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ARTIGO – Princípios do Processo Penal – Vladimir Aras (Procurador da República).

5. Princípios constitucionais do processo penal

Neste tópico serão analisados os mais importantes princípios que regem o direito processual
constitucional, do qual derivam outros postulados igualmente relevantes, todos necessários ao viço
do sistema jurídico, ao qual servem como seiva e como raiz.

5.1. Princípio da humanidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada em 1948, pela Assembléia Geral
das Nações Unidas, assinala o princípio da humanidade e da dignidade já no seu preâmbulo, onde
estão as consideranda que motivaram o ato internacional: "Considerando que o reconhecimento da
dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis
constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as
Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e
valor da pessoa humana (...)".

Os arts. V e VI dessa Declaração afirmam o princípio da hunanidade, estabelecendo que no


plano internacional "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de ser em todos os lugares
reconhecido como pessoa perante a lei".

Por sua vez, o Pacto de Nova Iorque, de 1966, declara que "Toda pessoa privada de sua
liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana". A
privação de liberdade implica, necessariamente, um processo. Resulta, portanto, clara a obrigação
dos órgãos de persecução e julgamento de respeitar os direitos personalíssimos do acusado no
processo e durante sua tramitação.

Já a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, estabelece, em seu art. 11,
§1º, que "Toda pessoa humana tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua
dignidade" e no art. 32, §1º, que "Toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a
humanidade". Aquele direito e este dever são correlatos e inseparáveis, sendo endereçados também
aos órgãos estatais de Justiça criminal.

Derivando de um dos fundamentos republicanos, constante do art. 1º, inciso III, da


Constituição Federal, que exalça a dignidade da pessoa humana, o princípio da humanidade extrai-
se também do art. 5º, incisos III e XLIX, da mesma Carta.

Ao declarar, no terceiro inciso do art. 5º que "ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante", o constituinte especificou indiretamente duas garantias
processuais, as de que:

a)o processo penal não pode servir como meio para a aplicação da pena de tortura ou da
pena de morte ou para a sujeição de quem quer que seja a tratamento desumano ou degradante,
como sanção final;

b)o processo penal não pode assumir ele mesmo forma desumana, com procedimentos que
exponham o homem a posições ou situações degradantes, torturantes ou a vexames.

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Implica, portanto, o direito ao respeito, de que toda pessoa humana é titular, cabendo ao
Estado providenciar:

a)processo acusatório de curta duração;

b)limitação de causas de prisão anterior à sentença condenatória definitiva;

c)separação dos presos provisórios dos presos condenados; e

d)tratamento distinto para as pessoas processadas (não-condenadas).

Ao seu turno, o art. 5º, inciso XLIX, da Carta Federal, garante aos "presos o respeito à
integridade física e moral", significando que ao homem sujeito do processo penal só se lhe retira
parte da liberdade (a de locomoção extra muros), não lhe sendo tolhida a dignidade. Vale dizer:
mesmo preso ou condenado o homem preserva o direito personalíssimo à sua integridade física,
moral e psíquica, com o que se vedam também formas de tortura mental e ameaças à sanidade
intelectual dos imputados.

Para a exata compreensão desses dogmas e sua efetividade no processo penal, vale recordar
a lição de BETTIOL, segundo quem "O juiz vive e opera num determinado clima político-
constitucional em que a pessoa humana representa o valor supremo; e é a posição desta que o Juiz
é chamado a escolher entre duas interpretações antitéticas de uma norma legal".

5.2. Princípio da legalidade

Este princípio, que tem evidente interesse processual, não se acha colocado apenas no art.
5º, inciso II, da Constituição Federal, onde se anuncia que "ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".

A diretriz está também, como conseqüência, no art. 22, inciso I, da mesma Constituição,
que determina competir privativamente à União legislar sobre direito processual, o que invalida, de
pronto, qualquer iniciativa dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios de dispor
sobre a matéria, salvo, para os dois primeiros entes, no tocante a procedimentos (art. 24, inciso XI,
CF).

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão asseverava já em 1789 que "Ninguém


pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as
formas por esta prescritas", garantia que confere importância marcante ao Poder Legislativo, órgão
de onde promanam as leis stricto sensu.

Obviamente, na ausência de lei nenhum indivíduo submete-se à vontade do Estado.


Processualmente, para que ocorra a sujeição do acusado às regras procedimentais e às restrições
próprias do processo penal, exige-se um plus, que a lei tenha sido produzida pelo ente competente,
que, neste caso, é a União Federal e que se trate de lei formal e lei material.

