os países
escandinavos (Dinamarca, Finlândia e Suécia) são os únicos que pagam as
despesas de infantário e creche dos filhos dos representantes eleitos. O
facto destes países terem a representação mais equilibrada dos dois sexos
nos órgãos autárquicos favorece e explica, em simultâneo, a existência
daqueles subsídios.

Infelizmente, a brevidade da resenha não permite analisar, com detalhe


mínimo, as situações em que os representantes eleitos acumulam as
remunerações dos cargos autárquicos com gratificações diversas, e por vezes
mais significativas, enquanto representantes das autarquias respectivas nos
conselhos de administração ou direcção de empresas municipais ou
intermunicipais, institutos públicos, etc. Este tipo de situações é
relativamente corrente nos países do Sul da Europa e quase desconhecida nos
países escandinavos, dadas as formas institucionais diversas de gestão dos
serviços públicos locais.

DISPENSA DE ACTIVIDADES PROFISSIONAIS

Poucos são os países da União Europeia (Dinamarca, Grécia, Irlanda e Suécia)


onde a legislação não prevê explicitamente que os representantes eleitos
sejam dispensados das suas actividades profissionais quando tal seja
necessário ao exercício dos seus cargos. Mas mesmo nesses países, as
convenções colectivas dos trabalhadores do sector público (países
escandinavos) e a prática do sector privado permitem geralmente aos
trabalhadores por conta de outrem o exercício dos seus mandatos.

Em outros dois países (Áustria e Finlândia) a lei garante unicamente este


direito aos empregados do sector público.

Nos restantes países a legislação aplica-se quer ao sector público quer ao


sector privado, embora não necessariamente de forma uniforme. Na Bélgica,
por exemplo, as disposições que dizem respeito ao sector público são
bastante mais favoráveis que as correspondentes no sector privado.

Na Espanha e na Holanda, a dispensa é apenas garantida, no que diz respeito


ao tempo indispensável, para assistir às reuniões. Noutros países (Alemanha,
França e Reino Unido) a duração da dispensa não é quantificada.

Enfim, num certo número de países, a dispensa máxima é quantificada para


certas categorias de eleitos. No Luxemburgo, ela é de duas horas por semana
para os conselheiros dos pequenos municípios e de quatro para os
conselheiros dos municípios de maior dimensão: para os membros dos
executivos, a dispensa pode alargar-se até 30 horas por semana (no caso da
cidade do Luxemburgo). Em Portugal, os membros dos executivos municipais
que exerçam as respectivas funções em regime de não permanência
beneficiam de uma dispensa máxima de 32 horas mensais. Na Itália, a
dispensa máxima para os membros dos órgãos deliberativos dos municípios e
das autarquias intermédias é de 48 horas mensais.
Na maioria dos países onde a legislação prevê a dispensa das actividades
profissionais, são as autarquias que compensam directamente as entidades
empregadoras dos encargos resultantes da dispensa (Bélgica, Itália,
Luxemburgo, Portugal) podendo, para o efeito, reter a totalidade ou parte
das senhas de presença nas reuniões. No Reino Unido, pelo contrário, a
dispensa é geralmente autorizada com retenção correspondente do
vencimento.

FORMAÇÃO

As associações nacionais de autarquias locais desempenham um papel


fundamental na formação dos representantes eleitos da grande maioria dos
países da União Europeia.

Em muitos destes países (Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, Holanda,


Portugal, Reino Unido e Suécia), os partidos políticos ocupam igualmente uma
posição importante neste domínio.

Nos países escandinavos (Dinamarca, Finlândia, Suécia), as associações


cooperam estreitamente com os centros de formação autárquicos por elas
criados. Na França, o Centro Nacional da Função Pública Territorial (CNFPT),
instituto público financiado pelo pessoal das autarquias locais, colabora com
as associações de representantes eleitos e directamente com as autarquias
de maior dimensão.

São poucos os países – Grécia, Itália e Luxemburgo – onde a formação dos


representantes eleitos não é prevista.

6.3. O PESSOAL DAS AUTARQUIAS LOCAIS

O aumento generalizado das competências dos órgãos das autarquias locais


em décadas recentes, e a crescente complexidade das tarefas a elas
associadas, torna cada vez mais importante e necessária a existência de
pessoal autárquico qualificado e motivado.
Nos países da Europa do Norte, o pessoal das autarquias locais é bastante
mais numeroso que o pessoal que trabalha para a Administração Central. Mas
mesmo nos países onde as autarquias locais têm um peso administrativo e
financeiro inferior, elas constituem uma das principais entidades criadoras
de empregos.
Por estes motivos, é relevante considerar os princípios-base que devem
presidir à regulamentação do estatuto e condições de trabalho do pessoal
das autarquias locais, analisar os diferentes regimes jurídicos aplicados nos
países da União Europeia e examinar a situação específica de algumas
categorias de pessoal.

APOIO À REINTEGRAÇÃO PROFISSIONAL

São em número escasso os países que prevêem apoios à reintegração


profissional dos representantes eleitos que ocuparam cargos a tempo inteiro.

Na Áustria, os eleitos que exerceram cargos a tempo inteiro por mais de 10


anos têm direito a receber um montante ou uma renda após o fim dos
mandatos. Na Dinamarca, eles têm direito a três meses de salário. Em
Portugal, sob certas condições, os autarcas em regime de permanência e
exclusividade beneficiam de um subsídio de reintegração equivalente a um
mês de vencimento (último valor) por cada semestre (completo) de exercício
de funções até ao limite máximo de 11 meses.

