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A matemática dos amantes

Uma crônica integrante do meu livro “O Tudo Que Sobrou”, que será lançado na
próxima terça-feira, em formato digital, exclusivamente. Pra dar um gostinho no
que vem por aí.

Às vezes fica difícil conciliar gostar de alguém com nossas fases da vida. Os planos de
viajar e estudar em Orlando, Marselha ou Dubai, a alta e quente temporada com toda
sua curtição e ressaca, o rompimento de um namoro de dois anos, há quinze dias. Tudo
desculpa contra o amor e sua impontualidade, que continuamente estorva caminhos e
desvia rotas. Então deixa pra depois. O amor pode esperar, certo?

Certo para você que é daqueles que não aprenderam a acepção do amor. Penso, logo não
sinto, não vivo, não amo. Em cartaz, o complexo de Romeu e Julieta. Sua afeição é
pelas experiências plásticas, pelas projeções enganosas. Apaixona-se por estar
apaixonado, por estar namorando, pela virtuose de amar. Mas no fundo não gosta de
ninguém, desconhece que amar é dividir, aceitar, ceder, adorar e o mais importante:
deixá-lo acontecer. O amor é maior que você, logo dá as cartas e a gente obedece
prestando reverência subalterna. Amém. Do contrário, ele passa a vez aos mais
interessados. Sai sem dizer que hora volta.

Seu objeto de amor, ou melhor suas conjunções favoritas são o “mas”, o “porém”, o
“contudo”. Feitas para acomodar palavras dentro de frases e desagrupar pessoas nas
situações impostas pelo acaso ou destino, conforme crença. Eu gosto dela, mas ela ouve
Rio Negro e Solimões a 50 decibéis. Eu amo ele, porém o desgraçado mora em
Horizontina e eu em Porto Alegre. Sou apaixonado por ela, contudo tenho uma noiva
legalzinha. Ora, ninguém ama alguém por gosto musical, divisas ou estado civil. São
apenas balizas ou breves empecilhos. O “se” é uma boa e educada maneira de dizer a
verdade. A pessoa simplesmente não está a fim de você.

Quem ama cuida, quem gosta quer estar perto, quem adora sabe que amor é verbo e não
substantivo, é uma aventura diária carnal e emocional, não uma moldura bonita e
pertinente a enfeitar as paredes da sua vida. Amor é manco de gramática, sendo quase
tão certo quanto matemática, entretanto não aceitando resultados inexatos, com vírgula
ou aposto. Todo pormenor a dividir duas pessoas deve levar nas costas qualquer nome.
Amizade, capricho, tico-tico-no-fubá, quiproquó, pirraça, o que for. Menos amor.

A razão de amar é simples. Um e um são dois. Eu te amo + eu te quero = dou um jeito


de ficar contigo. Dou jeito de andar do seu lado, de dividir tempo, cheiro, edredom,
banheiro e melancia. A razão dos amantes não calcula-se no papel, na ponta do lápis.
Sim no viver, sim no sentir. O amor existe no calor da iminência, do arredor, do tato e
do contato. A frieza do resto, embora lembre um pouco amor, na real é qualquer
bobagem.

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