Você está na página 1de 50

Volmar Camargo Junior

Um
resto
de
café
frio

volume 2:
submersão
2
Volmar Camargo Junior
Um resto de
café frio

Volume 2

submersão

1ª edição

2009

3
Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada a
Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil. Para ver uma cópia desta licença, visite
http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/br/ ou envie uma carta para Creative Commons, 171
Second Street, Suite 300, San Francisco, California 94105, USA. A

4
Introdução

Este livro não é a realização de um sonho. Nunca sonhei, antes de


começar a escrever qualquer coisa legível que, um dia, publicaria um livro. No
princípio, escrever poesia era muito difícil para mim. Tinha a noção muito clara
de que ser poético envolvia exposição sentimental, e eu, no que entendia de mim
mesmo, não era uma pessoa sentimental. E, perdido nesse devaneio, escrevi o
que considero meu primeiro poema: O fim da poesia. Com ele, perguntei a mim
mesmo: afinal, para que se presta, qual é a finalidade da poesia? E esse
questionamento levou-me a outros, e sempre que tentava dar-lhe uma resposta, e
buscar imagens, figuras, conceitos, o universo todo – apelei até para a metafísica
– que me dessem uma resposta, nada. Contudo, essas tentativas foram sendo
publicadas, madrugada após madrugada, em um espaço na internet: um blog, que
é fácil de fazer, e dá essa ideia de periodicidade, de “uma coisa que avança com o
tempo”. Batizei-o em homenagem ao meu fiel companheiro do silêncio das
madrugadas. Ou melhor, o que sobrava dele: Um resto de café frio.
Para dar um “fecho” à esta questão inicial, que ainda não pode ser
solucionada a contento, juntei os primeiros trinta e nove poemas, reuni-os em
um volume e dei-lhe a aparência de um livro: Um resto de Café Frio – Volume 1, “A
fonte das coisas imperfeitas”.
Não foi o suficiente. A pergunta ainda está aqui, e sem sombra de uma
resposta. Abandonei o cosmos e permaneci aqui, na Terra, mas não em terra
firme. Fui buscar em alto-mar uma forma de dizer o que eu queria dizer. O
resultado dessa aventura foi uma perplexidade ainda maior, uma ponta de
angústia e trinta e dois poemas neste Volume 2: “submersão”.
Ter dois volumes de poesia definitivamente não era o que eu sonhava.
Não se planeja coisas assim, nem muito menos se sonha com elas. Essa pergunta,
que me ronda e me tira o sono – no estrito sentido dessa expressão – me custará
a vida. E vamos ver quantos volumes mais ainda vou preencher, e por que águas
vou me aventurar para saber até onde esse resto de café, já frio, me vai levar.
No fim das contas, percebi-me apaixonado pela poesia, e esqueci –
com um certo alívio – a vontade de ser puramente racional. E não tenho muito
de que me queixar. Mesmo sem saber o que é, nem para que serve, a poesia é
uma paixão, um vício. Como a cafeína.

V.C.J.

5
Sumário
Introdução 7

submersão

marasmo 9
o silêncio 10
recriação 12
o sabor da vitória 13
sussurros 14
espinho 15
fábrica 16
mil vozes, cem mil vezes invejosas 17
o sonho 18
fera (vermelho-gente) 19
monturo 20
anatomia 21
submersão 22
solução 23
percurso 24
funeral marítimo 26
atrás de sua face líquida 28
agora uma alma velha em si curvada 29
de poetas e cães 30
língua morta 31
o cadáver 32
colheita (blavino #1) 33
[conforma-te] (blavino #2) 34
átomo (blavino #3) 35
siesta (blavino #4) 36
espécie (blavino #5) 37

6
ao gozo 38
passos 39
um dia de papel 40
a concha 42
areia e sal 43
nudez 45

Anexo
A Poética do Poema Blavino 47

7
8
marasmo

galopa a superficie ainda


ondeando de um ponto distante
irrompe no branco da areia
a espuma que na praia avança

a trote o mar devora as dunas


e aos poucos todo o continente
e ainda mais pacientemente
engole a neve das montanhas

não existe mais praia nem rocha


princípio nem fim, tudo inteiro
um tudo mesmo interminável

ocultos sob o infinito


repousam em profundo marasmo
um coração e um mundo vasto

9
o silêncio
I

Ouçam.
O mundo inteiro,
a vida das coisas,
o engenho que move as horas,
tudo parou.

