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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 69-85 JUN.

2005

QUEM TAXA E QUEM GASTA:


1
A BARGANHA FEDERATIVA NA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

Marta Arretche

RESUMO
Este artigo analisa as relações de autonomia e coordenação da federação brasileira, pelo exame da traje-
tória das decisões em matéria fiscal e tributária. Desagrega distintas dimensões da questão e conclui que,
na história brasileira, as disputas federativas deslocaram-se das áreas de tributação exclusiva para o
sistema de transferências fiscais. Além disso, o modelo brasileiro tendeu a combinar a descentralização de
receitas com a centralização da autoridade sobre as decisões de arrecadação e de gasto, isto é, a limitação
da autonomia dos governos subnacionais para a regulamentação da cobrança de impostos e do destino do
gasto. Mudanças de regime político não são suficientes para explicar as mudanças no sistema tributário e
fiscal; a centralização decisória e o padrão de alianças em cada arena particular permitem melhor explicar
essas variações.
PALAVRAS-CHAVE: federalismo tributário; transferências fiscais; barganhas políticas.

“A profusão de termos mais ou menos coincidentes


é a ruína da Sociologia”
(BENDIX, 1996, p. 49).

I. INTRODUÇÃO toridade no governo central ou criou um sistema


altamente consociativo que dispersa a autoridade
Afinal, a federação brasileira é centralizada ou
e gera problemas de governabilidade?
descentralizada? Embora inspirada no modelo nor-
te-americano, teria a centralização imperial afeta- Parte importante da imaginação e do esforço
do definitivamente a forma do Estado no Brasil? de pesquisa dos cientistas políticos que se dedi-
Ou a República Velha teria tido efeitos de longo caram à análise do federalismo brasileiro está
prazo, consolidando o poder das elites estaduais dedicada a responder a essas perguntas (cf.
nas decisões nacionais? O arranjo institucional que CAMARGO, 1993; ALMEIDA, 1995; 2001; SOU-
emergiu da Constituição de 1988 concentrou au- ZA, 1997; ABRUCIO, 1998; STEPAN, 1999;
PALERMO, 2000; ARRETCHE, 2002; 2004). Este
artigo pretende ser mais uma pequena contribui-
ção a esse debate.
1 Este artigo beneficiou-se de pesquisa realizada para o
projeto Taxation Perspectives. A Democratic Approach to Como afirmou Stepan (1999), todas as fede-
Public Finance in Developing Countries, em parceria com rações restringem o poder central, devido à dupla
Aaron Schneider, financiado pelo Institute of Development soberania – do governo federal e dos governos
Studies. Beneficiou-se ainda de apoio fornecido pelo Con- locais2 – que é a característica básica dessa for-
selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
ma de Estado (WHEARE, 1964; RIKER, 1975;
(CNPq), sob a forma de Bolsa de Produtividade em Pes-
quisa, bem como auxílio a projeto de pesquisa, do Edital LIPJHART, 1984; 1999). A dupla soberania, por
Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas de 2003.
Uma primeira versão foi apresentada no Grupo de Traba-
lho de Políticas Públicas do XXVII Encontro Nacional da 2 No caso brasileiro posterior a 1988, seria mais preciso
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ci- falar em tripla soberania, dado que governos estaduais e
ências Sociais (Anpocs). Agradeço a Aaron Schneider, Maria municipais são constitucionalmente entes federativos au-
Hermínia Tavares de Almeida e Eduardo Marques pelos tônomos. Neste ponto, entretanto, estou me concentrando
comentários e sugestões que muito contribuíram para esta no conceito de federalismo, tal como tratado pela literatura
revisão. sobre formas de Estado.

Recebido em 10 de dezembro de 2004 Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 69-85, jun. 2005
Aprovado em 18 de maio de 2005
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sua vez, está garantida tanto pelas regras consti- tências e a distribuição vertical de poder estão li-
tucionais quanto pelo desenho das instituições nearmente relacionadas, como explicar a
políticas 3 (RIKER, 1975; DAHL, 1986; descentralização de competências na Inglaterra,
LIPJHART, 1984; 1999; STEPAN, 1999). Toda- clássico modelo de democracia majoritária, e na
via, os estudos empíricos têm revelado grande Itália dos anos 1970 (PUTNAM, 1996)4? Tratar
variação entre as federações no que diz respeito à essas dimensões de autoridade – quanto a com-
extensão da autoridade do governo central petências, tributos e política – como independen-
(STEPAN, 1999). tes permitiria tornar mais precisas as análises so-
bre federalismo e descentralização, tornando ob-
Contudo, os estudos empíricos sobre centra-
viamente mais confiáveis as conclusões obtidas
lização-descentralização nas federações são, re-
de tais estudos.
gra geral, pouco conclusivos e convincentes de-
vido, em grande parte, à dificuldade em estabele- Uma segunda grande dificuldade refere-se à
cer critérios precisos de classificação. A primeira análise da distribuição de competências e recur-
grande dificuldade diz respeito à superposição de sos. Diferentemente de uma nítida e clara distri-
dimensões de autoridade em análise. A distribui- buição vertical de autoridade, as federações em
ção de competências, a distribuição de recursos sua existência real assemelham-se a um “bolo
tributários e fiscais, assim como os mecanismos marmorizado” (ELAZAR, 1991), em que a
institucionais de representação da vontade políti- complementariedade e a interdependência são as
ca das elites locais, estaduais ou centrais, consti- características mais freqüentes. Adicionalmente,
tuem dimensões distintas e independentes de dis- as competências cuja autoridade pode ser atribu-
tribuição de autoridade. Entretanto, muitos estu- ída aos diversos níveis de governo são diversas,
dos supõem uma relação de estreita dependência tais como saúde, educação, assistência etc. O
entre elas. mesmo pode ser dito em relação à questão tribu-
tária e fiscal, que envolve a autoridade para arre-
Com freqüência, considera-se que a
cadar tributos, para gastá-los, para obter emprés-
descentralização fiscal pode ser interpretada como
timos etc. Uma estratégia para superar essas difi-
uma evidência suficiente do poder das elites regi-
culdades consiste em utilizar os conceitos de au-
onais. Se isso é verdade, como explicar que, por
tonomia e de mecanismos de coordenação para
exemplo, no Japão e na Suécia – estados unitários
identificar as relações entre os níveis de governo
– a participação dos governos locais no total do
com relação às distintas dimensões de autoridade
gasto seja superior a de federações como a Aus-
acima mencionadas. Teriam os governos regio-
trália e a Bélgica (LIPJHART, 1999, p. 220)?
nais na Itália autonomia para atender as demandas
Rodden (2005) examinou uma amostra de 29 pa-
de seus cidadãos ou a descentralização estudada
íses – federais e unitários – e concluiu em ambos
por Putnam consistiu apenas em uma transferên-
há uma tendência geral em direção à
cia de atribuições, sem autonomia decisória?
descentralização fiscal. Mais que isso, as federa-
ções não se distinguem dos estados unitários no Este artigo pretende ser uma contribuição à
que diz respeito à dependência de transferências, análise do federalismo brasileiro, concentrando-
isto é, nos casos em que um nível de governo se na análise das decisões de natureza fiscal e tri-
opera como arrecadador substituto dos demais. butária. Essa é uma dimensão muito importante
Portanto, não há nada de específico nos sistemas das disputas entre níveis de governo nos estados
tributário e fiscal das federações que as distinga nacionais, sejam eles federais ou unitários. Se a
dos estados unitários. distribuição vertical de autoridade é uma questão
central nos pactos nacionais, a autoridade sobre
Adicionalmente, se a distribuição de compe-
recursos tributários está entre as mais importan-

3 As instituições mais clássicas de garantia do arranjo


federativo são as câmaras de representação dos estados e a
autoridade do poder Judiciário para dirimir conflitos entre 4 Lipjhart (1984; 1999) define como consociativas as de-
os distintos níveis de governos. Nos Estados Unidos, por mocracias cujas instituições políticas são desenhadas de
exemplo, existe a instituição dos senados estaduais, para modo a compartilhar, dispersar e limitar o poder do gover-
representar os governos locais. no central.

