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1. Contexto político (Atenas, séc.

V)

O período que decorreu entre 450 a 400 a.C. constituiu o


período glorioso da grande Atenas: ocorreram mudanças políticas e
sociais profundas com uma actividade intelectual e artística intensa.

No séc. V a.C., Atenas foi, na realidade, a maior das cidades-


estados gregas. No auge do seu poderio e esplendor, deve ter tido
uma população total de aproximadamente 300 000 habitantes. Esta
cidade deu ao mundo, no espaço de poucas décadas, parte do que há
de melhor no campo da arte, como por exemplo, as esculturas de
Fídias e o esplendor do Partenon e também no campo da produção
intelectual.

Após a crise da tirania, no séc. VI a.C., a maioria das cidades


gregas, sobretudo Atenas, animaram-se de uma vida política
extraordinariamente intensa. O exercício do poder e a gestão dos
negócios públicos tornaram-se a ocupação fundamental, mais nobre e
mais apreciada do homem grego, que era o objectivo da sua
ambição.

Os antigos atenienses eram pessoas muito práticas: obtinham


dinheiro com facilidade, tinham bons engenheiros, estavam bem
equipados em termos Templo Grego
militares e navais. Para
eles a filosofia e a procura
do conhecimento e da
verdade como um fim em si
mesmos, era vista como
uma actividade vã e
desnecessária à existência
humana.

No entanto, com a vitória sobre os Persas, Atenas enriquece


extraordinariamente e a população começa a interessar-se por outros
assuntos e a aproveitar os tempos de verdadeira prosperidade que se
viviam na altura. A arte, o teatro, a poesia, a música e a filosofia
começaram a ter lugar na vida dos atenienses. Graças ao
desenvolvimento económico, Atenas estabelece cada vez mais
contactos com outros povos, gentes e raças.

Homens de letras, artes e ciências provenientes de várias


regiões vinham a Atenas e aí permaneciam em intensa troca de
saberes, numa animada circulação de ideias. Poetas, pintores,
escultores, arquitectos, cientistas, filósofos, advogados e políticos,
reuniam-se e trocavam impressões entre si e com a comunidade
ateniense.

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2. O papel da palavra na Atenas democrática

Numa altura em que a política era a ocupação fundamental dos


cidadãos e em que era cada vez mais importante a escolha das
pessoas adequadas para gerir a cidade, a palavra revela-se de grande
importância. Era frequente, argumentar-se tanto em particular como
em público. O homem eficaz era aquele que se impunha ao
adversário, diante de um júri ou perante os juízes, enquanto os
oradores hábeis podiam, como os tiranos, fazer com que se
condenasse à morte, à confiscação ou ao exílio de quem lhes
desagradasse.

Após a constituição de Clístenes, todos


os habitantes livres da Ática foram admitidos
à cidadania e passaram a poder exercer
funções nos tribunais populares ou na
assembleia. Muitos funcionários eram
escolhidos por sorte e a assembleia popular
tinha enormes poderes, entre os quais, o
poder de ostracismo (poder do banimento),
por voto secreto, de qualquer cidadão Templo Grego
considerado perigoso ao bem-estar público.

A faculdade oratória reside na capacidade de dizer o que se


pretende de uma forma eloquente e bem fundamentada. No estado
democrático, as assembleias públicas e a liberdade da palavra
tornaram indispensáveis os dotes oratórios, convertendo-os até numa
importante arma colocada nas mãos do homem do Estado.

Foi neste contexto democrático, onde o interesse público era


defendido pela palavra, que os sofistas surgiram. Assim, os sofistas
foram sendo cada vez mais necessários. Aquilo que se propunham
fazer foi, aos poucos, sendo visto como a resolução dos problemas
daqueles que queriam triunfar, ser ouvidos e adquirir influência
pública.

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3. O modelo educativo anterior ao aparecimento
dos Sofistas

O modelo educativo que existia em Atenas antes do


aparecimento dos sofistas, por volta do séc. V a.C., era a Paideia.
Inicialmente esta palavra significava “criação dos meninos”, mas com
o passar do tempo sofreu alterações no campo semântico e na sua
nomenclatura.