Daí porque os códigos de processo são veiculados por lei federal, de âmbito nacional,
diferentemente do que ocorria outrora, no regime constitucional de 1891, em que o processo era
estadualizado. A unificação ocorreu com o Código de Processo Penal de 3 de outubro de 1941.

Na esfera penal-processual, a diretriz da legalidade encontra espeque também no art. 5º,


inciso XXXIX, da Carta Federal. Talvez seja essa a mais importante faceta da idéia de legalidade

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no campo penal, a que reproduz o brocardo nullum crimen, nulla pœna sine prævia lege, que acaba
por conduzir à irretroatividade da lei penal gravior (inciso XL).

É certo que quanto ao processo penal vige a regra tempus regit actum ou princípio do efeito
imediato (art. 2º, Código de Processo Penal), segundo o qual os atos processuais praticados na
forma da lei anterior são válidos, passando os atos futuros à esfera jurídica da lei processual nova.
Portanto, embora deva-se atender ao critério de legalidade, não se há de falar em irretroatividade da
lei processual penal.

Todavia, nalguns casos de normas mistas, penais e processuais, o instituto processual não
poderá ser aplicado de pronto, para os processos em curso, pois isso significaria também a
retroatividade da norma estritamente penal, o que é proibido pelo ordenamento quando a norma for
desfavorável ao réu. Teríamos então a ultra-atividade da lei processual anterior.

5.3. Princípio da igualdade judicial

Segundo o art. 5º, inciso I, da Constituição Federal, todos são iguais perante a lei, em
direitos e obrigações. Assim, ainda que subjetivamente desiguais, os cidadãos merecem igual
tratamento jurídico.

Ou seja, essa cláusula geral de isonomia perante a lei traduz-se também em igualdade
processual. Embora na ação penal pública o Estado se faça presentar pelo Ministério Público, a
parte pública não tem maiores poderes que a parte privada ré, o indivíduo. Ambos estão no mesmo
plano de igualdade, com os mesmos poderes e faculdades e os mesmos deveres processuais,
diferentemente do processo civil em que a Fazenda Pública e o Ministério Público têm prazos mais
dilatados para recorrer e contestar, além de outros privilégios previstos no Código de Processo
Civil.

Todavia, no processo penal a isonomia é mais efetiva. Caso seja violado esse princípio, a
ação penal torna-se nula.

O art. 14, §1º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos — Pacto de Nova
Iorque estabelece que "Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça". As
implicações do postulado parecem interessantes quando ele é posto em confronto com a
prerrogativa especial de função, dirigida a certas autoridades públicas e agentes políticos.

Do ponto de vista do sujeito passivo da demanda penal, não haveria nesse privilégio
funcional uma violação ao direito à igualdade processual? As razões estatais para tal espécie de
prerrogativa não nos convencem. Não se diga que com o foro especial protege-se a função pública
ou a dignidade do cargo. Ora, esta não precisa de nenhuma proteção dessa ordem: a função ou o
cargo não são sujeitos de direitos, não ficam maculados pela conduta ímproba ou desonrosa do
agente político que a exerça ou que o ocupe. Ao fim e ao cabo, é mesmo o indivíduo (autoridade)
que se beneficiará do foro privilegiado e, por conseguinte, de eventual impunidade. Aliás, esta tem
sido muito comum nos últimos anos no Brasil, servindo de nutriente para as teses do direito penal
máximo.

Outra razão nos leva a deplorar o foro especial por prerrogativa de função. O julgamento
criminal do indivíduo deve-se dar sempre pelo Poder Judiciário, que é composto por órgãos de
primeira e segunda instância e encimado por tribunais superiores. Por que se haveria de imaginar
que o detentor do foro especial estaria melhor "protegido" por ser julgado num tribunal e não
diretamente por um juiz de direito? Qual é a base racional para se acreditar que a função estatal

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será melhor tratada ou que o interesse público será melhor atendido, do ponto de vista processual,
numa instância superior?

Ainda que julgado pelo juízo de primeira instância, o agente político que hoje detém a
prerrogativa de foro especial inevitavelmente acabaria por ter sua causa penal revista, em grau
recursal, por um tribunal, seja pelas cortes estaduais de justiça, pelas cortes regionais federais ou
pelos tribunais superiores.

Onde estaria então o risco para a "função pública"? Que prejuízo é esse que poderia advir
de um julgamento direto, como o a que têm direito os cidadãos "comuns"? Se esse suposto risco
existe para os detentores de função pública, existe também (e talvez em muito maior grau) para os
pobres homens do Povo.

Sendo, assim, que se excluam da Constituição as diferenças e que se eliminem os


privilégios judiciais (ou, eufemisticamente, as prerrogativas especiais de função), implantando-se
uma geral e benfazeja isonomia processual.