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tes dessas decisões. Migdal (1988) argumentou seguida pela centralização do Estado Novo, que
que a capacidade de extrair recursos da socieda- foi, por sua vez, sucedido por nova
de e gastá-los de maneira autônoma constitui uma descentralização fiscal no período democrático de
dimensão central da capacidade de os estados 1946-1964. Finalmente, a radical descentralização
nacionais fazerem-se obedecer, na medida em que fiscal da Constituição de 1988 seria uma reação à
define sua possibilidade de formular e implementar centralização fiscal do regime militar (OLIVEIRA,
políticas de modo autônomo, independentemente 1995; SOUZA, 1997; SERRA & AFONSO, 1999).
dos interesses privados. O argumento pode ser Essa descrição da evolução dos sistemas tributá-
estendido às relações intergovernamentais, quer rio e fiscal sugerem rupturas, baseadas fundamen-
em estados federativos, quer em unitários. A au- talmente nas mudanças de regime político. Como
tonomia dos governos para tomar decisões deriva mecanismo explicativo, nos períodos de
em boa medida da extensão em que detêm autori- autoritarismo, as elites centrais suprimiriam a ca-
dade efetiva sobre recursos tributários e/ou fis- pacidade de vocalização de interesses das elites
cais. Governos desprovidos de autonomia para estaduais e locais. Na democracia, as últimas teri-
obter – por meio da taxação – recursos, em mon- am recuperados os espaços políticos que permiti-
tante suficiente para atender minimamente às de- riam impulsionar seus interesses, impondo per-
mandas de seus cidadãos, tendem a incorporar à das fiscais ao governo central (CAMARGO, 1993;
sua agenda as orientações políticas do nível de ABRUCIO, 1998).
governo – ou agente privado, ou ainda organismo
Uma primeira contribuição deste artigo con-
internacional – que de fato tem controle sobre tais
siste em demonstrar que um exame mais detalha-
recursos. Simetricamente, governos dotados de
do da evolução dos sistemas tributário e fiscal
autoridade sobre recursos tributários têm mais
brasileiros, levando em conta suas múltiplas di-
condições de definir com autonomia sua própria
mensões, indica antes uma “lenta evolução”
agenda de governo5. Além disso, os governos lo-
(VARSANO, 1996, p. 19), em que o conteúdo
cais podem contar com recursos para atender às
das disputas alterou-se à medida que o sistema
demandas de seus cidadãos, mas dispor de limita-
tributário consolidou-se. Nas primeiras assembléi-
da autonomia para definir sua própria agenda,
as nacionais constituintes (ANCs), já sob o siste-
porque suas políticas são financiadas basicamen-
ma federativo – em 1890 e 1934 –, os grandes
te com transferências vinculadas. Não há dúvida
debates concentraram-se nas áreas de atividade
de que essas motivações estão no centro das dis-
que cada nível de governo teria autoridade exclu-
putas nacionais pelos recursos tributários e fis-
siva para tributar. A partir da ANC de 1934, os
cais. Assim, a análise do resultado dessas dispu-
grandes embates disseram respeito ao sistema de
tas pode ser um objeto relevante para o exame do
transferências fiscais. Na verdade, um exame mais
grau de centralização em uma federação.
detido da evolução do sistema tributário brasileiro
A visão mais comum sobre a federação brasi- revela que apenas a Constituição de 1988 operou
leira toma as variações na distribuição de recur- de fato mudanças expressivas em relação ao status
sos tributários como evidências de suas “sístoles quo.
e diástoles” – expressão empregada por Golbery
Este artigo pretende ainda apresentar uma in-
do Couto e Silva para descrever nossa federação.
terpretação alternativa à dos regimes políticos para
Esses sucessivos ciclos de centralização e
a evolução dos sistemas tributário e fiscal brasi-
descentralização fiscal seriam explicados pelas
leiro. Argumento que as assembléias nacionais
variações de regime político. Assim, a República
constituintes ou os períodos de intensa produção
Velha caracterizou-se pela descentralização fiscal,
legislativa nas áreas tributária e fiscal podem ser
entendidos como arenas decisórias específicas.
Elas constituíram-se em momentos críticos, em
que o leque de alternativas permitiria produzir al-
5 Em A Era do Saneamento, Gilberto Hochmann (1998)
terações significativas ao status quo. Entretanto,
mostra que a assimetria de recursos e capacidades estatais à medida que o sistema tributário e fiscal brasilei-
entre o estado de São Paulo e os demais estados da federa-
ção foi um elemento central na definição do desenho da
ro amadureceu, elevaram-se os custos de uma
política nacional de saúde publica no final da Primeira Re- eventual mudança de sua estrutura básica, dados
pública. tanto os investimentos envolvidos na instalação

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das máquinas arrecadadoras quanto os custos 1986; PRADO, 2001) e


políticos envolvidos na supressão de fontes de
f) autonomia para obtenção de empréstimos7
receita6. Tais fatores afetaram os cálculos e as
(VARSANO, 1996).
estratégias dos legisladores. Assim, não é a
redemocratização que explica a descentralização Com freqüência, as análises sobre a evolução
fiscal da Constituição Federal de 1988, mas as de nosso sistema tributário concentram-se em
deliberações da Assembléia Nacional Constituin- apenas uma dessas dimensões; quando as tratam
te. Se a dinâmica de sucessão dos ciclos acima em conjunto, desconsideram suas especificidades.
apresentada fosse suficiente para explicar as de- Esse tratamento tem duas conseqüências analíti-
cisões em matéria tributária, como explicar que o cas. A primeira é a conclusão já mencionada de
governo central foi bem-sucedido em diversas que a evolução do sistema seria caracterizada por
estratégias de recentralização fiscal nos anos 1990? ciclos sucessivos de centralização e
Não é a democracia que explica a reação descentralização, ignorando as dimensões espe-
centralizadora do governo central posterior a 1988, cíficas de ruptura e/ou continuidade. Assim fa-
mas as deliberações do Congresso Nacional bra- zendo, torna-se difícil identificar quais questões
sileiro. específicas foram objeto de disputa federativa. A
segunda conseqüência deriva dessa primeira: como
Examinar as deliberações das assembléias cons-
explicar os fatores que explicam os pactos fede-
tituintes nessa política setorial não é uma novida-
rativos nas áreas tributária e fiscal se o próprio
de na literatura brasileira. Este artigo pretende dar
objeto da disputa não está claramente identifica-
continuidade aos trabalhos que exploraram os efei-
do? As alternativas apresentadas em cada período
tos dessas arenas decisórias sobre a evolução dos
de produção legislativa são afetadas pelas deci-
sistemas tributário e fiscal (LEME, 1992; COS-
sões anteriores, seja pela avaliação de seus resul-
TA, 1994; SILVA, 1994; SOUZA, 1997; MELO,
tados (SKOCPOL, 1992), seja pelos custos para
2002).
reverter os investimentos já realizados para a
II. EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS TRIBUTÁRIO implementação de decisões anteriores (PIERSON,
E FISCAL 2000). Como investigar esses mecanismos sem
identificar claramente que dimensões da autorida-
Há pelo menos seis dimensões distintas da dis-
de tributária e fiscal foram objeto de disputa?
tribuição intergovernamental da autoridade tribu-
tária e fiscal que têm sido estudadas pelos analis- Argumento que, para melhor entender a evo-
tas, a saber: lução das disputas federativas em torno da autori-
dade tributária e fiscal, é útil examinar separada-
a) definição das áreas de tributação exclusiva
mente a evolução das decisões tomadas com rela-
(VARSANO, 1996; SOUZA, 1997; WILLIS,
ção a estas distintas dimensões. Adicionalmente,
GARMAN & HAGGARD, 1999; REZENDE,
é também frutífero examinar sua interdependência,
2001; LOPREATO, 2002);
isto é, o fato de que a decisão tomada com rela-
b) autonomia dos níveis de governo para legislar ção a uma afeta as alternativas em relação às de-
sobre seus próprios tributos (AZEVEDO & mais.
MELO, 1997; SERRA & AFONSO, 1999;
II.1. Áreas de tributação exclusiva
MELO, 2002).;
Desde sua origem, na Constituição de 1891, a
c) autoridade tributária sobre o campo residual
federação brasileira adotou o regime de separação
(STEPAN, 1999; SCHNEIDER, 2001);
das fontes tributárias. A primeira Constituição Fe-
d) sistema de transferências fiscais (GOMES & deral previu áreas de tributação exclusiva apenas
MACDOWELL, 1997; PRADO, 2001; para a União e os estados. Por sua vez, a segunda
REZENDE & CUNHA, 2002); Constituição Federal, em 1934, estabeleceu im-
e) vinculação de gasto das receitas (MEDEIROS, postos exclusivos dos municípios. A partir de en-

6 Sobre o impacto das decisões passadas nas decisões dos 7 Essa dimensão não será examinada neste artigo devido à
atores, ver Pierson (2000). dificuldade de coleta de dados e informações.