O primeiro nome que se atribuiu à Paideia foi Arete. É


entendida como uma qualidade própria da nobreza, que se
caracteriza por um conjunto de qualidades físicas, espirituais e
morais tais como a bravura, a coragem, a força, a destreza, a
eloquência e a capacidade de persuasão.

Nos finais da época arcaica, a palavra Arete caiu em desuso e


passou-se a usar a palavra Kaloskagathia. Este novo significado
pretende alcançar a excelência física e moral e o homem deve
procurar realizar os atributos beleza e bondade. Para alcançar este
ideal é proposto um programa educativo que implica dois elementos
fundamentais: a ginástica para o desenvolvimento do corpo, e a
música para o desenvolvimento da alma. No fim da época arcaica,
este programa educativo completava-se com a gramática.

Mas, se até então o objectivo fundamental da educação era a


formação do homem individual como kaloskagathos, a partir do
século V a. C., exige-se algo mais da educação. Para além de formar
o homem, a educação deve ainda formar o
cidadão. A antiga educação, baseada na
ginástica, na música e na gramática deixa
de ser suficiente. Este modelo educativo
foi alterado pelos sofistas. Eles afirmavam
que a educação não estava completa com
a Paideia, sendo necessário que os jovens adquirissem determinados
conhecimentos ou capacidades que eles afirmavam estar aptos a
ensinar em troca de dinheiro.

Já não era suficiente a honra e glória dos tempos homéricos,


mas era preciso alcançar a excelência tanto a nível moral como a
nível físico. Assim os sofistas proclamam-se professores da areté
política e o seu objectivo era ensinar a melhor forma de alcançar o
poder e a melhor maneira de triunfar nesse domínio.

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4. Origem do termo “sofista”

As palavras gregas sophos e sophia habitualmente traduzidas


por sábio e sabedoria foram utilizadas desde os tempos mais remotos
tendo-lhes sido sucessivamente atribuídos vários significados.

No início do séc. V a.C. o termo "sofista"


passa a ser utilizado com o sentido de
"homem sábio". É atribuído a poetas, como
Homero e Hesíodo, a músicos e rapsodos, a
deuses e mestres, aos Sete Sábios, aos
filósofos pré-socráticos e a figuras com
poderes superiores, como Prometeu. Pelo final
do século, o termo "sofista" era aplicado a
quem escrevia ou ensinava e que era visto
como tendo uma especial capacidade ou
conhecimento a transmitir. A sophia era Homero
fundamentalmente prática e sobretudo
direccionada para a política ou para a arte.

No entanto, depois dos sofistas terem aparecido


na Grécia, os ódios e invejas que geraram por entre a
multidão fez com que a palavra "sofista" começasse a
ser utilizada em sentido depreciativo. A palavra passa
então a ser utilizada no sentido de ladrão, impostor,
charlatão ou mentiroso, significado que acaba por ir ao
encontro do seu sentido actual.

Hesíodo

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5. Os alunos dos sofistas

Os sofistas destinavam o seu ensino a todos os que desejassem


"adquirir a superioridade necessária ao triunfo na arena política". No
entanto os seus alunos provinham habitualmente das classes mais
elevadas. Existiam dois tipos de alunos: os que eram provenientes de
famílias abastadas e que procuravam aceder aos mais elevados
cargos políticos, e os que estudavam somente para se tornarem
sofistas.

Os sofistas iniciavam o ensino dos seus alunos quando estes


tinham cerca de 16 a 18 anos. Nesta fase, os jovens, estavam na
posse de todas as suas faculdades e, tendo aprendido tudo o que o
modelo educativo em vigor lhes propunha, ambicionavam aprender o
que os sofistas tinham para lhes ensinar.

Sabe-se que os sofistas estabeleciam um contacto muito


próximo com os seus alunos. Na realidade, passavam a maior parte
do tempo juntos, num intenso intercâmbio de experiências e saberes.

