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Se há área que tem sido sucessivamente esquecida pelos governos, essa área é a
Saúde Oral. Comparativamente há 30 anos, o SNS tem hoje menos estomatologistas e
soluções para tratar os cidadãos, excepto em causa de patologias mais graves e que
necessitem de acompanhamento hospitalar. O recurso mais liberal, os seguros privados,
são muitas vezes insuportáveis para os bolsos de muitos portugueses, o que quer dizer:
ou tem dinheiro, ou terá que arranjar fundos para tratar dos dentes e da boca.
Uma vez que Portugal está na cauda da Europa no que diz respeito à boca dos
seus cidadãos, em 2000 o governo pôs em andamento o Programa Nacional de Saúde
Oral que, em linhas gerais, desenha uma estratégia global de prevenção assente na
promoção da saúde, prevenção e tratamento das doenças orais. Também desde o ano
2000 que as crianças e jovens até aos 16 anos têm algum apoio nesse programa. Mas a
novidade chama-se cheque-dentista e está em vigor desde 2008. Este cheque incide em
três segmentos da população:
Dr. Rui Calado - Especialista em Saúde Pública, coordenador do grupo de Saúde Oral
da DGS que tem monitorizado o Programa Nacional de Promoção de Saúde Oral, do
Ministério da Saúde.
Dr.ª Rosário Malheiro - Estomatologista, fundadora da Unidade de Estomatologia
Pediátrica do Hospital D. Estefânia, em Lisboa; foi representante da Ordem dos
Médicos, na Comissão Técnico-Científica do departamento do Programa Nacional de
Promoção de Saúde Oral entre 2005 e 2007 e, actualmente, é a representante da Ordem
dos Médicos, do Colégio de Especialidade em Estomatologia, na Comissão Externa de
Acompanhamento do SISO (Sistema de Informação para a Saúde Oral).
Dr. Paulo Melo - Docente da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do
Porto e membro do Conselho Directivo dessa mesma faculdade, além de ser o
representante da região Norte, no Conselho Directivo da Ordem dos Médicos Dentistas.
Prof. Francisco Salgado - Estomatologista, professor de Cirurgia Oral e Maxilo-facial
da Faculdade de Medicina de Lisboa e director do Hospital de Stª Maria, em Lisboa,
além de presidente da Federação Europeia de Saúde Oral.
Maria Elisa - A Saúde Oral tem sido o parente pobre da Saúde Pública em
Portugal... contemplada de uma forma diminuída no SNS, uma vez que existem
muitos hospitais onde não existe qualquer serviço de Estomatologia e, em outros,
ele existe, mas não é suficiente para as necessidades, assim como acontece nos
centros de saúde... Esta intervenção mais directa, dos cheques-dentista e
continuando o programa de saúde oral que já existia, vem permitir aos
portugueses, nomeadamente aos mais desfavorecidos, efectuar as intervenções
mais urgentes?
Dr. Rui Calado: O que vimos na peça é o resultado de muitos anos de negação da
doença. Não havia resposta no nosso país. Não sei se a saúde oral foi a parente pobre da
saúde pública. Lembro-me que a saúde pública em Portugal tinha outros parentes pobres
e o país progrediu nos últimos anos. Em função desse progresso foi preciso criar as
condições para que a saúde oral pudesse aparecer.
Em 1974 não havia médicos dentistas em Portugal, estavam a iniciar a sua
formação; não havia higienistas orais...
Maria Elisa - Mas havia estomatologistas...
Dr. Rui Calado: Os estomatologistas sempre foram médicos preparados para os
hospitais, não para prestarem os cuidados básicos de saúde oral às populações. Portugal
precisava de profissionais habilitados a efectuar estes tratamentos básicos, que são hoje
feitos pelos dentistas.
Hoje já existem em número suficiente, o que nos permitiu avançar em 2000 com
programas em que já se incluía a referenciação das pessoas com problemas de saúde
oral para os médicos dentistas.
Maria Elisa - Hoje estamos na situação inversa; temos quase 20% de dentistas
desempregados?
Dr. Rui Calado: Não sei qual a percentagem de desempregados, mas sei que o rácio
que Portugal tem de médicos dentistas, neste momento, relativamente à sua população,
é um rácio médio quando comparado com a União Europeia. Sem profissionais de
saúde, não se pode fazer saúde.