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tão, a distribuição das áreas de tributação exclusi- dos exclusividade da competência residual em
va alterou-se pouco na evolução do sistema tribu- matéria tributária, assim como estabelecia uma
tário brasileiro. Nessa dimensão particular, mu- quota-parte para os estados das receitas arreca-
danças lentas e graduais caracterizam os pactos dadas pela União8. Por outro lado, Rui Barbosa
federativos nas diversas constituições federais liderou uma aliança da União com os estados ex-
(VARSANO, 1996, p. 19). Em outras palavras, portadores (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Ja-
no caso brasileiro, a expansão da capacidade de neiro, Bahia, Pará e Amazonas) para manter o
arrecadação da União não foi derivada da supres- imposto de importação sob autoridade exclusiva
são de áreas de tributação exclusiva dos estados e do governo central.
municípios.
Na decisão final da Constituição de 1891, o
Na verdade, o papel da União como principal imposto de importação permaneceu sob autorida-
arrecadador foi historicamente o resultado de de tributária exclusiva da União. Quando compa-
mudanças no perfil da arrecadação operadas a partir rada à estrutura do Império, a União perdeu itens
dos anos 1940. Os impostos com base no merca- de receita, pois os impostos sobre exportações,
do interno – particularmente o Imposto de Renda de indústria e profissões e de transmissão de pro-
(IR), que era um imposto federal desde 1923 – priedade eram privativos da União no Império e
passaram a responder por parcela maior no total passaram a ser privativos dos estados na Consti-
da receita tributária do que os impostos baseados tuição de 1891 (COSTA, 1994, p. 67-69) (ver
no setor externo – sobre o qual incidiam os im- Quadro 1).
postos estaduais (LOPREATO, 2002, p. 25). Na
Entretanto, embora tenha perdido áreas de tri-
mesma direção, a expansão da capacidade de ar-
butação exclusiva, a proposta da União não foi
recadação tributária da União a partir de meados
derrotada na Constituinte de 1890. O resultado da
da década de 1960 decorreu basicamente da raci-
decisão em matéria de tributação exclusiva foi
onalização dos impostos federais, acompanhada
muito próximo do projeto apresentado pelo Go-
de ganhos em eficiência na máquina arrecadadora
verno Provisório. Como explicar essa decisão em
federal (VARSANO, 1996, p. 9).
vista do “poder dos estados na República Velha” e
Ainda que intensas disputas tenham sido tra- do contexto de forte reação federalista à centrali-
vadas em torno dessa dimensão da autoridade tri- zação fiscal do Império?
butária até meados dos anos 1940, o exame das
As regras decisórias e a composição da as-
decisões constitucionais revela que raríssimas
sembléia explicam esse resultado. O projeto origi-
foram as situações em que a expansão da capaci-
nal foi elaborado por uma comissão liderada por
dade de arrecadação de um nível de governo fez-
Rui Barbosa. Abertos os trabalhos da Assembléia
se às custas da supressão de fontes de autoridade
Constituinte, o projeto foi apreciado e emendado
tributária de um outro nível de governo (ver Qua-
pela “Comissão dos 21”, composta por um repre-
dro 1).
sentante de cada estado da União. Nessa arena,
A primeira grande disputa ocorreu, como não “muitas propostas foram apresentadas, modifican-
poderia deixar de ser, na Constituição de 1891. do o projeto original, quase sempre no sentido de
Na verdade, “a questão da discriminação das ren- reduzir a competência da União e de ampliar a dos
das entre a União e os estados será a mais estados” (idem, p. 61). Entretanto, no plenário,
longamente discutida na Assembléia, e foi ela que composto com base na regra de representação
provocou as clivagens mais profundas” (COSTA, proporcional à população, foram “decisivos os
1994, p. 57). As bancadas da região Nordeste votos das bancadas dos estados exportadores, São
haviam-se articulado em torno de um projeto ra- Paulo em particular, que colocava na Constituinte
dical de descentralização tributária, segundo o qual uma bancada coesa e articulada, [assim como]
os estados passariam a ter autoridade exclusiva pesava contra as posições que queriam reduzir os
sobre os impostos de exportação e de importa- poderes fiscais da União o fato de que tinham suas
ção, com base no argumento de que o imposto de
exportação não lhes forneceria as receitas neces-
sárias à sua autonomia fiscal. Júlio de Castilhos, 8 Observe-se que a proposta de constitucionalizar trans-
representante do Rio Grande do Sul, propunha um ferências federais, adotada pela Constituição de 1946, já
arranjo ultrafederalista, que reservava aos esta- estava presente nessa Assembléia Constituinte.

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QUEM TAXA E QUEM GASTA

forças divididas” (idem, p. 63). postas privaria os estados de 40% de suas recei-
tas (SILVA, 1994, p. 28-35).
A nova rodada da disputa federativa pelas áre-
as de autoridade tributária exclusiva ocorreu nos A parcela da bancada paulista favorável à
anos 1930. Em um contexto de generalizado extinção do Imposto de Exportação cedeu para
endividamento dos estados brasileiros, abusiva co- obter a adesão das bancadas do Nordeste, pois o
brança do imposto de exportação nas operações projeto do Governo Provisório contava com o
interestaduais e acentuada crise externa de crédi- apoio dos representantes classistas. Na decisão
to, o Governo Provisório federalizou as dívidas final, o Imposto de Exportação permaneceu sob
dos estados em troca da federalização do Impos- autoridade exclusiva dos estados, mas seu valor
to de Exportação. O comando político dos esta- não podia exceder 10% ad valorem e sem direito
dos entregue a interventores nomeados pelo go- a adicionais (idem, p. 34) (ver Quadro 1). Esse
verno revolucionário garantiram a obediência à resultado é menos explicado pelo ambiente de re-
medida. ação oligárquica às medidas centralizadoras da
Revolução de 1930 e mais explicado pela aliança
Se as condições particulares de centralização
das bancadas paulista e dos estados do Nordeste
da autoridade da Revolução de 1930 permitiram
em 1934 (GOMES, 1980, p. 50; SILVA, 1994, p.
essa medida, a autoridade exclusiva para taxar as
28-35). A proposta aprovada não coincidia com
exportações voltou a ser um issue na ANC de 1934.
as propostas originais de nenhuma das duas ban-
O anteprojeto do governo era francamente
cadas. Na verdade, ambas as bancadas agiram
centralizador: estabelecia a competência exclusi-
estrategicamente ao alterar suas propostas origi-
va da União sobre os quatro tributos mais rentá-
nais. A razão para essa decisão está na composi-
veis (consumo, importação, exportação e de ren-
ção do plenário da ANC de 1934. O Código Elei-
da); proibia os impostos interestaduais e
toral de 1932, que adotou pela primeira vez no
intermunicipais; retirava dos estados a competên-
Brasil o princípio de desproporcionalidade da re-
cia para tributar a licença predial e urbana, dei-
presentação, juntamente com a eleição da banca-
xando-lhes a competência exclusiva apenas sobre
da classista, explica porque São Paulo e os esta-
os impostos menos rentáveis: de transmissão de
dos do Nordeste aliaram-se para derrotar a União
propriedade, intervivos e causa mortis, de indús-
nesse item específico.
trias e profissões, cedular de renda e territorial.
Como na ANC de 1891, foi instituída uma comis- A derrota em 1934 sinalizou para o governo
são constitucional de representantes dos estados, federal os custos políticos de suprimir fontes de
com 26 membros, cujo relator era da bancada tributação dos estados, razão pela qual a centrali-
paulista. O substitutivo apresentado expressava o zação política do Estado Novo teve nulo efeito
esforço de uma aliança do relator – da bancada sobre o regime de separação de fontes tributárias
paulista – com as bancadas do Nordeste. Propu- (idem, p. 37-45). Entretanto, é plausível supor
nha a supressão gradual do Imposto de Exporta- que, naquele contexto, não havia fortes razões
ção, embora boa parte da bancada paulista prefe- para subtrair capacidade de arrecadação dos esta-
risse sua pura e simples extinção (dado seu cará- dos, de vez que o governo central controlava o
ter anti-econômico na conjuntura recessiva dos comando político nos estados, via nomeação dos
anos 1930) e as bancadas do Nordeste não admi- interventores, bem como tinha grande controle
tiam abrir mão dessa fonte de receita. Propunha sobre a gestão das políticas via Departamento
ainda que, como compensação fiscal, os impos- Administrativo do Serviço Público (DASP). Con-
tos sobre Vendas e Consignações (IVC), sobre o tudo, derrotado na ANC de 1934, Getúlio Vargas
consumo de gasolina e combustíveis de motores instituiu em 37 um Conselho Supremo que garan-
à explosão passassem para a competência exclu- tia à União a coordenação da política econômica e
siva dos estados, deixando para a União os im- tributária nacional. Juntamente com as decisões
postos de importação, consumo, renda e circula- da Constituição de 1934, essa decisão implicou a
ção. No plenário, entretanto, a proposta da su- federalização da autoridade para legislar sobre os
pressão gradual do imposto de exportação foi du- impostos dos governos subnacionais, dimensão a
ramente criticada, tanto pelas bancadas do Nor- ser examinada com mais detalhe no item II.2, a
deste quanto por representantes da bancada seguir.
paulista. Elas argumentavam que qualquer das pro-