II

Havia
lacunas sem conta,
vastos abismos,
rasgos profundos na carne do tempo
- frestas por onde se viam suas raízes.

III

Recordava-se
de inquietudes que não morriam,
de vozes que já mortas falavam,
de faces e mãos e fotografias
e toda sorte de coisas cristalizadas no tempo.

IV

Erigia-se
monumentos de sonhos,
bustos de orgulho,
túmulos suntuosos de História,
nações inteiras de paixão.

10
V

Anunciava-se
a fé em caixas douradas,
potes cheios de angústia,
esperança cheirando a tinta,
certeza medida em gramas.

VI

Ocultaram-se
sob o negror frio do universo,
sob a inevitabilidade de um labirinto
desfeito em restos inescrutáveis,
vozes amargas e doces.

VII

Ouçam, porque é chegado o silêncio.


Nele, um mundo inteiro
a vida das coisas,
o engenho que move as horas, que move tudo,
repousam de uma vez e para sempre.

11
recriação

à tua presença queimarei incenso


ouvirás harpas e sinos e uma sinfonia
sobre teu semblante, um halo dourado

e onde mal o tempo se movia


raras vozes no ar parado
e milhares de cores indistintas

surgirá um universo inteiramente novo

com tua cor, tua voz e o teu perfume

12
o sabor da vitória

ao menor sinal da mediocridade que me rodeia


empunho todas as armas que a mim competem
avanço e lhe derramo o sangue impiedosamente

aos pedaços ela implora e clama por misericórdia


multiplica-se e se espalha ao largo por onde vivo
e some antes que possa dar-lhe uma morte digna

resguardo-me saboreando a calma reconquistada

sorrio ao delicioso e medíocre sabor da vitória

13
sussurros

que mais a tua vida


além de sussurros
e o que fazes com eles?

urge que saiam de ti


abandonem-te à sorte
vivam sem teus dissabores

são livres, mais que tu, e ainda

que te enfureças, não te pertencem

14
espinho

procura em ti um espinho
irás, decerto, vê-lo
e quando o vires, deixa-o

não o retire, nem mesmo o toque


olha-o sem desdém
mas também, sem apego

se fores tentado a dar-lhe um nome

esquece-o, sem remorso, e segue

15
fábrica

a fábrica abre seu portões


faminta, ordena – Entra!
aberta, adentro, movimento

a fábrica gera incessantemente


satisfaz-se em criar e parir
nutre-se de suor e trabalho

saciada, vocifera – Sai!

aberta, exausto, saio

16
mil vozes, cem mil vezes invejosas

ó verso eterno, há aqui quem te chama


– esses que imploram tua imortalidade
clamam por ti sem sossego mil vozes

verso infinito, inveja-te a gente


– essa que sob o lençol da existência
passa e definha e enfim desaparece

clamam até a exaustão cem mil vezes

clamam pois só tu, ó verso, persistes

17
o sonho

sonho que o sonho é o fim


cego, estranho, falho,
esqueço o que sonhar de mim

18
fera
(vermelho-gente)