5.4. Princípio do juiz e do promotor naturais

Extrai-se do art. 5º, inciso LIII, da Constituição Federal, o princípio do juiz natural.
"Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente". Com isso garante-
se a existência de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria
Constituição e nas leis de organização judiciária de modo a evitar que se materialize o dogma nulla
pœna sine judice.

Igualmente daí se recolhe a idéia do promotor natural, já reconhecida pelo Supremo


Tribunal Federal em interpretação dada a esse cânon e aos arts. 127 e 129 da CF, que têm em mira
assegurar a independência do órgão de acusação pública, o que também representa uma garantia
individual, porquanto se limita a possibilidade de persecuções criminais pré-determinadas ou a
escolha "a dedo" de promotores para a atuação em certas ações penais.

Também relacionada ao princípio do juiz natural é a diretriz magna que veda a instalação de
juízos e tribunais de exceção (art. 5º, XXXVII, CF). Tratando-se de limitação ao poder do Estado
de organizar as suas cortes e tribunais, a norma vincula-se às idéias de jurisdição e competência e é
nitidamente uma regra de interesse processual penal.

A conseqüência é que será nula qualquer sentença condenatória (e mesmo absolutória) que
advier de um juízo excepcional ou de um tribunal instituído ex post factum.

Previstas no Código de Processo Penal e nas leis de organização judiciária, são exceções ao
princípio os casos de:

a)desaforamento de processos de competência do tribunal do júri;

b)substituições entre juízes, em razão de férias, falecimento, afastamento temporário;

c)e modificações usuais de competência, pela criação de novas varas ou juízos ou pela
redistribuição de processos.

5.5. Princípio do devido processo legal

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Inserido no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, o princípio due process of law
determina que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal".

A garantia vale tanto para o processo civil ("de seus bens") quanto para o processo penal
("da liberdade") e é uma conquista do humanismo britânico, repartindo-se em procedural due
process e substantive due process.

A França não descurou desse princípio. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
asseverava já em 1789 que "Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos
determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem
executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)".

A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém pode ser
arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de lei ou o abuso
de direito.

Está claro que tal liberdade pública mantém íntima relação com o princípio da legalidade
(ora, trata-se do devido processo legal), reclamando a devida persecução penal, limitada pela lei
processual.

Por igual, verifica-se também facilmente que é do due process of law que se retira a
proibição de admissão de provas ilícitas no processo (art. 5º, LVI, CF). Descumprida tal garantia, a
sanção é de nulidade em conformidade com a teoria fruit of the poisonous tree ("fruto da árvore
envenenada"), acolhida pelo Supremo Tribunal Federal. Lembre-se, contudo, que essa vedação não
é absoluta, devendo ser vista em cotejo com o princípio da proporcionalidade, a fim de que não
haja grave prejuízo material ao direito substancial discutido ou protegido, apenas para se dar
atendimento a uma forma procedimental.

O princípio da vedação de provas ilicitamente obtidas foi acolhido no plano internacional


pela Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou
Degradantes, adotada pelo ONU em 10 de dezembro de 1984. Integrado ao ordenamento brasileiro
pelo Decreto n. 40/91, o tratado tem força de lei ordinária em nosso País.

Segundo o art. 15 dessa Convenção "Cada Estado-Parte assegurará que nenhuma


declaração que se demonstre ter sido prestada como resultado de tortura possa ser invocada como
prova em qualquer processo, salvo contra uma pessoa acusada de tortura como prova de que a
declaração foi prestada".

Ou seja, em consonância com a garantia contra a auto-incriminação, o depoimento de


pessoa torturada (declaração viciada e, portanto, nula) não pode ser utilizado no processo civil ou
penal para servir de prova contra ela. Admite-se apenas a sua utilização processual para sustentar a
acusação, noutro processo, contra o próprio torturador.

5.6. Princípio da publicidade

Igualmente relevante é o princípio da publicidade, que se dirige a toda a Administração


Pública (art. 37) e também à administração da justiça penal.

Decorrência da democracia e do sistema acusatório, o princípio processual da publicidade


encontra guarida no art. 5º, inciso LX, da Constituição Federal, que declara: "a lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem".

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A publicidade surge como uma garantia individual determinando que os processos civis e
penais sejam, em regra, públicos, para evitar abusos dos órgãos julgadores, limitar formas
opressivas de atuação da justiça criminal e facilitar o controle social sobre o Judiciário e o
Ministério Público.

"O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os
interesses da justiça", determina o art. 8º, §5º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
A regra, tamanha a sua importância, é reafirmada no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal,
conforme o qual "todos os julgamentos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentadas todas
as decisões, sob pena de nulidade (...)".