Num grande número de países, o desempenho de cargos autárquicos é


equiparado ao exercício efectivo de funções para os funcionários públicos.
Não é assim de estranhar que em quase todos os países os funcionários
públicos ocupem, hoje em dia, a maioria dos lugares nos órgãos deliberativos
e, em menor grau, nos órgãos executivos das autarquias. Mas, convém
acrescentar, este fenómeno da "funcionarização" dos cargos políticos
verifica-se igualmente ao nível dos parlamentos e dos governos nacionais.

OS PRINCÍPIOS-BASE

O artigo 6° da Carta Europeia de Autonomia Local estabelece que:


«1. Sem prejuízo das disposições gerais estabelecidas por lei, as autarquias
locais devem definir as estruturas administrativas internas de que entendam
dotar-se, tendo em vista adaptá-las às suas necessidades específicas, a fim
de permitir uma gestão eficaz.
2. O estatuto do pessoal autárquico deve permitir um recrutamento de
qualidade baseado em princípios de mérito e de competência. Para este
efeito, o estatuto deve fixar as condições adequadas de formação, de
remuneração e de perspectivas de carreira.»

Dois princípios, em certa medida contraditórios, figuram nestas disposições,


a saber: o da auto-organização interna das autarquias (corolário do princípio
geral de autonomia local) e o de uma uniformização mínima de certos
aspectos do estatuto e condições de serviço do pessoal, nomeadamente em
termos de direitos sociais e de trabalho.
O respeito pelo primeiro princípio é essencial para permitir a adequação das
estruturas internas de cada autarquia aos objectivos e tarefas prioritárias
por ela fixados. Com efeito, parece indispensável que seja cada autarquia a
decidir da sua orgânica interna (identificação dos serviços e do pessoal
necessário ao seu funcionamento). Os poderes de nomeação disciplinar e de
avaliação do desempenho de cada um dos elementos relevam igualmente do
âmbito estrito da autonomia local. A definição das necessidades e a fixação
de objectivos de formação pertencem também à esfera de decisões que
devem ser tomadas à escala de cada autarquia.

Ao invés, parece indubitável que o respeito pelo princípio da igualdade dos


indivíduos perante a lei e a administração pública milita para que certos
direitos fundamentais sejam uniformemente reconhecidos a todos, e cada
um, nomeadamente: direito de acesso aos diferentes empregos (condições de
idade, estudos, formação, não discriminação); direitos sindicais; direitos à
protecção social (níveis das prestações sociais, de maternidade; de velhice,
de invalidez, de desemprego); direito à protecção jurídica (garantia de um
recurso jurisdicional) e a processos imparciais; direito à segurança e higiene
do trabalho, etc.

Grande parte das questões que se colocam na formulação de legislação e


regulamentação de políticas do pessoal das autarquias locais relacionam-se
com a necessidade de estabelecer um equilíbrio entre estes dois princípios. A
tarefa é tanto mais difícil quanto não existe um único método para assegurar
o respeito por um ou outro princípios. Por exemplo, o direito à protecção
social pode, em certos casos, ser melhor assegurado através da negociação
directa entre parceiros sociais do que através de legislação. Acresce ainda
que certos elementos podem beneficiar da existência de alguma
flexibilidade, por exemplo, o recrutamento e remunerações do pessoal, mas
que requerem um quadro de referência mínimo para evitar situações de
arbitrariedade contrárias a princípios fundamentais de justiça e equidade.
Na prática, o equilíbrio entre os dois princípios tem muito a ver com o
contexto político, social e cultural e com o regime jurídico do pessoal.

OS REGIMES JURÍDICOS DO PESSOAL AUTÁRQUICO

A fim de comparar a situação nos diferentes países, é importante ter


presente no espírito a dicotomia clássica de sistema de carreira e sistema de
emprego do pessoal das administrações públicas.

O sistema de carreira caracteriza-se, de forma sumária, como segue:

a) as funções da mesma natureza (por exemplo, engenheiro técnico


superior de informática) são agrupadas em conjuntos hierarquiza-dos de
categorias administrativas;
b) a entrada numa carreira é materializada no provimento da categoria de
ingresso;
c) as promoções para categorias superiores da carreira dependem de
requisitos como antiguidade mínima na categoria precedente,
classificação de serviço superior a um nível mínimo, existência de vaga
na categoria de acesso;
d) estabilidade e segurança de emprego, resultantes de um estatuto que
assegura independência face ao poder político.

Os agentes integrados em sistemas de carreiras são designados por


funcionários administrativos.

O sistema de emprego obedece aos requisitos seguintes:


a) não existe o conceito de carreira, pelo que a experiência numa dada
função não é condição necessária ao desempenho de funções similares
com maior nível de complexidade;
b) o acesso a funções de maior complexidade ou responsabilidade não
depende de critérios formais (antiguidade, classificação profissional,
etc.), mas de capacidade demonstrada;
c) não existe estabilidade ou segurança de emprego garantida por um
regime estatutário («funcionalismo público»).

Os agentes integrados em sistemas de emprego são denominados agentes


administrativos.

Raros são os países que utilizam exclusivamente um ou outro sistema. Na


União Europeia, apenas o Reino Unido e a Suécia adoptaram sistemas de
emprego puro para o pessoal das autarquias locais. Nos outros países para os
quais existem estatísticas, o pessoal divide-se entre funcionários e agentes,
como segue: Alemanha (13% e 87%): Bélgica (59% e 41%); Dinamarca (15% e
85%); Finlândia (56% e 44%); França (69% e 31%); Irlanda (34% e 66%);
Luxemburgo (30% e 70%). Na Espanha, na Grécia, na Holanda e em Portugal,
os funcionários são maioritários entre o pessoal dos municípios.