tinge-te, fera, de vermelho-gente


quente troféu vivo de tua caça
dure a tua raça, fera, eternamente

rola e delicia-te, fera, sente


gente parda, preta ou pálida
retalhada, é rubra inteiramente

caça, persegue, retalha, devora

sê por dentro e por fora, inteira, vermelho-gente

19
monturo

importa às sobras que por si ninguém rasteje


às dores, rejeição; à fome e à sede, a morte
aos ratos, comer no monturo

20
anatomia

o verniz gasto das horas


o silêncio e o vazio
eis o coração das letras

21
submersão

cala o mar de minha culpa inútil, nele adentro


provo minha descendência nas coisas últimas
ainda assim, silencioso, aceita-me

insisto, debato-me pela vileza e indignidade


em sua profunda calma, esse que me recebe
pede-me que serene

toma-me uma fúria muda que consome o fôlego

sem ar, bebo galões desse mar salgado, tranqüilo e taciturno

22
solução

a vida, em papel, repetida


diluem-se, cá e no mar,
a original e a de tinta

23
percurso
(adaptado de um poema de Marcia Szajnbok)

quando chegou avançava pouco


passo a passo, pequenos passos,
parecia enorme a rua – pequenos os olhos
- e era, sim, enorme – pequenos os pés

eram grandes também o riso e o canto


- a novidade em todos os cantos
pouco lhe importava o quanto
aquele caminho fosse comprido

seguiu andando miúdo, e seus passos,


amiúde, sentiam que a rua também andava
e que a tarde nova em que floria o riso
nos becos escuros, atrás dos muros, caía

os cantos e o riso se tornaram noite


ocultas e esquivas iam e vinham
pessoas que eram a tristeza dos cantos
tristezas que eram as flores dos risos

pouco e quase nada avançava


longa e escura a via se tornara
o pensamento de parar era asqueroso
ainda que medonho fosse prosseguir

era vinda, era vinda, azul e fria


a aurora de um dia novo
deu um passo, miúdo, mas ligeiro
comum, qualquer – pequenos os pés

24
sem se dar conta sequer
o céu não clareava nem escurecia
e a rua enorme – pequenos olhos –
sob seus pés – pequenos - sumira

não havia mais seus passos


nem seus pés sob seus olhos
nem ouvia risos, nem cantos
nem flores de tristeza havia

temeu olhar para trás, porque queria


que uma só, uma mísera pegada
deformada pelo atrito, que fosse
gasta pelo tempo, não se importaria

temeu saber se, de seus passos


não restaria nenhuma marca
nenhuma testemunha plácida
do triste fim de seu finito percurso

25
funeral marítimo

grito

um gosto salgado
nauseante
chega-me aos cantos da boca
alguém à bordo morreu

por um vento inconcebível


vago à deriva
jogado pelas correntes
possivelmente louco,
temeroso, mas ciente do meu destino
renego os nomes que carrego
e na ciência da vontade que me habita
agarro-me ao silêncio
o pouco dele que ainda me resta

o meu silêncio não é só


à hora de dizer, nada
a boca salgada e a voz calam
o coração das coisas não ditas
pulsa ainda, vivo, feliz
porque o realizado
tem o infortúnio de existir
somente se está morto

ao meu silêncio fazem companhia


as ditosas frases esperançosas
e mesmo as esperanças
felizes, livres de vir ao mundo

26
pois não há quem as julgue
ou rejeite

mais delas estariam vivas


se ninguém as proferisse
ou quisesse pôr fim às dores alheias
mas alguém à bordo morreu

não lhes acendo velas


nem lhes guardo a cabeceira
do leito derradeiro
não as limpo
nem as visto com uma mortalha digna
- mereciam, mas não o faço -
pobres defuntas
desperdiçadas

consola-me apenas
lançá-las ao mar
deixar que essa imensidão decida
que rumo tomarão
submergirão, esquecidas
ou consumidas pelas coisas inomináveis
que fazem com que tudo aquilo que cai no mar
torne-se, vivo ou morto,
também o mar

consola-me o mar
meu silêncio não está só
sei, pois carrega as pobres mortas
e o vento, outra vez, leva-me adiante