Em 2000 já havia em número suficiente para dar o salto para a referenciação em
medicina dentária. Mas já antes, em 1985, a Direcção Geral de Saúde iniciou a
promoção e a prevenção de doenças e organizou uma divisão – a Divisão de Saúde Oral
– que fazia a prevenção primária nas escolas. Mas nesta altura havia muito poucas
possibilidades de se tomarem medidas gerais para a população.
Maria Elisa - Essa continua, porventura, a ser uma das medidas mais importantes;
a de fazer educação nas escolas para a promoção da saúde oral...
Dr. Rui Calado: Seguramente. Temos que aprender a higienizar a boca, a ter cuidado
com os alimentos que são prejudiciais e temos ainda que aprender que existem produtos
que tornam os dentes muito mais resistentes às agressões. Só assim os níveis de doença
poderão diminuir. O enfoque inteligente, numa sociedade normal e evoluída, deve ser
na prevenção primária. Os casos de doença acumulada, que a prevenção não consegue
resolver, também devem, contudo, ter resposta.
E a resposta começa a ser dada em Portugal e de forma organizada, para atingir
grupos populacionais que são mais vulneráveis e que, de uma forma clara, estamos
interessados em privilegiar no primeiro acesso. Estou-me a referir às grávidas que, por
motivos diversos, são pessoas mais receptivas a mensagens. Não apenas às que se
referem a questões de higiene oral mas também àquelas que as preparam para o
nascimento do novo filho. Uma grávida preparada em termos de saúde oral, vai-nos
seguramente preparar crianças com muito melhores dentições.
Por outro lado, uma pessoa que adquire bons hábitos de higiene e de alimentação
durante os primeiros 15, 16, anos, vai mantê-los durante toda a vida, tendo condições
para manter uma excelente dentição durante muitos anos.
Maria Elisa - Temos neste momento cerca de um ano de aplicação deste novo
Programa do cheque-dentista. Qual é o balanço das consultas efectuadas, por
exemplo, no caso das grávidas?
Dr. Rui Calado: O processo tem sempre início nos centros de saúde. É a partir do
médico de família ou clínico geral, que o possa substituir, que a pessoa obtém a sua
referenciação para um médico dentista. Este ano já foram emitidos 60 mil cheques para
grávidas, nos quais cerca de 75% corresponderam a consultas de Medicina Dentária.
Maria Elisa - Isso significa que a taxa de execução é boa e que não se trata apenas
de um primeiro entusiasmo. Continuam a tratar-se...
Dr. Rui Calado: Felizmente neste programa houve uma grande aderência dos
profissionais: dentistas e estomatologistas. Temos cerca de três mil pessoas inscritas a
nível nacional, o que prova uma distribuição normal, em função da própria distribuição
da população: mais em Lisboa e Porto e, de forma geral, mais no Litoral.
Maria Elisa - Mas há uma maior concentração no Norte do país?
Dr. Rui Calado: Sim, temos mais médicos inscritos no Norte. Mas pela primeira vez
temos uma rede de médicos que possibilita ao sector público o desenvolvimento de
programas com critérios de equidade.
Maria Elisa - No entanto, reparei que as taxas de execução eram menores no caso
das grávidas, nas regiões do Sul, nomeadamente no Alentejo... Certamente pelas
distâncias serem maiores, entre o local onde moram e os centros urbanos, e as suas
dificuldades de locomoção também serem maiores. Nem toda a gente tem um carro
à sua disposição para se deslocar e, em alguns casos, o transporte pode ser quase
mais caro que o cheque-dentista. Há, por isso, dificuldades...
Dr. Rui Calado: Pode acontecer, mas ainda não tivemos tempo para que todas essas
situações estejam devidamente estudadas. A taxa de adesão das pessoas tem sido
extremamente elevada. Nunca conseguiremos chegar a uma taxa de 100%, nem muito
perto, porque há sempre o intervalo em que a pessoa recebe o cheque no centro de saúde
e o utiliza no médico dentista.
Mas a taxa de execução é encorajadora, o que quer dizer que hoje as pessoas
valorizam mais a sua saúde oral.