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As constituições posteriores indicam que, a buscou manter o apoio das lideranças conserva-
partir da Constituição de 1934, assim como dessa doras civis que governavam os estados. Para tan-
decisão de Getúlio Vargas em 1937, a disputa fe- to, a reforma tributária implantada até 19679 limi-
derativa por fontes de receita tendeu a deslocar- tou-se a suprimir apenas o Imposto de Exporta-
se das áreas de tributação exclusiva para a das ção dos estados, deixando a seu cargo a arreca-
transferências fiscais. Os constituintes de 1946 dação do ICM, mas restringindo sua autonomia
não concentraram seus debates em torno de uma para legislar sobre o último.
nova modalidade de repartição de receitas, prefe-
A única alteração efetivamente significativa
rindo debater intensamente a fragilidade das re-
nessa dimensão ocorreu na Constituição de 1988,
ceitas municipais como uma evidência da fragili-
em que a taxação sobre combustíveis, energia elé-
dade de nosso federalismo (ibidem). Consolidado
trica, transportes, minerais e comunicação foi
o regime de separação de fontes tributárias, uma
transferida da União para os estados.
das principais inovações da Constituição de 1946
foi a adoção de um sistema de transferências fis- Portanto, a expansão na arrecadação da União
cais, pelo qual um nível de governo está consti- na história do sistema tributário brasileiro não ocor-
tucionalmente obrigado a transferir parte de suas reu às custas da supressão de áreas de tributação
receitas a outro, dimensão a ser examinada com exclusiva dos governos estaduais e municipais.
mais detalhe no item II.3. Até 1988, as sucessivas modificações na nature-
za do regime político não implicaram mudanças
Argumenta-se que a reforma tributária de
significativas na distribuição intergovernamental
1965-1967 suprimiu autoridade tributária dos go-
das fontes exclusivas de tributação. A decisão dos
vernos estaduais, porque transferiu o Imposto de
constituintes em 1988 de transferir os impostos
Exportação dos estados para a União (ver Quadro
únicos federais sobre eletricidade, produtos mi-
1). Na verdade, essa transferência teve bem me-
nerais, combustíveis e lubrificantes, serviços de
nos impacto do que se lhe atribui. Nos anos 1960,
comunicações e transportes, incorporando-os à
o Imposto de Exportação perdera importância nas
base de tributação do Imposto sobre Circulação
receitas estaduais para o Imposto sobre Vendas e
de Mercadorias e Serviços (ICMS), foi antes a
Consignações. Já em 1942, esse imposto repre-
exceção do que a regra na história do sistema tri-
sentava menos de 6% do total da receita tributária
butário brasileiro.
dos estados, ao passo que o IVC representava
43,5% (LOPREATO, 2002, p. 26). Na reforma No período posterior a 1988, nenhuma altera-
do regime militar, o IVC foi transformado em ICM ção significativa ocorreu nessa dimensão do sis-
(Imposto sobre Circulação de Mercadorias), per- tema tributário. Nesse sentido, é pouco preciso
manecendo sob autoridade exclusiva dos estados. afirmar – como é feito correntemente – que teria
Logo, a reforma não significou uma imposição ocorrido uma centralização da autoridade tributá-
significativa de perda de áreas de tributação ex- ria ao longo dos anos 1990. Nesse período – de
clusiva para os estados. acordo com a tendência histórica –, as reformas
na área tributária não ocorreram às custas da su-
A decisão de manter o ICM sob arrecadação
pressão de áreas de tributação exclusiva de esta-
exclusiva dos estados não foi derivada de restri-
dos e/ou municípios. Os custos políticos de im-
ções de ordem institucional. A reforma foi elabo-
por perdas dessa magnitude aos estados e muni-
rada por uma equipe técnica em gabinetes
cípios são muito elevados. Mas – reitero – isso
(VARSANO, 1996, p. 50-53) e sua aprovação foi
não é novidade na história do sistema tributário
possível devido ao fato de “encontrar menos obs-
brasileiro. Nem durante o Estado Novo e nem
táculos institucionais e políticos, bem assim me-
mesmo no regime militar – períodos de maior cen-
nos resistência por parte de interesses criados [...]”
(FGV, 1967, p. 172). Na verdade, há razões para
crer que o cálculo foi político. Desde o golpe mi-
9 O novo sistema foi implantado paulatinamente entre
litar – em abril de 1964 – até o Ato Institucional n.
2, em outubro de 1966 – quando foram suspensas 1964 e 1966: uma Emenda Constitucional – n. 18/65 –,
que, com algumas alterações, incorporou-se ao texto da
as eleições diretas para a Presidência da Repúbli- Constituição de 1967, e o Código Tributário, aprovado por
ca, governadores e prefeitos das cidades de mé- meio de Lei ordinária em 1966, foram os principais docu-
dio e grande porte –, o governo revolucionário mentos da reforma.

75
QUEM TAXA E QUEM GASTA

tralização federativa – reformas dessa magnitude servada. Observe-se que as variações no regime
foram adotadas. Além disso, à medida que essa político não explicam as variações na autoridade
estrutura de separação de fontes tributárias con- tributária, uma vez que elas dizem respeito ao tipo
solidava-se, os custos organizacionais e políticos de imposto controlado pela legislação federal e não
de alterações dessa ordem também se tornaram ao regime político.
crescentemente elevados.
Na verdade, a decisão de “atar as mãos” das
II.2. Autoridade tributária dos governos assembléias legislativas estaduais com relação ao
subnacionais sobre os próprios impostos Imposto de Exportação e “liberá-las” com relação
ao IVC é explicada pelas prioridades de política
À distribuição intergovernamental das fontes
econômica naquele contexto. Antes da Constitui-
tributárias deve-se agregar a autonomia de que
ção Federal de 1988, apenas a Constituição de 1891
dispõe cada nível de governo para legislar sobre
conferiu aos estados inteira liberdade para estabe-
seus próprios tributos. Vimos acima que a autori-
lecer as alíquotas sobre seus próprios tributos.
dade tributária permaneceu descentralizada e re-
Como conseqüência, em uma economia essenci-
lativamente inalterada ao longo da história do sis-
almente exportadora, os estados menos desenvol-
tema tributário brasileiro. Entretanto, a autoridade
vidos – vale dizer, não-exportadores – tributavam
dos estados e municípios para legislar sobre seus
as operações interestaduais como operações de
próprios impostos foi limitada durante todo o pe-
exportação, sendo infrutíferos os esforços da
ríodo do Estado desenvolvimentista.
União para impedir essa prática (COSTA, 1994,
As Constituições de 1934 e 1946, assim como p. 66; LOPREATO, 2002, p. 29). A Constituição
a do Estado Novo (1937), tenderam a reduzir a Federal de 1934 já restringia tanto a alíquota do
autonomia tributária dos estados sobre o Imposto Imposto Estadual de Exportação – a um máximo
de Exportação para evitar que seu uso abusivo de 10% – quanto sua cobrança nas operações en-
afetasse a competitividade dos produtos brasilei- tre os estados. O Estado Novo manteve a Consti-
ros no exterior e a integração do mercado interno. tuição de 1934 nesse aspecto. A Constituição Fe-
Essa decisão foi fortemente afetada pelo contexto deral de 1946 restringiu ainda mais essa alíquota,
recessivo do mercado internacional nos anos 1930. a um máximo de 5%. Preponderaram, portanto,
Na Constituinte de 1934 foi resultado do compro- nas assembléias constituintes as preocupações
misso da bancada paulista, que pretendia, na ver- quanto ao impacto negativo sobre a colocação de
dade, a supressão desse imposto. De qualquer produtos brasileiros no exterior derivados da au-
modo – fosse na ANC de 1934, fosse no Estado tonomia dos governos estaduais sobre essa fonte
Novo, fosse, ainda, na ANC de 1946 –, a compe- tributária, assim como as dificuldades para a ex-
tência exclusiva dos estados sobre o Imposto de pansão do mercado interno, derivadas da genera-
Exportação foi acompanhada da limitação consti- lizada e abusiva cobrança de impostos de expor-
tucional para regulamentar os termos de sua co- tação nas operações interestaduais. Essa decisão
brança. Mais do que isso, um tema fortemente foi, como vimos, resultado da aliança da bancada
debatido na ANC de 1946 foi a diversidade de paulista com a bancada dos estados do Nordeste
modalidades de regulamentação dos impostos co- na Constituição de 1934, não tendo sido objeto de
brados pelos estados e municípios (SILVA, 1994, alteração nas constituições posteriores.
p. 55). É interessante observar que os mesmos
A reforma tributária do regime militar foi a mais
constituintes que demandavam, em nome dos
centralizadora nesse aspecto (Quadro 1). Ao trans-
princípios federativos, a elevação das receitas tri-
ferir para a União a tributação exclusiva do Im-
butárias municipais, denunciavam, em nome do
posto de Exportação estava resolvido o problema
mesmo princípio, a autonomia dos entes federati-
de sua regulamentação. Como o IVC foi converti-
vos para regular seus próprios impostos.
do em ICM e mantido na órbita estadual, a refor-
Contudo, ambas as assembléias constituintes ma transferiu para a União a autoridade tanto para
autorizaram as constituições estaduais a estabele- definir suas alíquotas quanto para legislar sobre
cer as alíquotas do Imposto sobre Vendas e Con- sua isenção. Mas, observe-se, nesse aspecto a
signações, transferido para os estados desde a inovação do regime militar foi apenas de grau, no
Constituição de 1934. Assim, com relação àquele sentido de que aumentou o controle federal sobre
que veio a tornar-se o principal imposto dos esta- o principal imposto estadual. Todavia, a natureza
dos, a autonomia regulatória dos estados foi pre- desse tipo de autoridade, isto é, o fato de que a

