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DOCÊNCIA À PRIMEIRA VISTA

Éverton de Moraes Kozenieski - Universidade Federal do Rio Grande do Sul -


everton_k@yahoo.com.br
Paola Gomes Pereira - Universidade Federal do Rio Grande do Sul –
lolapgp@gmail.com
Sergio Zilberstein - Universidade Federal do Rio Grande do Sul -
zilber.ez@terra.com.br

INTRODUÇÃO

Lecionar em escolas públicas de ensino fundamental e médio em um país de


proporções continentais como o Brasil é um grande desafio. Tão grande que, mesmo no
microcosmo (o município de Porto Alegre, por exemplo) há questões relevantes a serem
levantadas e fartamente debatidas.
É indiscutível o enorme número de variáveis que influenciam na docência,
desde a qualidade da formação dos novos professores até a diversidade cultural,
regional, econômica e social dos alunos, que pode mudar sensivelmente de um bairro
para o outro principalmente nas metrópoles. Uma docência responsável e interessada
tem que ser a arte de não se repetir, de inventar e se reinventar a cada dia, cada aula,
cada turma, cada situação, cada público. Um professor tem que ser mutável, eclético,
interessado e gostar de desafios. Ensinar não é como aprender: não se pode ter uma
atitude reativa ou passiva em uma relação professor/aluno. Um bom mestre tem que
arrebanhar forças para ser combativo, proativo, interessado, inovador, cativante (ou se
não souber sê-lo, que seja ao menos criativo) e responsável. Em um mundo tão diverso
e inventivo, onde o novo de hoje é o velho de amanhã, não são mais aceitas aulas
pasteurizadas, pois os alunos são únicos e querem (devem, e o farão) manifestar suas
expectativas.
Essa trajetória retilínea da docência (de se “aprender” a ensinar) está fadada ao
fracasso. Esse aprendizado não mais é aceito como algo que chega às mentes e as
transforma de forma definitiva e positiva, credenciando um docente a fazer isto pelos
outros: ele é apenas uma parte importante para a construção de um ser pensante, que
precisa estar pronto espiritual e emocionalmente para ser um servo do conhecimento e
de sua disseminação. Um verdadeiro professor.
Busca-se neste trabalho, de forma despretensiosa como se exige dos
pensamentos abertos sobre assuntos mutáveis, apresentar as observações de docências
praticadas em classes do ensino fundamental e médio feitas em três escolas diferentes e
refletir sobre essas práticas observadas. Os autores deste artigo fizeram às vezes de
observadores em sua passagem pela disciplina de Preparação à Docência em Geografia:
Estudo de Caso para Gestão Pedagógica, ministrada no primeiro semestre de 2009 pela
Professora Doutora Ivaine Maria Tonini, buscando-se enriquecimento através da
avaliação de metodologias utilizadas por professores de geografia já estabelecidos.

CAMINHOS METODOLÓGICOS DA PESQUISA

A pesquisa foi desenvolvida em três momentos distintos, que são:


Aproximação entre observadores e escola; observações das aulas e entrevistas e, por
fim, compilação e análise das informações obtidas. Cada uma dessas etapas se descrita a
seguir.
O primeiro momento consistiu-se na aproximação das escolas que seriam
observadas no que se refere às autorizações para ingressarmos nas escolas, assim como
a coleta de informações básicas como número de alunos, infra-estruturas disponíveis e
professores, além do contato com os professores que ministram aulas de geografia nas
escolas.
Na segunda etapa foram realizadas as observações das aulas de geografia
totalizando 10 horas/aula por escola. Esta carga horária foi dividida em dois períodos
por cada série observada. Cabe ressaltar que foram analisadas aulas do ensino
fundamental (quinta, sexta, sétima e oitava séries) da mesma forma que no ensino
médio (uma turma conforme a grade curricular). Buscou-se analisar nessas observações
das aulas tanto as características dos alunos presentes nestas séries, assim como as
práticas e metodologia dos docentes. Foram observados elementos como: turno e
número de alunos na aula, faixa etária e média de renda dos alunos, a interação dos
alunos com colegas/professor/conteúdo da aula; recurso didático utilizado em aula;
procedimento metodológico da aula e o conteúdo programático trabalhado.
Nessa etapa também foram realizadas duas entrevistas (uma com um professor
de geografia e outra com um aluno das aulas de geografia) em cada escola. As referidas
entrevistas tinham como objetivo compreender as aspirações, formações do docente
entrevistado, da mesma forma compreender, sob a visão de um aluno, as práticas
desenvolvidas nas aulas de geografia. Buscou-se compreender, em ambas as entrevistas,
não apenas a visão de um aluno e de um professor sobre as aulas de geografia, mas
também compreender a visão de mundo destes, assim como suas preferências culturais e
suas interações sociais.
Na última etapa foram compiladas e sistematizadas as informações obtidas das
etapas anteriores. Assim como foram realizadas as análises pertinentes a pesquisa,
culminando no presente artigo.