Maria Elisa - Há algum tempo, nos infantários e nas escolas primárias, ensinava-se
às crianças muito pequenas a escovar os dentes. E elas faziam-no. Depois, não sei
se foi decretado, ou se simplesmente passou a ser assim, passou a circular uma
noção de perigo, de que as crianças poderiam ser contagiadas com doenças como
hepatites, Sida, ou outras, através da troca de escovas.
E as crianças deixaram de escovar os dentes nos infantários, nas escolas, nos
colégios... Mas, na verdade, como sabemos, os bebés agarram as chupetas uns dos
outros, apanham coisas do chão e põem na boca, não havendo um acompanhante
para cada criança em cada infantário. Haverá alguma vantagem em desincentivar
a escovagem dos dentes nos infantários e nas escolas?
Dr.ª Rosário Malheiro: Não, penso mesmo que é das situações mais graves do ponto
de vista da saúde pública. Existem vantagens conhecidas – e que constituem uma
evidência científica – sobre a relevância de escovar os dentes pelo menos duas vezes por
dia, utilizando pastas com flúor, desde a existência do primeiro dente. Logo, é evidente
que é um retrocesso brutal relativamente a todas as crianças que já não tenham esse tipo
de cuidados.
É uma falsidade que essa prática não deva ser seguida; pelo contrário. E foi
durante muitos anos uma prática incentivada pela DGS, a de implementar estas medidas
de uma forma tão extensa quanto possível. Para além disso, são brutais os ganhos em
saúde que se obtêm com a implementação destas práticas. As crianças devem ter nas
escolas a sua escova de dentes, a sua pasta de dentes fluoretada, para terem os dois
factores de protecção bem geridos.
Maria Elisa - O melhor factor de protecção é então escovar os dentes com uma
pasta que contenha flúor?
Dr.ª Rosário Malheiro: O recurso ao flúor é o maior factor de protecção das
superfícies dentárias. Os fluoretos são factores de remineralização dos dentes e são
factor de um eventual estacionamento e protecção das cáries. O contacto com o flúor é
de facto uma grande medida de saúde pública.
Maria Elisa - Mas não estamos propriamente a falar de tomar comprimidos de
flúor ou de bebidas que dizem conter flúor, apenas por uma questão de
marketing?
Dr.ª Rosário Malheiro: O mundo está por assim dizer dividido em duas facções
científicas. Nos E.U.A., por exemplo, continua a advogar-se a fluoretação das águas e
com demonstrações de sucesso. A visão europeia da questão, que assenta em estudos
epidemiológicos, não tem essa leitura.
Na verdade, se a criança não tiver nenhum tipo de protecção com fluoretos na
sua pasta de dentes, certamente lucrará alguma coisa com a água fluoretada, se isso
constituir o seu único contacto com o flúor. Mas se a pasta contiver flúor, é evidente
que será mais eficaz.
Apesar do Dr. Rui Calado dizer que o pagamento dos cheques-dentista às grávidas
já está resolvido, no prazo de 30 dias, não é verdade. Desde o dia 3 de Fevereiro de
2009 que estou à espera de pagamento e nunca recebi sequer um correio
electrónico de validação, referente a pelo menos dois lotes de cheques enviados.
Apesar da minha constante persistência junto das entidades responsáveis: a ARS
Centro, à qual pertence a minha área - Coimbra -e à DGS, a quem já telefonei por
diversas vezes.
Maria Elisa - Acedeu prontamente a este protocolo?
Sim. E continuo a efectuar o atendimento a grávidas com cheques-dentista, apesar
de nunca ter recebido nenhum tipo de pagamento.
Dr. Rui Calado: As coisas irão decorrer com a normalidade possível depois de termos
resolvido o problema do servidor dos emails da Administração Central do Sistema de
Saúde, que é onde está localizado o nosso servidor. Houve um problema técnico,
informático, e os emails de que a telespectadora fala não saíam automaticamente para os
médicos dentistas e, sem isso, não era possível efectuar o processo de pagamento.
A médica dentista que telefonou irá receber o seu dinheiro. Quero ainda dizer que já
pagámos 1 milhão e 334 mil euros e que todos irão receber, naturalmente, o seu
dinheiro. Este é um processo novo, temos as nossas dificuldades, mas estamos a tentar
ser o mais eficazes possíveis, para satisfazer quer os prestadores como os beneficiários
do sistema.