O facto de os alunos passarem a maior parte do tempo com os


seus professores, vivendo inclusivamente com eles,
possibilitava o contacto directo, não só com a sua
inteligência, mas também com a sua personalidade.
Os jovens sentiram-se como um grupo que se
preocupava em estudar os mesmos assuntos.
Consideravam uma necessidade e, ao mesmo tempo,
um privilégio poderem ser incluídos em tais
associações.

Os sofistas aperfeiçoavam as suas técnicas e, conscientes da sua


importância na sociedade e do que ensinavam, cobravam elevadas
quantias de dinheiro, que variavam de sofista para sofista.

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6. Os métodos de ensino dos sofistas

Os sofistas reuniam o seu grupo de estudantes em salas


particulares, na rua ou no ginásio, onde transmitiam o seu
conhecimento e davam a preparação retórica desejada.

Em primeiro lugar, os sofistas podiam iniciar a sua aula através


de uma leitura sobre um determinado tema, que iria ser utilizado
como ponto de apoio para o desenvolvimento do resto da aula.
Alguns eram apenas meros exercícios de retórica sobre um assunto
mítico, como "Helena" e "Palamedes", de Górgias, que sobreviveram
até aos nossos dias.

Em segundo lugar, os discursos constituíam um recurso bastante


utilizado, com o principal objectivo de treinar os jovens na
argumentação, incentivando o seu estudo e a sua exposição.

Em terceiro lugar, existiam dois métodos de exposição bastante


usados: o método breve e o método longo ou expositivo.
Relativamente ao primeiro, o discurso era habitualmente apresentado
através de perguntas e respostas. Consistia num diálogo entre o
sofista e os seus alunos. No entanto, o segundo método era o mais
usado. Através dos longos discursos, os sofistas eram mais
facilmente capazes de impor as suas ideias. Com este método era
muito mais difícil seguir as ideias do orador e compreender a
totalidade dos pormenores.

Para além destes métodos, os sofistas foram dos primeiros a


preocuparem-se com o registo e com a escrita dos seus
conhecimentos. No entanto, dos poucos livros que alguns se
dedicaram a escrever, muitos se perderam e não resistiram ao ódio
que os sofistas enfrentaram, tendo sido queimados ou destruídos
pelos críticos ou pela multidão enfurecida.

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7. O que ensinavam os sofistas

Cada sofista expunha ou salientava os conteúdos que


considerava importantes e não tinha de dar satisfações a ninguém
sobre a escolha efectuada. Podiam abordar temas como a arte, a
ciência ou a política, contudo também abordavam algumas matérias
em comum com outros sofistas.

Os sofistas transmitiam os seus conhecimentos sobre:

• O ensino da Retórica:

Os sofistas eram particularmente


conhecidos como sendo professores
de retórica, sobretudo no domínio das
leis e da política. Preocupavam-se
que os seus alunos adquirissem uma
capacidade de argumentação
suficientemente persuasiva. Para
cumprirem este objectivo, alguns
sofistas davam uma preparação
formal que frequentemente consistia
em fornecer aos seus alunos
discursos feitos sobre determinados
assuntos, com o objectivo de serem
repetidos em futuras ocasiões, tais
como, nos processos perante os tribunais, sentenças inteligentes e
informações fragmentárias a serem utilizadas em momentos
oportunos. A retórica não se limitou à Assembleia ou aos tribunais,
tendo-se expandido para banquetes e festas.

• O ensino da Dialéctica:

Protágoras foi o primeiro a ensinar que, em toda a questão, o


objectivo principal era ensinar a vencer todas as discussões possíveis.
Protágoras segue um método de discussão cuja finalidade é confundir
o adversário, tomando como ponto de partida questões ou afirmações
eventualmente proferidas pelo lado oposto.

Os outros sofistas seguiram esta espantosa arte de contornar o


raciocínio fazendo um apelo à lógica de uma forma
extraordinariamente subtil e encantadora. Como os fins justificam os
meios, o que os sofistas pretendiam era utilizar tudo o que fosse
eficaz para vencer o adversário. O raciocínio cede lugar aos truques e
astúcias contraditórias que geram, simultaneamente, o encanto e a
confusão nos ouvintes.