Nos países onde o sistema de carreiras é dominante, em particular na França


e em Portugal, há tendência para equiparar os funcionários das autarquias
locais aos outros funcionários públicos em termos de condições de serviço
(remunerações, férias, etc.). Quando existem diferenças, elas não são
necessariamente desfavoráveis aos funcionários autárquicos; por exemplo, na
Bélgica, as escalas salariais dos funcionários autárquicos são mais elevadas do
que as dos funcionários do Estado. A equiparação aparece, contudo, como
particularmente importante quando se pretende promover a mobilidade entre
Administração Central e administração autárquica (aos diferentes níveis). Na
França, a mobilidade dos funcionários superiores entre os três níveis de
autarquias locais é significativa.
Se é certo que a base legal do sistema de carreiras favorece a uniformização
das condições de serviço, não se deve concluir de forma precipitada que os
sistemas de emprego conduzem a grandes disparidades. Nos países nórdicos,
a negociação de contratos colectivos de trabalho entre representantes das
autarquias e dos sindicatos das diferentes profissões, enquadrada por
legislação laboral muito detalhada, leva a que as condições de trabalho dos
funcionários e dos agentes seja aproximadamente idêntica. Mesmo no Reino
Unido, os mecanismos dos contratos de trabalho colectivo negociados por
diversos sindicatos com os mesmos representantes das autarquias locais
(Local Government Management Board) traduzem-se numa grande
harmonização das condições de trabalho. Foi em resposta a esta
uniformização crescente que, nos finais da última década, quarenta
autarquias das regiões mais afluentes da Inglaterra decidiram abandonar a
mesa de negociações nacional e concluir acordos ao nível local.
Esta tentativa de fugir à uniformização existe igualmente nos sistemas de
carreiras. Vários são hoje os países (Alemanha, Finlândia, Holanda) que
procuram introduzir mecanismos de remuneração para os funcionários com
base no mérito (performance-related pay).

PESSOAL DE CHEFIA ADMINISTRATIVA OU SELECCIONADO PELO


ESTADO

Na maior parte dos países, os chefes dos órgãos executivos ocupam-se


relativamente pouco das questões administrativas correntes. Quando as
autarquias possuem uma certa dimensão, a necessidade de coordenação
administrativa e financeira é essencial para a eficiência e eficácia da acção
das mesmas. É assim que, num grande número de países, existe um cargo que
pode ser genericamente designado por chefe da administração autárquica.
Na França, por exemplo, os secretários-gerais dos municípios (de média e
grande dimensão) e os directores-gerais dos départements (autarquias
intermédias) e das regiões colaboram estreitamente com os chefes dos exe-.
cutivos na programação e coordenação da acção autárquica. Na Áustria, cada
cidade deve dispor de um Director Geral (Magistrats direktor) cujas
responsabilidades estão especificadas na legislação federal. Em Portugal, os
postos de Director Municipal em Lisboa e no Porto constituem uma variante
menos desenvolvida deste sistema.

Na Bélgica e na Espanha, os funcionários para estes postos-chave da orgânica


das autarquias são seleccionados pelas autoridades de tutela através de
concurso, o mesmo acontecendo com os postos de tesoureiro. Na Espanha, o
número de postos que são providos após selecção realizada desta maneira
representam 1,5% do total dos postos dos municípios e autarquias
intermédias.
Estes cargos são ainda mais importantes nos países onde não existem órgãos
executivos eleitos. Na Irlanda, como vimos anteriormente, os city managers e
os county managers são eleitos pelos órgãos deliberativos de entre
candidatos seleccionados por uma comissão nomeada pelo governo, por
períodos de sete anos. Mesmo se um certo número de competências
(regulamentos, orçamentos) constituem «domínios reservados» dos órgãos
deliberativos, os managers dispõem de um grande poder de decisão para além
de aconselharem os órgãos deliberativos em todas as matérias a eles
reservados. Os órgãos deliberativos podem contrariar as decisões dos
managers e mesmo suspendê-los através de votações por maioria qualificada
de dois terços, mas não podem demiti-los sem o acordo do ministro
responsável pela tutela das autarquias locais. No Reino Unido, a maior parte
das autarquias possui um chief executive officer que, com o auxílio do colégio
de directores dos principais serviços autárquicos, coordena a acção municipal.

Nos países escandinavos, as autarquias são obrigadas a designar um chefe da


administração responsável por tarefas de coordenação e de preparação do
orçamento e que participa activamente nas reuniões dos órgãos deliberativos
e executivos.

Uma das principais dificuldades a ultrapassar quando o chefe da


administração coexiste com um chefe do executivo eleito, e que pode delegar
competências noutros membros do órgão executivo, é a de compatibilizar no
dia-a-dia decisões que podem resultar de prioridades e objectivos
divergentes. Na Alemanha, ao nível dos municípios e autarquias intermédias, a
solução encontrada para minimizar este problema é a de nomear o chefe
eleito do órgão executivo igualmente chefe da administração autárquica. Esta
solução tende também a facilitar o bom relacionamento entre os órgãos
deliberativos e executivos. Embora os mandatos dos outros representantes
eleitos variem de quatro a seis anos, os mandatos dos chefes dos órgãos
executivos (e da administração autárquica) são geralmente mais longos,
variando de cinco a doze anos (por exemplo, Schleswig-Holstein: mandato
normal: 4 anos, mandato do chefe do executivo: de 6 a 12 anos, segundo os
regulamentos das autarquias; Baden-Würtemberg: mandato normal: 5 anos,
chefe do executivo: 8 anos).
7. TIPOS-IDEAIS DE ADMINISTRAÇÃO AUTÁRQUICA E A
SITUAÇÃO EM PORTUGAL

Nos capítulos anteriores foi feita alusão, por diversas vezes, a diferentes
tradições administrativas e a diversas tipologias de administração autárquica.
As informações recolhidas sobre os aspectos estruturais e funcionais dos
sistemas de autarquias locais nos países da União Europeia revelaram
variações importantes das suas características políticas e dimensões
organizacionais (recursos legais, financeiros e humanos).