A publicidade, como garantia, aparece também no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federal,
que assegura a todos o direito de "receber dos órgãos públicos informações de seu interesse
particular, ou de interesse coletivo ou geral (...)".

Há dois aspectos do princípio da publicidade:

a)a publicidade geral ou plena, como regra para todo e qualquer processo;

b)a publicidade especial, em que se restringe a audiência nos atos processuais e as


informações sobre o processo às partes e procuradores, ou somente a estes.

Como crítica ao princípio, reconhecem benefícios e malefícios. O maior dos benefícios é a


dificultação de abusos, exageros, omissões e leviandades processuais, pela possibilidade de
constante controle das partes, dos advogados, do Ministério Público, da imprensa e da sociedade. O
mais deplorável dos malefícios (ou talvez o único) é a possibilidade de haver, com a publicidade, a
exploração fantasiosa ou sensacionalista de fatos levados a discussão nos tribunais.

Para evitar esses abusos midiáticos, em certas causas e situações há exceções ao princípio
da publicidade plena, como quando a divulgação da informação ou diligência represente risco à
defesa do interesse social ou do interesse público; à defesa da intimidade, imagem, honra e da vida
privada das partes; e à segurança da sociedade e do Estado.

Exemplos dessas restrições estão no:

a)art. 792 e §1º, do CPP (caso genérico);

b)arts. 476 e 481 do CPP (votação no júri);

c)art. 217 do CPP (retirada do réu);

d)art. 748 do CPP (registro da reabilitação);

e)art. 20 do CPP (sigilo no inquérito policial);

f)art. 202 da Lei das Execuções Penais; e

g)art. 3º da Lei Federal n. 9.034/95.

5.7. Princípio do estado de inocência

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Previsto no art. 5º, inciso LVII, da Constituição brasileira, este princípio é também
denominado "da presunção de inocência" ou da "presunção de não-culpabilidade".

Acolhida também nos tratados internacionais sobre direitos humanos, esta garantia
representou ao tempo de sua introdução nos sistemas jurídicos um enorme avanço. Ninguém
poderia ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Já constava da Declaração Francesa de 1789 no art. 9º: "Todo acusado é considerado inocente até
ser declarado culpado (...)".

A Declaração Universal de 1948 assentou, com mais detalhes, que "Toda pessoa acusada
de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido
provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas
as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI).

Como corolário dessa idéia, foi preciso desenvolver o sistema acusatório, atribuindo-se a
um órgão público a missão de alegar e provar os fatos criminais, em nome do Estado, desfazendo a
presunção legal que vigora em prol do indivíduo.

A presunção de inocência prevista, de forma positivada, desde 1789, foi repetida também no
art. 8º, §2º, do Pacto de São José da Costa Rica (introduzido no Brasil pelo Decreto Federal n.
678/92) e no art. 14, §2º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966.

A jurisprudência, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, tem afirmado que as


medidas coercitivas ou as providências restritivas do jus libertatis anteriores à decisão condenatória
definitiva não ofendem o princípio da presunção de inocência.

Sinaliza a Súmula 9 do STJ no sentido de que "A exigência de prisão provisória, para
apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". Tal enunciado não passou
imune a críticas, mas desde que bem compreendido e aplicado com restrições, não causa dano ao
jus libertatis nem ao estado de inocência do acusado.

Assim, observados atenta e devidamente os requisitos de necessidade e cautela; cumprido o


art. 312 do Código de Processo Penal; e atendida a exigência constitucional de fundamentação das
decisões judiciais, não violam tal garantia provimentos que dêem aplicação ao art. 393, inciso I, do
CPP, que trata do recolhimento à prisão como efeito da sentença condenatória recorrível, bem como
ao art. 594, do mesmo código e ao art. 35, da Lei Federal n. 6.368/76, que exigem, ambos, o
recolhimento do réu à prisão como condição para a apelação.

É também constitucional, para o STJ, o art. 2º, §2º, da Lei Federal n. 8.072/90, que
determina que em caso de sentença condenatória por crime hediondo "o juiz decidirá
fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade". Este posicionamento é censurável,
tendo em conta que a presunção legal é de não-culpabilidade. Portanto, o que o juiz deveria decidir
fundamentadamente é se o réu precisaria recolher-se à prisão para apelar até o trânsito em julgado
da decisão, e não o contrário. Isto é evidente, porque a regra é poder o réu, em qualquer caso,
apelar em liberdade.

