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O Senhor, Nossa Retidão

John Wesley

Pregado na Capela em West-Street, Seven Dials


Domingo, 24 de Novembro de 1765

'Nos seus dias Judá será salvo, e Israel habitará seguro; e este será o seu nome, com o qual
Deus o chamará: O Senhor, Justiça nossa'. (Jeremias 23:6)

1. Quão terríveis e quão inumeráveis são os debates que têm surgido a respeito
da religião! E não apenas em meio aos filhos deste mundo; em meio àqueles que não
sabem o que foi a religião, mas, até mesmo, em meio aos filhos de Deus; aqueles que
experimentaram 'o reino de Deus dentro deles'; que testaram da 'retidão, paz, e
alegria no Espírito Santo'. Quantos desses, em todas as épocas, em vez de se juntarem
contra o inimigo comum, viraram suas armas uns contra os outros, e não apenas
perderam seu precioso tempo, mas afligiram os espíritos uns dos outros,
enfraqueceram as mãos uns dos outros, e, assim, impediram a grande obra de seu
Mestre comum! Quantos fracos têm sido, por meio disto, afligidos! – Quantos dos
pouco convincentes saíram do caminho! Quantos pecadores, confirmados em seu
desrespeito a toda religião, e seu desprezo àqueles que as professam! E quantos 'dos
mais excelentes sobre a terra', têm sido constrangidos a 'lamentar em segredo!'.

2. O que cada amante de Deus e seu próximo não faria; o que ele não
suportaria, para remediar esta chaga nociva; para remover a contenda entre os filhos
de Deus; para restaurar ou preservar a paz em meio a eles? Qual, a não ser uma boa
consciência pensaria desistir de algo querido, com o propósito de promover esta
finalidade valiosa? E suponha que nós não possamos 'fazer' com que essas 'guerras
cessem em todo o mundo'; suponha que não possamos reconciliar todos os filhos de
Deus, uns aos outros; de qualquer modo, que cada um faça o que puder; que ele
contribua, mesmo que com duas moedinhas em direção a ela. Felizes, são os que são
capazes, em algum grau, de promover 'a paz e a boa-vontade entre os homens';
especialmente, entre os homens de bem; entre aqueles que são todos recrutados sob a
bandeira 'do Príncipe da Paz'; e estão, portanto, peculiarmente comprometidos, 'o
quanto concerne a eles', a 'viverem pacificamente com todos os homens'.

3. Seria um passo considerável em direção a esta gloriosa finalidade, se nós


pudéssemos fazer com que os homens de bem compreendessem uns aos outros.
Abundância de disputas têm se erguido, puramente da falta disto; da mera
incompreensão. Freqüentemente, nem as partes opostas entendem o que seu oponente
quer dizer; de onde se segue que cada um ataca violentamente o outro, enquanto não
existe diferença real entre eles. E ainda assim, nem sempre é uma tarefa fácil
convencê-los disto; particularmente, quando suas paixões estão abaladas: Ela, então, é
atendida com a mais extrema dificuldade. De qualquer modo, não é impossível,
especialmente, quando nós esforçamos para isto, não confiando em nós mesmos, mas
colocando toda nossa dependência sobre Ele, em quem todas as coisas são possíveis.
Em quão pouco tempo, Ele é capaz de dispersar a nuvem, de brilhar sobre seus
corações, e capacitá-los a entenderem uns aos outros, e a 'verdade que está em Jesus!'.
4. Um artigo muito considerável desta verdade está contido nas palavras
acima citadas: 'Este será o Seu nome, por meio do qual Ele deverá ser chamado, o
Senhor, Nossa Retidão'; a verdade disto, que entra profundo na natureza do
Cristianismo, e, até certo ponto, confirma toda a estrutura dele. Disto,
indubitavelmente, pode ser afirmado o que Lutero declara de uma verdade
intimamente ligada a ele: A igreja cristã se sustenta ou cai com ela. Ela é certamente o
pilar e o alicerce daquela fé, da qual, tão somente, vem a salvação; daquela fé
universal ou ilimitada que é encontrada em todos os filhos de Deus, e que 'a menos
que um homem a mantenha toda, e imaculada, sem dúvida, ele irá perecer
eternamente'.