27
atrás de sua face líquida

atrás de sua face líquida


no fundo infinito de seus olhos
inquisidores e sem remorso

há uma coisa única, a mesma


em suas profundezas, em seus quatro cantos
a mesma de si nas tempestades

que, a esmo, torna-se gelo

e que liquefeita, degela

28
agora uma alma velha em si curvada

agora uma alma velha em si curvada

as cinzas do que outrora ardeu selvagem


quiçá neblina amanhã, ou fumaça
ou qualquer coisa vaporosa e efêmera

a carne definha, a cor esmaece


a pedra se desgasta, o som se extingue
do fogo, somente, fumaça e cinza

e das almas, sonhos de eternidade

29
de poetas e cães

o que quer dos poetas a eternidade


é o que espera dos cães a noite:
que uivem

30
língua morta

à hora de, com a noite, o sono ir-se


ouço, triste, um apelo da aurora
este, só aos meus ouvidos bem-vindo

"crias para mim um idioma, e sê o falante nativo"

crio-o, gracioso e sonoro, rico e inconcluso


derramo-lhe a história e os fios do mundo
e ainda antes que aurora se dilua em dia

sou o único falante de uma língua morta

31
o cadáver

abandonadas
sobras da caçada
às moscas, mais nada

(e se delas esqueceu-se Deus?

nem os vermes as reconhecem)

olhou-as, pois, o urubu


uma por uma - inútil -
sentiu-se nu, e fugiu

32
colheita
(blavino #1)

sedutora

de invulgar e
irresistível beleza

planta rara de raizes rotas


que dá frutos que não se dão
que não matam por seu veneno

frutos somente, nenhuma semente

colhe-se só iracunda e vil


joga ao chão os pomos
ignora aos vermes

pobres coitados
a si apodrece e

autodevora

33
[conforma-te]
(blavino #2)

conforma-te

ei-la, como pediste,


a praia longa e branca

basta de ritos funerários


basta de tormentas marinhas
basta de esperar ser consumido

conforma-te, é o fim da vida no mar

sente, o sol aqui é mesmo o sol


o chão caminha com o vento
e a paisagem, por si, muda

a praia longa e branca


ei-la, como pediste

conforma-te

34
átomo
(blavino #3)

em tanto
e tanto mais

que já não mais


em tudo e em nada
está em todas as coisas

nas tantas que conheceis

haverá uma que não há


toda extinguir-se-á
e se desintegrará

o tanto mais
de tudo

será

35
siesta
(blavino #4)

deixo

que chegue
tenra e morna

e que seu hálito


tenro dos sonhos
dos sonhos morno

seja o ritmo de hoje

que em meu peito


e meus ombros
e meus braços

desarmônica
acomode-se

tarde

36
espécie
(blavino #5)

em
toda

forma
de vida
humana

um não-sei-quê

humano
preciso
feroz

mau
cru

37
ao gozo

meu punhado de cólera


meu quinhão de indigência
uns olhos escuros e frios

um dia e um céu azul


a imensidão velha
essa coisa que une os átomos

e minhas sinceras desculpas

ao éter humano e artificial

38
passos

existem passos que o tempo carrega


que nem mesmo ele concebe
caminham ignorados e incólumes

e antes de serem notados se perdem

passos sem ritmo e sem constância


que são alguma coisa certamente
um andar ou caminhada, quiçá corrida

qualquer coisa que não seja dança

39
um dia de papel

um dia
impresso em papel moeda
sobre a mesa
dobrado e amassado
um pouco sujo

centenas de sorrisos
divididos
entre bons-dias
ou boas-tardes
e muito-obrigados

milhares de pulsos
centenas de células mortas
meia dúzia de inspirações
e nenhum poema decente

tempo feito troco


sobra do trabalho alheio
creditado a terceiros
e entregue a mim
assim, dobrado
em duas notas
uma de vinte
uma de cinco

tempo passado
nem mal gasto
em bem feito
só passado

40
um dia inteiro
sujo de micróbios anônimos
na mesa da cozinha
sobre o mármore
sob a porcelana

