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Artigo: VALLADARES, A. C. A. et al.

“A arteterapia e a representação gráfica de


centros de atendimento em saúde mental”. In: JORNADA GOIANA DE
ARTETERAPIA, 2., 2008, Goiânia. Anais... Goiânia: FEN/UFG/ABCA, 2008. p.142-
157. Cap.15. (ISBN: 978-85-61789-00-8).

15 – A ARTETERAPIA E A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE CENTROS DE


ATENDIMENTO EM SAÚDE MENTAL1

Ana Cláudia Afonso Valladares2


Flora Elisa de Carvalho Fussi3
Rayana Ribeiro de Almeida4
Sarah Nunes de Freitas Ottoni5
Luciana Santos Cantuária6
Bruna Priscila Brito Ribeiro dos Santos67

Resumo: O co-envolvimento dos locais terapêuticos de atendimento em saúde


mental constitui um importante aspecto a ser considerado nos projetos de
reabilitação na Reforma Psiquiátrica, tornando-os protagonistas e responsáveis
pelo processo de tratamento e reabilitação do doente mental. Este projeto
objetiva realizar uma análise compreensiva e comparativa das produções
gráficas – desenhos representando os Centros de Atendimento em saúde
mental pelos alunos de enfermagem, à luz da Psicologia Analítica.
Metodologia: pesquisa qualitativa que possibilitou a representação gráfica e
temática dos ambientes de tratamento terapêutico em Saúde Mental: CAPS e
Hospital Psiquiátrico, num total de 45 desenhos. Foram desenvolvidos por
alunos do curso de enfermagem que cumpriram as aulas-práticas de
enfermagem psiquiátrica e visualizaram as duas realidades. Resultados: na
visão dos alunos a leitura dos desenhos sugere que o serviço do Hospital
Psiquiátrico apresenta-se pouco reabilitador, impossibilitado de estabelecer

1
Pesquisa inserida no Grupo de Pesquisas em Paradigmas Assistenciais em Terapias
Alternativas (NEPATA) da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás
(UFG).
2
Arteterapeuta, Profª Drª da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Goiás
(FEN/UFG), Presidente da Associação Brasil Central de Arteterapia (ABCA), membro do
conselho diretor da UBAAT, integrante da rede PsicoArte, coordenadora do Conselho Editorial
da Revista Científica de Arteterapia Cores da Vida (www.brasilcentralArteterapia.org). E-mail:
aclaudiaval@terra.com.br
3
Arteterapeuta do CAPS – Novo Mundo da Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia/GO.
Cordenadora-local e Docente do Curso de Especialização em Arteterapia do Alquimy Art,
membro do Conselho Diretor da ABCA e da UBAAT. Membro do Conselho Editorial da Revista
Científica de Arteterapia Cores da Vida Mestranda da Universidade de Los Pueblos (Espanha).
4
Graduanda de Psicologia da UFG e relatora do trabalho
5
Graduanda de Design Gráfico da UFG
6
Graduanda de Enfermagem da UFG
trocas com os usuários. As características expressas nos desenhos do CAPS
sugerem um atendimento que tem esperança inerente ao processo de
reabilitação e desenvolve-se buscando a valorização da positividade e
subjetividade dos usuários. Considerações Finais: este trabalho trouxe
contribuições importantes para a área de saúde mental, pois os desenhos
permitiram fazer uma análise comparativa e reflexiva dos ambientes
terapêuticos de atendimento ao doente mental.

Palavras-chave: Arteterapia; Teoria Junguiana; Enfermagem Psiquiátrica;


Desenho projetivo; Processo de Cuidar em Saúde e Enfermagem; Reforma
Psiquiátrica; Centros de Atenção em Saúde Mental.

Fig.1 – Desenho projetivo do CAPS (lado Esquerdo) intitulado “Qualidade de


Vida” e do Hospital Psiquiátrico (lado Direito) intitulado “Abandono” realizado
por uma aluna do curso de enfermagem após cumprir o estágio de
enfermagem psiquiátrica e visualizar os dois locais de atendimento.