Ao mesmo tempo, o facto de as autarquias locais partilharem um certo


número de aspectos comuns tornou possível que todos os países da União
Europeia assinassem e que a grande maioria deles ratificassem a Carta
Europeia de Autonomia Local. O articulado desta convenção serviu, por este
motivo, de fio condutor às análises desenvolvidas neste trabalho. Para dar
uma coerência global a estas análises é importante construir uma tipologia
que permita exprimir as variações entre os diferentes sistemas de forma
inteligível, separando os aspectos fundamentais dos acessórios, em função
dos objectivos de análise.

7.1. DOIS TIPOS-IDEAIS DE AUTARQUIAS LOCAIS

A realidade social é extremamente complexa e, por essa razão, é impossível,


na maior parte dos casos, apreender um dado fenómeno na sua totalidade.
Face a uma pluralidade de pontos de vista possíveis, privilegiar um aspecto de
um dado fenómeno em relação a outro resulta de considerações à priori que
têm a ver, entre outras coisas, com os objectivos da análise. Para realizar
este processo de selecção, na ausência de teorias de carácter científico, é
possível recorrer àquilo que o sociólogo alemão Max Weber designou por
«tipo-ideal».

Os tipos-ideais são construções intelectuais que permitem analisar a


realidade empírica e sem os quais a informação recolhida sobre vários
exemplos de um dado fenómeno se tornaria um amontoado de dados,
impenetrável a qualquer tipo de raciocínio.
A construção de tipos-ideais envolve geralmente três fases:

a) a selecção de um certo número de variáveis consideradas como


relevantes;
b) a extensão dos limites (no sentido de intervalo matemático) da variável,
de forma a cobrir todas as possibilidades;
c) a selecção das variáveis e a extensão lógica dos seus limites é realizada
de forma que a construção tenha consistência lógica interna.

Os tipos-ideais não pretendem descrever de forma exaustiva a realidade;


pelo contrário, eles constituem instrumentos analíticos parciais, no duplo
sentido do termo. É assim possível construir muitos tipos-ideais de um mesmo
fenómeno, em função dos diferentes aspectos que são considerados
pertinentes para a análise. Embora todos estes tipos-ideais, desde que
internamente coerentes, possam ser utilizados para fins de análises
comparativas, a fecundidade de cada um deles depende do número de
variáveis seleccionadas e dos critérios utilizados para a sua selecção.

Por exemplo, a bibliografia anglo-saxónica distingue muitas vezes entre dois


tipos de autarquias locais designadas por choice (escolha) e agency
(medianeiro). O tipo choice parte da ideia que a descentralização permite às
comunidades locais escolher níveis de impostos e de serviços que
correspondem melhor às suas preferências do que se as decisões fossem
tomadas a um nível superior de autoridades públicas. No tipo agency é a
maior capacidade das autarquias locais para adaptar as características dos
serviços públicos às características da população e para garantir um melhor
controlo dos serviços autárquicos que ocupa o centro da atenção.

É evidente que nestes dois tipos a problemática é reduzida quase


exclusivamente ao papel das autarquias na prestação de serviços, ignorando,
em larga medida, as funções políticas das autarquias enquanto mecanismos de
reforço da democracia pluralista.

Se esta última dimensão é tomada em linha de conta, então é possível


estabelecer uma dicotomia entre sistemas de autarquias locais de tipo
«representativo» e de tipo «funcional».
No tipo-ideal representativo, as autarquias locais beneficiam de protecção
constitucional e existem relações fortes entre os sistemas políticos nacionais
e locais que resultam, entre outras coisas, da existência de chefes dos
órgãos executivos autárquicos eleitos directamente e com grande visibilidade
política. A dimensão representativa das autarquias justifica a existência de
um grande número relativo de representantes eleitos, o que gera um alto
nível de resistência à fusão de municípios e explica a pequena dimensão
destes. Como a prestação de serviços públicos locais é realizada de forma
indirecta e existe uma importante administração periférica do Estado
responsável pela execução ao escalão local de políticas formuladas ao nível
central, os critérios técnicos e económicos de eficiência não ocupam um lugar
centrai no sistema autárquico. Dado que as autarquias locais não são
responsáveis por serviços públicos com peso financeiro elevado (saúde
pública, protecção social, educação, etc.), a importância relativa das finanças
locais é fraca mas, para vincar o aspecto representativo, das autarquias, as
receitas próprias e, em particular, os impostos locais exclusivos, constituem
uma parte importante do total das receitas. Enfim, a cláusula geral é o
princípio--base de definição de atribuições e o pessoal das autarquias goza
maioritariamente do estatuto de funcionários e de um sistema de carreiras.