RECORTES ESPACIAIS

O município de Porto Alegre apresenta uma grande quantidade de alunos


regularmente matriculados em intuições de ensino. Segundo dados do Brasil (2008)1,
existem aproximadamente 250 mil alunos matriculados neste município, além de um
conjunto de aproximadamente 13 mil docentes. Em meio a este grande contexto,
escolher determinadas escolas para as observações não uma tarefa simples. Nesse
sentido, optamos por três instituições de ensino público estadual que apresentassem
tanto o ensino fundamental com o médio. A localização das escolas escolhidas está
ilustrada no Mapa 1.

1
BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas. Ministério da Educação e do Desporto. Ensino -
matrículas, docentes e rede escolar 2008. Brasilia: Inep/mec, 2008.
MAPA 1 - Localização das Escolas
Fonte: Elaborado por Éverton de Moraes Kozenieski

Optou-se por não divulgar o nome das instituições que participaram da


pesquisa, dessa forma, os nomes das escolas foram substituídos. Cabe ressaltar ainda
que as três escolas escolhidas localizam-se em bairros distintos e apresentam alunos
com diferentes realidades sociais.
Na seqüência segue a descrição geral de cada instituição.

Escola A: situada em região tradicional da cidade de Porto Alegre, com habitantes


predominantemente das classes média à alta (bairro Petrópolis), a referida escola
estadual apresenta um público que surpreende à primeira vista. Quando se pensa em
ensino gratuito, crê-se que, de modo geral, pessoas desprovidas de condições
financeiras minimamente privilegiadas compõem o grupo de estudantes predominante.
Entretanto, percebe-se nesta unidade de ensino exatamente o oposto. Uma grande
quantidade de jovens de famílias de boa renda, ou mesmo de classe A, freqüentam-na e
confiam em sua qualidade de ensino, contrariando as expectativas preliminares. Oferece
aos seus cerca de 1300 alunos 19 salas de aula, biblioteca, laboratório de informática,
sala de áudio-visual, quadra desportiva, EJA, preparação para o ENEM, três turnos de
funcionamento, ensinos fundamental e médio completos (todas séries) e oficina de
desenhos em quadrinhos. São três professores de geografia, sendo dois do quadro
efetivo do Estado e um contratado.

Escola B: situa-se no centro da cidade de Porto Alegre. É uma escola de administração


estadual que oferece educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e curso
normal. Possui aproximadamente três mil alunos matriculados e funciona nos turnos da
manhã, tarde e noite. A forma de ingresso é através de sorteio o que proporciona a ela a
característica de atender alunos advindos das mais diversas partes da cidade, com
realidades diversas e plurais. Dentre os serviços ofertados pela escola B encontram-se:
biblioteca, centro de línguas, laboratórios, curso de preparação para o ENEM, feira de
ciências, festa junina, sábado da solidariedade, ginásio de esportes (em reforma), sala de
teatro e um projeto patrocinado que oferece oficinas de malabares, dança, grafite e
teatro. A escola possui seis professores de Geografia, dois são do quadro efetivo do
estado e os outros quatro contratados, todos com graduação na área.