5. Não poderia alguém, portanto, razoavelmente esperar que, embora eles


difiram em outros, todos esses que mencionam o nome de Cristo podem concordar
neste ponto? Mas, quão longe, disto! É escasso existir algum em que eles estejam tão
pouco de acordo; em que todos aqueles que professam seguir a Jesus pareçam, tão
amplamente e irrevogavelmente, divergir. Eu digo pareçam, porque eu estou
totalmente convencido de que muitos deles apenas parecem diferir. A discordância é
mais em palavras do que em sentimentos: Eles estão muito mais perto no julgamento,
do que na linguagem. E uma ampla diferença na linguagem certamente existe, não
apenas entre Protestantes e Papistas, mas entre Protestantes e Protestantes; sim,
mesmo entre todos esses que acreditam na justificação pela fé; que concordam, tanto
com esta, quanto com todas as outras doutrinas fundamentais do Evangelho.

6. Mas se a diferença for mais na opinião do que na experiência real; e mais na


expressão do que na opinião, como pode ser que, até mesmo, os filhos de Deus
possam, tão veementemente, contender uns com os outros neste ponto? Diversas
razões podem ser afirmadas para isto: A principal é que eles não entendem uns aos
outros; combinada com uma dedicação muito perspicaz em suas opiniões e métodos
próprios de expressão.

Com o objetivo de remover isto, pelo menos, em alguma medida; com o


objetivo de entendermos uns aos outros sobre este assunto; eu me esforçarei, com a
ajuda de Deus, para mostrar:

I. O que é a retidão de Cristo:

II. Quando, e em que sentido, ela é imputada a nós:

III. E concluir com uma breve e clara aplicação.

O que é a retidão de Cristo? Ela é dupla; é tanto a retidão divina, quanto a


retidão humana.

1. Sua retidão divina pertence à sua natureza divina, uma vez que Ele existe
'acima tudo, é Deus abençoado para sempre'; o Supremo; o Eterno; 'igual com o Pai,
no tocante à sua Divindade, embora inferior ao Pai, no tocante à sua humanidade'.
Aqui está sua santidade eterna, essencial, imutável; sua infinita justiça, misericórdia e
verdade; em que, Ele e o Pai são Um.
Mas eu não compreendo que a retidão divina de Cristo tenha a ver
imediatamente com a presente questão. Eu creio que poucos, se alguns, discutem
agora a imputação desta retidão a nós. Quem quer que acredite na doutrina da
imputação, a entende principalmente, se não, unicamente, com respeito à sua retidão
humana.

2. A retidão humana de Cristo pertence a Ele em sua natureza humana; uma


vez que Ele é o 'Mediador entre Deus e o homem; o Jesus Cristo Homem'. Esta é
tanto interna quanto externa. Sua retidão interna é a imagem de Deus, estampada em
todo poder e faculdade de sua alma. É a cópia de sua retidão divina, tanto quanto ela
possa ser comunicada a um espírito humano. É a reprodução de sua pureza divina, da
justiça divina, misericórdia e verdade. Ela inclui amor, reverência, resignação para
com seu Pai; humildade, mansidão, gentileza, amor à humanidade perdida, e todos os
outros temperamentos santos e celestes; e todos esses, no mais alto grau, sem qualquer
defeito, ou mistura de profanação.

3. Foi devido à sua retidão externa que Ele fez nada de errado; que ele não
conheceu pecado exterior de qualquer tipo, nem 'fraude foi encontrada em sua boca';
que ele nunca falou alguma palavra, nem praticou ação alguma imprópria. Assim
sendo, é apenas retidão negativa, ainda que tal nunca pertenceu, nem, alguma vez,
pertencerá a alguém que seja nascido de uma mulher; a não ser Ele mesmo. Mas
mesmo esta retidão exterior era positiva também: Ele fez todas as coisas boas: Em
cada palavra de sua boa; em cada obra de suas mãos, Ele precisamente fez 'a vontade
Dele que o enviou'. Em todo o curso de sua vida, Ele fez a vontade de Deus na terra,
assim como os anjos a fazem nos céus. Tudo o que Ele desempenhou e falou foi
exatamente correto em todas as circunstâncias. Toda sua obediência estava completa.
'Ele executou a retidão total'.