Dito isto, é preciso observar que as conseqüências do princípio do estado de inocência são
resumidamente:

a)a de estar obrigado o julgador a verificar detidamente a necessidade da restrição


antecipada ao jus libertatis do acusado, fundamentando sua decisão;

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b)a de atribuir inexoravelmente o ônus da prova da culpabilidade do acusado ao Ministério
Público ou à parte privada acusadora (querelante);

c)concomitantemente, o efeito de desobrigar o réu de provar a sua inocência;

d)o de assegurar a validade da regra universal In dubio pro reo, aplicada no direito anglo-
saxônico com o nome de reasonable doubt, que sempre favorece a posição jurídica do acusado; e

e)a revogação (ou não recepção) do art. 393, inciso II, do Código de Processo Penal, que
mandava lançar o nome do réu no rol dos culpados, por ocasião da sentença condenatória
recorrível.

5.8. Garantia contra a auto-incriminação

Dispõe o art. 14, §3º, alínea ´g´, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos —
Pacto de Nova Iorque que toda pessoa humana tem o direito de não ser obrigada a depor contra si
mesma nem a confessar-se culpada.

É também garantia judicial internacional, no continente americano, por força do art. 8º, §2º, alínea
´g´, do Pacto de São José da Costa Rica o direito que toda pessoa tem de "não ser obrigada a
depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada". Quer dizer, nenhuma pessoa é obrigada a
confessar crime de que seja acusada ou a prestar informações que possam vir a dar causa a uma
acusação criminal.

A Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América assegura tal garantia
desde o século XVIII. Desde sua adoção nenhuma pessoa "shall be compelled in any criminal case
to be a witness against himsel." Trata-se do "privilege against self incrimination", que, entre nós,
denomina-se garantia contra a auto-incriminação.

Embora a confissão seja tida doutrinariamente como a "rainha das provas", não se pode, no
processo penal, constranger a isso o acusado. Vale dizer: confissão, só espontânea e/ou voluntária.
Qualquer informação obtida do réu (ou mesmo de testemunha) mediante coação configurará o
crime de tortura, previsto na Lei n. 9.455/97.

No sistema brasileiro, admite-se que o indiciado ou réu minta, que negue relação com o
fato, que cale a verdade, que fantasie, que amolde versões aos seus interesses. Trata-se da regra de
ouro Nemo tenetur se detegere, insculpida no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição com a seguinte
redação: "O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado (...)".

É dizer: ninguém é obrigado a colaborar com o Estado (Polícia Judiciária e Ministério


Público) para o descobrimento de um crime de que se é acusado ou do qual se possa vir a ser
acusado. Sobre o Estado, no sistema acusatório, recaem o ônus da prova e a missão de desfazer a
presunção de inocência que vigora em favor do acusado, sem esperar qualquer colaboração de sua
parte.

Em razão desta regra, não foi recepcionado no ordenamento pátrio o disposto no art. 186,
parte final, do Código de Processo Penal, segundo o qual, por ocasião do interrogatório do acusado,
"o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem
formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa".

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De igual modo, derrogado está a segunda parte do art. 198 do Código de Processo Penal,
conforme o qual "O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento
para a formação do convencimento do juiz". De sorte que, desde 1988, não pode o magistrado
considerar o silêncio do réu em desfavor do processado.

Estas normas, como se evidenciou, não mais têm aplicação no País. Os réus continuam
desobrigados de responderem às perguntas do juiz, e agora têm o direito de manter-se em silêncio.
E só. Desse estado ou dessa postura, em juízo ou no interrogatório policial, nada advirá em prejuízo
do acusado. A única implicação lógica admissível do princípio é a de que continuará cabendo ao
Ministério Público ou ao querelante (na ação penal privada) a prova da culpabilidade do réu.

Interessante notar, porém, que se o réu não desejar exercer esse direito ao silêncio ou a ele
renunciar, poderá ser "compensado" pelo sistema criminal, por meio dos institutos da delação
premiada e da confissão espontânea.

No primeiro caso, lei especial prevê redução da pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços)
para o réu delator (co-autor ou partícipe) que "através de confissão espontânea revelar à
autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa". É o que se dá por força do art. 16,
parágrafo único, da Lei Federal n. 8.137/90, que cuida dos crimes contra a ordem tributária, a
ordem econômica e as relações de consumo.

O mesmo efeito decorre do art. 6º da Lei n. 9.034/95 — Lei de Combate ao Crime


Organizado, que permite a redução da pena de 1/3 a 2/3, "quando a colaboração espontânea do
agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria".

No segundo caso, confissão simples espontânea, a auto-declaração de culpabilidade


conferirá ao réu o direito de redução da pena, em grau estabelecido pelo juiz, em virtude do
reconhecimento de circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65, inciso III, alínea ´d´, do
Código Penal: "são circunstâncias que sempre atenuam a pena, ter o agente confessado
espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime".