Escola C: situa-se no bairro Vila Nova, município de Porto Alegre. Este bairro
apresenta algumas características relevantes que refletem as origens dos alunos que ali
estudam. Este bairro atualmente apresenta fortes características urbanas, com um grande
contingente de habitações em detrimento de outras formas de uso do solo, uma baixa
densidade populacional e também por uma pequena, mas importante centralidade
comercial. Por estar situada neste bairro, a escola atende aos alunos do próprio bairro,
assim como outros vindo de bairros vizinhos como Belém Velho e Aberta dos Morros.
Atualmente a escola atende a aproximadamente 1400 alunos, funciona nos
turnos da manhã, tarde e noite. O ensino fundamental é contemplado em dois turnos
(manhã e tarde) e o ensino médio apenas no período noturno. A escola possui estruturas
como: biblioteca; duas quadras para atividades desportivas, sendo uma voltada para a
prática de voleibol e outra para o futebol; refeitório, em que são servidas as refeições
disponibilizadas pela escola; lancheria particular nas dependências da escola e uma sala
de informática em fase de instalação.
A escola possui dois professores com a incumbência das aulas de geografia.
Destes dois, apenas um possui graduação em Geografia, a outra professora realizou a
sua graduação em História, cabe ressaltar que, mesmo não sendo graduada em
geografia, tem habilitação para docência nesta disciplina.

RELATOS DAS OBSERVAÇÕES

A atividade de observação das aulas de geografia está intrinsecamente


relacionada às experiências e visões de mundo dos observadores, assim como da
disponibilidade e disposição dos observados. Nesta pesquisa, nós observadores, ex-
alunos do ensino básico e licenciandos em geografia, confrontamos nossas experiências
estudantis com o que observávamos nas escolas em que estivemos. Estas impressões
obtidas estão registradas a seguir, elas estão expostas de forma condensada por escola
visitada.

Escola A: Na Escola A, em meados de março de 2009, foram feitas observações de


classe nas turmas entre quinta série do fundamental e primeiro ano do ensino médio.
Foram duas horas aula em cada turma, divididas entre dois professores (chamados aqui
de I e II), havendo na verdade uma terceira que não foi observada. O ingresso no
colégio privilegia a proximidade geográfica dos discentes, e há uma predominância de
alunos de classe média à alta emergente.
Os temas das aulas nesses 10 períodos foram, em ordem (de quinta do
fundamental ao primeiro ano do ensino médio), “A Rosa dos Ventos”, “Os Quinze
Maiores Países do Mundo” (na sexta série como matéria nova e na sétima como revisão,
curiosamente), “Países Desenvolvidos: a Escandinávia” e “Mapas e Projeções
Cartográficas”.
As aulas da quinta à sétima série foram com o professor I, e da oitava ao
primeiro do ensino médio com o professor II. Os estilos de atuação dos
professores, e também as reações gerais dos alunos, foram bastante semelhantes dentro
de cada um desses dois grupos, porém ambos têm estilos e técnicas diferentes, o que
enriqueceu a atividade de observação. Com o professor I, pessoa mais reservada,
percebe-se o uso de uma sistemática bastante tradicional, com utilização de recursos
didáticos simples e inteligentes, porém com um ritmo de aula monotônico e que
propiciava um distanciamento hierárquico mais evidente (e naturalmente um
afastamento da figura humana do docente para com os alunos, de certa forma proposital,
objetivando manter a disciplina para que a matéria pudesse ser aplicada no todo). Já o
professor II, de personalidade expansiva e com habilidades artísticas marcadas pelo uso
de instrumentos musicais em aula, interage com os alunos, que sugerem músicas, tocam
e cantam em breves momentos de descontração durante as aulas (para o que sempre
tinha adesão do grupo todo). Como nos diz Castrogiovanni (2007, p. 42):

A linguagem geográfica apresenta características que precisam ser


consideradas, tanto quanto possível, como fonte de explicação para as
dificuldades que os alunos possam vir a ter na sua compreensão. Como para
planejar movimentos pedagógicos que facilitem o processo interativo.