4. Mas sua obediência implica mais do que tudo isto: ela implica não apenas
em fazer, mas em estar sujeito a toda vontade de Deus, desde o momento em que Ele
veio ao mundo, até 'levar nossos pecados, em seu próprio corpo, sobre o madeiro';
sim, até ter feito a completa redenção deles, 'Ele tombou sua cabeça e morreu'. Isto é
usualmente denominado de retidão passiva de Cristo; a anterior, sua retidão ativa. Mas
como a retidão ativa e passiva de Cristo nunca, de fato, estiveram separadas uma da
outra, então, nós nunca precisaremos separá-las, afinal; quer no falar, ou mesmo no
pensar. E é com respeito a ambas, conjuntamente, que Jesus é chamado de 'o Senhor,
nossa retidão'.

II

Mas, quando nós podemos verdadeiramente dizer, 'o Senhor, nossa retidão?'.
Em outras palavras, quando é que a retidão de Cristo é imputada a nós, e em que
sentido ela é imputada?

1. Olhe para o mundo todo, e todos os homens que são, tanto crentes, quanto
descrentes. A primeira coisa, então, que não admite disputa entre os homens razoáveis
é esta: A retidão de Cristo é imputada a todos os que crêem; aos descrentes, ela não é.
Mas, quando ela é imputada? Quando eles crêem. Neste exato momento, a
retidão de Cristo é deles. Ela é imputada a todos os que crêem, assim que eles crêem.
A fé e a retidão de Cristo são inseparáveis. Porque, se ele crê, de acordo com as
Escrituras, ele crê na retidão de Cristo. Não existe fé verdadeira, ou seja, fé
justificadora que não tenha a retidão de Cristo como seu objetivo.

2. É verdade que os crentes não podem falar todos da mesma forma; eles não
podem todos usar da mesma linguagem. Não se pode esperar que eles possam: nós
não podemos razoavelmente requerer isto deles. Milhares de circunstâncias podem
fazer com que eles divirjam uns dos outros, na maneira de se expressarem: Mas uma
diferença de expressão, não necessariamente, implica uma diferença de sentimento.
Pessoas diferentes podem usar de diferentes expressões, e, ainda assim, quererem
dizer a mesma coisa. Nada é mais comum do que isto, embora nós, raramente,
tomemos isto em consideração. Mais do que isto, não é fácil para as mesmas pessoas,
quando elas falam a mesma coisa, num espaço de tempo considerável, usarem
exatamente da mesma expressão, mesmo que elas retenham os mesmos sentimentos:
Como, então, nós podemos ser rigorosos em requerer que outros usem justamente as
mesmas expressões conosco?

3. Nós podemos ir um passo além ainda: Os homens podem diferir de nós em


suas opiniões, assim como, em suas expressões, e, não obstante, serem parceiros
conosco na mesma preciosa fé. É possível que eles não possam ter uma compreensão
distinta da mesma bênção que eles desfrutam: Suas idéias podem não estar tão claras;
e, ainda assim, a experiência deles pode ser tão profunda, quanto a nossa. Existe uma
ampla diferença entre as faculdades naturais dos homens; em particular, seus
entendimentos. E esta diferença é excessivamente aumentada, através do modo da
educação deles. Na verdade, isto, tão somente, pode ocasionar uma diferença
inimaginável, em suas opiniões de vários tipos; e por que não sobre este assunto,
assim como, sobre qualquer outro? Mas, ainda que suas opiniões, assim como
expressões, possam ser confusas e imprecisas, seus corações podem ser fiéis a Deus,
através do Filho de Seu amor, e estarem verdadeiramente interessados em sua retidão.

4. Que nós, então, tenhamos toda condescendência para com os outros; o que,
tivéssemos nós no lugar deles, desejaríamos para nós mesmos. Quem é ignorante
(para tocar novamente apenas naquela circunstância) do poder espantoso da
educação? E quem que saiba disto, pode esperar, suponha um membro da Igreja de
Roma, tanto ouvir, quanto falar claramente sobre esse assunto? E, ainda assim, se nós
ouvimos, mesmo do moribundo Bellarmine clamar, 'É a mais cuidadosa prudência
confiar nos méritos de Cristo', quando ele foi perguntado, 'Junto a quais dos santos
irás tu te dirigir?' --; nós podemos afirmar, não obstante suas opiniões errôneas, que
ele não teve uma parte em Sua retidão?