Fiz parte da secção de Medicina Dentária da Ordem dos Médicos, que por
sua vez daria origem à Ordem dos Médicos Dentistas. Sempre lutámos pela
integração dos médicos dentistas no Serviço Nacional de Saúde, quer a nível
hospitalar, como nos centros de saúde. A insensibilidade política que encontrámos
foi sempre total e absoluta.
O cheque-dentista é, na minha opinião, uma medida enganosa; uma
tentativa de camuflar uma falta de assistência pública notória e evidente. E gostava
de ver os políticos com os famosos 75 ou 80 euros por ano a tratarem da sua saúde
oral. Na minha opinião, a solução passaria pela integração dos médicos dentistas
no SNS.
Maria Elisa - Onde é que acha que deviam estar os médicos dentistas em maior
número?
João Pimenta: Essencialmente nos centros de saúde, mas também deviam estar
integrados a nível hospitalar. A saúde oral foi sempre o parente pobre da saúde
pública e vai continuar a ser.
Maria Elisa - Mas não acha que para as pessoas que não tinham nada e que já
recorreram ao cheque-dentista, esta medida significa o princípio de alguma coisa?
João Pimenta: É um princípio, mas é um mau princípio. O Dr. Rui Calado sabe
que é nos centros de saúde que os médicos dentistas deviam estar integrados.
Maria Elisa - Essa questão não é mais uma questão de classe, corporativa, da vossa
legítima intenção de incorporarem o SNS, do que uma questão que tenha a ver
com a saúde oral dos portugueses?
João Pimenta: Não. Gostava de saber quantas cáries se podem tratar, utilizando
boas práticas clínicas, com 80 euros; que é o valor do cheque-dentista. Ou se 250
euros serão suficientes para fazer uma prótese...
Maria Elisa - Partilha esta opinião, de que os médicos dentistas deviam estar
integrados no SNS?
Dr. Paulo Melo: É uma questão que, como foi dito, pela qual lutamos praticamente
desde o aparecimento dos médicos dentistas. Durante muito tempo pugnámos por isso:
como todos os médicos, também devíamos estar integrados no SNS. Eu e o actual
bastonário da Ordem dos Médicos Dentistas, o Dr. Orlando Monteiro da Silva, tentámos
perceber qual a sensibilidade política relativamente a esta questão. E estávamos a ver a
deterioração da saúde oral da população. A verdade é que durante todos estes anos (e já
faço parte da direcção da Ordem dos Médicos Dentistas há 8 anos), não encontrámos
nenhuma abertura política.
Mas também, a realidade nacional mudou muito. Neste momento, temos
instalado por todo o país uma quantidade de meios significativa, disponíveis a toda a
população. Seria completamente desadequado obrigar o SNS a gastar um grande
volume de recursos, ou em equipamento ou em pessoal, quando tudo isso já está
instalado e os profissionais já estão em campo. Mas é um facto que o Plano Nacional de
Saúde 2004-2010 continha no seu conteúdo uma indicação de que os médicos dentistas
deveriam ser integrados nos hospitais.
Maria Elisa - Há inclusive hospitais novos, a serem criados de raiz, sem serviço de
Estomatologia. O que é algo difícil de perceber...
Dr. Paulo Melo: É difícil perceber. As pessoas estão internadas, têm problemas de
saúde oral e vêem, eventualmente, as suas intervenções retardadas, mesmo tendo uma
infecção facilmente tratável. Ou seja, poupava-se em internamentos... De facto há, na
nossa opinião, uma necessidade de integração hospitalar e de criação de uma carreira
hospitalar para os médicos dentistas..
Maria Elisa - Mas qual é a sua opinião sobre o cheque-dentista?
Dr. Paulo Melo: Entendemos que existem deficiências e a questão dos pagamentos
preocupa-nos, mas também entendemos que é um programa que se está a iniciar e que
poderá ter alguns problemas. A meta de pagamento ao fim de 30 dias é uma meta audaz
e que pode ser concretizada a breve trecho. Em termos de estratégia de Saúde Oral,
entendemos que o cheque-dentista é um passo inicial, não é de forma alguma a resposta
às necessidades da população.