Esse professor então demonstra o interesse em procurar instrumentos que


facilitem essa interação. A proximidade traz às suas aulas o mesmo nível de atenção do
professor I, porém com uma dose muito grande de satisfação generalizada.
Os resultados obtidos estavam diretamente vinculados à capacidade de prender
a atenção dos jovens, o que ambos exerciam de formas diferentes: tanto quanto ao
método quanto ao efeito adicional nas turmas. Enquanto um traz as pessoas para a aula
com simpatia e se identificando como “alguém do grupo”, o outro faz com que estas se
sintam, de certa forma, intimidadas pela forma mais objetiva e cartesiana de oferecer
conteúdo, fazendo com que pareçam mais preocupados com o aprender para uma prova
do que para a vida.
Curiosamente, as conversas laterais existiam em ambas as situações, bem
menos naturalmente com o professor I pela sua figura mais sisuda, porém o professor II
tem uma capacidade maior de abstração desses ruídos. Em nenhum dos dois casos em
momento algum houve perda de paciência dos docentes, até porque não eram níveis
elevados de lateralidades verbais.
Os temas das aulas foram bem recebidos por serem bastante interessantes. O
professor I ofereceu em sua turma de quinta série o uso de alguns recursos: pequenos
mapas do Rio Grande do Sul recortados em papelão, os quais distribuídos aos alunos
para que pudessem fazer um mapa de tamanho e proporções adequados nos seus
cadernos (que eram posteriormente devolvidos e reutilizados em outras aulas), solicitou
que trouxessem previsões meteorológicas do jornal Zero Hora para que pudessem
estudar as condições climáticas e os pontos cardeais e colaterais, alguns atlas da
biblioteca eram distribuídos, ficando os livros didáticos para estudo em casa.
Na sexta e sétima séries a matéria era “Os Quinze Maiores Países do Mundo”.
O curioso foi a repetição de uma mesma aula em turma mais avançada, justificada como
sendo uma rememoração do visto no ano anterior (o que considerei perda de tempo e
estranho). Tanto numa como na outra série foram utilizados os mesmos atlas da quinta
série e o quadro verde para que fossem registradas as dimensões territoriais desses
países. A aula carecia (em ambas as situações) de um maior carisma por parte do
professor, ficando muitas vezes falando no vazio.
A mudança de professor na oitava série (o mesmo também para o primeiro ano
do ensino médio) trouxe boas e novas impressões, mostrando que há pessoas de
vocação e espírito empreendedor para o exercício da docência. Enquanto via-se uma
monotonia em classe com o professor I, apesar dos resultados relativamente bons para
quem aprecia uma aula tradicional, o professor II trazia os alunos para si com uma
atitude aberta, uma relação de troca, quase de cumplicidade. Com o fato de usar-se do
artífice musical, aproximava-se de tal forma dos jovens que eles mais o queriam como
amigo, gerando um sentimento de respeito, atenção e interesse verdadeiros, sinceros,
como se estivessem tratando com alguém que de fato os compreendia. Foi de fato
entusiasmador, pois a reciprocidade se deu de forma genuína, tendo-se obtido do
público alvo os melhores resultados em participação e atenção. Em linhas gerais, o uso
de recursos adicionais (além de um violão e duas flautas doces) se faz menos
necessário. Com desenvoltura e uma boa mão para desenhos, utiliza bem o quadro, além
do que oferece um blog com material adicional para cada uma de suas turmas (o blog é
muito descontraído e montado para agradar os jovens, aparentando ter muito a ver com
a personalidade do professor II). As aulas de oitava e primeiro ano foram
respectivamente “Países Desenvolvidos: a Escandinávia” e “Mapas e Projeções
Cartográficas”, e em ambos foram usados os mesmos recursos (músicas, atlas e
desenhos no quadro), além de uma boa voz, alta, que se sobrepunha a algumas
conversas dos alunos que, curiosamente, falavam sobre a matéria e não sobre outros
assuntos. De fato, carisma, bons recursos e interesse demonstraram ser as melhores
alternativas para uma boa docência, além de uma boa dose de desprendimento e
inibição. Como nos diz Kaercher (2000, p. 136):

Muitas vezes, fazendo o “feijão com arroz”, o simples, mas de


forma organizada e consciente, chegamos a melhores resultados do que a
simples “novidade pela novidade”.

Escola B: Entre os dias cinco e quatorze de maio do ano de 2009 foram realizadas as
observações na Escola B. As turmas escolhidas foram de quinta, sexta, sétima e oitava
séries do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. Foram observadas duas
horas aula por turma, totalizando dez horas aula de observação nessa escola. Três
professoras diferentes participaram das observações, para respeitar a identidade será
atribuído a elas os nomes de professora III, IV e V. A taxa de reprovação nessa
instituição é bastante baixa (menor que 5%) assim as turmas possuíam uma média de
idade adequada a série. Devido ao ingresso no colégio ser feito através de sorteio os
alunos possuem as mais diversas rendas e origens.
A atividade permitiu a percepção dos observadores da repetição de
determinados acontecimentos. Alguns conteúdos trabalhados em sala de aula como
origem do universo (quinta série), estudos de demografia (sexta série) e direitos
humanos (oitava série) realmente chamavam a atenção dos alunos, no entanto a
utilização majoritária do livro didático para explicar um conteúdo como a origem do
universo tornou a aula cansativa e os alunos dispersivos. Como nos diz
Kaecher (2003, p. 11):
Nosso problema não são os conteúdos (sua falta ou seu excesso).
Nem eles trazem, portanto, as soluções. A forma como trabalhamos e
construímos o conhecimento com os alunos é o cerne de uma educação mais
democrática e comprometida na luta contra a repetência e a exclusão social.