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• A componente prática da vida:

O saber sofista estava muito direccionado para a componente


prática da vida. O que ensinavam estava adequado às necessidades
dos seus alunos. Pretendiam dar respostas imediatas a
determinadas situações, pelo que olhavam, de uma forma bastante
concreta e real, para os assuntos que reclamavam uma intervenção
imediata.

Protágoras referiu que quem fosse ter com ele não aprenderia
senão o que pretendesse aprender e que o seu ensino se destinava
à boa gestão dos assuntos particulares, de modo a administrar com
competência a sua própria casa e os assuntos da cidade.

Nem Protágoras nem Górgias se preocuparam em desenvolver


uma doutrina, mas sim em formular regras de conduta prática. Eles
não ensinavam aos seus alunos nenhuma verdade sobre o ser ou
sobre o homem, mas, apenas, a terem sempre razão, em qualquer
circunstância.

Neste contexto, a argumentação e a persuasão consistiam as


linhas de conduta destes profissionais. Acreditavam na possibilidade
de defesa de dois argumentos completamente opostos e
estimulavam os seus alunos a defender o lado aparentemente mais
fraco. Os sofistas ensinavam a arte de jogar com as palavras, em
enlaces rebuscados do raciocínio, procurando validar as suas ideias
a qualquer custo, vencendo o seu opositor.

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8. O Relativismo

Constatando a influência dos factores sociais na formação dos


homens e na modelação do seus comportamentos, a existência de
uma pluralidade de culturas e modos de pensar, os sofistas acabam
por defender a relatividade de todo o conhecimento e dos valores,
negando a sua universalidade.

Segundo Ian Jarvie, o relativismo é a "postura segundo a qual


toda avaliação é relativa a algum padrão, seja qual for, e os padrões
derivam de culturas."

As diversas culturas humanas originam diferentes padrões


segundo os quais as avaliações são concebidas. Por mais diferentes
que sejam as observações concebidas por pontos de vista culturais
diferentes, elas sempre serão cientificamente verdadeiras, enquanto
não refutadas.

Segundo Aristóteles "se todas as opiniões e todas as aparências


são verdadeiras, conclui-se necessariamente que cada uma é
verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Visto que, frequentemente,
surgem, entre os homens, opiniões contrárias, e cremos que se
engana quem não pensa como nós, é obvio que existe e não existe
ao mesmo tempo a mesma coisa. Admitindo isto, deve-se também
admitir que todas as opiniões são verdadeiras. (...) Se as coisas são
como afirma Protágoras, será verdade o que quer que se diga".

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9. Principais críticas

A prática sofística originou severas críticas, quer no seu tempo,


quer posteriormente. Uma das mais violentas prende-se com o facto
dos sofistas serem acusados de imoralidade face à descrença que
apresentavam para com a religião. Além disto, por considerarem que
cada pessoa tinha o direito de decidir o que estava certo ou errado
foram considerados pioneiros da desmoralização da sociedade.

Uma outra crítica que lhes foi dirigida está relacionada com a
cobrança de dinheiro que exigiam pelos seus serviços. Havia quem
não conseguisse compreender o porquê desta prática. Consideravam
que o orgulho no triunfo e na evolução dos alunos deveria ser o
suficiente para que se sentissem realizados, não tendo que exigir
dinheiro. Assim, havia quem os rotulasse de aproveitadores,
trapaceiros, charlatões e manipuladores.

A crítica também não perdoou os sofistas pelo facto destes


considerarem a verdade como sendo algo de relativo ao indivíduo.
Por este motivo, havia quem defendesse que os sofistas não
pretendiam ensinar nada de realmente útil e interessante, mas
somente influenciar o povo com a sua pompa e eloquência, de modo
a ficarem cada vez mais famosos e a enriquecerem à custa dele.

