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DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
Turma C
Niterói
2007
Resenha crítica sobre CARVALHO, José Murilo de “A formação das almas - O Imaginário
da República no Brasil”. Companhia das Letras, 15ª reimpressão, 2005, São Paulo. 1990.
José Murilo de Carvalho consolidou sua fama, muito justa por sinal, ao produzir obras
condição de clássicos, o são hoje. Tal é o caso deste A Formação das Almas - o imaginário
da República no Brasil, ou seu trabalho anterior, hoje uma obra de referência, A Construção
da Ordem e O teatro das Sombras, onde ele procede um mergulho na formação da elite
imperial, conduzindo seus leitores até a porta do “clube” de cavalheiros que com fraques,
“populacho” em geral.
Já neste estudo, revisitando a República então recém instalada ele analisa a construção
das suas estruturas culturais, o seu universo imaginário nascente, os objetivos das diversas
um todo - ocorria uma acertada convergência da geometria com a realidade social brasileira
memoriais onde o autor se debruça sobre os meandros das diferentes utopias republicanas,
coletivas pela criação de um outro contexto simbólico, legitimador do novo regime e capaz
centralismo franco-lusitano, decorriam das diferentes visões sobre o que era afinal a
divergir os projetos que as facções acalentavam entre si para esta República, simultaneamente
marafona.
“marco zero” recriador, as versões lançavam tanto luz como sombra sobre as pessoas e suas
Ao lado de uma irônica “guerra dos vivas”, temos também o embate entre os
República fosse mais uma mudança de governo que uma mera quartelada. Já na atuação dos
ortodoxos civis, ele desenvolve um estudo acerca de uma atuação “bolchevique” para uma
ausência de uma autêntica mobilização popular, quiçá uma adesão mais explícita, o que
personagem que encarnasse valores almejados, um herói que sintetizasse o novo tempo, o
(muito idoso e quase moribundo), Floriano Peixoto (despótico), Benjamin Constant (um
quase desconhecido), os líderes farrapos (regionais demais, típicos demais) e até Frei
Caneca. Este por sinal, possuidor de méritos como o martírio pessoal n a luta contra a
opressão, acabou descartado por sua pouca ou nenhuma expressão supra regional.
Neste debate insinuou-se, não sem percalços, a figura de Tiradentes. Se por um lado
ele possuía apelo e apego populares, sua atuação libertária fora esmaecida pelo tempo de
cativeiro e sua submissão aos seus confessores franciscanos. Nesta época, ele teria abraçado
Definido o herói, o autor lembra que o seu esquartejamento foi reatualizado, posto
que até monarquistas arvoraram-se em herdeiros de seu legado - neste caso a Independência
Marienne.
incorporar as feições de sua amante em todas (por que não?) bandeiras ocidentais, foi sendo
substituída por seu oposto: a mulher desregrada, meretriz, precocemente envelhecida - tal
qual as aspirações e esperanças suscitadas pelo advento republicano frustraram-se e se
esmaeceram.
Assim, a laica Marienne, com ou sem barrete frígio, acabou num segundo plano ante o ícone
místico representado pela devoção à Nossa Senhora Aparecida - vitória do símbolo feminino,
No 5º capítulo ele nos mostra como a Bandeira e Hino: o peso da tradição também
expuseram uma disputa simbólica compartilhada. Se por um lado a bandeira nacional e o seu
lema eram apontados como sinais do novo tempo, a tradição também teve seu quinhão de
vitória: o hino nacional - autêntica vitória popular - e as cores do pavilhão [embora estes
fossem relidos].
Analisando a questão da bandeira nacional, ele nos assinala que a mesma foi logo
entanto isso não evitou que o mesmo pavilhão servisse de canal de crítica e contestação.
Num episódio, Agostini substitui o lema da bandeira por “desordem e retrocesso”; noutro, até
veracidade.
humanidade”, paródia do catolicismo com um sentido cada vez mais afirmativo de “culto”,
hierarquia e orientação dos templos positivistas em relação à França - espécie de Meca para
necessidade de ampliar suas bases sociais, esta elite viu-se premida em buscar na simbologia
religiosa aquilo que faltava em adesão espontânea. Ou seja, uma fração da classe média, em
com o Estado e com outras classes sociais, com as mulheres e católicos em geral, também
classe média - termo de uso restrito e evocativo de uma parcela (ou vanguarda) que atuava
Encerrando o trabalho ele recupera e destaca alguns dos temas anteriores, como: por
simétricas, o trabalho chega à conclusão fornecendo subsídios relevantes para um tema que
no geral, por seu caráter especulativo - análise de simbologias e os imaginários coletivos e/ou
individuais -, suscita ao debate, à revisitação das fontes e o teste das suas conclusões.
Formar almas, tal como formar cidadãos - ou uma cidadania coletiva - era trabalho
que se desprezasse o fato primordial: aquele povo era espectador, e não ator em primeiro
plano.
Poucos textos são tão apropriadamente atuais!