5. Mas em que sentido esta retidão é imputada aos crentes? Neste: todos os
que crêem são perdoados e aceitos; não por causa de alguma coisa neles, ou por
alguma coisa que, alguma vez, foi feita; ou que alguma vez possa ser feita por eles,
mas, totalmente e tão somente, por causa do que Cristo fez e sofreu por eles. Eu digo
novamente: não por alguma coisa neles, ou feita por eles, de sua própria retidão ou
obras: 'Não pelas obras de retidão, que nós tenhamos feito, mas de Sua própria
misericórdia, Ele nos salvou'. 'Pela graça, vocês são salvos, através da fé, -- não das
obras, a fim de que nenhum homem possa exultar-se'; mas, totalmente e tão somente,
por causa do que Cristo fez e sofreu por nós. Nós fomos 'justificados livremente pela
Sua graça, através da redenção que está em Jesus Cristo'. E isto não apenas significa
o nosso obter o favor de Deus, mas o nosso continuar nele. É assim que nós, primeiro,
vamos para Deus; e é, deste modo, que nós permanecemos junto a Ele, depois disso.
Nós caminhamos em um, e no mesmo novo e vivido caminho, até que nosso espírito
retorne para Deus.

6. E esta é a doutrina que eu tenho constantemente crido e ensinado, por quase


vinte e oito anos. Isto eu publiquei a todo o mundo no ano de 1738, e, então, dez ou
vinte vezes, nestas palavras, e muitas outras do mesmo efeito, extraídas das Homilias
de nossa igreja: -- 'Essas coisas devem necessariamente seguir juntas, em nossa
justificação; da parte de Deus, sua grande misericórdia e graça; da parte de Cristo,
o cumprimento da justiça de Deus; e da nossa parte, fé nos méritos de Cristo. De
modo que a graça de Deus não impeça a retidão de Deus em nossa justificação, mas
apenas impeça a retidão do homem, como merecimento para nossa justificação'. 'Que
nós somos justificados pela fé, somente, é falado com o propósito de, claramente,
tirar todo o mérito de nossas obras, e totalmente afirmar o mérito e merecimento de
nossa justificação a Cristo, apenas. Nossa justificação vem livremente da mera
misericórdia de Deus. Porque, ainda que todo o mundo seja capaz de pagar alguma
parte de nosso resgate, agradou a Ele, sem qualquer merecimento nosso, preparar
para nós o corpo e sangue de Cristo, por meio dos quais nosso resgate poderia ser
pago, e sua justiça realizada. Cristo, portanto, é agora a retidão de todos que
acreditam Nele'.

7. Os hinos publicados, um ano ou dois depois disto, e, desde então,


republicados diversas vezes (um claro testemunho de que meu julgamento continua
ainda o mesmo) falam completamente para o mesmo propósito. Citar todas as
passagens para este efeito seria transcrever uma grande parte dos volumes. Todos os
hinos expressam o mesmo sentimento, do começo ao fim.

8. No Sermão sobre a Justificação, que foi publicado há dezenove anos, e,


novamente, sete ou oito anos atrás, eu expresso o mesmo nessas palavras: 'Em
consideração a isto', -- que o Filho de Deus 'experimentou a morte por cada homem'.
Deus agora 'reconciliou o mundo para Si mesmo, não imputando aos homens suas'
anteriores 'transgressões'. De modo que, por causa de seu bem-amado Filho; do que
Ele fez e sofreu por nós, Deus agora concede, uma única condição (que ele mesmo
também nos capacita a executar) ambos para perdoar a dívida devida por nossos
pecados, e nos reingressar em Seu favor, quanto para restaurar nossas almas mortas
para a vida espiritual, como a garantia vida eterna'.

