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A BÍBLIA E OS DIREITOS HUMANOS

FUNDAMENTAIS
“ O SÁBADO FOI ESTABELECIDO POR CAUSA DO HOMEM, E NÃO O HOMEM POR
CAUSA DO SÁBADO” MARCOS 2: 27

O sábado era um dia de descanso para os judeus. A lei de Deus estabelecia que em
“ seis dias trabalharás e farás toda tua obra, mas o sétimo dia é o sábado do Senhor, teu
Deus; não farás nenhum trabalho...”(Êx20:9,10). O trabalhador teria um dia de
descanso. Em nossa Constituição Federal em seu art.7º, XV diz que todo trabalhador tem
direito a: “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. E esse inciso
encontra-se dentro dos Direitos e Garantias Fundamentais de nossa Constituição. Não
quero fazer uma mera comparação entre estas duas normas que versam sobre o descanso
que todo trabalhador precisa ter, mas gostaria de mostrar na bíblia a fundamentação para
a existência dos chamados direitos humanos ou direitos fundamentais.
O contexto de nosso versículo inicial relata que Jesus e seus discípulos passavam
por uma seara, e aconteceu que seus discípulos com fome colheram espigas. Então, os
fariseus observaram aquilo, e censuraram Jesus dizendo: “Por que fazem o que não é
lícito no sábado?”. A lei em Êx 34.21 proibia ceifar no dia de sábado, pois isto se
constituía em trabalho realizado. Baseado nesse dispositivo, os fariseus consideravam que
Jesus e seus discípulos estariam desobedecendo a lei. Porém, Jesus não estava nem
roubando nem ceifando, mas apenas colhendo. E colher não era realizar trabalho. Porém,
os fariseus eram rigorosos observadores da lei, e de acordo com uma espécie de
jurisprudência(certas interpretações) desenvolvida pelos rabinos ao longo tempo,
tornando-se uma tradição jurídica, aquele ato de colher espigas em um dia de sábado
constituía-se um delito.
E diante do questionamento dos fariseus, Jesus respondeu: “...nunca lestes o que
fez Davi, quando se viu em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros? Como
entrou na casa de Deus, no tempo do sumo sacerdote Abiatar, e comeu os pães da
proposição, os quais não é lícito comer, senão aos sacerdotes, e deu também aos que
estavam com ele?”(vs:25,26). Então Jesus mostra que a lei deve sempre ter em vista
beneficiar o ser humano. A lei foi criada com a finalidade de atender as necessidades
humanas. Então Jesus conclui dizendo: o sábado( a lei) foi criado por Deus tendo em
vista o homem; o bem estar do homem. O homem não foi de forma alguma criado para
obedecer a lei(o sábado) simplesmente. Mas os fariseus davam mais importância ao
legalismo. Para eles o mais importante era a lei, mas para Jesus o mais importante são as
necessidades humanas. E Jesus mostra que a lei acerca do sábado, de forma alguma, seria
estabelecida para prejudicar o ser humano, mas ao contrário, o sábado foi estabelecido
por causa do valor e da dignidade humana: e, portanto, os fariseus estavam errados em
sua forma de dá mais atenção às tradições incorretas de se interpretar a lei, em detrimento
do valor humano.
O texto destaca um fato muito importante: as leis devem ser feitas para atender as
necessidades vitais do ser humano. O sábado foi estabelecido por Deus para atender a
necessidade inerente do ser humano: o descanso de seu labor. Isso é inerente, pois de
fato, tanto o seu organismo como sua mente, precisam desse descanso, desse repouso
semanal. Portanto, precisamos verificar que existem os chamados direitos fundamentais
do ser humano. E eles têm sua origem última em Deus, foram estabelecidos pelo próprio
criador. Vejamos alguns exemplos.
Diz o art. 5º caput da CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza...”. Todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei.
Vedam-se as diferenciações arbitrárias, as discriminações abusivas. Pois “Criou Deus,
pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”(Gn
1:27). E nesse sentido, decorre o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o fato de
o homem e a mulher serem obra da criação divina, a imagem de Deus, são seres
racionais, livres, morais, dotados de toda uma série de propriedades que os distanciam
imensamente dos animais. Reza a nossa Constituição Federal que são direitos
fundamentais do ser humano “...o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade”. Vejamos cada um destes direitos fundamentais à luz da Bíblia.