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10. Principais elogios

Apesar de todas as críticas, não podemos negar que a influência


dos sofistas foi notória em vários aspectos: na linguística, na
gramática, na moral, na religião, na arte, na poesia, na música, nas
ciências e na sociedade. Iniciaram um conjunto de interrogações de
natureza filosófica sobre a origem do ser humano e de tudo o que o
rodeia. Esta contribuição foi notória para que, mais tarde, pudessem
aparecer as famosas filosofias de Platão e Aristóteles.

No que respeita à lei, alguns sofistas foram


requisitados para estabelecerem e orientarem a
elaboração de constituições em várias regiões.
Prestavam auxílio quer na redacção das leis, quer
como conselheiros. Por vezes também apareciam
como sendo advogados, defendendo determinadas
causas. Graças às suas digressões, ficaram bem
informados sobre os sistemas jurídicos das diferentes civilizações, o
que terá contribuído para que eles conhecessem os variados sistemas
políticos, formas de expressão e linguagem, hábitos, usos e costumes
dos diversos povos com os quais haviam mantido contactos.

No domínio linguístico, os sofistas foram muito inovadores, quer


no domínio da gramática, quer na própria estrutura linguística. Na
verdade, houve sofistas que se preocuparam em analisar
profundamente os tempos verbais, o significado das palavras, a sua
origem e as invenções estilísticas.

Despertaram e mantiveram um novo interesse pela poesia


primitiva, mesmo que a interpretação nada mais significasse que o
treino mental. A virtuosidade retórica teve como resultado imediato
as suas análises da linguagem e os seus estudos críticos da literatura.
Também na lógica e na retórica sabe-se que foram desenvolvidas
técnicas bastante úteis na arte de influenciar e argumentar.

No domínio político foram também muito influentes. Para além


de ensinarem os seus alunos a triunfar neste meio, também houve
vários sofistas que ocuparam cargos de destaque nos sistemas
políticos.

Além disto, os sofistas foram os primeiros a aperceberem-se de


que o sistema educativo da altura era insuficiente na preparação dos
jovens, pelo que se proclamaram professores, percorrendo o mundo
à procura de pupilos. Um outro acontecimento importante foi a
introdução do ensino matemático. Embora esta ciência tivesse sido
objecto de investigação no tempo de Pitágoras, terá sido Hípias o
primeiro homem que reconheceu o seu extraordinário valor
pedagógico.

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11. Os principais sofistas

• Protágoras de Abdera:

Protágoras nasceu por volta do ano 480 a.C. e


faleceu por volta do ano 410 a.C.. Era cidadão de
Abdera, pátria de Demócrito, e o mais conhecido entre
todos os sofistas. Enquanto esteve em Atenas ocupou-se
de áreas como a gramática e a linguagem. Acusado de
ateísmo, onde foi processado e condenado por
impiedade, e a sua obra sobre os deuses foi queimada
em praça pública. Refugiou-se então na Sicília.

Protágoras foi o fundador do movimento sofístico. Inaugurou as


lições públicas pagas e estabeleceu a avaliação dos seus honorários.
Pretendia, com o seu ensino, formar futuros cidadãos e por isso
reivindicava o título de sofista.

Enunciou uma doutrina, com a célebre frase: “O homem é a


medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das
coisas que não são, enquanto não são”. Esta máxima significava mais
precisamente que de cada indivíduo dependem as coisas, não na sua
realidade física, mas na sua forma conhecida. Pensasse que escreveu
apenas duas grandes obras durante a sua vida: “As Antilogias” e “A
Verdade, ou as Mudanças”. A doutrina de Protágoras abrange, pelo
menos, três momentos que consistem: na produção de "As
Antilogias", depois na descoberta do homem-medida e, finalmente,
na elaboração do discurso forte.

 As Antilogias:

Em "As Antilogias", Protágoras defende que em todas as


questões há dois discursos, coerentes em si mesmos mas que se
contradizem um ao outro. Esta divisão é polémica, uma vez que,
Protágoras não apresenta nenhuma razão suficiente para que sejam
só dois e não uma diversidade de discursos possíveis.