9. Isto é mais largamente e particularmente expresso, no Tratado sobre


Justificação, que eu publiquei o ano passado [1764]: 'Se nós tomarmos a frase
imputar a retidão de Cristo, por conceder (por assim dizer) a retidão de Cristo,
incluindo sua obediência, tanto passiva quanto ativa, no retorno dela, ou seja, nos
privilégios, bênçãos, e benefícios adquiridos dela, um crente, então, pode se dizer
justificado pela retidão imputada de Cristo. O significado é que Deus justifica o
crente, por causa da retidão de Cristo, e não, por alguma retidão dele próprio. Assim,
Calvino [Calvinismo: Sistema religioso, instituído por Calvino, reformador protestante
francês (1509-1564)] diz: 'Cristo, pela sua obediência, obteve e mereceu por nós a
graça ou favor com Deus, o Pai'. Novamente: 'Cristo, pela sua obediência, procurou
ou adquiriu retidão por nós'. E ainda: 'Tais expressões como estas: -- que somos
justificados pela graça de Deus; que Cristo é nossa retidão; que a retidão foi
conseguida para nós, através da morte e ressurreição de Cristo, importa a mesma
coisa; ou seja, que a retidão de Cristo; ambas sua retidão ativa e passiva, é a causa
meritória de nossa justificação, e tem conseguido para nós, das mãos de Deus, que
sejamos considerados retos, através Dele, por crermos Nele'.

10. Mas, talvez, alguns objetem: 'Mais do que isto, você afirma que aquela fé
é imputada a nós como retidão'. Paulo, repetidas vezes, afirma isto; portanto, eu
afirmo o mesmo também. A fé é atribuída como retidão a todo crente, ou seja, a fé na
retidão de Cristo; mas isto é exatamente a mesma coisa que foi dita antes; porque, por
aquela expressão, eu quero dizer, nem mais nem menos, do que nós somos
justificados pela fé; não pelas obras; ou que o crente é perdoado e aceito, meramente
pelo que Cristo fez e sofreu.

11. Mas um crente não está investido ou coberto com a retidão de Cristo? Sem
dúvida ele está. E, assim sendo, o discurso de cada crente são estas palavras: Jesus, teu
sangue e retidão. Minha graça, minha gloriosa vestimenta. Ou seja, 'por causa de Tua retidão
ativa e passiva, eu sou perdoado e aceito por Deus'.

Mas nós não devemos nos despir dos trapos imundos de nossa própria retidão,
antes que possamos nos vestir com a retidão limpa de Cristo? Certamente, nós
devemos; ou seja, em termos claros, nós devemos nos arrepender, antes que possamos
crer no Evangelho. Nós devemos não depender mais de nós mesmos, antes que
possamos verdadeiramente depender de Cristo. Nós devemos excluir toda confiança
em nossa própria retidão, ou não poderemos ter uma confiança verdadeira na retidão
Dele. Até nos livrarmos de confiar em alguma coisa que façamos, nós não poderemos
confiar totalmente no que Ele fez e sofreu. Primeiro, nós recebemos a sentença da
morte em nós mesmos. Então, nós confiamos Nele, que viveu e morreu por nós.

12. Mas você não crê na retidão inerente? Sim, em seu lugar apropriado; não
como alicerce de nossa aceitação com Deus, mas como o fruto disto; não no lugar da
retidão imputada, mas como conseqüência dela. Ou seja, eu acredito que Deus
implanta retidão em cada um em quem Ele a tem imputado. Eu creio que 'Jesus
Cristo é feito de Deus para nossa santificação'; assim como ' retidão';ou, que Deus
santifica, tanto quanto justifica, todos os que crêem Nele. Eles, a quem a retidão de
Cristo é imputada, são feitos retos, pelo espírito de Cristo; são renovados na imagem
de Deus, 'em busca da imagem em que eles foram criados, na retidão e santidade
verdadeira'.

13. Mas você não coloca a fé no lugar de Cristo, ou da sua retidão? De modo
algum: Eu tomo um cuidado particular de colocar cada um desses, em seus lugares
apropriados. A retidão de Cristo é todo e o único fundamento de toda nossa esperança.
É pela fé que o Espírito Santo nos capacita a construir sobre esse alicerce. Deus dá
esta fé; no momento em que somos aceitos por Deus; e, ainda assim, não é por causa
desta fé, mas do que Cristo fez e sofreu por nós. Você pode ver que cada um desses
tem seu lugar apropriado; e um não colide com o outro: nós cremos, nós amamos, nós
nos esforçamos para caminhar em todos os mandamentos do Senhor, irrepreensíveis.
14. Eu, portanto, não nego mais a retidão de Cristo, do que nego a Divindade
de Cristo; e um homem pode, completamente, assim como justamente,
responsabilizar-me por negar uma, tanto quanto a outra. Nem eu nego a retidão
imputada: Esta é uma outra acusação cruel e injusta. Eu sempre afirmei, e ainda
afirmo continuamente que a retidão de Cristo é imputada a cada crente. Mas quem
nega isto? Por que todos os infiéis, se batizados ou não; todos que afirmam que o
Evangelho glorioso de nosso Senhor Jesus Cristo é uma fábula imaginada
astuciosamente; todos os Socinianos [que rejeitavam a Trindade, e especialmente a Divindade
de Jesus], e os Arianos [membros da seita de Ario, que, no dogma da Santíssima Trindade, não
admitia a consubstancialidade do Pai com o Filho]; todos que negam a suprema Divindade do
Senhor que os comprou; eles, em conseqüência, negam sua retidão divina, já que eles
supõem que Ele é uma mera criatura; e negam sua retidão humana, como imputada a
qualquer homem, vendo que eles acreditam que todos são aceitos por sua própria
retidão.