Introdução
As estratégias de intervenções da Reforma Psiquiátrica, que após a
década de 70, têm representado um dos grandes desafios da atenção em
saúde mental e é caracterizada pela reabilitação psicossocial e
desinstitucionalização, no qual proporciona transformações de saberes e de
práticas em lidar com a loucura e reinventar modos de lidar com a realidade
(KANTORSKI, 2004).
A reabilitação psicossocial, uma das intervenções da Reforma Psiquiátrica
envolve ações que favoreçam aumentar as possibilidades de recuperação dos
doentes mentais e diminuir os efeitos desabilitantes da cronificação dos
indivíduos com ações envolvendo o indivíduo, a família e a comunidade em
cuidados complexos e delicados (PITTA, 2001).
O co-envolvimento dos locais terapêuticos de atendimento em saúde
mental constitui um importante aspecto a ser considerado nos projetos de
reabilitação na Reforma Psiquiátrica, tornando-os protagonistas e responsáveis
pelo processo de tratamento e reabilitação do doente mental.
O paciente portador de transtorno mental severo e persistente apresenta
repercussões negativas em diferentes aspectos de sua vida, por isso é
importante re-pensar sobre o cotidiano dos serviços de saúde mental e os
cuidados que vem recebendo os pacientes destas instituições ao longo dos
últimos anos, em especial na cidade de Goiânia/GO, com a incorporação dos
novos paradigmas da reabilitação psicossocial e da Reforma Psiquiátrica
(VALLADARES, 2004a e b; VALLADARES et al, 2003).
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e os Hospitais Psiquiátricos
são considerados locais de atendimento em níveis de alta complexidade em
saúde mental e objetivam reduzir a gravidade do transtorno mental, com a
identificação precoce dos casos, rastreamento e tratamento, estabelecendo um
programa de reabilitação psicossocial, com a possibilidade de acolhimento, de
cuidado, de construção de vínculos e de sociabilidade ao sujeito em sofrimento
psíquico; oferecendo espaços de inclusão da diferença, de superação de
medos e preconceitos; propondo formas mais humanizadas e integradoras e
ainda a reinserção social do paciente (VALLADARES, 2006a, b, c e d;
VALLADARES & FUSSI, 2003).

“Estabelecer um novo setting a partir do serviço significa


focalizar o cuidado em saúde mental. Um cuidado que
necessita de espaços terapêuticos diversificados, entre eles,
grupo de familiares, grupo de medicação, oficinas
terapêuticas, atendimento individual, visita domiciliar,
assembléia de usuários, familiares e equipe, grupo de
educação e saúde, grupo de higiene e cuidados pessoais,
grupo de conversação, grupo de expressão, momento cultural,
atividades físicas (caminhadas, jogos de futebol, vôlei,
ginástica), coral, horta, oficinas pedagógicas, programa de
busca de faltosos, reunião de equipe, atividades de integração
com a comunidade” (KANTORSKI, 2004, p.28).

Diante da preocupação com a qualidade no atendimento às pessoas que


apresentam sofrimento mental, questiona-se: os cuidados que vem recebendo
as pessoas com transtorno mental no Hospital Psiquiátrico e no CAPS são
reabilitantes? São ambientes realmente terapêuticos e que estabelecem
“cuidados” aos seus usuários seguindo os novos paradigmas de atenção em
saúde mental? Estas instituições têm oferecido possibilidade de acolhimento,
cuidado e sociabilidade ao sujeito em sofrimento psíquico, formas humanizadas
e integradoras visando à reconstrução do indivíduo? São espaços que almejam
a aprendizagem e a construção de vínculos afetivos?
Este projeto objetiva realizar uma análise compreensiva e comparativa
das produções gráficas – desenhos representando os Centros de Atendimento
em saúde mental (CAPS X Hospital Psiquiátrico) pelos alunos de enfermagem,
à luz da Psicologia Analítica.
O trabalho busca apreender os cuidados que os pacientes vêm recebendo
dentro dessas duas realidades segundo a projeção dos alunos de enfermagem
que vivenciaram suas atividades práticas - estágio de Enfermagem Psiquiátrica
dentro das duas instituições.

