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Um
resto
de
café
frio
volume 2:
submersão
2
Volmar Camargo Junior
Um resto de
café frio
Volume 2
submersão
1ª edição
2009
3
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4
Introdução
V.C.J.
5
Sumário
Introdução 7
submersão
marasmo 9
o silêncio 10
recriação 12
o sabor da vitória 13
sussurros 14
espinho 15
fábrica 16
mil vozes, cem mil vezes invejosas 17
o sonho 18
fera (vermelho-gente) 19
monturo 20
anatomia 21
submersão 22
solução 23
percurso 24
funeral marítimo 26
atrás de sua face líquida 28
agora uma alma velha em si curvada 29
de poetas e cães 30
língua morta 31
o cadáver 32
colheita (blavino #1) 33
[conforma-te] (blavino #2) 34
átomo (blavino #3) 35
siesta (blavino #4) 36
espécie (blavino #5) 37
6
ao gozo 38
passos 39
um dia de papel 40
a concha 42
areia e sal 43
nudez 45
Anexo
A Poética do Poema Blavino 47
7
8
marasmo
9
o silêncio
I
Ouçam.
O mundo inteiro,
a vida das coisas,
o engenho que move as horas,
tudo parou.
II
Havia
lacunas sem conta,
vastos abismos,
rasgos profundos na carne do tempo
- frestas por onde se viam suas raízes.
III
Recordava-se
de inquietudes que não morriam,
de vozes que já mortas falavam,
de faces e mãos e fotografias
e toda sorte de coisas cristalizadas no tempo.
IV
Erigia-se
monumentos de sonhos,
bustos de orgulho,
túmulos suntuosos de História,
nações inteiras de paixão.
10
V
Anunciava-se
a fé em caixas douradas,
potes cheios de angústia,
esperança cheirando a tinta,
certeza medida em gramas.
VI
Ocultaram-se
sob o negror frio do universo,
sob a inevitabilidade de um labirinto
desfeito em restos inescrutáveis,
vozes amargas e doces.
VII
11
recriação
12
o sabor da vitória
13
sussurros
14
espinho
procura em ti um espinho
irás, decerto, vê-lo
e quando o vires, deixa-o
15
fábrica
16
mil vozes, cem mil vezes invejosas
17
o sonho
18
fera
(vermelho-gente)
19
monturo
20
anatomia
21
submersão
22
solução
23
percurso
(adaptado de um poema de Marcia Szajnbok)
24
sem se dar conta sequer
o céu não clareava nem escurecia
e a rua enorme – pequenos olhos –
sob seus pés – pequenos - sumira
25
funeral marítimo
grito
um gosto salgado
nauseante
chega-me aos cantos da boca
alguém à bordo morreu
26
pois não há quem as julgue
ou rejeite
consola-me apenas
lançá-las ao mar
deixar que essa imensidão decida
que rumo tomarão
submergirão, esquecidas
ou consumidas pelas coisas inomináveis
que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
torne-se, vivo ou morto,
também o mar
consola-me o mar
meu silêncio não está só
sei, pois carrega as pobres mortas
e o vento, outra vez, leva-me adiante
27
atrás de sua face líquida
28
agora uma alma velha em si curvada
29
de poetas e cães
30
língua morta
31
o cadáver
abandonadas
sobras da caçada
às moscas, mais nada
32
colheita
(blavino #1)
sedutora
de invulgar e
irresistível beleza
pobres coitados
a si apodrece e
autodevora
33
[conforma-te]
(blavino #2)
conforma-te
conforma-te
34
átomo
(blavino #3)
há
em tanto
e tanto mais
o tanto mais
de tudo
será
35
siesta
(blavino #4)
deixo
que chegue
tenra e morna
desarmônica
acomode-se
tarde
36
espécie
(blavino #5)
há
em
toda
forma
de vida
humana
um não-sei-quê
humano
preciso
feroz
mau
cru
só
37
ao gozo
38
passos
39
um dia de papel
um dia
impresso em papel moeda
sobre a mesa
dobrado e amassado
um pouco sujo
centenas de sorrisos
divididos
entre bons-dias
ou boas-tardes
e muito-obrigados
milhares de pulsos
centenas de células mortas
meia dúzia de inspirações
e nenhum poema decente
tempo passado
nem mal gasto
em bem feito
só passado
40
um dia inteiro
sujo de micróbios anônimos
na mesa da cozinha
sobre o mármore
sob a porcelana
é tarde
e daqui a pouco
depois de umas horas inerte
mandarei esse dia de volta para o ciclo
41
a concha
42
areia e sal
43
que esperar agora, eu me pergunto,
das idas e vindas desse vento
dessa areia
desse sal que vem do mar
disso que veio sem que eu percebesse
e que agora não consigo deixar ir?
mas há de voltar
44
nudez
45
46
Anexo
A Poética do Poema Blavino*
por Juliana Ruas Blasina & Volmar Camargo Junior
- número de estrofes: 7
- tamanho dos versos: o objetivo é que o poema comece e termine com uma
palavra, crescendo até o verso-estrofe central e maior (7) e decrescendo até o
último. Resultando assim numa aparência piramidal, triangular, ou em seta –
sempre alinhado, à esquerda ou à direita (nunca central), conforme a
preferência do autor.
- uma regra adicional seria a de que o "blavino perfeito" seria aquele que pode
ser lido na ordem direta e na ordem inversa perfeitamente.
- uma variação, criada pela Marcia Szajnbok – que também aderiu ao blavino, é
o formato “abismo” (ou “abissal”), cujo verso central, ao contrário da forma
padrão, é composto por uma única palavra (assim como ocorre nos versos 1 e
13).
*
Publicado na Revista SAMIZDAT – Junho-Julho/2009
47
Fugaz
(Juliana Blasina)
Tão
Frágil
E fugaz
Que quebra
Ao menor toque,
E sem razão se desfaz
Resquícios do
que ainda
Sou
[conforma-te]
(Volmar Camargo Junior)
conforma-te
conforma-te
48
Um blavino abissal seria assim:
luzes
teus olhos
que brilham
de mar e de estrelas
percorrem-me a pele
me buscam, me despem
fico
um pouco escondida
à espreita, à espera
do gesto, da vinda
do bote
da fera
faminta
Algo que é digno de nota é que, em pouco tempo, este formato ganhou
adesão por parte de vários poetas, notadamente os participantes da comunidade
Estúdio de Criação Poética, onde foi apresentado. Deste grupo, já produziram
blavinos Beatriz Moura, Caio Rudá, Carlos Barros, Marcia Szajnbok, José do
Espírito Santo, Renata de Aragão Lopes e Taty Nascimento. Nesta edição da
SAMIZDAT é possível encontrar alguns exemplos de blavinos, publicados por
Juliana, Volmar e José do Espírito Santo. E, até o final da edição, talvez haja
mais alguns. E se você que está lendo, gosta de escrever poemas e tiver gostado
do blavino, sinta-se à vontade. Sirva-se! O blavino está aí, para quem quiser
desfrutá-lo. Apenas gostaríamos que os interessados entrassem em contato
conosco aqui na SAMIZDAT, mostrassem seus poemas, para que, quem sabe,
esse formato se torne algo tão interessante - e grande! - como o poetrix e o
indriso.
49
Sobre o autor
http://restodecafefrio.blogspot.com
http://www.revistasamizdat.com
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