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 69-85 JUN. 2005

autoridade sobre o principal imposto dos estados efeito da expansão das áreas de tributação.
está limitada pela legislação federal, não consti-
Desde a Constituição de 1891 até a Constitui-
tuiu nenhuma inovação do regime militar, pois já
ção de 1946, tanto os estados brasileiros quanto a
vinha sendo autorizada pelos constituintes desde
União sempre tiveram autonomia para explorar o
a Constituição de 1934.
campo residual de tributação, criando novos tri-
A reação a essa centralização, na Assembléia butos. Em outras palavras, a autoridade tributária
Constituinte de 1987-1988, teve como resultado sobre o campo residual foi historicamente des-
ampla autonomia para estados e municípios defi- centralizada, deixando de sê-lo apenas na reforma
nirem a legislação tributária de seus próprios im- do regime militar (Quadro 1). Paradoxalmente,
postos. Observe-se, portanto, que, no que diz res- apenas o Estado Novo conferiu aos estados a au-
peito à ampla autoridade para legislar sobre seus toridade tributária exclusiva sobre o campo resi-
próprios impostos, apenas a Constituição de 1988 dual, sem obrigação de repartição com os demais
representou uma ruptura em relação ao status quo, entes federativos (VARSANO, 1996, p. 4). Ob-
pois desde a Constituição de 1934 os estados ti- serve-se mais uma vez, portanto, que a variação
nham sua autoridade limitada pelas sucessivas dessa dimensão da autoridade não acompanhou
constituições federais. As reformas ocorridas no as variações de regime político. Não apenas essa
campo tributário posteriormente a 1988 não afe- dimensão permaneceu relativamente invariável ao
taram essa dimensão da autoridade de estados e longo do tempo – embora tenha sido objeto de
municípios, mas integram a agenda de reformas barganha em todas as ANCs –, como o período
do governo Lula, via projeto de unificação do em que os estados tiveram autoridade tributária
ICMS, devido a seus impactos sobre a política exclusiva sobre o campo residual foi o período de
econômica. maior centralização política, se considerarmos
apenas o período entre 1891 e 1964.
Nessa dimensão da autoridade tributária, por-
tanto, forjou-se ao longo do Estado A inflexão centralizadora da autoritária tributá-
desenvolvimentista um padrão de interferência da ria sobre o campo residual ocorreu apenas no re-
legislação federal nas decisões dos estados, em gime militar. Essa inflexão consistiu em proibir a
relação aos impostos que – embora arrecadados criação de novos impostos aos governos
exclusivamente pelos estados – eram estratégicos subnacionais, reservando essa autoridade apenas
para a estratégia nacional de desenvolvimento. para a União. Além disso, ficou reservada à esfera
Essa interferência ocorreu paralelamente à con- federal autoridade tributária exclusiva sobre a cri-
solidação do regime de separação de fontes tribu- ação de contribuições sociais10, não sujeitas à re-
tários. Se algum pacto federativo houve, ele con- partição com os demais entes federativos. Como
sistiu em conferir aos estados a autoridade exclu- já apresentado, isso foi possível graças às condi-
siva sobre áreas rentáveis de tributação, limitando ções centralizadas de aprovação parlamentar en-
entretanto sua autoridade para legislar sobre os tão imperantes.
impostos cuja arrecadação afetasse a política eco-
A autoridade exclusiva da União na criação de
nômica do governo federal. Portanto, não é o tipo
contribuições sociais e sobre o campo residual foi
de regime político que explica as variações, mas a
mantida pela Constituição de 1988 (LEME, 1992,
dimensão de autoridade tributária e o tipo de im-
p. 75). Parece paradoxal mais uma vez que a
posto em questão.
descentralização fiscal da Constituição de 1988 não
II.3. Autoridade tributária sobre o campo residual se tenha estendido ao campo residual de tributa-
Parte da evolução de um sistema tributário
consiste em expandir as áreas e setores constran- 10 O sistema tributário brasileiro faz distinção entre im-
gidos à taxação. Uma vez definidas as áreas de postos e contribuições. A principal diferença é que os pri-
tributação exclusiva, resta saber quais níveis de meiros somente podem entrar em vigor no ano seguinte à
governo estão constitucionalmente autorizados a sua aprovação por meio de emenda constitucional, ao pas-
explorar o campo residual de taxação, isto é, as so que as segundas podem ser criadas por meio de lei ordi-
nária e entrar em vigor 90 dias após sua aprovação. Os
áreas de atividade potencialmente taxáveis. Evi- governos estaduais e municipais somente podem cobrar
dentemente, o campo residual efetivo tende a res- contribuições para os sistemas previdenciários de seus pró-
tringir-se à medida que amadurece o sistema, pelo prios servidores.

77
QUEM TAXA E QUEM GASTA

ção. Não seria plausível supor, de acordo com a das fiscais, apenas aquelas que afetariam interes-
noção de que haveria um paralelo entre democra- ses de minorias dentro da ANC foram acatadas.
cia e poder dos governos locais no Brasil, que os Assim, o poder residual dos estados, cuja susten-
governos subnacionais reservassem para si a au- tação vinha basicamente da bancada paulista, foi
toridade sobre o campo ainda não tributado da suprimido da versão final submetida à plenária.
atividade econômica? As emendas propostas na plenária com a finalida-
de de recuperar a autoridade de estados e municí-
A decisão da ANC de 1987-1988 pode ser
pios sobre o campo tributário residual não conse-
explicada pela interação estratégica dos atores,
guiram obter aprovação. O reduzido número de
dadas as regras de operação dessa Assembléia e a
estados e municípios cuja base econômica torná-
composição das arenas decisórias, em um con-
los-ia potencialmente beneficiários dessa prerro-
texto de amadurecimento do sistema tributário
gativa tornou minoritário o número de constituin-
nacional.
tes interessados nesta questão (idem, p. 83ss.).
Diferentemente das constituições anteriores, a Como indicado mais acima, a autoridade tributá-
redação da nova Constituição não foi realizada por ria sobre o campo residual perde importância re-
uma única comissão nem apoiada em um projeto lativa à medida que amadurece um sistema tribu-
técnico previamente preparado (GOMES, 2002, tário, assim como interessa mais diretamente ape-
p. 10ss.). Sua redação iniciou-se pelo trabalho de nas a regiões com atividade econômica mais com-
24 subcomissões, fundidas posteriormente em 8 plexa e diversificada. Os benefícios concentra-
comissões temáticas, cujas propostas foram, fi- dos dessa prerrogativa levaram o plenário da ANS
nalmente, integradas por uma comissão de siste- de 1987-1988 a abdicar da prerrogativa da auto-
matização. As propostas da comissão de sistema- nomia federativa, apenando essencialmente a ban-
tização, por sua vez, foram votadas em dois tur- cada paulista. Pela mesma razão, esse não é um
nos em sessões plenárias. Na ANC, os principais tema da agenda federativa de reformas no campo
acordos com relação ao novo desenho tributário tributário.
foram selados no âmbito da Subcomissão de Tri-
A partir dos anos 1990, a exclusividade da
butos, Orçamento e Finanças e da Comissão de
União na cobrança de contribuições foi um dos
Tributos, Participação e Distribuição das Recei-
principais instrumentos do governo federal para
tas, em que governadores e prefeitos pressiona-
compensar as perdas fiscais decorrentes da
ram intensamente os constituintes e a União foi
descentralização fiscal de 1988, de vez que estes
omissa. O texto sofreu poucas modificações nas
não estão sujeitos à obrigação constitucional de
instâncias decisórias posteriores, fase em que a
partilha com estados e municípios (SOUZA, 1997,
União, ao perceber as perdas decorrentes dos acor-
p. 50; REZENDE & CUNHA, 2002; REZENDE
dos selados, pressionou intensa e inutilmentemente
& OLIVEIRA, 2003). A ampliação das alíquotas
para reverter as decisões (LEME, 1992, p. 148).
de contribuições federais – Contribuição Social
Na Subcomissão de Tributos, Participação e sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para
Distribuição das Receitas, os representantes dos o Financiamento da Seguridade Social (COFINS)
estados do Nordeste, Norte e Centro-Oeste – e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) –
majoritários por um voto – acordaram com as permitiu expressiva elevação da arrecadação do
bancadas de São Paulo e do Sul o fortalecimento governo federal11. Um segundo componente da
da autonomia tributária estadual em troca do au- estratégia foi a criação de novas contribuições,
mento nas alíquotas das transferências federais. que têm a vantagem de poderem ser cobradas 90
O acordo incluía que a autoridade tributária sobre dias após sua aprovação por meio de lei ordinária.
o campo residual voltasse a ser exclusiva dos es-
tados. A proposta, entretanto, não agregava a to-
talidade das bancadas do Sudeste e do Sul, ao 11 A CSLL aumentou sua participação na receita do setor
contrário da proposta de constitucionalização das público de 0,9% em 1989 para 3% em 1992. O IOF, que
transferências federais, que agregava a totalidade representava 0,7% da receita do setor público, passou a
representar 2,5% em 1992 (Pessoa e Malheiros apud SOU-
das bancadas do Norte, Nordeste e Centro-Oes-
ZA, 1997, p. 50-51). Os impostos sujeitos à contribuição
te. Quando, já na Comissão de Sistematização, a representavam 51% da receita do setor público em 1988 e
União tentou reverter os acordos selados ao lon- caíram para 42% em 1992 (Afonso apud SOUZA, 1997,
go do processo constituinte que lhe imporiam per- p. 51).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 69-85 JUN. 2005