Na obra "As Antilogias" podemos observar dois domínios: o do


invisível e do visível. Por um lado, o domínio do invisível coloca o
problema do divino. Daqui resulta o ponto neutro entre dois
discursos opostos que, a propósito dos deuses, se confrontam, o da
crença e o da descrença. Por outro lado, no domínio do visível
colocam-se vários problemas: o da cosmologia, onde Protágoras
estudava a terra e o céu; o da ontologia, onde examinava o devir e
o ser; o da política, onde expunha as diferentes legislações; e,
finalmente, o da arte e das artes.

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 O homem-medida:

Os momentos construtivos da doutrina de Protágoras


pertencem à sua obra "A Verdade", nomeadamente, o homem-
medida. É por isso que "A Verdade" começa pela célebre frase: "O
homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são,
enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são."

Esta frase continua enigmática. Um dos problemas que rodeia


esta expressão diz respeito à extensão a dar à palavra "homem". Os
antepassados entendiam a palavra "homem" como sendo o homem
singular, o indivíduo com as suas particularidades específicas.
Contudo, no século XIX deu-se à palavra "homem" o significando de
humanidade.

 O discurso forte:

O discurso não partilhado constitui o discurso fraco, mal chega


a ser discurso, porque a comunicação supõe algo de comum. Pelo
contrário, quando um discurso pessoal encontra a adesão de outros
discursos pessoais, este discurso reforça-se com o dos outros e
torna-se um discurso forte. O discurso forte tem como fundamento
a experiência política. Esta experiência é a da democracia, na qual
não se pesam as vozes. Portanto, a constituição do discurso forte é
uma tarefa essencialmente colectiva.

A teoria do discurso forte pretende criar uma relação com a


prática política da democracia ateniense. Existem alguns indícios,
como por exemplo, o Bem não podia existir só e único, mas sim
com facetas, disperso, multicolor. Outro exemplo é o facto de a lei
da cidade se aplicar a todos, tanto aos que mandam como aos que
apenas obedecem. E por último, a diferença que existe entre a arte
política e as restantes, sendo estas últimas apenas da competência
dos especialistas.

Assim, se para medir o discurso forte se contam mais as vozes


que o seu peso, não é menos verdade que certas vozes pesam mais
que outras pois são capazes de juntar as outras à sua volta. A teoria
do discurso forte de Protágoras parece então apresentar uma
inspiração política que é a da democracia.

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• Górgias de Leôncio:

Górgias nasceu na Sicília, em Leontinos, entre 485 e 480 a.C..


Em 427 a.C., quando Leontinos foi ameaçada por Siracusa, foi
encarregado de conduzir a Atenas uma missão a pedir socorro.
Górgias, defende a causa da sua pátria perante a Assembleia do
Povo, em Atenas, onde alcança um grande sucesso pela sua
eloquência.
As obras de Górgias podem distribuir-se em três grandes
grupos. O primeiro compreende os textos de tom
essencialmente filosófico, como é o caso de "Sobre
o Não-Ser ou Sobre a Natureza", "O Elogio de
Helena" e "A Defesa de Palamedes". Os textos do
segundo grupo testemunham sobretudo a
preocupação pela eloquência e dele constam: "A
Oração Fúnebre", "O Discurso Olímpico", "O Elogio
dos Elisinos" e "O Elogio de Aquiles". O terceiro
grupo de escritos está relacionado com a técnica
retórica e compreende "A Arte Oratória" e "O Onosmástico".

 A ontologia:

A obra “Sobre o Não-Ser” organiza-se em três teses: nada


existe; mesmo se o ser existisse, então seria incognoscível; e se
fosse cognoscível, então este conhecimento do ser seria
incomunicável a outrem.

Para Górgias as coisas não são mais do que não são. Ainda que
o ser existisse, não podia ser nem gerado, nem não gerado. Mas,
mesmo se um tal ser existisse, as coisas seriam incognoscíveis, pelo
menos para nós. As coisas que vemos e ouvimos existem porque
são representadas. Ora, pode representar-se o que não existe.
Portanto, a representação do ser não nos proporciona o ser e o
conhecimento é impossível.