Metodologia
Escolheu-se como percurso metodológico a pesquisa qualitativa, que
privilegiou analisar o conteúdo e a comparação das produções gráficas
envolvendo os locais de cuidado em Saúde Mental sob a visão de alunos de
enfermagem.
Este projeto possibilitou a representação gráfica e temática – desenho
projetivo dos ambientes de tratamento terapêutico em Saúde Mental: CAPS
(Centro de Atenção Psicossocial) e Hospital Psiquiátrico privado, ambos em
Goiânia/GO, desenvolvidos por alunos do curso de enfermagem de uma
instituição pública de Goiânia/GO que cumpriram as aulas-práticas de
enfermagem psiquiátrica e visualizaram as duas realidades (CAPS e Hospital
Psiquiátrico). Os alunos eram jovens, de ambos os sexos e aquiescentes ao
trabalho.
Foi sugerido desenhos temáticos em uma contextualização livre. A
representação gráfica foi desenvolvida por meio de estratégias vivenciais em
grupos rotativos, quatro grupos de onze/doze alunos e coordenados por uma
arteterapeuta no ano de 2007 e compreendendo um total 45 desenhos
projetivos.
Os materiais plásticos foram fornecidos pela arteterapeuta-coordenadora
e incluiram: lápis preto e borracha, lápis coloridos, giz de cera, canetinhas
coloridas, giz e papel sulfite tamanho A4. Os alunos eram livres para escolher
os materiais gráficos que melhor projetassem suas projeções.
Para análise dos dados, buscou-se como guia, os parâmetros
estabelecidos pelo Roteiro de Avaliação dos Aspectos de Análise Qualitativa da
Representação Plástica em Arteterapia (VALLADARES, 2005) – em ANEXO A,
com os itens:
a) Comentários subjetivos dos avaliadores (arteterapeuta etc)
b) Descrição geral do trabalho
c) Criatividade
d) Cores
e) Outras características do desenho
f) Nível de desenvolvimento
g) Omissões ou inclusões de elementos
h) Outros: a figura humana (expressão da integração da personalidade), a
casa (representação do desenvolvimento do sujeito) e a árvore (representação
da expressão da integração da personalidade).
Posteriormente, utilizou-se à análise qualitativa para compreender os
dados encontrados por meio do Roteiro de Avaliação (VALLADARES, 2005).
Os dados por sua natureza subjetiva, foram apresentados de maneira
descritiva, levando-se em consideração a qualidade dos desenhos dos alunos,
comparando e fazendo uma análise compreensiva à luz da Psicologia Analítica
dos dois ambientes terapêuticos.
Utilizaram-se os autores referenciais dos dicionários de símbolos ou
junguianos (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER,
1991; FURTH, 2004; LEXIKON, 1994) para auxiliar na análise do simbolismo
dos elementos vigentes.
Para a compreensão simbólica geral deste trabalho não se apoiou
exclusivamente nestes livros, levou-se em consideração o processo histórico e
evolutivo da saúde mental no Brasil.

Resultados
Simbolismos vigentes nos desenhos projetivos de forma geral:

Hospital Psiquiátrico Características CAPS


mais prevalentes

- Efeito desagradável das - Efeito agradável das


imagens: desenhos escuros a) Comentários imagens: desenhos
e tensos. subjetivos dos claros e leves.
avaliadores
- Trabalhos refletem - Trabalhos refletem
movimento linear, isolamento movimento,
e prisão. descontração, liberdade,
abertura, integração e
tranqüilidade.

- Trabalhos evocam a - Os desenhos sugerem


escuridão, a opressão e a relações mais
tristeza. humanizadas.

- Símbolos presentes: - Símbolos presentes:


nuvens carregadas, chuva, b) Descrição geral sol, casa, árvores
grade/algema, árvores do trabalho frutíferas, brincadeira de
secas/cortadas, o vazio, a bola e música.
agitação, a briga, a
separação e as dúvidas.
Presença de casas e
pessoas isoladas.

- Elementos desintegrados e - Integração de


separados. elementos.

- Traços pesados e fortes. - Suavidade de traços.