Foi possível notar isso em vários momentos, o conteúdo inicialmente atraía o


aluno para a aula, entretanto o desenvolvimento deste acabava tornando-o
desinteressante e cansativo. Uma falta de planejamento por parte dos professores
mostrou-se evidente e isso ocasionava um desperdício no tempo de sala de aula.
Segundo afirmação de Callai (2003, p. 62):

A seleção dos conteúdos a serem estudados deve considerar a


realidade dos alunos da escola, para que se alcance aqueles que são o motivo
primeiro do processo de educação: os estudantes. [...] a quantidade e a
extensão do que for trabalhado deverá servir como um instrumental capaz de
permitir que o aluno se situe no mundo, compreenda-o, e saiba como buscar
as demais informações que precisa. A questão é acima de tudo,
metodológica, oportunizando ao aluno um instrumental capaz de poder fazer
a análise geográfica.

Outra característica recorrente nessa escola foi que os professores acabavam


dispondo grande parte da sua energia na tentativa de acalmar os alunos mais barulhentos
e muitas vezes ignorando os alunos que demonstravam maior interesse no aprendizado.
Esse com certeza é um ponto importante para reflexão de futuros docentes, como lidar
com uma turma com realidades e comportamentos diversos? Simplesmente ignorar os
que falam mais e dar aula apenas para os mais atentos ou dedicar maior parte do tempo
aos alunos mais falantes na tentativa de uma aula tranqüila. É imprescindível para o
professor a busca de um equilíbrio nessas situações, todavia essa é uma tarefa difícil e
apresentada diariamente aos docentes.
A atividade proposta pela professora V para os alunos do terceiro ano do ensino
médio foi bastante interessante. Por ser uma turma pequena (21 alunos) ela disse ser
possível realizar atividades como essa. Ela propôs aos alunos uma atividade de pesquisa
sobre dados demográficos após explicá-los, instigando os alunos a pesquisarem e a
utilizarem a internet para fins diferentes dos quais estão acostumados. No momento de
trabalho no laboratório de informática os alunos foram bastante participativos e
dedicados e mesmo com a possibilidade de utilizarem o computador para outras
atividades ficaram focados na proposta da professora.
Nas semanas de observação a Escola B estava organizando trabalhos de campo
com todas as turmas no ônibus “Linha Turismo” (ônibus que faz um trajeto turístico
pelos principais pontos da cidade de Porto Alegre). Em muitas observações foi possível
ver as atividades que as professoras pediam relacionadas com a saída de campo. Foi
bastante frustrante observar que o passeio realizado pelos alunos seria aproveitado
apenas com atividades como “Escolha os seus dois pontos favoritos do passeio de
descreva-os”. Como nos diz Gelpi e Schäffer (2003. p. 120):

Na verdade, é este o primeiro ponto: definir com clareza os


objetivos que se pretende alcançar, sejam eles cognitivos, como a
observação de determinados elementos, exercícios de descrição e
representação espacial, etc., sejam comportamentais ou afetivos
(entrosamento do grupo, cooperação, amizade).

Talvez se os professores que tivessem organizado a atividade trabalhassem da


maneira proposta pelas autoras, ela teria sido melhor aproveitada. Acredita-se que a
oportunidade de os alunos participarem da saída de campo permitiria uma abordagem
maior desse trabalho com atividades mais significativas e completas.