Como se vê, nas duas situações, a renúncia ao direito constitucional de manter-se em


silêncio converte-se em benefícios penais, com redução expressiva da resposta estatal.

Tratamento mais favorável ao delinqüente colaborador também está presente no art. 1º, §5º,
da Lei n. 9.613/98 — Lei de Lavagem de Capitais, quando o réu, co-autor ou partícipe "colaborar
espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das
infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores obeto do crime".

Outros dois institutos reducentes de reprovabilidade penal, relacionados com a regra Nemo
tenetur se detegere, estão no art. 14 da Lei n. 9.605/98 — Lei Penal Ambiental, que prevê a
atenuação da pena:

a)por comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental (inciso
III); e

b)pela colaboração do réu com os servidores encarregados da vigilância e do controle


ambientais (inciso IV).

Perceba-se que, em qualquer das situações acima analisadas, o réu preserva o seu direito ao
silêncio e continua desobrigado de colaborar com as autoridades. Mas se resolver falar,
cooperando, será premiado com a redução da pena.

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5.9. Princípio do contraditório

Correspondem ao movimento democratizante, humanizador e garantista do processo penal,


os princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LV, CF), segundo os quais "aos
litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

A Sexta Emenda à Constituição dos Estados Unidos declara que "In all criminal
prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial jury of
the State and district wherein the crime shall have been committed, which district shall have been
previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the accusation; to be
confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in
his favor, and to have the Assistance of Counsel for his defence".

Como se vê tais princípios se destinam ao processo em geral, tanto o civil quanto o penal e
ainda o processo administrativo, que, no Brasil, é de natureza não-judicial.

Todavia, não são garantias absolutas. Há situações em que o contraditório (acusação e


defesa, prova e contra-prova) não pode ser garantido desde logo, tendo sua aplicação diferida. É o
que ocorre, por exemplo, com o procedimento de interceptação de comunicações telefônicas,
regulado pela Lei n. 9.296/96, em que não se pode em nenhuma hipótese anunciar previamente ao
investigado a realização da diligência de escuta judicialmente autorizada, sob pena de total
insucesso da investigação criminal.

Para o Supremo Tribunal Federal, a garantia do contraditório não vigora, também, nos
pedidos de quebra de sigilo bancário, porquanto em tais situações o anúncio da disclosure poderá
levar à mobilização de somas em dinheiro e sua conversão em ativos móveis, o que dificultaria
sobremaneira a reparação do dano ou o eventual seqüestro dos bens.

Tais considerações, entretanto, precisam ser bem entendidas. Não é que de fato inexista
contraditório nesses procedimentos. Significa apenas que a oportunidade de conhecimento da
medida apuratória ou das provas colhidas na investigação inquisitorial, e o ensejo de contestação a
elas e produção de contra-provas serão dados ao investigado/réu em momento posterior,
garantindo-se assim a ampla defesa.

Certo, por outro lado, é que não há incidência do contraditório no inquérito policial, que é
procedimento administrativo pré-processual, inquisitorial, presidido pela Polícia Judiciária,
destinado à formação da opinio delicti do Ministério Público e a subsidiar a ação responsável do
Estado em juízo, evitando lides penais temerárias.

Destarte, o contraditório, que em lógica implica a existência de "duas proposições tais que
uma afirma o que a outra nega", tem como corolários ou implicações:

a)a igualdade das partes ou isonomia processual;

b)a bilateralidade da audiência e a ciência bilateral dos atos processuais (audiatur et altera
pars);

c)o direito à ciência prévia e a tempo da acusação, podendo o acusado "dispor do tempo e
dos meios necessários à preparação de sua defesa";

d)o direito à ciência precisa e detalhada dessa acusação;

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e)direito à compreensão da acusação e do julgamento, ainda que por meio de tradutor ou
intérprete;

f)o direito à ciência dos fundamentos fático-jurídicos da acusação;

g)a oportunidade de contrariar a acusação e de apresentar provas e fazer ouvir testemunhas;

h)a liberdade processual de especificar suas provas e linha de defesa, escolher seu defensor
e mesmo de fazer-se revel.

Não se pode deixar de perceber a relação da idéia de contraditório com o princípio


filosófico do terceiro excluído, segundo o qual "Se duas proposições são contraditórias, uma delas
é verdadeira e a outra é falsa". Na dialética processual, caberá ao magistrado realizar a síntese das
posições antitéticas (a tese do Ministério Público e a antítese do defensor), declarando, ao fim, a
verdade da acusação e a falsidade da defesa, ou vice-versa.

