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A Última Tentação de Palocci

(Guilherme Fiuza)

Finalmente a verdade veio à tona. Foram cinco meses


de doce hipnose. Muita gente que detesta Lula e não
vota no PT nem amarrado declarou-se entusiasmado
com Dilma Rousseff. Por que, afinal? Porque ela é
mulher. Porque ela fala pouco. Porque ela não faz
bravatas. O Brasil avalia presidentes como se avaliasse
ator de novela: “está muito bem no papel”, “acertou no
figurino”, “não me incomoda na hora do jantar”. Só
uma pessoa poderia cortar esse estranho devaneio
coletivo: Lula.
E ele o fez com uma única frase, sincera e definitiva:
“Se tirarem o Palocci, o governo dela (Dilma) vai se
arrastar até o final”.
Não deixa de ser um grande alívio. Já estava ficando
aflitiva a catalepsia geral. Até o Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social – uma espécie de
recreio dos governantes, onde notáveis se reúnem para
fazer nada em grande estilo – vinha sendo exaltado
como ponto positivo da administração Dilma. O
próximo passo seria a indicação do Ministério da Pesca
ao Nobel da Paz. O país deve ser grato a Lula pelo
esclarecimento providencial: sem Palocci, o governo
Dilma não anda – se arrasta. Com todo respeito à
laranjada de mitos feministas e esquerdistas que o
sustenta.
Lula disse isso a senadores do PT, na já famosa
reunião SOS Palocci. Sua intenção era nobre: lembrar
aos distraídos que o ministro-chefe da Casa Civil não é
importante para o governo – ele é o governo. O ex-
presidente sabe bem do que está falando. Em 2002,
quando foi eleito sucessor de Fernando Henrique, Lula
tinha nas mãos nada mais que as bandeirolas xiitas
do PT e uma alegoria de marketing chamada Fome
Zero. O único de seu time que compreendia a diferença
entre bater panela e governar era Antonio Palocci.
Quem mais naquela turma entenderia que o Banco
Central não era exatamente um lobo mau a ser
abatido com slogans populistas? Quem entenderia que
responsabilidade fiscal não era palavrão da direita?
Quem mais entenderia, política e tecnicamente, o que
eram metas de inflação e superavit primário? Ninguém
mais – tanto que a assembleia petista bombardeia
esses conceitos até hoje. Acreditam que eles foram a
“concessão neoliberal de Lula”, e nem de longe
desconfiam que aí estava a galinha dos ovos de ouro,
que os alimentou fartamente de votos.
Palocci foi um excelente ministro da Fazenda, e Lula
teve seu momento de estadista ao lhe dar poder. Mas
Palocci caiu, e Lula teve de inventar Dilma para
suceder-lhe. Sabendo da aventura em que estava se
metendo, o ex-presidente fez o óbvio: escalou Palocci
para governar Dilma, na campanha e na Presidência.
Tinha plena consciência de que sua sucessora, que
mal consegue completar um raciocínio em público, não
teria estatura para construir uma liderança de fato.
Palocci fraquejou no lema que parece religioso na
escola petista: usar o Estado para arrecadação
privada

É o que se viu nesses cinco meses. A inflação soltando


suas labaredas, Dilma e Mantega dando ordens-
unidas que o mercado ignora, e Palocci segurando as
pontas sozinho do combate à gastança pública – e
sendo, naturalmente, sabotado pelo PT por causa
disso. Mas permaneceu forte, porque o mundo político
respeita quem sabe o que faz. Só quem não respeita
Palocci é ele mesmo.
Um dos políticos mais promissores do país, capaz de
se reerguer depois de cair em desgraça por causa de
uma casa de tolerância, o médico de Ribeirão Preto
calibrou mal suas ambições pessoais. Fraquejou no
lema que parece religioso na escola petista: usar o
Estado para arrecadação privada. Palocci não resistiu
à tentação de converter sua influência política em
cachê. Mesmo no comando da campanha vitoriosa de
Dilma, com seu futuro atrelado ao futuro do país,
achou que era hora de faturar uns milhões por fora.
Ou, no caso, por dentro.
A notícia é muito pior para o país do que para o
governo. Este, como disse Lula, vai só se arrastar. O
outro talvez ande para trás.

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