A mais notável delas é a contribuição sobre as arrecadação dos impostos federais sobre combus-
operações em contas bancárias. O Imposto Tem- tíveis, minerais e energia elétrica para serem dis-
porário sobre Movimentações Financeiras (IPMF) tribuídos para os estados e municípios, assim
foi aprovado em 1993, mas um mês após sua cri- como 10% da arrecadação federal do IR para os
ação foi considerado inconstitucional pelo poder municípios e 40% do total da arrecadação dos
Judiciário. Em 1996, essa fonte federal de receita estados para seus respectivos municípios12. A
foi recriada, agora como Contribuição Provisória centralização fiscal do regime militar consistiu em
sobre a Movimentação Financeira (CPMF), com restringir progressivamente as alíquotas dos im-
base em uma coalizão suprapartidária para con- postos federais de repartição obrigatória, sendo
tornar uma crise no financiamento da política de que seu ápice ocorreu em 1968, quando o total
saúde (PIOLA & BIASOTO JÚNIOR, 2002, p. das transferências constitucionais da União a es-
220). Em 1998, a CPMF foi novamente prorro- tados e municípios somava 10% da arrecadação
gada, sua alíquota foi aumentada e suas receitas do IR e do Imposto sobre Produtos Industrializa-
deixaram de ser destinadas exclusivamente à po- dos (IPI). Por sua vez, a progressiva distensão
lítica de saúde. Na reforma do governo Lula, a do regime político a partir de meados dos anos
CPMF tornou-se permanente. 1970 foi diretamente acompanhada de progressi-
va ampliação das alíquotas de transferência obri-
II.4. Sistema de transferências fiscais
gatória da União para estados e municípios. Elas
Desde a Constituição de 1934, o Brasil desen- passaram de 5% em 1975 para 14% e 17%, res-
volveu um complexo sistema de transferências pectivamente, até 1988. Finalmente, a Constitui-
fiscais. A característica desse primeiro arranjo foi ção de 1988 estabeleceu as maiores alíquotas de
inteiramente distinta do modelo que veio a estabe- transferência constitucional da história brasileira:
lecer-se. Em 1934, o fluxo das transferências o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e o
constitucionais deveria operar dos estados para a Fundo de Participação dos Municípios (FPM) têm
União e seus respectivos municípios. Desde a como fonte de receita a soma de 44% da receita
Constituição de 1946, contudo, tanto o governo de dois impostos federais13 (Quadro 2)14.
federal deve transferir parte de sua receita tribu-
Entretanto, nos governos Fernando Henrique
tária para estados e municípios quanto os gover-
nos estaduais devem fazê-lo para seus respecti-
vos municípios (Quadro 2). 12 As intenções dos constituintes de 1946, contudo, não
A Constituição de 1946, portanto, inaugurou o se transformaram em realidade. A maioria dos estados ja-
tipo de arranjo que vigora até hoje, pelo qual re- mais transferiu os 30% do excesso de arrecadação aos mu-
gras relativas a transferências constitucionais im- nicípios. As cotas federais do Imposto de Renda somente
começaram a ser distribuídas em 1948 e eram calculadas em
plicam que a União opere como arrecadadora subs- um ano, com base na arrecadação do ano anterior, para
tituta para estados e municípios, bem como os distribuição no ano seguinte; assim, seu valor real era larga-
estados para seus respectivos municípios mente consumido pela inflação. A despeito disso, a
(VARSANO, 1996, p. 5-6). Na verdade, a maior municipalização das transferências criou forte incentivos à
parte da literatura que trata de ciclos da centrali- criação de novos municípios: eles passaram de 1 669 em
1945 para 3 924 em 1966 (VARSANO, 1996, p. 6).
zação (de 1965-1967) e da descentralização (cons-
tituições federais de 1946 e 1988) do sistema fis- 13 A reforma tributária de 1965-1967 criou o Fundo de
cal brasileiro refere-se basicamente a essa dimen- Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos
são da repartição do bolo tributário. A partir da Municípios, compostos por um percentual sobre a arreca-
dação federal do Imposto de Renda e do Imposto sobre
Constituição de 1946, a parte mais expressiva do Produtos Industrializados. Esses percentuais eram de 5%
embate federativo em torno da questão tributária para cada Fundo em 1968 e passaram a 21,5% e 22,5%,
disse respeito fundamentalmente à extensão em respectivamente, com a Constituição de 1988. Os Fundos
que a União operaria como arrecadadora substi- de Participação movimentavam em 1997 cerca de 20% do
tuta dos estados e municípios. Na prática, a so- total da receita administrada pela União (PRADO, 2001,
fisticada metáfora das sístoles e diástoles do sis- p. 54).
tema fiscal diz respeito basicamente às alíquotas 14 As transferências constitucionais dos governos estadu-
aplicadas para a repartição obrigatória dos impos- ais para seus municípios, por sua vez, pouco variaram
tos arrecadados pelo governo federal. entre a centralização fiscal do regime militar e a Constitui-
ção de 1988. Segundo esta, os governos estaduais devem
Os constituintes de 1946 destinaram 60% da transferir aos municípios 25% da arrecadação de seu prin-