O tipo-ideal funcional encontra-se, por sua vez, estreitamente associado a


considerações de eficiência na prestação de serviços públicos locais. A
autonomia local disfruta de pouca ou nenhuma protecção constitucional.
Municípios com grande dimensão média resultantes, frequentemente, de
amplos processos de fusão, constituem a regra. Como resultado desta
situação, existe um pequeno número relativo de representantes eleitos. Dada
a orientação gestionária das autarquias, os chefes políticos dos órgãos
executivos têm fraca visibilidade política e são eleitos, quando existem, de
forma indirecta. As relações entre os sistemas políticos nacionais e locais são
fracas. A debilidade da administração periférica do Estado é compensada por
uma capacidade técnica e administrativa apreciável das autarquias que
asseguram directamente a prestação de serviços públicos financeiramente
pesados. Por esta razão, a importância relativa das finanças locais nas
despesas públicas é grande, mas é assegurada essencialmente através de
transferências financeiras. Finalmente, o facto de as autarquias serem
concebidas em termos instrumentais faz com que não disponham de
atribuições genéricas e que as competências lhes sejam atribuídas
unicamente para a execução de tarefas específicas.
As principais características dos dois tipos-ideais são resumidas no Quadro
7.1. Chegados a este ponto, é importante relembrar e insistir sobre o facto
de que os tipos-ideais não pretendem representar a realidade quer sob a sua
forma mais corrente quer sob formas extremas. Eles são simples
instrumentos de análise que, dada a sua coerência interna, permitem dar
sentido a certos processos e detectar incoerências nas manifestações
concretas de um dado fenómeno.

Por exemplo, no capítulo 3, a evolução do número de municípios nos


diferentes países da União Europeia foi analisada no contexto da avaliação do
impacto da dimensão daqueles sobre as principais funções desempenhadas
pelas autarquias nas democracias pluralistas.

Quadro 7.1.
DOIS TIPOS-IDEAIS DE ADMINISTRAÇÃO AUTÁRQUICA
Tipo-ideal Representativo (R) Tipo-ideal Funcional (F)
Protecção
Sim Não
constitucional
Dimensão dos
Pequena Grande
municípios
Resistência à reforma Grande Pequena
Relações entre
sistemas políticos Fortes Fracas
nacional e local
Chefes dos órgãos Eleitos directamente, alta
Inexistente ou eleito indirectamente
executivos visibilidade
Número relativo de
Grande Pequeno
eleitos locais
Atribuições «Cláusula gerais Especificas
Administração
Forte Fraca
periférica do Estado
Prestação de serviços Indirecta Directa
Importância relativa
Pequena Grande
das finanças locais
Importância relativa
Grande Pequena
dos recursos próprios

Pessoal Funcionários Contratuais


O facto de os municípios do Sul da Europa terem sido capazes de resistir
muito melhor a tentativas de fusão do que os municípios do Norte da Europa
decorre, logicamente, da característica «representativa» dos sistemas
autárquicos meridionais (protecção constitucional; fortes relações entre os
sistemas políticos nacionais e locais; alta visibilidade dos chefes políticos dos
executivos, etc.). Por sua vez, a grande importância atribuída pelas
autarquias do Norte da Europa a questões de eficiência na prestação dos
serviços públicos resulta, igualmente de forma lógica, do pendor "funcional"
dessas autarquias (formas directas de prestação de serviço; fraco peso
político dos chefes dos órgãos executivos, etc.).

7.2. OS DOIS TIPOS-IDEAIS E A SITUAÇÃO EM PORTUGAL

A par da sua capacidade de tornar inteligíveis certos processos, os tipos-


ideais permitem igualmente detectar incoerências lógicas nas expressões
concretas dos fenómenos analisados. Para exemplificar esta possibilidade,
basta justapor as características dos dois tipos-ideais de autarquias locais
com as características do sistema autárquico português.

O Quadro 7.2. indica uma incoerência entre, por um lado, as características


estruturais (dimensão) e funcionais (formas de prestação dos serviços) dos
municípios portugueses e, por outro lado, os recursos (legais, financeiros e
humanos) e inserção política dos mesmos no sistema político nacional. Na
verdade, no que diz respeito aos dois primeiros tipos de características, os
municípios portugueses aproximam-se do tipo-ideal funcional mas, em relação
às outras características, eles quase se sobrepõem ao tipo--ideal
representativo.

É indubitável, por exemplo, que a visibilidade e peso político dos Presidentes


das Câmaras Municipais portuguesas excedem em muito a importância
económica e financeira das autarquias que dirigem. A importância relativa das
finanças locais no conjunto das finanças do Estado está claramente
desfasada da dimensão política dos municípios e do conjunto de competências
que os mesmos são supostos exercer.
Quem diz incoerências não quer dizer, forçosamente, mau funcionamento. Na
verdade, como vimos nos Capítulos 3 e 4, existem possibilidades de
ultrapassar restrições de recursos financeiros e humanos através de formas
indirectas de prestação de serviços. Por outro lado, a visibilidade política dos
chefes dos órgãos executivos municipais nada perde, antes pelo contrário,
com a grande dimensão média.

Se a simples justaposição dos dois tipos-ideais com as características do


sistema autárquico português permitem apontar certas incoerências internas
deste, o conjunto de análises desenvolvidas ao longo do livro autoriza uma
afirmação com maior alcance, a saber: o reforço da descentralização em
Portugal deverá passar pela criação de autarquias intermédias entre os
municípios e a Administração Central.

Quadro 7.2.
DOIS TIPOS-IDEAIS DE ADMINISTRAÇÃO AUTÁRQUICA E A SITUAÇÃO EM
PORTUGAL

Tipo-ideal Tipo-ideal
Caso português
Representativo (R) Funcional (F)
Protecção
Sim Não Sim (R)
constitucional

Dimensão dos
Pequena Grande Grande (F)
municípios

Resistência à reforma Grande Pequena Grande (R)

Relações entre
sistemas políticos Fortes Fracas Fortes (R)
nacional e local
Chefes dos órgãos Eleitos directamente, Inexistente ou eleito
Eleitos directamente (R)
executivos alta visibilidade indirectamente
Número relativo de
Grande Pequeno Pequeno (F)
eleitos locais

Atribuições <<Cláusula geral.>> Específicas Cláusula geral (R)

Administração
Forte Fraca Forte (R)
periférica do Estado

Prestação de serviços Indirecta Directa Directa (F)

Importância relativa
Pequena Grande Pequena (R)
das finanças locais

Importância relativa
Grande Pequena Média
das finanças locais

Pessoal Funcionários Contratuais Funcionários (R)


Neste contexto, pode afirmar-se, de forma algo provocadora, que o debate
sobre a regionalização em Portugal Continental serviu essencialmente, até ao
momento, para desviar as atenções da necessidade premente de aprofundar a
descentralização. Mas a justificação, em pormenor, desta afirmação terá que
ficar para um outro livro.