5.10. Princípio da ampla defesa

Também é preciso situar o direito à ampla defesa no contexto do processo penal. A defesa é
o mais legítimo dos direitos do homem. A defesa da vida, a defesa da honra e a defesa da liberdade,
além de inatos, são direitos inseparáveis de seus respectivos objetos. A manutenção da liberdade
implica a ação defensiva dessa mesma liberdade, ainda que in potentia. Do mesmo modo, não se
pode conceber a vida, sem o direito presente de mantê-la e de defendê-la contra ameaças ou
agressões injustas ou ilegais, atuais ou iminentes.

Assim, também no processo penal, em que estão em jogo a liberdade e o patrimônio dos
acusados, bem como suas honras. Ao lado da vida, esses são os bens mais valiosos do homem, que
o diferenciam da imensa massa dos seres. Por isso, nesse campo, quando um desses bens é posto na
berlinda, a defesa deles deve ser amplamente assegurada, "com todos os meios e recursos a ela
inerentes".

A defesa criminal pode ser técnica, quando realizada por meio de advogado, ou pessoal.
Neste caso, o réu assumiria a proteção processual dos seus próprios interesses em face da acusação
contra si apresentada.

Embora prevista em tratados internacionais, a defesa pessoal no processo penal brasileiro só


é conhecida por ocasião do interrogatório. Esta é a única oportunidade que o acusado tem de falar
por si, diretamente ao julgador, sem a intermediação do seu procurador. Trata-se de importante
forma de defesa oral, que deve ser devidamente considerada pelo juiz por ocasião da sentença,
ainda que outra seja a tese sustentada pela defesa técnica.

A exceção quanto à refutação pessoal somente confirma a regra, que, no Brasil, é a da


imprescindibilidade de defesa técnica, na forma do art. 261 do Código de Processo Penal.

Para assegurá-la às inteiras, é preciso permitir ao réu pelo menos:

a)o conhecimento claro e prévio da imputação;

b)a faculdade de apresentar contra-alegações;

c)a faculdade de acompanhar a produção da prova;

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d)o poder de apresentar contraprova;

e)a possibilidade de interposição de recursos;

f)o direito a juiz independente e imparcial;

g)o direito de excepcionar o juízo por suspeição, incompetência ou impedimento;

h)o direito a acusador público independente; e

i)o direito a assistência de defesa técnica por advogado de sua escolha.

Quanto a este último aspecto, realçamos a previsão do art. 14, §3º, alínea ´d´, do Pacto de
Nova Iorque, que assegura a todo acusado o direito de "estar presente no julgamento e de
defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; de ser informado, caso
não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo e, sempre que o interesse da justiça assim
exija, de ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-
lo".

Semelhantemente, no art. 8º, §2º, alínea ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, está a
garantia do acusado de "defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua
escolha e de comunicar-se livremente e em particular, com seu defensor".

Quanto a este último aspecto, o Estatuto da OAB especifica entre os direitos do advogado o
de "comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando
estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que
considerados incomunicáveis" (art. 7º, inciso III).

Daí resulta que a incomunicabilidade dos acusados, ainda que judicialmente decretada na
forma do art. 21 do Código de Processo Penal, não impede o contato direto do advogado com o seu
cliente. Esta garantia profissional do advogado é imprescindível ao asseguramento da ampla defesa
do acusado. O direito profissional é uma das manifestações do direito constitucional do acusado a
uma defesa efetiva e larga.

Como se viu parágrafos acima, é direito positivo, interno e também internacional, a garantia
de defesa técnica ou pessoal no processo criminal, admitindo-se a indicação de defensor dativo
para o réu, ainda que este não deseje, pois não é tolerável nem razoável admitir que alguém possa
ser acusado de um crime sem defender-se.

Destarte, do direito à ampla defesa decorre o dever do Estado de providenciar ampla defesa
para o acusado e de velar pela sua efetividade. Quanto a este, o acusado, o único direito de defesa
que se lhe retira é o de não se defender. Ou seja, mesmo que o réu silencie em seu interrogatório
sempre haverá defesa. Sem defesa, não há processo penal.

Nessa mesma medida, é óbvio que a defesa deverá ser efetiva, uma vez que defesa técnica
irreal, falha, omissa, leniente equivale a ausência de defesa, sendo causa de nulidade do processo.

Além disso, parece-nos oportuno assinalar que o art. 261 do Código de Processo Penal foi
derrogado pelos citados dispositivos convencionais. Os tratados internacionais têm força de lei
ordinária no Brasil, seguindo o princípio temporal de que "lei posterior derroga lei anterior".