15. A retidão humana de Cristo, pelo menos, a imputação dela, assim como
toda a causa, e a única meritória da justificação de um pecador diante de Deus, é
igualmente negada pelos membros da Igreja de Roma; por todos que são verdadeiros
aos princípios de sua própria igreja. Mas, indubitavelmente, existem muitos entre eles,
cuja experiência vai além de seus princípios; que, embora eles estejam longe de se
afirmarem merecedores, ainda sentem o que eles não sabem como expressar. Sim,
embora suas concepções dessa grande verdade sejam tão incipientes como suas
expressões, ainda assim, com seus corações, eles crêem: Eles descansam em Cristo
apenas, na salvação presente e eterna.

16. Com esses, nós podemos enumerar aqueles, até mesmo nas Igrejas
Reformadas, que são usualmente denominados de místicos. Um dos principais desses,
no presente século [XVIII] (pelo menos na Inglaterra) foi o Sr. Law. Bem se sabe que
ele absolutamente e zelosamente negou a imputação da retidão de Cristo; tão
zelosamente quanto Robert Barclay, que não teve escrúpulo em dizer: 'Retidão
imputada! – Contra-senso imputado!'. O grupo de pessoas conhecidas pelo nome de
Quacres [Membros de seita protestante, fundada no século XVII por Jorge Fox (1624-1691).
Professada, sobretudo, nos Estados Unidos e na Inglaterra. Os quacres crêem na direção do Espírito
Santo, não admitem sacramentos, não prestam juramentos, nem mesmo perante a Justiça, não pegam
em armas, nem admitem hierarquia eclesiástica] aderiram ao mesmo sentimento.

Mais do que isto, a generalidade daqueles que se professaram membros da


Igreja da Inglaterra é tanto totalmente ignorante do assunto, e conhece nada sobre a
retidão imputada, quanto negam esta e a justificação pela fé juntas, como destrutiva
das boas obras. A estes, nós podemos acrescentar um número considerável de pessoas
vulgarmente denominadas Anabatistas [Membros de uma seita protestante dissidente que, na
época da Reforma (séc. XVI), impunha a repetição do batismo a quem o recebera antes do uso da
razão. Sustentava que a Igreja era composta só dos santos (realmente convertidos) e insistia na
completa separação entre a Igreja e o Estado], junto com milhares de Presbiterianos e
Independentes, recentemente instruídos pelos escritos do Dr. Taylor. Sobre o último,
eu não fui chamado a dar alguma sentença: Eu os deixei para Ele que os fez. Mas
alguém irá se atrever a afirmar que todos os místicos, (tais como foi o Sr. Law, em
particular), todos os Quacres, todos os Presbiterianos ou Independentes, todos os
membros da Igreja da Inglaterra que não são claros em suas opiniões ou expressão,
esquivam-se de toda experiência cristã? – Que, conseqüentemente, eles estão todos
em um estado de condenação, 'sem esperança, sem Deus no mundo?'. Por mais
confusas que suas idéias sejam; por mais impróprios que sejam seus discursos, não
pode haver muitos deles cujos corações estão corretos em direção a Deus, e que
efetivamente conhecem 'o Senhor, nossa retidão?'.
17. Mas abençoado seja Deus, nós não estamos entre esses que são tão
obscurecidos em suas concepções e expressões. Nós não negamos mais a frase do que
a coisa; mas nós relutamos em opô-la a quaisquer outros homens. Que eles, então,
usem tanto desta, quanto de tais outras expressões, como julgarem mais exatamente
bíblica, provendo seus corações descanso apenas no que Cristo fez e sofreu, para o
perdão, graça e glória. Eu não posso expressar isto melhor do que nas palavras do Sr.
Harvey, merecedoras de serem escritas em letras de ouro: 'Nós não estamos solícitos a
algum grupo de frases. Apenas que os homens sejam humildes, como criminosos
arrependidos aos pés de Cristo; que eles confiem, como pensionários em Seus
méritos, e eles indubitavelmente estarão no caminho para a imortalidade abençoada'.