ANEXO I

CARTA EUROPEIA DE AUTONOMIA LOCAL

PREÂMBULO

Os Estados-membros do Conselho da Europa, signatários da presente Carta,

Considerando que a finalidade do Conselho da Europa é a de alcançar uma


união mais estreita entre os seus membros a fim salvaguardar e de promover
os ideais e os princípios que são seu património comum;

Considerando que um dos meios pelos quais esta finalidade será alcançada é
através da conclusão de acordos no domínio administrativo;

Considerando que as autarquias locais são um dos principais fundamentos de


todo o regime democrático;

Considerando que o direito dos cidadãos de participar na gestão dos assuntos


públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados-
membros do Conselho da Europa;

Convencidos de que é ao nível local que este direito pode ser mais
directamente exercido;

Convencidos de que a existência de autarquias locais investidas de


responsabilidades efectivas permite uma administração simultaneamente
eficaz e próxima do cidadão;

Conscientes do facto de que a defesa e o reforço da autonomia local nos


diferentes países da Europa representam uma contribuição importante para a
construção de uma Europa baseada nos princípios da democracia e da
descentralização do poder;

Considerando que o exposto supõe a existência de autarquias locais dotadas


de órgãos de decisão constituídos democraticamente e beneficiando de uma
ampla autonomia quanto às competências, às modalidades do seu exercício e
aos meios necessários ao cumprimento da sua missão;

Acordam no que se segue:

PARTE 1

ARTIGO 1º

As Partes comprometem-se a considerar-se vinculadas pelos artigos


seguintes, nos termos prescritos pelo artigo 12° da presente carta.

ARTIGO 2°.

Fundamento constitucional e legal da autonomia local

O princípio da autonomia local deve ser reconhecido pela legislação interna e,


tanto quanto possível, pela Constituição.

ARTIGO 3°

Conceito de autonomia local

1. Entende-se por autonomia local o direito e a capacidade efectiva de as


autarquias locais regulamentarem e gerirem, nos termos da lei, sob sua
responsabilidade e no interesse das respectivas populações, uma parte
importante dos assuntos públicos.

2. O direito referido no número anterior é exercido por conselhos ou


assembleias compostas por membros eleitos por sufrágio livre, secreto,
igualitário, directo e universal, podendo dispor de órgãos executivos que
respondem perante eles. Esta disposição não prejudica o recurso às
assembleias de cidadãos, ao referendo, ou qualquer outra forma de
participação directa dos cidadãos permitida por lei.

ARTIGO 4°

Âmbito da autonomia local

1. As atribuições fundamentais das autarquias locais são fixadas pela


Constituição ou por lei. Contudo, esta disposição não impede a atribuição às
autarquias locais, nos termos da lei, de competências para fins específicos.

2. Dentro dos limites da lei, as autarquias locais têm completa liberdade de


iniciativa relativamente a qualquer questão que não seja excluída da sua
competência ou atribuída a uma outra autoridade.

3. Regra geral, o exercício das responsabilidades públicas deve incumbir, de


preferência, às autoridades mais próximas dos cidadãos. A atribuição de uma
responsabilidade a uma outra autoridade deve ter em conta a amplitude e a
natureza da tarefa e exigências de eficácia e economia.

4. As atribuições confiadas às autarquias locais devem ser normal-mente


plenas e exclusivas, não podendo ser postas em causa ou limitadas por
qualquer autoridade central ou regional, a não ser nos termos da lei.

5. Em caso de delegação de poderes por uma autoridade central ou regional,


as autarquias locais devem gozar, na medida do possível, de liberdade para
adaptar o seu exercício às condições locais.

6. As autarquias locais devem ser consultadas, na medida do possível, em


tempo útil e de modo adequado, durante o processo de planificação e decisão
relativamente a todas as questões que directamente lhe interessem.
ARTIGO 5

Protecção dos limites territoriais das autarquias locais

As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente


relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais,
eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita.

ARTIGO 6°

Adequação das estruturas e meios administrativos às funções das autarquias


locais

1. Sem prejuízo de disposições gerais estabelecidas por lei, as autarquias


locais devem poder definir as estruturas administrativas internas de que
entendam dotar-se, tendo em vista adaptá-las às suas necessidades
específicas, a fim de permitir uma gestão eficaz.

2. O estatuto do pessoal autárquico deve permitir um recrutamento de


qualidade baseado em princípios de mérito e de competência. Para este
efeito, o estatuto deve fixar as condições adequadas de formação, de
remuneração e de perspectivas de carreira.

ARTIGO 7°

Condições de exercício das responsabilidades ao nível local

1. O estatuto dos representantes eleitos localmente deve assegurar o livre


exercício do seu mandato.

2. O estatuto deve permitir uma compensação financeira adequada das


despesas efectuadas no exercício do mandato, bem como, se for caso disso,
uma compensação pelo trabalho executado e ainda a correspondente
protecção social.

