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No Angelus em Les Combes, o Papa recorda a missão de salvação confiada aos sacerdotes Aborto e futuro
Lucetta Scaraffia
De resto, já é evidente que não se realizou o que se divulgava como um bom motivo
para apoiar a legalização do aborto, ou seja, a garantia de que deste modo o recurso à
interrupção da gravidez diminuiria até ao seu desaparecimento, inclusive graças à
difusão sem impedimentos dos anticoncepcionais. Não só os abortos continuaram a ser
praticados, também nos países onde a informação sobre os anticoncepcionais é vasta,
mas o fenómeno envolve faixas etárias cada vez mais baixas.
Por que as nossas sociedades não conseguem debelar este mal? Este seria o momento
adequado para formular tal pergunta e procurar respostas convincentes e não
ideológicas. A este propósito, podemos encontrar uma ajuda para entender tudo isto no
livro do psicanalista Claudio Risé (La crisi del dono. La nascita e il no alla vita,
Cinisello Balsamo, San Paolo, 2009, 160 páginas), segundo o qual "o aborto não nasce
só da malvadez ou distracção individual, ou do oportunismo de grupos políticos
inconscientes ou irresponsáveis. O aborto afirma o autor afunda as suas raízes num
terreno psicológico, cognitivo e afectivo muito maior e é alimentado pela maior
tentação regressiva, desde sempre presente na psique humana: a de matar o novo, o
desenvolvimento, a mudança, quando começa a tomar forma. Antes que nasça e te
obrigue a mudar com ele".
Com um longo percurso, que inicia nos mitos da época greco-romana para chegar à
tradição judaico-cristã, o autor redescobre o significado do nascimento nas tradições
religiosas, isto é, renovação e renascimento, ao qual frequentemente se opõe o medo:
"Matar o nascente, parar o tempo, naturalmente é também um modo de pensar
inconscientemente em vencer a nossa morte, detendo o tempo no qual ela está inserida".
Assim matam os recém-nascidos Cronos-Saturno (que paga esta pulsão negativa com a
melancolia e o pessimismo) e Herodes, ambos com a intenção de manter o poder que
julgam ameaçado, e também Medeia, que se sente omnipotente: porque sempre "do
nascimento de um novo ser humano se produz no mundo uma cisão entre adesão e
oposição à transformação". Com efeito, Jesus, que acredita e deseja a transformação,
recebe com alegria e afecto as crianças, anunciadoras do mundo novo.