é tarde
e daqui a pouco
depois de umas horas inerte
mandarei esse dia de volta para o ciclo

muitas horas ainda


serão debitadas
cairão no esquecimento de si mesmas
no ciclo do tempo que se dá ao banco
os dias de cumprimentos e sorrisos
as horas impressas em notas seriadas

41
a concha

queria que houvesse uma receita pronta


pra lidar com as coisas do coração
e com as invencionices da imaginação

não sei ser um


nem dois
nem sei me dividir

sei ser uma coisa escondida no escuro


e fazer um furo na minha concha
pra espiar o que eu não entendo

não sei reconhecer o que não vejo


e não sei ver o que desconheço
e só conheço em mim o que perco

o que não vi pelo furo na concha


e o que deixei se ir
sem nem ter visto

não sei se era um


nem dois
nunca soube somar nem dividir

42
areia e sal

preenche-se o vento com o que pode carregar


com a areia, com o sal da praia
e eu
que vivo nas costas do mundo
sinto no vento a areia e sal

a praia, tão longe, tão longa


a mim tão inatingível
arranca o vento de dentro do mar
e sopra-o na minha direção

o sal e a areia que me desconhecem


a meus olhos, minha garganta
querem arder
queimam
e querem me queimar

- mesmo que nem em sonho haja tenha visto


nunca haja deixado uma só pegada nessa areia
nunca deixado que me viesse até as pernas
uma gota que fosse desse mar -

quente, o vento sobe


pelo frio dorso do mundo
e me sussurra essa maresia
e desacomoda
o que antes fora ordeiro e mudo
e que mudo permanece
ainda mudo, mas inquieto

43
que esperar agora, eu me pergunto,
das idas e vindas desse vento
dessa areia
desse sal que vem do mar
disso que veio sem que eu percebesse
e que agora não consigo deixar ir?

antes houvesse passado


não há passado
não
o vento não passou
faz com que o mundo erga-se
no meio das suas tempestades
e depois, na calmaria
se vai

mas há de voltar

se um dia resolver fazer o caminho inverso


e pelas rochosas vértebras do mundo
buscando a praia de onde veio
encontrará comigo ainda guardados
os últimos grãos daquela mesma areia
resquícios daquele mesmo sal do mar

44
nudez

encontra-te criatura, assim, nua

permita, nua, ao criador ver-te


vendo-te assim, nua, absolve-te
mal ou pecado, qual nada, és nua!

e nada, assim nu, é bom ou mau

vendo-te assim, nua, absorvo-te


sinto-me também eu observado
nem bem nem mal, me sinto nu

45
46
Anexo
A Poética do Poema Blavino*
por Juliana Ruas Blasina & Volmar Camargo Junior

Em um papo madrugado e MSNico entre Jú (Juliana Ruas Blasina) e V (Volmar


Camargo Junior.) nasceu o blavino.

Discutíamos sobre a possibilidade de criar um poema que fosse sugestivo tanto


em sua composição textual quanto na sua aparência gráfica, concreta, sobre a
folha. Juliana tinha em mente uma "pirâmide" construída por 13 versos, mas
não conseguia concretizar sua divisão em estrofes de modo a alcançar a forma
esperada. Após o debate, eis que surgiu a ideia de um modelo que contemplasse
as seguintes características:

- número de estrofes: 7

- numero de versos: 13, distribuídos a partir dessa sequência: 1-2-3-1-3-2-1

- tamanho dos versos: o objetivo é que o poema comece e termine com uma
palavra, crescendo até o verso-estrofe central e maior (7) e decrescendo até o
último. Resultando assim numa aparência piramidal, triangular, ou em seta –
sempre alinhado, à esquerda ou à direita (nunca central), conforme a
preferência do autor.

- decidimos que o "blavino clássico" corresponderia somente às três regras


anteriores. O "blavino heróico", adicionalmente, deve ter como verso central um
decassílabo heróico: 10(6-10) [dez sílabas,
acentuando-se a 6ª e a 10ª].