- Trabalhos variados em - idem.


relação à elaboração e tipo c) Criatividade
de trabalho (abstratos e
figurativos).

- Predomínio de cores - Predomínio de cores


escuras (preto, marrom, d) Cores claras (amarelo) e leves.
vermelho escuro) e pesadas.
- Desenhos mais - Desenhos
monocromáticos. policromáticos.

- Contraste de cores e tons. - Harmonia de cores e


tons.
- Pouca contextualização - Presença de elementos
das imagens com elementos e) Outras da natureza.
da natureza. características
dos desenhos
- Ocupação adequada da - Idem.
folha.

- Nível de desenvolvimento - Idem


dos desenhos variável para f) Nível de
a idade. desenvolvimento

- Omissão dos elementos na - Imagens bem


figura humana: olhos, nariz, g) Omissão ou configuradas e exatas,
boca, lábios, mãos pés. inclusão de desenhos simétricos e
Omissão de elementos da elementos equilibrados. Trabalhos
árvore: as copas. melhor contextualizados.
Presença de elementos
da natureza: flores,
árvores, grama etc.

- Distorção das imagens, pés - Figuras humanas mais


finos para o personagem, organizadas e
por exemplo. equilibradas. Realismo
das imagens.

- Pessoas e roupas sendo - Pessoas sendo


representados de forma h) Outros (figura representadas de formas
semelhante, não há distinção humana, casa e individualizadas e
de características físicas, árvore) variadas quanto às
atividades etc. roupas, cabelos, rostos,
sexo, atividades,
expressão facial etc.

- Pessoas com a fenda da - Pessoas sendo


boca indicando tristeza ou representadas sorrindo.
bocas abertas.

- Cabelos da figura humana - Cabelos alinhados e


arrepiados, despenteados ou coloridos.
descuidados.
Relação das características dos trabalhos com o simbolismo presente de
acordo com (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2003; CIRLOT, 2005; FINCHER,
1991; FURTH, 2004; LEXIKON, 1994) serão descritas a seguir.
- Quanto aos desenhos do Hospital Psiquiátrico:
A grade ou algema podem significar uma manobra defensiva,
necessidade de proteção e de manter o mundo afastado de si. Podem sugerir a
segregação e isolamento dos pacientes em relação ao mundo externo e/ou
imposição ao isolamento como instrumentos terapêuticos determinado pelo
tratamento fechado (internação). Podem, ainda, sugerir a quebra da ligação ou
segregação social ou adesão não espontânea ao tratamento.
As cores vermelha e preta são indicadores de depressão e de raiva se
experimentadas simultaneamente. Sugerem que os sentimentos podem ser
exteriorizados de forma explosiva. Pode ser usado como substituto satisfatório
para o mau humor, para as palavras ríspidas ou para o comportamento
punitivo, que seriam dirigidas às outras pessoas.
A cor marrom pode estar associada com a renúncia, o pesar e a
penitência, sugere receptividade passiva ou aquilo que é rejeitado dentro das
pessoas, também pode indicar energia encoberta ou obstruída.
Os traçados fortes sobre o trabalho podem indicar certa tensão, medo,
insegurança, agressividade e hostilidade para com o ambiente ou falta de
adaptação.
As nuvens carregadas podem indicar dificuldades à realidade física do
corpo ou dificuldades na saúde, amor e sexualidade. Bem como, podem
indicam certo controle sobre as coisas ou a dificuldade de expressar o desejo
sincero de dar ao mundo algo de si mesmo. Podem ainda indicar ansiedade,
pressão ambiental, atitudes advindas com a falta de vínculo, da exclusão e
cronificação do atendimento no Hospital Psiquiátrico.
As árvores secas e não frutíferas podem indicar a morte ou a infertilidade
do ambiente terapêutico.
A ausência de pés, mãos e rosto, cabelos desalinhados dos personagens,
bem como corpos e roupas sendo representados nos desenhos de forma
semelhante e sem uma distinção específica podem sugerir falta de identidade
dos pacientes e/ou a não aceitação da sua sexualidade. Podem sugerir, ainda,
que os pacientes não são individualizados dentro do tratamento terapêutico.
Também sugerem que os alunos representaram e identificaram nestes
desenhos o doente mental com seu “estereótipo de loucura”, típicos de
pacientes institucionalizados e da visão antes da Reforma Psiquiátrica.
A Reforma Psiquiátrica prevê mudanças nas áreas assistenciais,
conceituais e culturais em lidar com o sofrimento mental (KANTORSKI, 2004).
Será que os desenhos estão sugerindo que as práticas e saberes do Hospital
Psiquiátrico continuam dando sustentação à institucionalização da loucura e da
ordenação do espaço asilar por meio de um tratamento moral?
A ausência de mãos sugere a falta de autonomia dos usuários do
Hospital. A ausência de pés ou pés pequenos pelo tamanho do corpo podem
sugerir a falta de contato que o sujeito mantém com a realidade.
As bocas tristes ou abertas podem sugerir depressão, medo, susto, raiva
ou grito.
Os aspectos dos desenhos, de modo geral, reforçam a discriminação, a
segregação e a ênfase nas atividades estereotipadas: estigma – preconceito –
rótulos. Ações estas que vão de encontro com as características típicas
efetuadas antes da Reforma Psiquiátrica.
Na visão dos alunos a leitura dos desenhos sugere que o serviço do
Hospital Psiquiátrico apresenta-se pouco reabilitador, impossibilitado de
estabelecer trocas com os usuários.

