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BRASIL.
(foto dele)
(legenda da foto) “Me sinto em plena festa do sol. E olha que sou
vizinho da Pavão-Pavãozinho. ”
A Entrevista
(Os títulos dos livros possuem hiperlink; para saber mais sobre eles é só
clicar).
WALBER SCHWARTZ: Conheci você na grande mídia: um programa da
Marília Gabriela em mil novecentos e me-ajuda-aí, junto com uma escritora
bonitinha que eu também queria saber quem é (era?). Logo depois veio O
azul do filho morto (Editora 34, 2002) e vi você ser incensado pela
crítica, desfilar em jornais e revistas de grande circulação, QUASE ganhar o
prêmio Jabuti (perdeu pra quem, mesmo?), para no instante seguinte se
tornar uma espécie de persona non grata nos campeões de audiência e nas
festinhas literárias. O rompimento se deu quando? Será que, de uma hora
pra outra, todo mundo resolveu mudar de opinião – admitindo assim que
foram precipitados ao elevar você ao status de “grande talento
contemporâneo” – ou será que teve alguma coisa a ver com o fato de você
insistir em fazer bife de vacas sagradas? (Chico & Caetano, Saramago,
Fernanda Young, Rita Lee, a Flip, o mercado editorial, a própria grande
mídia...)
“Eu, de minha parte, creio que pior do que deixar filhos é deixar livros. Os filhos podem esquecê-lo e
renegá-lo – a despeito do seu legado, de suas misérias. Até perdoá-lo. Os livros, não. São filhos
amaldiçoados (os melhores, evidentemente) e mortos-vivos para sempre”. (O azul do filho morto, p.
172)
SCHWARTZ: Você tem sido acusado de ser “o maior escritor vivo da língua
portuguesa”, de ter escrito “o mais belo parágrafo da literatura
contemporânea” – o último de Joana a contragosto – e de ser um
“formador de opinião”. Defenda-se.
MIRISOLA: Mais ou menos. Acho que existe uma construção que não
pode ser desprezada completamente em detrimento da
inconsciência. De certa forma, o artista tem meio que uma
obrigação de manter as famigeradas musas em rédea curta. Se ele
vai conseguir ou não já é outro papo.
“Ela (Vanusa) era meu Aleph-mirim e ao mesmo tempo minha Sherazade às avessas. Nada mal para
quem procurava uma despedida em Las Vegas, encontrar um Borges e as mil e uma noites por acidente,
comi enfaut.” (Animais em extinção, p. 137).
SCHWARTZ: Em Animais em extinção, temos: pedofilia & prostituição
infantil no nordeste, trombadas frontais com o movimento hip-hop de São
Paulo, lista de desafetos novos e antigos, caipiras curitibanos, blogueiros
debilóides, um plagiário defenestrado, executivos da Berrini que vão dar o
cu na Praça Roosevelt, enfim, alto potencial incendiário. Hoje em dia você
se sente mais seguro vivendo no Rio de Janeiro, entre a Pavão-Pavãozinho e
a Chapéu Mangueira, que na sua cidade natal (ou qualquer outra que já
tenha estado)?
“Ou as guimbas da noite passada, um livro de poesias que de qualquer jeito vai se escrever sozinho na
poeira dos dias, livre dos poetas e da retórica, independente das chatices e da erudição. Esse Deus... ou
‘um troço complicado que acontece quando a gente simplifica...’ podia ser mais: podia ser Vanusa.”
(Animais em extinção, p. 37).
SCHWARTZ: Valeu demais, Mirisola. Entrevista deve ser a parte mais chata
da coisa toda, um mal necessário. Pior ainda para quem está gripado.
Obrigado, mesmo.
-----x-----
Não fique triste pelo fato do Mirisola não ter mencionado seu nome, caro
ganhador INDEVIDO de um prêmio Jabuti. Eu até perguntei, você viu?
Mas, dessa vez, ele tomou a pergunta como retórica e não respondeu,
tirando de você uma das poucas chances que tem de ser lembrado como
escritor. E esse INDEVIDO aí em cima, como você bem sabe e admite, não
tem um pingo de dor de cotovelo de fã; isso é facilmente comprovado pelo
seguinte: qualquer pessoa com mais de 8 anos de idade só sabe quem é
você quando o Mirisola cita. Vá tocar seu violão e esqueça a literatura.