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Assim, em tese, seria possível a defesa processual realizada inteiramente pelo acusado in
persona, sem concurso de advogado, já que a regra do art. 261 ("Nenhum acusado, ainda que
ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor") datada de 1941 foi suplantada
pelo art. 8º, §2º, ´d´, do Pacto de São José da Costa Rica, e pelo art. 14, §3º, ´d´, do Pacto de Nova
Iorque, que lhe são posteriores (1992) e permitem às inteiras a defesa pessoal.

Todavia, esta possibilidade é um tanto temerária, pois a falta de defesa técnica pode
prejudicar sobremaneira os interesses do acusado, em virtude da real ou potencial disparidade de
armas entre o réu e o Ministério Público, sempre profissional.

Demais disso, a tese peca por olvidar que, por força do art. 133 da Constituição Federal
(norma hierarquicamente superior aos citados tratados) o advogado é essencial à administração da
justiça, principalmente a criminal. Isto se mostra mais claro ao se verificar que as hipóteses de jus
postulandi existentes em nosso ordenamento aplicam-se apenas a procedimentos extrajudiciais.
Quanto aos judiciais, admite-se a postulação direta, sem advogado, tão-somente nas reclamações
trabalhistas em geral e nas ações cíveis de até 20 salários mínimos, reguladas pela Lei n. 9.099/95,
que instituiu os Juizados Especiais Cíveis.

5.11. Princípio do duplo grau de jurisdição

Este princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal. Trata-se de uma
diretriz implícita, que se constrói a partir do art. 5º, inciso LV, segunda parte, da Constituição, e dos
arts. 92, 102, 105 e 108 da mesma Carta.

Ora, se é garantida a ampla defesa, "com os meios e recursos a ela inerentes", assegura-se
concomitantemente o direito de revisão da decisão por um órgão colegiado superior.

De igual modo, se a Constituição regula a competência recursal dos tribunais superiores e


dos tribunais regionais e a distribui a órgãos judiciais específicos, dando-lhes poder de julgar "em
grau de recurso" as causas decididas pelas instâncias inferiores, está a Lex Legum implicitamente
garantindo o direito ao acesso ao duplo grau de jurisdição.

O direito ao duplo grau abrange:

a)o direito ao reexame da causa, quanto ao mérito;

b)o direito à revisão da pena;

c)o direito à declaração de nulidades (reexame quanto à forma); e

d)impropriamente, o direito de rescindir a condenação trânsita em julgado.

Está também previsto tal princípio no Pacto de São José da Costa Rica e no Pacto de Nova
Iorque. Todavia, nessas duas convenções a menção é expressa, valendo como lei ordinária no
Brasil. Neste caso, como lei processual ordinária.

Genericamente, o art. 9º, §4º, do Pacto de Nova Iorque determina que "Qualquer pessoa
que seja privada de sua liberdade por prisão ou encarceramento terá o direito de recorrer a um
tribunal para que este decida sobre a legalidade de seus encarceramento e ordene sua soltura,
caso a prisão tenha sido ilegal".

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Mais claro é o art. 15 do mesmo tratado: "Toda pessoa declarada culpada por um delito
terá o direito de recorrer da sentença condenatória e da pena a uma instância superior, em
conformidade com a lei".

Neste passo, é oportuno assinalar o art. 5º, §2º, da Constituição Federal, que estabelece que
"Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e
dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte".

Esse dispositivo de extensão, além de fazer clara a importância dos princípios para a
exegese constitucional, evidencia por igual que as diretrizes que regem essa hermenêutica não se
encontram apenas no art. 5º, do rol de direitos, nem estão elencadas somente na Constituição;
podem estar nas convenções internacionais de que o Brasil seja parte ou mesmo em outros pontos
da Constituição, como no art. 228, que estatui que "São penalmente inimputáveis os menores de
dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial".

Embora situado no capítulo VII, do Título VIII, da Constituição, que trata da ordem social,
o art. 228 prevê legítimo direito individual, limitador da ação do Estado no processo penal. E,
portanto, é também cláusula pétrea, em conformidade com o art. 60, §4º, inciso IV, da Carta
Federal.

Quanto ao instituto do reexame necessário, trata-se hoje de uma excrescência. É algo


desnecessário porque as partes tecnicamente assistidas têm todas as condições para interpor
recursos voluntários, não havendo porque prever a remessa necessária e automática à instância
superior, para reexame da decisão. A permanência dessa anomalia no sistema acaba por fazer
incidir sobre o julgador a pecha de "suspeito", sobre o acusador público a nódoa da "incompetente"
e sobre ambos a suposição da conivência com o erro ou a fraude. Tal estorvo deve, assim, ser
eliminado do sistema processual o mais rápido possível.

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