Em relação aos desenhos do CAPS:


O colorido do desenho evoca entusiasmo, expectativa e alegria.
O sol é fonte de luz, de calor e da vida.
As cores claras e os ambientes com luz e sol permitem a entrada, a
receptividade ou comunicação de luz e podem significar a abertura para o
mundo, a inclusão e o cuidado humanizado.
As árvores frutíferas podem representar um mundo fecundo e fértil. A
árvore simbolicamente representa o símbolo da vida.
As bocas sorrindo podem sugerir que as pessoas estão felizes no seu
ambiente de tratamento.
Os cabelos penteados indicam um sinal de amor, confiança e intimidade.
A casa representa o “ser interior” e/ou os diversos estados da alma.
Sugere que o serviço de atendimento é aberto e semelhante a uma rotina de
casa.
Os símbolos, de modo geral, indicaram um atendimento de qualidade
prestado pelo CAPS e que o mesmo objetiva minimizar os danos causados
pela psicopatologia. Os aspectos encontrados nos desenhos do CAPS
enfatizam o vínculo, os afetos e as relações sociais, possivelmente porque, na
visão dos alunos, é o CAPS que melhor acolhe os usuários em diversos
momentos de sua vida e nas peculiares expressões de seu sofrimento
psíquico.
As expressões, as características, as roupas e movimentos distintos e
individualizados dos usuários do CAPS, expressos nos desenhos, sugerem que
o atendimento no CAPS é tolerante e tem solidariedade em relação à
diferença. Características que sugerem um atendimento que tem esperança
inerente ao processo de reabilitação e desenvolve-se buscando a valorização
da positividade e subjetividade do usuário.
Estes aspectos nos colocam diante do desafio de trabalhar com os
aspectos saudáveis do ser humano, de enfatizar o sadio e sua qualidade de
vida ampliando nosso campo de intervenção (KANTORSKI, 2004).