 A poesia da ilusão:

Das ruínas da ontologia, Górgias deduziu um pensamento não


ontológico, onde reabilitava as aparências e afirmava a identidade
entre o real e a manifestação.

Se a aparência é modificável, o ser também o será. Górgias


tinha uma concepção trágica da realidade. Tinha o sentimento
profundo de que a linguagem não evoca senão a aparência, mas
que esta aparência é legítima.

Para Górgias, o real está dilacerado pelas contradições, o


mundo humano exige uma tomada de posição e este mundo

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humano está por fazer. Seria através da poesia, nomeadamente da
arte, que esta tomada de posição seria efectuada. Portanto, o papel
da poesia seria criar uma ilusão desejável e boa que criaria a
coerência mental, a que Górgias chama de justiça e sabedoria. O
discurso sofístico, ainda que expresso em prosa, faria parte da
poesia e a ilusão justificada seria tanto mais justificada quanto mais
partilhada fosse pelos ouvintes.

A ilusão justificada é, principalmente, fruto da linguagem


poética, que age no ouvinte de modo a sugestioná-lo. O problema
central dos poderes da linguagem vai desembocar no estudo da
receptividade da alma para a musicalidade das palavras. A este
estudo os antigos chamaram-lhe "psicagogia", arte de levar a alma,
pela persuasão, até onde se quiser levar.

 A psicagogia:

Para Górgias, a alma é essencialmente passiva, completamente


entregue ao que recebe de fora. A primeira forma desta passividade
é a percepção sensível, que é vista como o transporte para a alma
de uma impressão ou de uma imagem das coisas que a alma
experimenta. A segunda forma de passividade da alma é a sua
abertura à linguagem. Contudo, para que a alma seja sempre
receptiva à linguagem é, por vezes, necessário recorrer à
persuasão.

O discurso isolado nada pode sem o esforço da persuasão, que


age não só sobre os sentidos mas também sobre a alma. Persuadir
consiste em criar uma recepção psíquica dos ouvintes aos
argumentos, dando-lhes peso.

Górgias foi o primeiro a escrever sobre o kairós. Foi o primeiro


pensador de uma temporalidade prática e estava preparado para
formar os homens políticos, os futuros governantes, uma vez que a
política é uma ciência sem princípios definidos. O kairós tem, sem
dúvida, valor político na medida em que é retórico e a retórica é na
democracia ateniense um instrumento de poder. O kairós também
intervém na formação dos chefes militares, mas é na vida ética que
o seu conhecimento é essencial. O ideal da arte do kairós é tornar a
vida moral praticável.

A sua audiência e celebridade eram tão grande na Grécia que


lhe ergueram uma estátua de ouro maciço em Olímpia. Foi, sem
dúvida, devido à sua imensa fama que os fragmentos existentes de
Górgias são os mais numerosos e completos de todos os sofistas.

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• Hípias de Élis:

Hípias nasceu em Élis, cidade próxima de Olímpia, numa data


certamente posterior a 433 a.C.. O ano de 343 a.C. terá sido o da sua
morte, relacionada com a guerra que os exilados democratas elisinos
fizeram aos oligarcas que detinham o poder de Élis. Foi casado com
uma mulher chamada Platané e teve três filhos.

Iniciou-se nos ofícios manuais, nomeadamente com


trabalhos de tecelão e de sapateiro. Tinha uma actividade
dupla de homem político e de mestre. O seu talento
oratório e a sua destreza levaram-no a ser escolhido
como embaixador da sua cidade natal. Percorreu toda a
Grécia e as suas colónias e visitou os ditos povos
bárbaros, cuja língua parece ter aprendido.

As suas obras podem dividir-se em três categorias: os discursos


de circunstância onde se encontra o "Diálogo Troiano", as obras
eruditas onde se conhece os "Nomes dos Povos", a "Lista dos
Vencedores nos Jogos Olímpicos" e a "Colecção" e nas obras poéticas
encontram-se as "Elegias".