Quando Deus criou o homem Deus lhe deu a vida, e o direito a tê-la protegida : “
Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o
fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”(Gn 2:7). Deus soprou em suas
narinas e o homem passou a ser composto de alma e corpo. Vida que abrange a alma e o
corpo. Vida biológica e vida psíquica. E essa vida humana nenhuma outra pessoa pode
tirá-la, pois é algo sagrado diante de Deus. Quando Caim pecou matando seu irmão, para
evitar a represália, Deus “pôs um sinal em Caim para que o não ferisse de morte quem
quer que o encontrasse”(Gn 4:15). Portanto, nisso consiste o direito à vida, pois a fonte
da vida emana do próprio criador. E toda autoridade pública que a sociedade estabelece,
tem a função de proteger a vida de cada integrante. Nesse sentido “não há
autoridade[Estado] que não proceda de Deus”(Rm 13:1). E esse direito é também o
direito a uma vida digna. Por isso a Bíblia é contra qualquer forma de opressão daqueles
que estão no poder, e não proporciona ao povo a aplicabilidade dos direitos
fundamentais; como por exemplo: o direito ao trabalho com um salário que o faça ter um
vida digna: “Ai daquele[governantes] que edifica a sua casa com injustiça e os seus
aposentos, sem direito![na ilegalidade] Que se vale do serviço do seu próximo, sem o
pagamento de seu salário...”(Jr 22:13). Jeremias denunciava esses atentados ao direito
do pobre, praticado pelos maus governantes em Israel, os quais se enriqueciam mediante
a pobreza alheia. Não dando a cada cidadão a oportunidade de terem uma vida
materialmente digna.
O homem tem direito à liberdade. Quando Deus criou o homem e o colocou no
jardim do Éden, disse: “de toda árvore comerás livremente”(Gn 2:16). Deus lhe deu o
atributo de ser livre. Inclusive liberdade para desobedecer a lei de Deus, o que de fato
acabou acontecendo. Porém, Deus lhe deu a liberdade para ir a qualquer lugar e comer de
qualquer árvore do jardin do Éden, com uma única exceção: não poderia comer da árvore
do conhecimento do bem e do mal. Demonstraria, caso o homem comesse do fruto da
árvore proibida, o querer viver em sua auto-suficiência pecaminosa. Contudo, essa
escolha, deixa claro que o homem é um ser livre — e sua liberdade deve ser exercida para
escolher entre o bem e o mal. Toda liberdade implica em responsabilidade pelos atos
práticos, conseqüentemente. Ser livre em sua forma de pensar; livre em sua ação; não está
subjugado a nenhuma forma de tirania. Eis aí um direito natural inerente a cada pessoa.
Todos têm o direito de serem tratados com igualdade perante a lei. Pois Deus não
faz acepção de pessoas. Tanto o homem quanto a mulher estavam sob a mesma
orientação, sob a mesma lei no Jardim do Éden. E quando Adão e Eva pecaram, os
efeitos(as penalidades) do pecado cometido atingiram os dois na proporção da
responsabilidade de cada um. Por que Deus “...sem acepção de pessoas, julga segundo
as obras de cada um...”(1Pe 1:17). Lembremos que Ele faz “...nascer o seu sol sobre
maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos”(Mt 5:45). A salvação de Deus é
oferecida a todos independentemente de cor, raça, sexo, origem; e, portanto, os
legisladores de forma alguma deveriam ser diferentes na elaboração de leis que trazem o
reconhecimento desses direitos inerentes ao ser humano, tratando todos com a mesma
dignidade. Daí decorre o tratamento justo que cada pessoa merece, como um direito
inerente a cada ser humano.
Todos têm o direito à propriedade. No hebraico a palavra terra(´adamah) é muito
semelhante à palavra Adão(´adam), demonstrando dessa forma a conexão próximo do
homem com o solo. Penso que é por isso que cada pessoa tem o direito de ter a sua
propriedade, o seu canto, sua intimidade, o direito de ter aquilo que é seu! A primeira
propriedade que Deus deu ao homem foi o seu próprio corpo. O homem é dono de seu
próprio corpo e deve cuidar e tratar de forma cuidadosa o seu corpo. A terra, a natureza,
os animais, os frutos, Deus deu aos homens como um direito natural. “ Do solo Deus fez
brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento...”(Gn 2:9). E fez
isso para o homem. Esse é um direito natural que todos têm o direito de usufruir. É uma
propriedade comum a todos. Porém, essa terra e os seus bens que é de toda a
humanidade, não impede que cada um tome parcela dela como propriedade privada. E
uma porção dessa grande propriedade coletiva, passa a ser propriedade privada, através
do trabalho realizado sobre ela. Adão passou a ter sua propriedade privada através de seu
trabalho: “Tomou pois o Senhor Deus o homem e o colocou no jardim do Éden para
cultivar e o guardar”(Gn 2:15); e é através do trabalho que ele garante a sua
sobrevivência sobre a terra: “...em trabalhos obterás dela o teu sustento durante todos
os dias da sua vida”(Gn 3:17) Então tudo aquilo que lhe é dado(bens da natureza) por
Deus juntado com o que é seu(trabalho), transforma-se em sua propriedade privada. O
trabalho acrescenta um título de propriedade sobre a terra ao homem.