Escola C: As observações das aulas aconteceram nos dias 30 e 31 de março de


2009 nos turnos da tarde e noite nas aulas sob orientação do único professor de
geografia com graduação em geografia de toda escola. No início das observações um
fato chamou muito a atenção, pois nesta escola existe uma forma diferenciada de
organização das salas de aulas. As salas são fixas por disciplinas, ou seja, o professor
durante seu turno não necessita transferir-se para outras salas, podendo manter seus
materiais e livros guardados em uma única. Neste sistema são os alunos que mudam de
salas conforme a disciplina.
Outro elemento marcante, que é importante ser mencionado, é o fato do
professor não ter ficado à vontade com a presença de outra pessoa em sala de aula.
Apesar de ele dizer inúmeras vezes que não havia nenhum problema com a observação,
foi possível perceber que ele tentava, a todo o momento, demonstrar seu conhecimento
para os alunos e também para o observador.
Do ponto de vista metodológico as aulas do professor eram idênticas, ou seja,
apresentavam os mesmos caminhos ao longo de distintas séries. Inicialmente, o
professor colocava algumas questões no quadro referentes ao conteúdo pertinente
àquela aula e solicitava aos alunos que buscassem as respostas no livro didático.
Posteriormente, havia uma exposição oral do professor sobre o conteúdo e a correção da
atividade.
Cada turma observada reagia a esta metodologia da aula de forma distinta.
Aquelas com alunos de faixa etária menor comportavam-se de forma muito agitada. Dar
aula nessas turmas (quinta e sexta séries) foi uma tarefa muito complicada para o
professor, pois ele não conseguia desenvolver o conteúdo devido à agitação e às
conversas paralelas.
No ensino fundamental, é necessário que partamos das paisagens
visíveis e não de conceitos (isso cabe mais ao ensino médio). Ou seja, os
conceitos não devem anteceder aos conteúdos. Esses devem propiciar que os
alunos construam os conceitos. (KAERCHER, 2003, p.13)

Sem dúvida, eram turmas com alunos muito ansiosos. Em muitos momentos o
professor teve que ser enérgico com ações como a troca de lugar de uma aluna. Segundo
ele, para dar aula nestas turmas “tem que ter preparo físico”.
Nas outras turmas com alunos adolescentes percebia-se também a agitação dos
alunos. Houve durante todas as aulas muitas conversas paralelas. Entretanto, este fato
não comprometeu a autoridade do professor, pois os alunos apesar de conversarem entre
si cumpriam o que ele determinava. Em uma aula da 7ª série, o professor inovou nos
seus procedimentos levando um mapa do mundo para a sala de aula. Soa estranho
utilizar a palavra inovar, uma vez que os mapas deveriam estar muito mais presentes na
realidade da escola, como nos diz Castrogiovanni (2003, p. 31):

Os mapas devem fazer parte do cotidiano escolar e não apenas


serem incluídos nos dias específicos da geografia. A vivência com os mapas
deve ser vista como uma possibilidade admirável de comunicação.

O mapa causou uma grande curiosidade, e este simples recurso didático cativou
os alunos. Com os alunos “mais velhos” a metodologia das aulas do professor foi mais
efetiva, pois obteve maior participação. Apesar de tudo, ficou muito evidente o desgosto
pelas aulas e pelos conteúdos da geografia.
A falta de inovação da forma de dar aula do professor entrevistado pode ser
justificada através das informações obtidas na entrevista. O docente em questão tem 60
horas/aula por semana, dividida entre duas instituições (uma pública e outra privada).
Este professor tem pouco tempo para si e sua família, participa muito pouco ou menos
do que gostaria de atividades culturais e cursos de qualificação profissional. O tempo
escasso e a baixa remuneração são os principais argumentos para isso. Ficou evidente
também o desanimo com relação à profissão, apesar da afirmação dele que dar aula é
uma vocação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A riqueza de informações obtidas com a conjugação das observações realizadas