É óbvio que os passos seguintes têm que ser o acompanhamento das crianças pelo
médico-dentista, anualmente, até aos 16, 17, 18 anos, e só isso é que faz sentido.
Andamos a dizer isto desde 2000; desde que fazemos parte destes grupos de trabalho da
DGS, mas também o alargamento aos idosos e a outros grupos, até agora excluídos. É o
caso dos diabéticos, que têm necessidades prementes ao nível da sua saúde.
Saúde Oral - Exclusão de grupos do cheque-dentista e
doenças orais
Maria Elisa - O Dr. Francisco Salvado tem sorte de ter uma equipa alargada de 10,
12 pessoas no Hospital de Stª Maria, na medida em que não é uma situação comum a
outros hospitais. A Dr.ª Rosário, por exemplo, tem apenas três estomatologistas a
trabalhar consigo, naquele que é um dos hospitais de referência, em Lisboa e não
só. O que pensa desta política do cheque-dentista?
Dr. Francisco Salvado: Não podemos perder mais tempo a falar do cheque-dentista.
Estamos a monopolizar um programa que, na realidade, só abrange um milhão de
pessoas. Quanto a mim, estes programas têm que ser integrados na saúde geral,
holística. Ou seja, não se pode prever um programa de saúde oral, sem prever a
integração dos clínicos gerais; dos médicos de medicina geral, familiar.
O Hospital de Stª Maria trabalha com alguns centros de saúde e quando se diz
que o médico de família está incluído no programa do cheque-dentista, não é isso que
tenho visto. Só está integrado porque é ele que entrega o cheque.
Maria Elisa - Mas é o médico de família que referencia o doente. Isso é
importante...
Dr. Francisco Salvado: Não quero dizer que o cheque-dentista é uma má política, acho
que é um bom princípio. O meu receio é que se gastem demasiados recursos com o
alargamento do cheque-dentista e que se abandonem os outros campos: a saúde escolar
e, nomeadamente, o desenvolvimento da saúde oral nos centros de saúde, através do
clínico geral o que, na minha opinião, é obrigatório. A saúde oral pertence à saúde geral,
não é algo à parte, feito pelos dentistas.
E, finalmente, é necessário estabelecer uma escala de referências. Na verdade,
onde é que são tratados os deficientes que não podem ser tratados pelo cheque-dentista?
Onde é que são tratados os idosos que não se podem deslocar? A não ser que haja um
cheque-dentista para o transporte...
Maria Elisa - O que também se aplica às grávidas que não se podem deslocar...
Dr. Francisco Salvado: Há pouco falou-se dos diabéticos. Mas existem muitas outras
doenças e situações prementes. Onde é que são tratados os doentes oncológicos que
fazem citoestática? E os que fazem radioterapia? Então e os doentes que têm tumor da
cavidade oral? Esses doentes não estão incluídos na Saúde Oral?
Maria Elisa - E as doenças da cavidade oral estão a aumentar?
Dr. Francisco Salvado: Estão, todos os anos aumentam. É o caso do cancro oral que,
ainda por cima, tem uma característica perigosa: todos os anos aumenta a mortalidade
associada, numa doença que, aparentemente, até é uma doença relativamente fácil de
prevenir.
Maria Elisa - Quais são os maiores factores de risco?
Dr. Francisco Salvado: O tabaco e o álcool que, se andarem juntos, então fazem uma
mistura explosiva. Mas, o que nos interessa perceber é qual é a capacidade instalada.
Não concordo exactamente com o Prof. Paulo Melo, porque não é por termos muitos
consultórios que os vamos integrar nos centros de saúde. Isso seria óptimo para os
hospitais privados... Também não é a política correcta.
Como disse, tenho a experiência do Hospital de Stª Maria e a sorte de ali se
apostar na Estomatologia. Atingimos cerca de 25 mil consultas por ano – o que é muito,
até para a capacidade instalada e profissionais existentes – mas a experiência que temos
é que a grande dificuldade não são apenas os mais carenciados economicamente, são
também outro tipo de pessoas. São todos aqueles que não podem ser tratados no
consultório dentário. E esses são cada vez mais. É aqui que passamos para o idoso. Na
realidade, o idoso é hoje um idoso diferente... Hoje as pessoas têm uma velhice mais
duradoura e precisam por isso de cuidados especiais.