18. Existe alguma necessidade; ou alguma possibilidade, de dizermos mais?


Que nós apenas persistamos com esta declaração, e todas as contendas a respeito desta
ou daquela 'frase particular' serão arrancadas pela raiz. Conservem isto: -- 'Todos os
que são humildes, como criminosos arrependidos aos pés de Cristo, e confiam, como
devotados pensionistas em Seus méritos, estão no caminho para a imortalidade
abençoada'. Qual a ocasião para a contenda? Quem nega isto? Nós todos não nos
encontramos neste alicerce? Sobre o que devemos então contender? Um homem de
paz aqui propõe termos de acomodação para todas as partes conflitantes. Nós
desejamos nada melhor: Nós aceitamos os termos: Nós concordamos com eles com
corações e mãos. Quem quer que se recuse a assim fazer, coloque uma marca naquele
homem! Ele é um inimigo da paz, e um perturbador de Israel, um perturbador da
Igreja de Deus.

19. Entretanto, do que nós estamos temerosos a respeito é isto: -- que alguém
use da frase 'A retidão de Cristo', ou 'A retidão de Cristo é imputada a mim', como um
invólucro para a iniqüidade. Nós sabemos que isto tem sido feito milhares de vezes.
Um homem é repreendido, suponha-se, por bebedeira: 'Oh', diz ele, 'Eu não pretendo
a minha própria retidão; Cristo é minha retidão'. A um outro disseram que 'um
extorquidor, um injusto, não é merecedor do reino de Deus': Ele replica com toda
segurança, 'Eu sou injusto em mim mesmo, mas eu tenho a impecável retidão em
Cristo'. E, assim, embora um homem esteja tão longe da prática, quanto dos
temperamentos de um cristão; embora ele nem tenha a mente que estava em Cristo,
nem em qualquer respeito caminhe como ele caminhou; ainda assim, ele tem
armadura de provas contra toda convicção, no que ele chama de 'retidão de Cristo'.

20. Vermos muitas instâncias deploráveis deste tipo, é que nos faz contender
quanto ao uso dessas expressões. E não podemos deixar de apelar a todos vocês que
as usam freqüentemente, e implorar, em nome de Deus, nosso Salvador, de quem
vocês são, e a quem vocês servem, para, sinceramente, protegerem a todos que os
ouvirem, contra esse abuso amaldiçoado delas. Alerte-os (pode ser que eles ouçam
suas vozes) contra 'continuarem no pecado, para que a graça possa abundar!'. Alerte-
os contra fazerem de 'Cristo, o ministro do pecado'; contra invalidarem aquele decreto
solene de Deus, 'Sem santidade, nenhum homem verá o Senhor', pela vã imaginação
de serem santos em Cristo! Alerte-os de que, se eles permanecerem iníquos, a retidão
de Cristo não terá valia alguma para eles! Clamem alto (não é o caso?) que, para esta
mesma finalidade, a retidão de Cristo é imputada a nós, que a 'retidão da lei pode ser
cumprida em nós', e que nós podemos 'viver sobriamente, religiosamente, e em
santidade, neste mundo presente'.

III
Resta apenas fazer uma breve e clara aplicação.