nessas três diferentes escolas públicas localizadas no município de Porto Alegre, cada
uma delas com suas peculiaridades regionais, culturais, recortes sociais, entre outras
inúmeras características que ora as igualam, ora as diferenciam, permitiu uma
integração impar de informações que, ao serem aqui apresentadas e analisadas, permitiu
que alguns cenários mais gerais se abrissem, tornando frutífero um trabalho simples e
de fácil organização.
Algumas das conclusões alcançadas são listadas abaixo:
- não há uma aula ideal e definitiva;
- a melhor aula parece ser aquela na qual o professor interage abertamente com
os alunos;
- a aula deve ser sempre preparada e planejada;
- uma aula tem prazo de validade: não se pode aplicar as mesmas aulas em
tempos e lugares diferentes;
- o professor deve buscar permanentemente por alternativas aos métodos
expositivos tradicionais e entediantes;
- há necessidade de uma remuneração justa e adequada aos docentes a fim de
estarem motivados a desempenhar melhor suas funções e a se atualizarem;
- deve haver um número adequado de professores, evitando-se a sobrecarga e a
perda de qualidade docente;
- as escolas devem ser providas de infra-estrutura adequada para motivar os
professores e alunos na geração de um ambiente motivador para o pleno
desenvolvimento das suas potencialidades;
- os professores, assim como seus alunos, devem ser preparados para criar e
não apenas reproduzir;
- os diversos estilos de professores resultam em aulas diferentes, e isso deve ser
respeitado desde que apresentem qualidade na forma e no conteúdo oferecido;
- os alunos têm comportamentos e interesses diferentes de acordo com a faixa
etária;
- não é adequado aplicar-se a mesma metodologia de aula para diferentes
idades e séries;
- a preparação do momento de sala de aula permite que as práticas sejam mais
significativas;
- os alunos têm a mesma curiosidade independente de onde estão, e uma aula
excelente pode ser aplicada em qualquer escola;
- entretanto, existem várias formas de se dar uma boa aula e a mais adequada
pode variar de lugar para lugar dentro de uma mesma série, principalmente quando os
públicos divergem;
- o professor preferido não é necessariamente bom, devendo-se também, e de
forma permanente, buscar atingir os objetivos de conteúdo;
- planejamento, competência, conteúdo atualizado, método e carisma são as
palavras chave na formação de um bom professor.
Outra importante observação é o número elevado de alunos frustrados
interessados em aprender e que não conseguem, muitas vezes porque o professor não
consegue dominar a turma e criar um ambiente propício, silencioso.
Convém salientar que uma boa aula pode ser aplicada em qualquer escola em
uma mesma série, porém adequações podem ser necessárias, seja pela variabilidade dos
recursos didáticos, seja pelas características próprias dos diferentes públicos. Isto se
deve ao fato das turmas serem únicas, tanto pelas diferenças de vivências e cotidianos
quanto pelas condições socioeconômicas locais. Ao professor é dada a atribuição de
mesclar sensibilidade ao seu talento e método.
Apesar da importância de uma aula metodologicamente adequada, ajustada
para o público a que se destina (série, lugar, características sociais e econômicas), tem
algo que parece ser universal: o desejo dos alunos (e dos bons professores) de verem
aulas que saiam da obviedade expositiva comum, da cansativa repetição conteudista
pura onde a apresentação da matéria não mais “se comunica” com os alunos. As aulas
precisam ser cativantes, encantadoras, inovadoras e instigadoras, bem como seus
professores. Ao mesmo tempo em que alimentam o saber, devem provocar a elevação
dos espíritos dos participantes (jamais ouvintes). Eles devem sair da classe querendo
dividir com os que os cercam o que ouviram e viram. Quando uma aula tiver atingido
este ponto, o professor pode considerar sua missão cumprida.
REFERÊNCIAS

CALLAI, Helena Copetti. O ensino de geografia: recortes espaciais para análise. In:
CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al (Org.). Geografia em sala de aula: práticas
e reflexões. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 57-64.

CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. O misterioso mundo que os mapas escondem.


In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al (Org.). Geografia em sala de aula:
práticas e reflexões. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 31-48.

CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Para entender a necessidade de práticas


prazerosas no ensino de geografia na pós-modernidade. In: REGO, Nelson;
CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos; KAERCHER, Nestor André. Geografia:
Práticas pedagógicas para o ensino médio. Porto Alegre: Artmed, 2007. Cap. 2, p. 35-
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KAERCHER, Nestor André. Geografizando o jornal e outros cotidianos: práticas em


Geografia para além do livro didático. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos.
Ensino de Geografia: práticas e textualizações no cotiadiano. 3. ed. Porto Alegre:
Meditação, 2000. Cap. 3, p. 135-170.

KAERCHER, Nestor André. A Geografia é o nosso dia-a-dia. In: CASTROGIOVANNI,


Antonio Carlos et al. Geografia em sala de aula: práticas e reflexões. 4. ed. Porto
Alegre: UFRGS, 2003. p. 11-22.

GELPI, Adriana; SCHÄFFER, Neiva Otero. Guia de Percurso Urbano. In:


CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos et al (Org.). Geografia em sala de aula: práticas
e reflexões. 4. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2003. p. 119-131.

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