Maria Elisa - Volto à mesma questão com que abri o programa, chamando à Saúde
Oral de "parente pobre" da Saúde Pública. Por exemplo: os portugueses hoje se
têm uma doença cardíaca grave, fazem uma intervenção no coração – que é
extremamente onerosa -, se têm uma doença do foro hematológico, da mesma
maneira, e com toda a justiça. Mas não têm ninguém que lhes pague uma prótese
que vá além dos 250 euros...
Dr. Francisco Salvado: Por uma razão muito simples: é que a doença oral não é
considerada doença. “O mais que pode acontecer é ficarmos sem dentes e como os
dentes não fazem falta nenhuma...”
Maria Elisa - Como médico, pode explicar, de forma breve, toda a falta que os
dentes fazem...?
Dr. Francisco Salvado: Os dentes fazem parte da homeostase geral. Se não mastigar
bem vou ter um certo tipo de patologias, se tiver infecções orais, irei ter outro tipo de
consequências. Hoje está provado, por exemplo, que a patologia dentária gera partos
prematuros. E sabemos das suas consequências, para além do factor económico.
Sabemos que a incidência de doença cardíaca é aumentada quando temos patologia
periodental; patologia nas gengivas. Se sabemos que todas estas patologias pertencem à
saúde em geral, porque é que as separamos? Porque é que não integramos a saúde oral
na saúde geral?
Não quero falar de classes. O sistema deve ser vertical e integrar o profissional
de medicina oral e o de medicina geral e familiar, que continuará a ser o pivot de todo o
processo. A medicina é humana, não se pode basear apenas em números.
Maria Elisa - A propósito de números, relativamente aos que ficam de fora da
assistência na saúde oral... De fora ficam os mais de 400 mil portugueses que não
têm médico de família já que, se não têm médico assistente, não podem ser
referenciados para os médicos dentistas...
Dr. Francisco Salvado: É ainda um outro problema, mas também penso que se irá
resolver. Quando falou há pouco das despesas; fala-se muito que os estomatologistas, os
higienistas e a medicina dentária, em geral, envolve tratamentos muito caros. Mas tudo
isso tem a ver com algo muito importante, que é a percepção do custo.
Maria Elisa - Quando os portugueses vão aos hospitais e pedem para fazer TAC´s,
ressonâncias magnéticas, não sabem quanto é que custam...
Dr. Francisco Salvado: Porque só pagam um bocadinho, o resto é pago pelo Estado.
Nos dentistas, como pagam a totalidade dos tratamentos, é que têm a percepção geral do
custo.
Maria Elisa - O Estado que somos todos nós, e que nos esquecemos, às vezes...
Saúde Oral - Caso de grávida: cheque-dentista
Maria Elisa - Muitos problemas orais podem dar origem a partos prematuros. A
Estela Araújo tem 32 anos e está grávida, pela primeira vez, de sete meses. E teve a
necessidade de recorrer ao cheque-dentista. Conseguiu tratar os problemas que
tinha?
Estela Araújo: Sim, consegui tratar as cáries.
Maria Elisa - Mas a Estela tem outros problemas que não podem ser tratados pelo
cheque-dentista. Quais?
Estela Araújo: Sim, tenho outros problemas; precisava de fazer implantes.
Maria Elisa - O que é que a Estela precisava fazer que o cheque-dentista não
permite?
Dr.ª Filipa Palma: A Estela tem falta de quatro dentes e precisava de fazer implantes
dentários; algo mais definitivo do que a placa que neste momento tem.
Maria Elisa - Para lhe permitir uma boa mastigação ou apenas por uma questão
estética?
Dr.ª Filipa Palma: A placa funciona para a mastigação e, ao nível da estética, é
razoável. Mas o ideal é sempre o que queremos alcançar e, neste momento, seriam os
implantes. Convém realçar que as próteses ou outros tratamentos restauradores, como as
coroas, também não estão contemplados; não são comparticipados dentro do cheque-
dentista, quer para os idosos, quer para as grávidas. E são tratamentos básicos e
prioritários nesta altura, por exemplo, da gravidez.
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