Primeiro, eu vou me dirigir a vocês que violentamente se opõem a essas


expressões, e estão prontos a condenar todos que as usam, como os Antinomianos
[Antinomianismo é a Doutrina de que, pela fé e a graça de Deus anunciadas no Evangelho, os cristãos
são libertados não só da lei de Moisés, mas de todo o legalismo e padrões morais de qualquer cultura].
Isto não está inclinando o arco demasiado para o outro lado? Por que vocês deveriam
condenar todos que não falam exatamente como vocês? Por que vocês brigariam com
eles, por usarem as frases que eles gostam, não mais do que eles com vocês, por
tomarem a mesma liberdade? Ou, se eles disputam com vocês sobre esse assunto, não
imitem a idolatria que vocês censuram. Pelo menos, permitam a eles a liberdade que
eles devem permitir a vocês. E por que vocês deveriam se zangar com a expressão?
'Oh, tem sido um abuso!'. E que expressão não tem sido? De qualquer forma, o abuso
pode ser removido, e, ao mesmo tempo, o uso permanece. Acima de tudo, estejam
certos de reterem o sentido importante que é afirmado sob esta expressão: 'Todas as
bênçãos eu desfruto; toda a esperança que, no tempo e na eternidade, é dada
totalmente e unicamente por causa do que Cristo fez e sofreu por mim'.

Em Segundo Lugar, eu devo acrescentar algumas poucas palavras a vocês que


estão afeiçoados a essas expressões. E me consintam perguntar: Eu não permito o
suficiente? O que mais um homem razoável deseja? Eu permito o sentido total daquilo
que vocês combatem, para que tenhamos todas as bênçãos, através da retidão de Deus,
nosso Salvador. Eu permito que vocês usem quaisquer expressões que vocês
escolham, e isto milhares de vezes; apenas protegendo-os contra aquele abuso terrível,
que vocês estão, tão profundamente, aflitos em prevenir, quanto eu.

Eu mesmo, freqüentemente, uso a expressão em questão, -- retidão imputada;


e, freqüentemente coloco esta e expressões parecidas na boca de toda a congregação.
Mas que vocês me permitam a liberdade de consciência nisto: Que me permitam o
direito do julgamento privado. Que vocês me permitam usar isto, exatamente, tão
freqüentemente, quanto eu julgue preferível a alguma outra expressão; e não se
zanguem comigo, se eu não puder julgar apropriado usar qualquer uma dessas
expressões a cada dois minutos.

Vocês podem, se lhes agradar; mas não me condenem por eu não fazê-lo. Por
causa disto, não me representem como um Papista, ou 'um inimigo da retidão de
Cristo'. Testemunhem comigo, como eu testemunho com vocês; do contrário, como
poderemos 'cumprir a lei de Cristo?'. Não façam protestos trágicos, como se eu
estivesse 'subvertendo as próprias fundações do Cristianismo!'. Quem quer que faça
isto, me fará muito mal: O Senhor não deu a ele esta responsabilidade! Eu estabeleci,
e tenho feito, por muitos anos, o mesmo fundamento com vocês. De fato, 'outros
alicerces, nenhum homem pode colocar, do que está colocado, o qual é Jesus Cristo'.
(I Corintios 3:11) 'Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está
posto, o qual é Jesus Cristo'.
Eu construí a santidade interior e exterior nisto, assim como vocês, sempre
através da fé. Portanto, não permitam algum desgosto, ou descortesia; não, nem
alguma desconfiança ou frieza em seus corações. Se houver diferença de opinião,
onde está nossa religião, se nós não podemos refletir e deixar refletir? O que os
impede, a não ser que vocês podem perdoar a mim, tão facilmente, quanto eu posso
perdoar a vocês? Quanto mais, quando existe apenas uma diferença de expressão?
Mais do que isto, dificilmente, tanto quanto esta? Todas as disputas sendo única, se
uma maneira particular de expressão possa ser usada mais ou menos freqüentemente:
Certamente, nós devemos sinceramente desejar contendermos uns com os outros,
antes que possamos fazer disto um assunto de contenda!

Não permitam que nós, uma vez mais, por causa das mesmas ninharias como
estas, demos lugar para nossos inimigos comuns blasfemarem! Antes, tiremos a
oportunidade daqueles que buscam a oportunidade! Que nós, por fim, (Oh, por que
isto não foi feito antes?) juntemos nossos corações e mãos, no serviço de nosso grande
Mestre. Como nós temos 'um Senhor, uma fé, uma esperança de nosso chamado',
permita-nos todos fortalecermos as mãos uns dos outros, em Deus, e com um só
coração e uma só boca, declararmos para toda a humanidade: 'O SENHOR, NOSSA
RETIDÃO'.

[Editado por David A. Higle (Editor Teológico da Wesleyan Church) para a Wesley
Center for Applied Theology of Northwest Nazarene College (Nampa, ID)]

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