79
QUEM TAXA E QUEM GASTA

Cardoso e Lula, o poder Executivo federal foi ca- da constitucional sem o apoio do partido da maio-
paz de aprovar legislação que parcialmente rever- ria, dado o controle majoritário da ARENA nas
te essas decisões da Constituição de 1988. O Fun- câmaras federais e a regra de disciplina partidária.
do de Estabilização Fiscal e a Desvinculação de Assim, é muito plausível a hipótese de que a
Receitas da União têm permitido que o governo descentralização fiscal resultou da barganha das
central retenha sistematicamente cerca de 1/5 das elites estaduais da ARENA, o partido de sustenta-
transferências constitucionais obrigatórias. Ainda ção dos militares do governo central, que preferi-
que sejam intensas as pressões para o aumento ram constitucionalizar o sistema de transferênci-
das alíquotas de FPM e FPE, essas pressões não as fiscais para reduzir seu grau de subordinação
têm conseguido traduzir-se em legislação até o em relação aos líderes militares que controlavam
momento. o governo federal.
Duas questões merecem ser observadas. Em Como já destacado anteriormente, na ANC de
primeiro lugar, como já mencionado mais atrás, a 1987-1988, a descentralização fiscal pode ser
barganha federativa por recursos tributários con- explicada pelas regras dos trabalhos legislativos e
centrou-se nas transferências fiscais à medida que pela composição das arenas em que as decisões
se consolidou o regime de repartição de receitas. foram tomadas. A primeira etapa de formulação
Em segundo lugar, observe-se que, com relação a ocorreu na Subcomissão de Tributos, Participa-
essa dimensão, a legislação aprovada na década ção e Distribuição de Receitas; nela, os principais
de 1990 não autoriza mais uma vez que se estabe- postos, de Presidente e Relator, foram ocupados
leça uma relação direta entre variações no regime por dois representantes de estados da região Nor-
político e variações nas alíquotas de repartição deste15. Na Subcomissão havia um grande con-
obrigatória. senso em torno da proposta de aumentar as recei-
tas de estados e municípios, mantendo o governo
O projeto de “distensão lenta, gradual e segu-
federal na função de principal arrecadador de tri-
ra” do regime militar foi acompanhado de pro-
butos. A concepção favorável à maior autonomia
gressiva descentralização do sistema fiscal. Essa
tributária e maior esforço de arrecadação própria
descentralização aumentou o poder de barganha
por parte dos governos subnacionais era
das bases estaduais da Aliança Renovadora Naci-
minoritária. Além disso, enquanto as bancadas do
onal (ARENA), dada sua importância para a es-
Norte, Nordeste e Centro-Oeste tendiam a alinhar-
tratégia de legitimação do regime pela via eleitoral
se com a proposta de aumento das transferências
(ABRUCIO, 1998, p. 82ss.). Já em 1975 foi apro-
constitucionais e dos fundos especiais, as banca-
vada uma emenda constitucional que elevava pro-
das do Sul e do Sudeste dividiam-se em relação às
gressivamente as alíquotas do FPE e FPM. A par-
reivindicações de autonomia tributária. A mais
tir de então, novas emendas constitucionais au-
importante decisão dessa Subcomissão disse res-
mentaram progressivamente essas alíquotas, em
peito ao aumento das transferências constitucio-
um processo crescente de descentralização fiscal
nais para estados e municípios, bem como da
que se completou com a Constituição de 1988.
constitucionalização e ampliação do Fundo Espe-
Ainda não disponho de dados sobre essas vota-
cial (FE) – que no regime militar destinava 2% da
ções. Entretanto, até 1982 – quando os partidos
arrecadação do IR e IPI para o Norte e Nordeste
de oposição conquistaram o governo de alguns
– para 3% desses impostos, incluindo a região
estados –, a constitucionalização das transferên-
Centro-Oeste como beneficiária. A inclusão da
cias fiscais automáticas somente interessava às
região Centro-Oeste no grupo dos estados menos
elites estaduais da ARENA, que governavam os
desenvolvidos a serem beneficiados pelo FE ga-
estados. Essa constitucionalização não interessa-
va ao partido da oposição, que não governava ne-
nhum estado da federação. Além disso, seria pra-
15 O Partido do Movimento Democrático Brasileiro
ticamente impossível a aprovação de uma emen-
(PMDB) tinha maioria nessa subcomissão e sua liderança
indicaria um Deputado do Rio Grande do Sul para a Presi-
dência da Subcomissão. Todavia, a escolha de Benito Gama
(Partido da Frente Liberal (PFL)-BA) deu-se por uma vo-
cipal imposto. Na Reforma Tributária do regime militar, os tação de 11 a 10, em que as bancadas nordestina e nortista
estados deviam transferir 20% de sua receita de impostos do PMDB não obedeceram à orientação da liderança (LEME,
aos seus municípios. 1992, p. 144ss.).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 69-85 JUN. 2005

rantia a maioria na subcomissão16. Por outro lado, maioria dos constituintes preferiu um arranjo em
a autonomia na fixação dos próprios impostos foi que a União operaria como arrecadador substitu-
uma concessão da bancada dos estados do Nor- to, ampliando as alíquotas das transferências cons-
te, Nordeste e Centro-Oeste à bancada paulista. titucionais e reduzindo a quase zero a vinculação
O resultado desse acordo foi ter a União como de gasto dessas receitas. Os acordos realizados
perdedora (LEME, 1992, p. 97ss.). com o Presidente e o Relator reiteraram o acordo
já firmado na Subcomissão: autonomia tributária
Uma proposta para criação de uma fonte de
sobre os próprios impostos e ampliação das trans-
receita federal de recursos para viabilizar a
ferências dos fundos de participação. No que diz
descentralização de responsabilidades foi apresen-
respeito à distribuição horizontal desses recursos,
tada já na Subcomissão de Impostos e Distribui-
não foi possível obter um acordo, transferindo-o
ção de Receitas17, mas foi sistematicamente der-
para legislação complementar, de molde a acomo-
rotada nas diversas etapas do processo constitu-
dar os conflitos. Esse acordo, contudo, ocorreu
inte (SOUZA, 1997, p. 65ss.). O relator da Co-
às custas de aumentadas perdas para a União, isto
missão sobre Sistema Tributário, Orçamento e
é, elevação dos percentuais de transferência cons-
Finanças alertou explicitamente sobre o risco
titucional dos fundos de participação (LEME,
envolvido na descentralização fiscal desacom-
1992, p. 83ss.)20.
panhada de descentralização de competências.
Portanto, essa decisão dos constituintes foi to- Nas fases posteriores do processo constituin-
mada deliberadamente18. te, a União tentou inutilmente reverter os acordos
selados nas fases anteriores. Teve suas propostas
A Comissão do Sistema Tributário, Orçamen-
aprovadas apenas com referência a aspectos mar-
to e Finanças, por sua vez, teve como Presidente
ginais do desenho já esboçado, naqueles tópicos
e Relator dois representantes da região Sudeste –
cujos benefícios eram tão concentrados que não
respectivamente, Francisco Dornelles (Partido da
mobilizavam maiorias (idem, p. 182). A aprova-
Frente Liberal (PFL)-RJ) e José Serra (Partido do
ção nas sessões plenárias foi por esmagadora
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)-SP)
maioria – 326 de um total de 376 constituintes
–, com experiência na área de finanças públicas,
(idem, p. 175).
mas as bancadas dos estados do Norte, Nordeste
e Centro-Oeste tinham maioria em relação às ban- II.5. Vinculação de gastos
cadas do Sudeste e do Sul19. Nessa Comissão a
A Constituição Federal de 1946 inaugurou tam-
bém um sistema de vinculações constitucionais
de gasto das receitas dos governos subnacionais.
16 A composição dessa Subcomissão era a seguinte: Norte: 2
Entretanto, nessa constituição, a vinculação de
PMDB; Nordeste: 3 PMDB, 4 PFL, 2 PDS Partido Demo- gasto das transferências destinava-se aos estados,
crático-Social (PDS), 1 Partido Trabalhista Brasileiro (PTB);
estabelecendo que 48% dos impostos únicos trans-
Centro-Oeste: 1 PMDB; Sudeste: 3 PMDB, 1 PFL, 1 Partido
Democrático Trabalhista (PDT), 1 Partido dos Trabalhadores feridos deveriam ser empregados em despesas de
(PT), 1 Partido Liberal (PL), 1 Partido Democrata-Cristão capital, setorial e funcional.
(PDC); Sul: 3 PMDB (LEME, 1992, p. 145).
No regime militar, a quase totalidade das trans-
17 A proposta foi apresentada pelo Deputado paulista
ferências constitucionais estava vinculada a itens
José Serra. Previa um fundo federal que, acompanhando a pré-definidos de gasto. Dado que a União era a
ampliação das transferências constitucionais, permitiria a
principal arrecadadora e as transferências consti-
transferência de competências federais para estados e mu-
nicípios, em um prazo de cinco anos (ver SOUZA, 1997, tucionais eram reduzidas, as transferências nego-
p. 72ss.). ciadas eram o principal mecanismo de acesso dos
18 O Relator da Comissão, Deputado José Serra, teria governos subnacionais a fontes adicionais de re-
alertado o Presidente Sarney sobre o risco que estava em
curso, mas o Presidente tê-lo-ia orientado a aprofundar o
processo de descentralização (SOUZA, 1997, p. 80). 20 Na proposta da Comissão, os municípios perderiam o
19 A composição desta comissão era a seguinte: Norte: 5 imposto sobre serviços e, em compensação, teriam aumen-
PMDB; Nordeste: 9 PMDB, 12 PFL, 2 PDS, 1 PTB; tado de 20% para 25% a alíquota de repartição do ICMS
Centro-Oeste: 3 PMDB: Sudeste: 9 PMDB, 2 PFL, 2 PDT, estadual. Durante o processo constituinte, o aumento de
2 PT, 1 PTB, 1 PL, 1 PDC; Sul: 8 PMDB, 1 PFL, 1 PDS, alíquota foi mantido e a abolição do ISS foi reinstituída
1 PDT (LEME, 1992, p. 157). (SOUZA, 1997, p. 65ss).

