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A OMC: um laboratório para gerir a

globalização”
11/11/2006

“A OMC: um laboratório para gerir a globalização”, foram essas as palavras utilizadas por
Pascal Lamy, Diretor Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), em 1º de novembro
de 2006, na Conferência Malcolm Wiener, ocorrida na Faculdade de Administração Pública John
F. Kennedy da Universidade de Harvard. Será mesmo esse o papel da OMC? Segundo os
interesses de quem?

A globalização ganhou intensidade após o término da Segunda Guerra Mundial, quando houve
uma reorganização do espaço mundial, fazendo nascer mudanças de ordem estrutural em
diversas áreas. Diferente não poderia mesmo se passar, já que o século XIX era testemunho de
significativas transformações político-econômicas e, ao que tudo levava a crer, notadamente por
causa da Segunda Guerra Mundial, o século XX não seria diferente.

Resultado quantitativo e qualitativo de tantas mutações, o fenômeno global avançou: indistinto,


apátrida, espraiou-se através dos cenários econômico, político e jurídico, além de continuar
envolvendo outras áreas. A globalização refere-se, em síntese, à história do capitalismo,
tornando-se difícil descolar um do outro. Dessa forma, quando determinados eventos
econômicos entraram em acelerado desenvolvimento, uma série de acontecimentos disparou
como mola desarticuladora do sistema internacional.

Nesse contexto, também surgiu a OMC que, em 1947, era Acordo Geral sobre Tarifas e
Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade), conhecido por GATT. O GATT funcionou
como um grande centro de negociações multilaterais até a emergência da Organização Mundial
do Comércio (OMC), propriamente dita, em 1995. A evolução do sistema multilateral, através da
OMC, deveria liberalizar o comércio entre os Estados-membros, a partir de compromissos no
âmbito do direito internacional econômico com vista ao desarmamento tarifário e à resolução de
possíveis litígios, de forma institucionalizada.
Atualmente, duas concepções podem ser levadas em consideração acerca das ações da OMC.
Primeiro, que a emergência de um organismo internacional regulador do comércio foi positivo
para as relações externas à medida que trouxe estabilidade ao sistema. Segundo, que o prometido
livre comércio entre os Estados-membros, na verdade, não trouxe a prometida igualdade de
tratamento.

Para os países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil, há muitas barreiras a desfazer, em


especial nos grandes mercados: União Européia e Estados Unidos. O próprio Lamy reconhece
(veja o discurso completo em: www.wto.org) que a OMC está longe de ser um modelo perfeito,
mas seria, em todo o caso, um laboratório para aprender a aproveitar as forças da globalização e
contribuir para estabelecer um sistema de Governança mundial. Nesse ponto é que temos
problemas. Será que queremos absorver os valores da OMC para gerir a globalização e promover
uma Governança mundial?

O termo “Governança” utilizado por Lamy vem da França do Século XII, na qualidade de
expressão técnica para designar a administração de jurisdições ou domínios. Esse conceito
desaparece no Século XVI com a aparição do Estado. Governança e Governo, portanto, são
idéias diferentes. Governo é um conceito que vem atrelado à concepção de Estado e de
legitimidade dos representados (o povo, supostamente).

Em Governança essa idéia desaparece, à medida que se caracteriza pela adoção de decisões que,
através de consulta e diálogo, busca a coexistência dos participantes. A proposta, em síntese, é
que a OMC assumisse essa Governança mundial, na qualidade de laboratório mais propício para
gerir a globalização e as trocas mundiais. Dessa forma, saem de cena os Estados e ingressam os
interesses internacionais das empresas globais, dos grandes grupos financeiros, dos círculos de
poder articulados.

Desconhece-se, nessa proposta, quem representaria o pequeno produtor ou mesmo o povo que, se
não tiver com o que fazer comércio, ficará à margem do processo. Cumpre lembrar que a Rodada
de Doha deveria ter significado um avanço para os países em desenvolvimento, mas restou
prejudicado pelos interesses, por exemplo, dos produtores agrícolas subsidiados da União
Européia e dos Estados Unidos. Falar em Governança parece uma ameaça e não uma solução. A
OMC, por sua vez, na qualidade de laboratório da globalização, reflete uma mistura explosiva.

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