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Um

conto chins A edio de som de Um conto chins, por Gustavo Nascimento dos Santos Nos tempos do 5.1, a tnica sonorizar tudo. No s que no hajam mais espaos para os silncios mas principalmente h o predomnio de uma esttica do exagero, um hiper-realismo sonoro onde tudo deve soar. Cada abrao reforado com um farfalhado de rudo de sala. Numa cena de rua devem soar os carros e as buzinas em todas as caixas. Esse o papel dos ambientes na maior parte dos filmes, transportar o espectador para cena, faz-lo ouvir o que se ouviria ali. Os editores de som se esforam em reconstruir as paisagens acsticas com dezenas de pistas, muito som, muita informao. A singela edio de som de Um conto chins, assinada por Eduardo Esquide, segue um caminho oposto a esse que descrevo, porque, de maneira inteligente percebe o filme que tem em mos e aposta numa certa economia dos eventos sonoros, que se nos tempos em que som era montado em moviola a escolha dos rudos essenciais era um imperativo tcnico, hoje ela rara, principalmente num filme de bilheteria como esse, que contou com mais de um milho de espectadores nas salas argentinas. O personagem principal, Roberto, dono de uma loja de ferragens dono, um sujeito solitrio. Ele conta um a um os 150 pregos que devem compor uma caixa. No h qualquer som fora da loja, tampouco dentro, alm dos sons dos pregos arremessados no cesto. Roberto cozinha sozinho em sua casa. Apenas o som dos legumes sendo cortados. No h vizinhos, no h carros passando l fora. No h existncia de nada l fora. O vazio do personagem o vazio da banda sonora. Roberto visita seus pais mortos. No se escutam seus passos. A imagem perde a concretude, se torna etrea. Embora a trilha musical original se articule dentro dos paradigmas da orquestrao e funcionalidade tpicos do cinema narrativo clssico, a edio de som encontra seu lugar com minimalismo e economia de recursos. Belo! Os nicos passos sonorizados do filme so os de Mari, uma mulher apaixonada por Roberto. Ouvimos atentos, e ele tambm, os passos dessa mulher, que sistematicamente rejeitada, sair de cena. Os passos ganham expressividade que poucos filmes recentes conseguem com sua overdose sonora.

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