81
QUEM TAXA E QUEM GASTA

ceita, de tal sorte que eles transformaram-se em receitas em saúde. Para os municípios, essa
executores locais de políticas formuladas pelo vinculação deverá atingir o patamar de 15% das
governo federal (MEDEIROS, 1986, p. 418). receitas. Finalmente, a Lei de Responsabilidade
Fiscal estabelece limites para o gasto com pessoal
Em processo paralelo ao da ampliação das
ativo e inativo, limites para endividamento, bem
alíquotas das transferências constitucionais, a
como institui o apenamento jurídico e pessoal aos
abertura política a partir de meados dos anos 1970
governantes que tiverem comportamento de gas-
fez-se acompanhar de progressiva desvinculação
to incompatível com a austeridade fiscal. Portan-
das receitas fiscais de estados e municípios. As-
to, a reação do governo federal à desvinculação
sim, em 1982, a vinculação constitucional de gas-
do gasto que emergiu da Constituição de 1988
to dos municípios estava reduzida a apenas 20%
consistiu em regulamentar progressivamente as
das receitas a serem obrigatoriamente aplicadas
decisões de gasto dos governos estaduais e muni-
em ensino. Finalmente, na Constituição Federal
cipais. Essa regulamentação foi possível graças à
de 1988, as transferências constitucionais da União
centralização do processo decisório na arena par-
passaram a funcionar como block grants, isto é,
lamentar (FIGUEIREDO & LIMONGI, 1999). Na
poderiam ser gastas de modo praticamente livre
verdade, o exame do processo decisório dessas
pelos governos subnacionais. A decisão da ANC
medidas de centralização da agenda de gasto dos
de 1988 proibia expressamente a vinculação de
governos subnacionais revela que o governo fe-
gasto de receita derivada de impostos, com a úni-
deral não encontrou resistências significativas para
ca exceção feita à educação: a União deve gastar
sua aprovação (ARRETCHE, 2002).
18% de sua receita disponível21 nessa rubrica de
gasto, assim como governos estaduais e munici- III. CONCLUSÕES
pais devem gastar 25% dessas receitas em ensi-
Este trabalho pretendeu demonstrar que a de-
no.
sagregação de distintas dimensões da distribuição
Assim como com relação às transferências de autoridade nas áreas tributária e fiscal permite
constitucionais, a trajetória das vinculações cons- analisar com maior precisão processos de centra-
titucionais de gasto do regime militar para a Cons- lização e descentralização. Na história brasileira, a
tituição de 1988 sugere um paralelo entre regime adoção de um sistema descentralizado de separa-
político e centralização-descentralização fiscal. ção de fontes tributárias não sofreu rupturas alta-
Entretanto, esse paralelo não se estende ao perío- mente significativas ao longo de sua história, ten-
do democrático, posterior a 1988. A União não do consolidado suas características básicas já nos
apenas passou a reter parte das transferências anos 1940. Ainda que a arrecadação tributária te-
constitucionais como também ampliou progressi- nha sido historicamente descentralizada, a União
vamente a regulamentação das decisões de gasto consolidou-se como a principal arrecadadora. À
dos governos subnacionais. Em 1996, a aprova- consolidação desse sistema correspondeu limita-
ção do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da autonomia dos governos estaduais para legis-
do Ensino Fundamental e de Valorização do Ma- lar sobre os impostos que afetariam as políticas
gistério (Fundef) – por meio da Emenda Consti- de desenvolvimento econômico durante todo o
tucional n. 14/96 – estabeleceu que, pelo prazo de período do Estado desenvolvimentista. A única
10 anos, estados e municípios devem aplicar no ruptura significativa desse padrão de delegação de
mínimo 15% de todas as suas receitas exclusiva- autoridade à Constituição Federal ocorreu na Cons-
mente no ensino fundamental. Além disso, 60% tituição de 1988, pelo efeito de um acordo que
destes recursos devem ser aplicados exclusiva- combinou as preferências tributárias e fiscais das
mente no pagamento de professores em efetivo bancadas das regiões Norte, Nordeste e Centro-
exercício do magistério. Posteriormente, em 2000, Oeste, de um lado, e do Sul e Sudeste, particular-
foi aprovada uma nova emenda à Constituição (a mente São Paulo, de outro.
EC n. 29/2000), estabelecendo que até 2005 os
No processo de expansão do sistema tributá-
estados devem gastar no mínimo 12% de suas
rio brasileiro, o poder residual de tributação per-
maneceu ilimitado para os diversos níveis de go-
verno, à exceção do Estado Novo, em que, para-
21 Receita disponível = receita tributária própria +/- trans- doxalmente, ele era exclusivo dos estados. Mas a
ferências constitucionais. centralização da autoridade sobre o campo resi-

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 69-85 JUN. 2005

dual de tributação, inaugurada pelo regime militar, de gastos dos governos locais foi reduzida. Na
deixou de ser uma questão capaz de mobilizar história do sistema fiscal brasileiro, à
coalizões majoritárias na federação. Na ANC de descentralização das transferências fiscais não
1988, a proposta de estender o poder residual aos correspondeu a autonomia dos governos
estados foi facilmente derrotada pela União, que subnacionais sobre suas decisões de gasto. A nor-
perdeu com relação a quase todos os itens de na- ma da federação brasileira tem sido a legislação
tureza tributária e fiscal. federal definir extensamente a agenda de gasto dos
governos subnacionais.
Uma vez consolidado o regime de separação
de fontes tributárias, a disputa federativa por re- É arriscado afirmar que há um padrão nos sis-
cursos concentrou-se no sistema de transferên- temas tributário e fiscal brasileiros, devido às rup-
cias fiscais. A União foi capaz de reduzir substan- turas que de fato ocorreram ao longo do tempo.
cialmente suas obrigações constitucionais de trans- Entretanto, se alguma característica foi mais pre-
ferir parte de sua receita para estados nos perío- ponderante, é a da (i) descentralização de receitas
dos em que as regras de operação das arenas – seja da autoridade para arrecadar, seja pela ga-
decisórias favoreceram o governo central, no re- rantia de transferências constitucionais –, com (ii)
gime militar e no período posterior a 1988. Além centralização da arrecadação no governo federal
disso, a criação de um sistema de transferências – devido a seu papel de principal arrecadador –,
fiscais foi, por sua vez, acompanhada pela regu- acompanhadas de (iii) centralização da autoridade
lamentação federal sobre as decisões de gasto dos sobre as decisões de arrecadação e de gasto, isto
governos subnacionais. Apenas sob condições de é, limitação da autonomia dos governos
elevada descentralização da autoridade política – subnacionais para a regulamentação da cobrança
tais como o Regimento Interno da ANC de 1987- de impostos e do destino do gasto.
1988 – a regulamentação federal sobre a agenda

Marta Arretche (arretche@usp.br) é Doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campi-
nas (UNICAMP), professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP)
e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP).

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85
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 263-267 JUN. 2005
ABSTRACTS

Versão dos resumos para o inglês: Miriam Adelman


WHO TAXES AND WHO SPENDS: THE FEDERATIVE BARGAIN IN THE BRAZILIAN
FEDERATION
Marta Arretche
This article analyzes the relations of autonomy and coordination of the Brazilian federation, through
examination of the trajectory of fiscal and taxation decisions. It disaggregates different dimensions
of the phenomenon and concludes that, in Brazilian history, federative disputes have been dislocated
from the areas of exclusive taxation to a system of fiscal transfer. Furthermore, the Brazilian model
has tended to combine de-centralization formulas with centralized authority on decisions regarding
collecting and spending, that is, the limitation of sub-national government’s autonomy for regulation
of tax collection and spending. Changes in political regime are not a sufficient explanation for
changes in the fiscal and tax systems; the centralization of decision-making and the pattern of
alliances in each particular arena provide better explanations for the variation that occurs.
KEYWORDS: tax federalism; fiscal transfer; political bargains.
* * *

263
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA Nº 24: 271-276 JUN. 2005
RÉSUMÉS

Versão dos resumos para o francês: Maria Fernanda Araújo Lisboa


QUI TAXE ET QUI DEPENSE : LE TROC FEDERATIF DANS LA FEDERATION
BRESILIENNE
Marta Arretche
Cet article analyse les relations d’autonomie et de coordination de la fédération brésilienne, en
examinant la trajectoire des décisions en matière fiscale et tributaire. Il observe plusieurs dimensions
de la question et conclut que, dans l’histoire brésilienne, les disputes fédératives se sont déplacées
des aires de tributation exclusive vers le système de transferts fiscaux. En outre, le modèle brésilien
réunit la décentralisation de recettes avec la centralisation de l’autorité sur les décisions de perception
et de dépense, c’est-à-dire la réduction de l’autonomie des gouvernements sousnationaux quant à la
régulation de la collecte d’impôts et la destination des dépenses. Les changements du régime politique
ne suffisent pas à expliquer les changements dans le système tributaire et fiscal ; la centralisation
décisoire et le standard des alliances dans chaque arène spécifique permettent de mieux expliquer
les variations.
MOTS-CLÉS: fédéralisme tributaire; transferts fiscaux; trocs politiques.
* * *

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