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A personalidade de Atena sempre se mostrou branda e serena, sendo guiada pela sua

sabedoria, mas houve um caso em que, da mesma forma que o céu claro se turba em nuvens,
assim também se turbou o semblante da deusa.

Havia em Pafos certa mulher conhecida como Aracne, dela provinha grande fama pelo seu
dom belo dom de tecer as mais incríveis artes na tapeçaria, ela aprimorara o seu dom com o
tempo, lapidou a peça rara que estava no manusear dos fios.

Os torneios anuais eram sempre uma forma de consolidar a imagem que Aracne possuía: a de
melhor fiandeira do lugar, tanto que a cada ano diminuíam o número de mulheres
interessadas em competir, e se por um lado esse dom causava admiração, por outro colhia
invejas.

O seu local de trabalho era movimentado, seja pelos fornecedores de matéria-prima, que era
muito bem selecionada, cabendo a apenas mercadores persas e fenícios a honra de fornecê-
las, seja pelos compradores dos mais diversos lugares do mundo grego, e fora dele também,
era encomenda para o rei da Babilônia, entrega especial para o oficial do Egito, tapetes de com
cenas das pradarias do norte, enfim, trabalho não faltava.

Contudo, o que muitas vezes parece ser uma benção na vida de alguns, torna-se facilmente
numa maldição, e deste modo foi com Aracne, pois conforme crescia a fama dessa tecelã,
crescia também a prepotência e a soberba diante dos homens e dos deuses.

A soberba é um dos piores defeitos que um ser - humano pode apresentar, é a satisfação em
humilhar aquele a quem se julga inferior sob um determinado aspecto, é perder-se no
presente e caminhar na escuridão para o futuro, colhendo inimizades nesse caminho e
preparando-se para o abismo que não tardará em chegar.

E dessa forma que Aracne se encontrava, afinal, as peças que não era feitas pelas mãos dela,
perdiam o seu valor diante dos olhos dessa infeliz mulher, o trabalho de seus aprendizes
servia-lhe de pano de trapo para limpar, independente do esforço ali colocado, do tempo
perdido, e do afeto criado.

Acostumada aos elogios, Aracne nem se preocupava em agradecê-los, muito pelo contrário,
adulá-la era um requisito básico para quem desejasse alguma peça feita por até então, tão
preciosa mão.

Um coisa ainda, entretanto, deixava-a um pouco irritada, pois o que se tratava de um elogio,
para ela configurava-se numa afronta, era o fato de dizer que ela fora aprendiz de Atena, ora,
mas isso era um absurdo, segundo ela nem mesmo a própria deusa era capaz de subestimá-la
tamanha era a sua capacidade, para, no entanto, não parecer irritada, permitia uma leve
risada de desdém.

Muitos foram os dias que Atena pacientemente viu-se humilhada por aquela pobre mortal, e
nos átrios de sua sabedoria lamentava por tais atitudes, por sabia que não levariam Aracne a
lugar nenhum, muito pelo contrário, mostrava a insegurança de uma mulher que no fundo da
sua alma era infeliz.
Certo dia Atena resolveu descer e acabar com essa arrogância, muito mais impelida pelos
outros deuses, do que por vontade própria e mesmo assim fez com sabedoria. Primeiro se
transformou numa velha humilde, numa camponesa idosa e pôs-se na presença de Aracne,
que surpreendida, pois não costumava mais receber quem não aparentasse poder, resolveu
escutá-la.

A senhora, muito humildemente, aconselhou-a a ser mais discreta, e não desafiar a honra dos
deuses, pois uma hora a ira de algum deles poderia cair sobre ela, mas isso pareceu para
Aracne mais uma afronta que um conselho, chegando ao ponto de vociferar que a senhora
guardasse os conselhos para as filhas pobres e inúteis dela.

Esse foi o momento crucial para Atena se revelasse em todo seu esplendor diante de Aracne,
que mesmo assim não demonstrou respeito, diferentemente das outras pessoas que estavam
no local que prontamente se puseram de joelhos.

Ao ver tal cena, uma idéia egoísta passou pela mente de Aracne, da mesma forma que passa o
pólen da erva daninha e se instala no meio do jardim, tal concepção era desmoralizar a deusa
numa disputa e fazer com que as pessoas que no presente se ajoelhavam diante de Atena, no
futuro viriam a ajoelhassem diante dela, Aracne, a então elevada deusa das artes manuais,
soberana de toda magna Grécia, a dama dos fios de ouro e outros adjetivos que no momento
não teve tempo para pensar.

Tão logo quanto pensou nisso, propôs o desafio a deusa, e tamanha era a sua confiança que
assegurou que estava disposta aos castigos da deusa caso perdesse.

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