 Natureza e totalidade:

Hípias concebia a natureza como uma totalidade, considerando-


a composta de coisas distintas, mas exigindo uma atenção especial
à continuidade que as une. A totalidade natural não é uma
totalidade monolítica, pelo contrário, o universo é composto por
seres múltiplos particularizados e qualificados a que chama coisas.
Estas coisas existem independentemente do conhecimento que o
homem delas adquire e da expressão linguística que lhes dá. A
afirmação da continuidade natural parecem explicar as
investigações matemáticas de Hípias quanto à rectificação do
círculo, isto é, da invenção da quadratiz, que implica a possibilidade
de passar de um volume cúbico a um volume esférico, problema
que se reduz, em geometria plana, ao da quadratura do círculo.

 Natureza e lei:

A antropologia de Hípias está no prolongamento directo da sua


teoria da natureza. Estabelece uma oposição entre a natureza
(physis) e a lei (nomos), em benefício da primeira, sendo a lei
positiva duramente posta em causa.

Também Hípias via a lei como um disfarce para o poder. Aliás,


ele foi um dos criadores da etnologia e, como embaixador e
professor itinerante, contactou com múltiplas legislações positivas e
verificou os desacordos e as contradições. Ninguém melhor do que

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ele poderia ter a sensação da relatividade daquilo que as diferentes
culturas chamam "justo" e " bom". É por isso que Hípias destrona o
nomos e chama à lei "o tirano dos homens".

Para Hípias a lei tiraniza a natureza. Para ele a natureza


desempenha o papel de uma norma moral universal, que ultrapassa
o particularismo do nomos. Hípias serve-se disto para explicar a
existência de uma benevolência espontânea do homem pelo seu
semelhante. A justiça é vista por ele como obra do direito natural. A
invocação da natureza pretende ter como resultado a exigência da
igualdade.

Pode-se dizer que Hípias foi adepto e reformador da


democracia. O intelectualismo de Hípias inclina-se a favor da
democracia esclarecida. Enquanto homem universal aberto a todas
as técnicas, Hípias prova que a posse de ofícios particulares não
prejudica necessariamente os conhecimentos intelectuais gerais.

Hípias era possuidor de um espírito aberto e sistemático,


construiu uma doutrina que infelizmente só podemos prever,
através de escassos fragmentos que nos foram legados, as amplas
perspectivas e a originalidade.

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Conclusão

Aristóteles, segundo o seu veredicto do seu mestre Platão,


chamara sofista “ao que tem da sabedoria aparência, não a
realidade”, e o “sofisma” será sinónimo de falso raciocínio.

Os sofistas promoveram a viragem, na história da Filosofia, dos


termos ligados à Natureza (aos quais se dedicaram os filósofos pré-
socráticos) para o tema do Homem (antropologia) e com eles
levantaram-se as primeiras questões da filosofia da linguagem.

Podemos assim afirmar que os sofistas foram indivíduos de alto


prestigio, uma vez que, sem eles muitos dos conhecimentos hoje
adquiridos não se teriam transmitido de geração em geração.

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Bibliografia

Sites:

• www.afilosofia.no.sapo.pt/sofistas.htm

• www.afilosofia.no.sapo.pt/sofistas1.htm

• www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfc/momentos/escola/sofistas/
index.htm

• www.mundodosfilosofos.com.br/sofistas.htm

• www.br.geocities.com/mcrost09/uma_historia_da_filosofia_ocidenta
l_03.htm

• www.filosofiavirtual.pro.br/socrates.htm

• www.br.geocities.com/maeutikos/filosofia/filosofis_sofistas.htm

Livros:

• AMORIM, Carlos, entre outros - Filosofia 11º - Areal Editores

• BORGES, José Ferreira, entre outros – 11º contextos – Porto Editora

• Dicionário da Filosofia – Editora Mestre Jou

• CUVILLIER, Armando – Vocabulário de Filosofia – Livro Horizonte

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