- uma regra adicional seria a de que o "blavino perfeito" seria aquele que pode
ser lido na ordem direta e na ordem inversa perfeitamente.

- uma variação, criada pela Marcia Szajnbok – que também aderiu ao blavino, é
o formato “abismo” (ou “abissal”), cujo verso central, ao contrário da forma
padrão, é composto por uma única palavra (assim como ocorre nos versos 1 e
13).

Assim, por exemplo, seria um blavino clássico:

*
Publicado na Revista SAMIZDAT – Junho-Julho/2009

47
Fugaz
(Juliana Blasina)

Tão

Frágil
E fugaz

Que quebra
Ao menor toque,
E sem razão se desfaz

A beleza que mora em mim

Embalada neste corpo


É invisível ao olhar
Estranho, procuro

Resquícios do
que ainda

Sou

Já um blavino heróico – ou uma tentativa de - seria algo como este:

[conforma-te]
(Volmar Camargo Junior)

conforma-te

ei-la, como pediste,


a praia longa e branca

basta de ritos funerários


basta de tormentas marinhas
basta de esperar ser consumido

conforma-te, é o fim da vida no mar

sente, o sol aqui é mesmo o sol


o chão caminha com o vento
e a paisagem, por si, muda

a praia longa e branca


ei-la, como pediste

conforma-te

48
Um blavino abissal seria assim:

cat on a hot tin roof


(Marcia Szajnbok)

luzes

teus olhos
que brilham

de mar e de estrelas
percorrem-me a pele
me buscam, me despem

fico

um pouco escondida
à espreita, à espera
do gesto, da vinda

do bote
da fera

faminta

Algo que é digno de nota é que, em pouco tempo, este formato ganhou
adesão por parte de vários poetas, notadamente os participantes da comunidade
Estúdio de Criação Poética, onde foi apresentado. Deste grupo, já produziram
blavinos Beatriz Moura, Caio Rudá, Carlos Barros, Marcia Szajnbok, José do
Espírito Santo, Renata de Aragão Lopes e Taty Nascimento. Nesta edição da
SAMIZDAT é possível encontrar alguns exemplos de blavinos, publicados por
Juliana, Volmar e José do Espírito Santo. E, até o final da edição, talvez haja
mais alguns. E se você que está lendo, gosta de escrever poemas e tiver gostado
do blavino, sinta-se à vontade. Sirva-se! O blavino está aí, para quem quiser
desfrutá-lo. Apenas gostaríamos que os interessados entrassem em contato
conosco aqui na SAMIZDAT, mostrassem seus poemas, para que, quem sabe,
esse formato se torne algo tão interessante - e grande! - como o poetrix e o
indriso.

Para mais informações sobre as criaturas e os criadores, visite:

Um resto de café frio (Volmar Camargo Junior):


http://restodecafefrio.blogspot.com/

P+2T: Poesia + dois tantos (Juliana Ruas Blasina):


http://jublasina.blogspot.com/

Estúdio de Criação Poética


http://estudiocriacaopoetica.blogspot.com/

49
Sobre o autor

Volmar Camargo Junior, inconformado com a própria inaptidão para


dizer algo sem ser através de subterfúgios, abdicou de parte de suas
horas diárias de sono, tentando domar a sintaxe e adestrar a semântica.
Depois de perambular pelo Rio Grande do Sul, acampou-se na
brumosa, fria, úmida, às vezes assustadora – mas cercada por um
cenário natural de extrema beleza – Canela, na Serra Gaúcha. Amargo e
frio, cálido e doce, descendente de judeus poloneses, ciganos uruguaios,
indígenas missioneiros, pêlos-duros do Planalto Médio, é brasileiro,
gaúcho, e, quando ninguém está vendo, torcedor do Grêmio Foot Ball
Porto-alegrense. É autor do blog de poesia Um resto de café frio e participa
da equipe da Revista Eletrônica SAMIZDAT.

http://restodecafefrio.blogspot.com
http://www.revistasamizdat.com

50

Você também pode gostar