Diante da simbologia apresentada nos desenhos temáticos das


instituições de cuidados em saúde mental, segue as questões: o Hospital
Psiquiátrico que antes de Reforma Psiquiátrica servia de hospedaria,
enclausuramento e internação não apresenta mudanças positivas, mesmo com
os novos paradigmas de atenção em saúde mental da atualidade?
Quais as condições que são oferecidas para o trabalhador em saúde
mental? Não será possível oferecer serviços mais humanizados em saúde
mental dentro dos Hospitais psiquiátricos? Será que o doente mental não tem
autonomia (capacidade de decisão, de fazer escolhas), autodeterminação
(discernimento do que é bom) e vontade (capacidade de fazer escolhas) no
contexto da Hospitalização Psiquiátrica?
Continua se questionando: será que o Hospital Psiquiátrico segue com
uma visão tradicional e ainda considera o doente como “louco”, diferentemente
do CAPS que apresenta um nível de atendimento ao transtorno mental de
acordo com que se acredita dentro da Reforma Psiquiátrica? Será que o
Hospital Psiquiátrico mantém a cronificação das doenças mentais e a
incapacitação social?
Na ocasião da Reforma Psiquiátrica se propôs que os Hospitais
Psiquiátricos fossem como prestadores dos serviços mentais e se
comprometessem a criar programas que visassem à reestruturação,
desabilitação assegurando os direitos humanos e civis dos doentes mentais e a
qualidade de atendimento em saúde mental.
O presente estudo sugere que o CAPS apresenta fatores ambientais
protetores para a doença mental e segue os novos paradigmas de atenção em
saúde mental, diferentemente do Hospital Psiquiátrico que favorece com
fatores desencadeantes, segundo a visão dos alunos que vivenciaram as duas
realidades.
Acredita-se que a intervenção em saúde mental, o ambiente e a relação
terapêutica são fundamentais em assegurar a qualidade de atendimento
prestado ao sofrimento mental. A concepção do trabalho em equipe
interdisciplinar introduzida com as mudanças preconizadas, as noções de
acolhimento e de escuta terapêutica, os projetos terapêuticos individualizados,
a reabilitação psicossocial, entre outros, têm exigido uma requalificação e
expansão dos papéis profissionais na prestação do cuidado em saúde mental
(KANTORSKI, 2004).
O estudo sugere, ainda, que o CAPS proporciona atualmente uma melhor
qualidade de atendimento terapêutico às pessoas que experimentaram a
desordem mental, ou que têm uma deterioração mental que produz um certo
grau de inaptidão. Este ambiente, bem mais saudável que o Hospital
Psiquiátrico, favorece um melhor nível de atendimento aos indivíduos e
minimização de incapacidades físicas ou mentais, acentuando escolhas
individuais de como viver prosperamente na comunidade.
A compreensão dos significados dos desenhos dos alunos ocorreu com
base na combinação das várias características que se repetiram e foram
agrupadas num todo geral o que indicaram hipóteses de uma possível
explicação e não uma interpretação analítica rígida ou conclusiva. Procurou-se,
ainda, dar um sentido particular às imagens de acordo com a perspectiva da
realidade das instituições de saúde mental, dos tratamentos usados para
“curar” a loucura que revelam algumas das convicções da saúde mental ao
longo da história.
A análise de dados evidenciou, ainda, que, ao projetar suas imagens nas
produções plásticas, os alunos expuseram suas projeções pessoais e sua
história de vida e seu momento existencial individuais.

Conclusões
Este trabalho trouxe contribuições importantes para a área de saúde
mental, pois os desenhos dos Centros de Atendimento em Saúde Mental
permitiram fazer uma análise comparativa dos ambientes terapêuticos de
atendimento ao doente mental (CAPS X Hospital Psiquiátrico) sob a visão de
alunos-cuidadores de enfermagem. Possibilitou-se fazer uma reflexão crítica
acerca dos atendimentos que estão recebendo os doentes mentais, com suas
distintas filosofias de “cuidar” em saúde mental.
O estudo reforça a necessidade de reestruturação da assistência
psiquiátrica goiana com a substituição progressiva dos Hospitais Psiquiátricos
por novos dispositivos de tratamento e acolhimento ao sofrimento mental como
os CAPS, que atendem aos postulados da reforma psiquiátrica oferecendo
serviços de melhor qualidade de atendimento aos seus usuários e um local
mais propício ao desenvolvimento saudável do doente mental.
Enfim, acredita-se que este estudo venha auxiliar os profissionais da área
de saúde mental e também sugere continuar a pesquisa analisando e
comparando os desenhos dos usuários e/ou de profissionais ou alunos de
outros cursos das duas instituições, buscando compreender a visão de outras
pessoas e categorias profissionais.

Referências
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FINCHER, S. F. O autoconhecimento através das mandalas. São Paulo:
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FURTH, G. M. O mundo secreto dos desenhos: uma abordagem junguiana


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