Derrubam árvores para imprimir livros, sabia?
Nesse livro, Marcelo Mirisola segue o estilo que o consagrou: expor as mais
grotescas feridas humanas sem fazer qualquer concessão ao leitor e sem
perder a empunhadura lírica. Só que a pegada, confesso, dessa vez veio
mais forte do que eu esperava. Por pelo menos uma vez tive o impulso de
arremessar o livro pela janela e mandar um e-mail desaforado: “Mirisola,
você enlouqueceu de vez?”. Felizmente resolvi confiar nele e fui em frente,
afinal, havia crédito de sobra.
Acontece que somos muito bem treinados para ignorar a feiúra do mundo
(que é a de todos nós, exceto a dos cheirosinhos supracitados) ou, no
máximo, vê-la eclipsada, suavizada pela covardia coletiva que nos vende
caleidoscópios como se fossem lunetas. A arte deslocou o meu ponto de
observação. Missão cumprida.
Favas devidamente contadas, fecho o livro e concluo que o que choca é ver
escancarados – e em detalhes tenebrosos – a minha própria omissão, a
minha preguiça e o meu preconceito disfarçado de bom-mocismo. O que
choca é essa postura pasteurizada que por vezes assimilo por distração e
contato, e por outras simplesmente me acossa e me faz refém.
Escrevo, por fim, o tal e-mail. Só que agora o teor é outro: “Mirisola, (...)
Vanusa é indispensável”.
Crônica
Aqui sai.
Para ser um escritor fofo (receitinha)
3. O endereço do(a) fofo(a) é muito importante. Pra ser fofo tem que morar
em São Paulo. Em primeiro lugar, Vila Madalena. Depois, Rua Augusta e
adjacências... isso inclui centrão, Copan e Santa Cecília. Agora, se o fofo
que é citado nos saraus de Higienópolis, quiser morar na periferia, vai
ganhar um bônus: nesse caso, além de vender bonés e camisetas, pode
fazer cara feia, e posar de ma-cho... também é “bacana” co-assinar roteiros
de filmes “ER” (“ER” de eterna retomada), e ter um réptil em casa;
serpentes e lagartos albinos estão na moda. Esses seres adoram samba de
raiz, e ambientes lounge, tipo Ódoborogodó. Olheiras profundas e pálpebras
caídas são recomendáveis, e necessariamente o fofo deve ter muitos
quilômetros de noites viradas em claro, aí é “bacana” morar nas imediações
da Rua Augusta: sempre vai ter uma boate aberta até às dez horas da
manhã, e um pão chapado na padaria da esquina, que é a cara do fofo ...
6. Se você, fofo(a), não conhece o Xico Sá, pare por aqui. Até eu, que sou
um tiozinho que dorme às nove da noite, o conheço. O Xico bordeja acima
do bem e do mal, e se você realmente é um(a) fofo(a), deve
obrigatoriamente ter freqüentado o Xico Sá; seja no balcão de um bar
improvável no Largo do Paissandu, seja na cama de um hotel duas estrelas
na Peixoto Gomide ou, sei lá, seja nas gerais do Ulrico Mursa ... você não
sabe onde fica o Estádio da Portuguesa Santista? Informe-se, e peça o
telefone do Xico Sá para uma amiga sua, se ela não souber, considere-se
desde já um off-fofo.
7. No mínimo você tem que ter dez tatuagens bem visíveis. Todavia essas
tatuagens jamais poderão aparecer mais do que você. Seja arrogante. Ao
contrário do que parece, fofura e arrogância são irmãs siamesas. Se quiser,
o(a) fofo(a) pode tatuar poemas do Arnaldo Antunes no antebraço, ou
tatuar listinhas de supermercado na bunda – mas é fundamental que as
reproduza (e ao próprio corpo, principalmente a bunda) em público: para
platéias que queiram aplacar suas conscienciazinhas pesadas em lugares
culturais, tipo Itaú (12% ao mês) e afins. Sucesso garantido em Paraty. Um
dia, o(a) fofo(a) vai dividir a caneca com o Jô, e o gordo vai se dirigir a
ele(a) na primeira pessoa do plural, “nós escritores”. Capricha no inglês,
fofo(a), e capricha nas citações de bandinhas norueguesas, e não se
esqueça de revelar autores obscuros. Se a iguana que está fazendo sexo
com você ficar de fora, nem você nem ela desfrutarão da condição de
gênios e de fofos, e o Jô não vai perdoá-los por essa falha. Lembre-se: falta
de talento passa, mas falta de oportunismo e falta de vaidade são crimes
fatais para o candidato a escritor fofo: se for o caso, leve uma cola; você
pode, você é fofo, logo tem liberdade para fazer o tipo, “cheguei da balada
agora, falou comigo?” Quando for citar as bandinhas norueguesas – porque
você, além de escritor(a), também é vocalista de uma banda fofa – não
descuide da pronúncia, que deve ser tão impecável quanto o
desconhecimento no inglês, e dos idiomas que você enrola, é isso, afinal de
contas, que faz de você, e da iguana que o ajuda no aluguel, seres fofos e
... iconoclastas.