3. As funções e actividades incompatíveis com o mandato do representante


eleito localmente não podem ser estabelecidos senão por lei ou por princípios
jurídicos fundamentais.
ARTIGO 8°

Tutela administrativa dos actos das autarquias locais

1. Só pode ser exercida qualquer tutela administrativa sobre as autarquias


locais segundo as formas e nos casos previstos pela Constituição ou pela lei.

2. A tutela administrativa dos actos das autarquias locais só deve


normalmente visar que seja assegurado o respeito pela legalidade e pelos
princípios constitucionais. Pode, contudo, compreender um juízo de
oportunidade exercido por autoridades de grau superior, relativamente a
atribuições cuja execução seja delegada nas autarquias locais.

3. A tutela administrativa das autarquias locais deve ser exercida de acordo


com um princípio de proporcionalidade entre o âmbito da intervenção da
autoridade tutelar e a importância dos interesses que pretende prosseguir.

ARTIGO 9°

Recursos financeiros das autarquias locais

1. As autarquias locais têm direito, no âmbito da política económica nacional,


a recursos próprios adequados dos quais podem dispor livremente no
exercício das suas atribuições.

2. Os recursos financeiros das autarquias locais devem ser proporcionais às


atribuições previstas pela Constituição ou por lei.

3. Pelo menos uma parte dos recursos financeiros das autarquias locais deve
provir de rendimentos de impostos locais, tendo estas o poder de fixar a
taxa dentro dos limites da lei.

4. Os sistemas financeiros nos quais se baseiam os recursos de que dispõem


as autarquias locais devem ser de natureza suficientemente diversificada e
evolutiva, de modo a permitir-lhes seguir, tanto quanto possível na prática, a
evolução real dos custos do exercício das suas atribuições.
5. A protecção das autarquias locais financeiramente mais fracas exige a
implementação de processos de perequação financeira ou de medidas
equivalentes destinadas a corrigir os efeitos da repartição desigual das
fontes potenciais de financiamento, bem como dos encargos que lhes
incumbem. Tais processos ou medidas não devem reduzir a liberdade de
opção das autarquias locais no seu próprio domínio de responsabilidade.

6. As autarquias locais devem ser consultadas, de maneira adequada, sobre as


modalidades de atribuição dos recursos que lhes são redistribuídos.

7. Na medida do possível, os subsídios concedidos às autarquias locais não


devem ser destinados ao financiamento de projectos específicos. A
concessão de subsídios não deve prejudicar a liberdade fundamental da
política das autarquias locais no seu próprio domínio de atribuições.

8. A fim de financiar as suas próprias despesas de investimento, as


autarquias locais devem ter acesso, nos termos da lei, ao mercado nacional de
capitais.

ARTIGO 10º

Direito de associação das autarquias locais

1. As autarquias locais têm o direito, no exercício das suas atribuições, de


cooperar e, nos termos da lei, de se associar com outras autarquias locais
para a realização de tarefas de interesse comum.

2. Deve ser reconhecido em cada Estado o direito das autarquias locais de


aderir a uma associação para protecção e promoção dos seus interesses
comuns e o direito de aderir a uma associação internacional de autarquias
locais.

3. As autarquias locais podem, nas condições eventualmente previstas por lei,


cooperar com as autarquias de outros Estados.
ARTIGO 11°

Protecção legal da autonomia local

As autarquias locais devem ter o direito de recorrer judicialmente, a fim de


assegurar o livre exercício das suas atribuições e o respeito pelos princípios
de autonomia local que estão consagrados na Constituição ou na legislação
interna.

PARTE II

Disposições diversas

ARTIGO 12 °

Compromissos

1. Todas as Partes se comprometem a considerar-se vinculadas por pelo


menos vinte disposições da parte I da Carta, das quais, pelo menos dez são
escolhidas de entre as seguintes:
- Artigo 1º
- Artigo 2º, nº 1 e 2
- Artigo 3º, nº 1, 2 e 4
- Artigo 4º
- Artigo 6º, nº 1
- Artigo 7º, nº 2
- Artigo 8º, nº 1, 2 e 3
- Artigo 9º, nº 1
- Artigo 10º

2. Cada Estado contratante. no momento do depósito do seu instrumento de


ratificação, aceitação ou aprovação, notificará o Secretário-Geral do
Conselho da Europa das disposições escolhidas, nos termos do nº 1 do
presente artigo.

3. Cada Parte pode, ulteriormente e em qualquer momento, notificar o


Secretário-Geral em como se considera vinculada por qualquer outra
disposição da presente Carta que ainda não tenha aceite, nos termos das
disposições do nº 1 do presente artigo. Estes compromissos ulteriores serão
considerados parte integrante da ratificação, aceitação ou aprovação da
Parte notificante e terão os mesmos efeitos a partir do primeiro dia do mês
seguinte ao decurso do prazo de três meses após a data da recepção da
notificação pelo Secretário-Geral.

ARTIGO 13º

Autarquias às quais se aplica a Carta

Os princípios de autonomia local contidos na presente Carta aplicam--se a


todas as categorias de autarquias locais existentes no território da Parte.
Contudo, cada Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de
ratificação, de aceitação ou de aprovação, designar as categorias de
autarquias locais ou regionais que entenda limitar ou excluir do campo de
aplicação da presente Carta. Cada Parte pode, igualmente, incluir
subsequentemente outras categorias de autarquias locais ou regionais no
campo de aplicação da Carta por meio de notificação ao Secretário-Geral do
Conselho da Europa.

ARTIGO 14°

Comunicação de informações

Cada Parte transmitirá ao Secretário-Geral do Conselho da Europa qualquer


informação adequada relativa às disposições legislativas e outras medidas
que tenha tomado com o objectivo de se conformar às disposições da
presente Carta.