Todos os homens têm direito à segurança. E essa segurança é garantida pelo pacto
entre seus membros. Basta lembrar que o próprio Deus estabeleceu um pacto com o povo
de Israel. Portanto, a segurança de usufruir por completo daquilo que lhe é próprio: seu
corpo e seus bens, entre eles a vida, a liberdade, a igualdade, só será garantida, de fato e
de direito, pela esfera política instituída pelo pacto; um pacto de consentimento e
cooperação, estabelecida com o fim de proporcionar a segurança à todos. E essa
segurança Deus deu aos homens quando assim se relacionou com eles através das leis
escritas dada a Moisés, pois essa segurança jurídica protege a dignidade humana contra
qualquer arbitrariedade governamental. O próprio Deus de forma alguma foi tirano,
arbitrário em sua forma de governar o seu povo; pois ao estabelecer suas leis, com o
consentimento do povo, limitou-se a agir de acordo com elas. Então Moisés “...tomou o
livro[as leis escritas] da aliança e o leu ao povo; e eles disseram: Tudo o que falou o
Senhor faremos e obedeceremos”(Êx,24:7). Em sua obra Direitos Humanos
Fundamentais, Alexandre de Morais expressa essa segurança jurídica citando um trecho
da Constituição Francesa de 24-6-1793, cujo preâmbulo se manifestava: “O povo francês,
convencido de que o esquecimento e o desprezo dos direitos naturais do homem são as
causas das desgraças do mundo, resolveu expor, numa declaração solene, esses direitos
sagrados e inalienáveis, a fim de que todos os cidadãos, podendo comparar sem cessar
os atos do governo com a finalidade de toda a instituição social, nunca se deixem
oprimir ou aviltar pela tirania; afim de que todo o povo tenha sempre perante os olhos as
bases da sua liberdade e da sua missão.”(1998, p.28).
Portanto, como bem expressou a Constituição francesa, “o esquecimento e o
desprezo” dos direitos naturais, ao longo da história humana não nos permite afirma que
eles apareceram apenas do XVIII para cá; antes, existiram desde quando o ser humano
veio à existência sobre a terra, pois esses direitos naturais convivem e existem a partir do
próprio homem enquanto ser que existe. O que de fato percebemos foi a sua positivação
em forma de princípios e regras nas constituições no decorrer da história. Portanto, os
direitos naturais têm sua manifestação ao longo da história(direitos de 1ª,2ª,3ª
dimensões), mas, em si mesmos, co-existem com o próprio homem, independente se estar
ou não positivados, revestindo-se estes direitos como direitos de todos em qualquer lugar
e época independente de nacionalidade, sexo, raça, credo; daí seu caráter universal; pois
foram leis criadas por Deus para toda a humanidade.
Para concluir, Alexandre de Morais analisando a evolução histórica sobre os
direitos fundamentais, faz uma importante observação:
“posteriormente, a forte concepção religiosa trazida pelo Cristianismo, com a
mensagem de igualdade de todos os homens, independentemente de origem, raça, sexo
ou credo, influenciou diretamente a consagração dos direitos fundamentais, enquanto
necessários à dignidade da pessoa humana” (Direitos...Op. cit. p. 25).
Herança histórica destes direitos advém da cultura grega e da cultura cristã.
Porém, digo: herança essa muito mais proveniente do cristianismo. Pois penso que
somente numa visão cristã poderemos encontrar um verdadeiro humanismo. Sendo que
esse humanismo é a base onde se sustenta os direitos fundamentais. Concordo com o
filósofo existencialista Sartre(1946) quando nos deu um critério para sabermos quando de
fato uma filosofia é humanística, ao dizer que é humanista toda doutrina que atribui ao
homem algo de característico, de específico em relação aos outros seres do universo.
Pegando esse gancho do filósofo, chego à conclusão que somente no cristianismo
poderemos encontrar a base, os alicerces, os fundamentos em que devem se apoiar os
direitos fundamentais do ser humano, pois o humanismo cristão não é apenas um
humanismo teórico e abstrato, sem se relacionar com a vida concreta de cada um; antes é
um humanismo no dizer de Pedro Dalle Nogare: “de caráter ético-sociológico, isto é,
humanismo que visa tornar-se realidade, costume e vivência social”( Humanismos e
Anti-Humanismos, Introdução à Antropologia Filosófica. 13ª ed. Petrópolis:Vozes,1994. p. 16).
Por isso Jesus disse que o sábado(descanso) foi estabelecido por causa do homem.
Esse é um direito natural que é inerente ao homem. Deus se preocupa com o homem, e
estabeleceu esses direitos fundamentais com base na própria necessidade do homem, pois
“ quem é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites? Fizeste-o,
no entanto, por um pouco menor que Deus e de glória e de honra o coroaste”(Salmos
8:4,5). É nisto em que realmente se fundamenta a dignidade e o valor que há em cada
pessoa, de modo que é com base nessa honra e glória do homem, se sustenta
taxativamente os Direitos Fundamentais de cada ser humano na face da terra. Amém!

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