9. Não precisa ser ecológico, mas é “bacana” ser Pró. Pró qualquer coisa,
pró-aborto, pró-maconha, pró ativo, ou pró passivo, tanto faz. Nada de ter
opinião própria e ser ostensivamente a favor disso ou daquilo, você é Pró e
basta – essa postura Pró vai ajudá-lo(a) a conquistar a simpatia da hostess
do Vegas, que se não for um ácaro, deve ser necessariamente pró e
provavelmente um réptil, e decerto irá reconhecê-lo(a) como um igual, e
vai liberar sua entrada.
10. Importante demonstrar que você é blasé, e fingir que não está na
fissura 24 horas por dia (tirando o traficante, ninguém vai perceber). Faça o
tipo distraído, finja que é um peso estar novamente no programa do Jô; ele
também é um hostess e vai saber reconhecer um igual, e uma iguana.
Paradas e passeatas são coisas diferentes. Não me queira mal. Às vezes é
conveniente cometer uns trocadilhos, e umas rimas infames: o ideal seria
cometer rimas e trocadilhos simultaneamente, será que você é capaz?
Dessa forma, você vai conseguir circular entre os manos do Jardim Ângela,
e abrir portas na USP, nunca se esqueça: proficiência e erudição andam de
mãos dadas. Só treinar.
11. Onde você colocou aquele blaiser de oncinha? Não esqueça de combiná-
lo com o coturno pink, e o cachecol inglês (para dar um ar de sobriedade)...
os velhinhos da academia podem estar de olho, nunca se sabe.
12. Se você, fofo, for tátil e sensorial, bom de "cheiros" e de trago, e tiver
um namorado que é garçom na Vila Madalena, melhor ainda. Arrume um
apelido engraçado para esse garçom: algo que remeta a servidão e fofura:
que tal, Chocotone? Também é “bacana” ter um livro infantil no currículo.
Interessante publicar em revistas literárias com projetos gráficos arrojados.
O fofo tem que "sujar as mãos" e caprichar nos pitis em forma de resenha
(os ilustrados da Folha, e as revistas literárias adoram!), contanto que
consiga disfarçá-los. É “super-bacana” que se preocupe com o layout de
seus livros e, se for o caso, você fofo(a) pode amputar a falange do
mindinho, e sangrar na própria capa. Isso é muito chique.
13. O principal é não escrever nada que valha a pena ser lido, nunca,
jamais. Esqueça Dostoiévski. Seus contemporâneos (não me inclua nisso,
por favor) e as Iguanas albinas lhe bastam. Cadê sua boina à Guevara,
fofo?
15. Agora, chique mesmo, é lançar livro na Casa do Saber, junto com a
mamãe. E, se além de chique, você quiser desfrutar de uma experiência
mais radical, e tiver a fim de se dependurar em ganchos, e aparecer em
todo canto posando de princesa da Nova Geração, procure o Chocotone –
as purpurinas estarão garantidas. Um mundo fashion de prêmios literários,
e festas do cabide se abrirá... mas lembre-se de que você não pode
escrever nada "cerebral", e, de cerebral, tenha em “mente” apenas isso:
"Um dia ainda vou sentar no sofá da Hebe". Mas não conta pra ninguém. E
não vai aceitar o convite, claro.
16. Última dica. Se lhe convidarem para escrever mais uma resenha sobre
meus livros, é conveniente lê-los antes, e esquecer o sofá da Hebe por meia
horinha. Faça esse esforço. Caso contrário, posso dedicar outro chamego-
resposta a você, fofo(a).
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FIM
Abraços!