PARTE III

ARTIGO 15°

Assinatura, ratificação, entrada em vigor


1. A presente Carta está aberta à assinatura dos Estados-membros do
Conselho da Europa. Será submetida a ratificação, aceitação ou aprovação.
Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação serão depositados
junto do Secretário-Geral do Conselho da Europa.

2. A presente Carta entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao


decurso do prazo de três meses, após a data em que quatro Estados-
membros do Conselho da Europa tenham expressado o seu consentimento em
estar vinculados pela Carta, nos termos do número anterior.

3. Em relação aos outros Estados que exprimam posteriormente o seu


consentimento em ficar vinculados pela Carta, esta entrará em vigor no
primeiro dia do mês seguinte ao decurso do prazo de três meses, após a data
do depósito do instrumento de ratificação, aceitação ou aprovação.

ARTIGO 16°

Cláusula Territorial

1. Cada Estado pode, no momento da assinatura ou do depósito do seu


instrumento de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão, designar o ou os
territórios aos quais será aplicável a presente Carta.

2. Cada Estado pode, subsequentemente, em qualquer altura, através de


declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa, alargar a
aplicação da presente Carta a qualquer outro território designado na
declaração. A Carta entrará em vigor relativamente a este território no
primeiro dia do mês seguinte ao decurso do prazo de três meses, após a data
da recepção da declaração pelo Secretário-Geral.

3. Qualquer declaração feita nos termos dos dois números anteriores pode
ser retirada, relativamente a qualquer território designado nesta declaração
por meio de notificação dirigida ao Secretário-Geral. A retirada entrará em
vigor no primeiro dia do mês seguinte ao decurso do prazo de seis meses após
a data de recepção da notificação pelo Secretário-Geral.
ARTIGO 17

Denúncia

1. Nenhuma Parte pode denunciar a presente Carta antes do final de um


período de cinco anos após a data da sua entrada em vigor. Será dado um
pré-aviso de seis meses ao Secretário-Geral do Conselho da Europa. Esta
denúncia não afecta a validade da Carta relativamente às outras Partes, salvo
se o número destas for inferior a quatro.

2. Cada Parte pode, nos termos das disposições enunciadas no número


anterior, denunciar qualquer número da Parte I da Carta que tenha aceite,
com ressalva da quantidade e categoria dos números aos quais esta Parte
está obrigada, nos termos das disposições do n° 1 do artigo 12º. Qualquer
parte que, na sequência de denúncia de um número, não preencha os
requisitos das disposições do nº 1 do artigo 12º, será considerada como tendo
igualmente denunciado a própria Carta.

ARTIGO 18°

Notificações

O Secretário-Geral do Conselho da Europa notificará os Estados-membros do


Conselho:

a. de qualquer assinatura;

b. do depósito de qualquer instrumento de ratificação, aceitação ou


aprovação;

c. de qualquer data de entrada em vigor da presente Carta, nos termos do


seu artigo 150.;

d. de qualquer notificação recebida em aplicação das disposições do n° 2 e 3


do artigo 120.;

e. de qualquer notificação recebida em aplicação das disposições do artigo


13°;
f. de qualquer outro acto, notificação ou comunicação referente à presente
Carta.

ANEXO II

CARTA EUROPEIA DE AUTONOMIA LOCAL:


ASSINATURAS E RATIFICAÇÕES
Data de Data de Data de entrada
Estado
assinatura ratificação em vigor
Alemanha 15-10-85 17-5-88 1-9-88
Áustria 15-10-85 23-9-87 1-9-88
Bélgica 15-10-85 --- ---
Dinamarca 15-10-85 3-2-88 1-9-88
Espanha 15-10-85 8-11-88 1-3-89
Finlândia 14-6-90 3-6-91 1-10-91
França 15-10-85 --- ---
Grécia 15-10-85 6-9-89 1-1-90
Holanda 7-1-88 20-3-91 1-7-91
Irlanda 7-10-97 --- ---
Itália 15-10-85 11-5-90 1-9-90
Luxemburgo 15-10-85 15-5-87 1-9-88
Portugal 15-10-85 18-12-90 1-4-91
Reino Unido 3-6-97 24-4-98 1-8-98
Suécia 4-10-88 29-8-89 1-12-89
BIBLIOGRAFIA

Structures et fonctionnement de la démocratie locale et régionale, Monografias por


país: Alemanha (1999); Áustria (2000); Bélgica (1998); Dinamarca (1998); Espanha
(1997); Finlândia (1998); França (1998); Grécia (no prelo); Holanda (1999); Irlanda
(1999); Itália (2000); Luxemburgo (1997); Portugal (1998); Reino Unido (2000);
Suécia (1997).

(1999), Systèmes électoraux et modes de scrutin au niveau local, «Communes et


régions d'Europe», n? 68, Strasbourg.

DELcAMP A. (1990), Les institutions locales en Europe, P.U.F., «Que sais-je?», nº


2559, Paris.

(1994), Les Collectivités décentralisées de l'Union européenne, La documentation


française, Notes et études documentaires, n? 5004-5, Paris.

MARCOU, G. and VEREBELYI, I. (1993), New trends in local government in Western


and Eastern Europe, International Institute of Administrative Sciences, Brussels.

MARTINS, M. R. (1995), Size of municipalities, efficiency and citizen participation:


a cross-European perspective, Environment and planning C, volume 13, pp. 441- 458,
London.

NORTON, A. (1994), International Handbook of local and regional government,


Edward Elgar, Aldershot.

PAOE, E. C. (1991), Localism and centralism in Europe, Oxford University Press,


Oxford.

SMITH, B. C. (1985), Decentralisation, George Allen and Unwin, London. 143

Você também pode gostar