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FIO DE ARIADNE

A saga de um centauro
– Ópera Pop –

ATO I

(Canta sozinho em frente às cortinas fechadas o cantor:)

Abertura I

Centauro, Centauro, quer virar menino!


Centauro, Centauro...

Essa é a história de um Centauro esquisito


Não queria ser eqüino, suplicou ao Pai Divino...

Centauro, Centauro, quer virar menino!


Centauro, Centauro...

QUADRO I

CENA I

(no campo o céu sem uma nuvem; muitas flores e uma árvore... era um dia lindo! Entra
um nordestino tipicamente trajado... é o Narrador; enquanto um Centauro impassível,
sentado, calado e ligeiramente cabisbaixo está posicionado frente a uma cascata suave e
deliciosa.)

1
Narrador - Apresento o acontecido
Que vos trago do passado;
Em disfarce vem tecido
Por poeta muito alado.

Todo mito tem verdade


- Toda fase uma maneira -
Pra voar não se põe idade,
Só pro ingênuo isso é besteira.

Hoje o metro vale ouro


Ont’um sábio era tudo;
Só um deste vê a outro
Quem não os vê é surdo-mudo.

Quem é cego de nascença


Ao acaso vai falar
Que a montanha é de fumaça;
Que a moçoila é de arrasar?

Do passado ao presente
Fez a terra muitos sábios
Que em metáforas ardentes
Basbacaram vários lábios.

Nada sei nem sou um sábio,


Nem assim me julgo tal.
Se te falo assim inábil,
Sou apenas um jogral.

Mas há sábios hoje e houve;


Seres são nada profanos;
Só escrevo o que se ouve
De seus verbos semi-humanos.

(sai. Levanta-se o Centauro a caminhar descompromissadamente:)

Centauro - Carninalhice romântica me custodia a alma;


Cabeça murídea sagaz intrépido Bucéfulo por equivoco e ventura indomável.
...Tardio repente debelável:
- Compulsório desfibrilador Armagedon – Pedro.

Graças ao suave vento norte,


Hermético inspirador monçônico – Dante –
Exalante de inexplicável aroma morte
E que, não obstante, moveu a cruz cabrália em sul-poente direção;
Sentido, somente, porém, por sensor a mais que d’antes – forte intuição.

2
Monchão!!
Monchão na alma!!
Glória!
Valei-me!

(surge um besouro voando... bate a cabeça na árvore e cai próximo do Centauro:)

Besouro – Hum! o que fazes aí?


Centauro - falava comigo mesmo... até você chegar assim triunfalmente! – diz
ironicamente.
B - hum! pois eu não entendi uma palavra do que você falou...
C - eu não falei pra você entender, besouro intrometido!
B - hum!
C - pois eu falava que eu só penso besteiras...
B - (à parte) ...é, isso eu percebi...
C - o que você disse?
B - nada...
C - ...eu nunca amei nenhuma das Centauras que eu encontrei na vida... eu apenas as
seduzi e acasalei-me com elas; no fundo eu queria amá-las...
B - ...que cara complicado.(à parte) – Normal! O que é que tem de mal nisso? Todos da
sua espécie são assim... não podem ver uma montaria larga, que... hã!
C - mas tem alguma coisa dentro de mim que me faz buscar o amor. Uma inquietação,
sei lá...
B - é...parece que sua parte humana está lhe perturbando. Pois eu lhe digo que nem os
humanos sabem ao certo o que é amar... Muitos e muitos poetas já cantaram o amor e
se você os ouvir vai ficar ainda mais confuso... mas, eu conheço um cara que realmente
pode lhe ajudar. Vem comigo!
(Vai arrastando o Centauro)
B - está vendo aquele cara ali? é um samurai... homem sábio.
C – ué?! O que faz um samurai aqui na Grécia clássica?
B - você queria que eu te apresentasse um filósofo? Ele falaria e falaria e você não ia
entender uma palavra sequer... o samurai é diferente. Ele diz apenas uma palavra... hum,
que provavelmente você também não vai entender nada!
C - (?) e qual vantagem se tem nisso?
B - hum! Pelo menos é mais rápido!
Vai até ele... Vamos! Vamos! Não perca tempo!

(começa a canção. Um samurai vigoroso dança solo com uma espada na mão direita;
encena golpes. Seus trajes são em tons vermelhos. Para. Senta-se em posição de
meditação, com as pernas cruzadas e tronco ereto. Põe a espada
sobre as cochas com as mãos sobre ela e fecha os olhos, Segue o Centauro em sua
direção e gesticula conforme a letra da canção. Corre, retorna ao Samurai. Pula.
Esperneai. Implora. O Samurai sequer abre os olhos.)

3
O Castelo
Eu vi o Castelo...
... ele não estava em pé.

Não era um sonho meu; cega fé ou delirava.

Me empresta o papiro;
Não piro na sua:
Diz – é impossível...

... colher o trigo à primeira lua.

Me empresta este mapa;


Não estou assim tão mal.
Eu sim sei amar.
Me jogue na prova de fogo da rua.
Eu vou lhe buscar.

... tu falas de amor...

... e coragem com devoção,


Mas quem reclama malandra é o blues –
Esta é a canção –

(durante o solo da música fica o Centauro sentado na frente do Samurai, balançando a


cabeça aborrecidamente.)

CENA II

(...enfim, levanta-se e diz:)

Samurai - Centauro, escute: “o vento e as ondas vão sempre a favor de quem sabe
navegar.”

(Entrega a espada ao Centauro e sai. Ele num primeiro instante a admira maravilhado,
mas, logo desanima novamente:)

Centauro - Ora, mas como criar o meu próprio vento, se minha parte animal é tão
grande e minha parte Divina um teorema tão distante!?
Se a natureza, antes amiga, insiste em querer me carregar junto com as vagas águas em
direção ao mar?!
Se meus hábitos, tendência falimentar, ainda os tenho enraizados, como um querido clã
familiar!?

4
...Amor...
... nem ao menos sei qual de meus cascos na frente por...
Qual conselho krishna ao príncipe Arjuna poderia dar, se este Centauro fosse e não
soubesse sequer em duas patas se aprumar?!

(durante o trecho as luzes vão se amenizando, representando um entardecer)


(Eis que entra Ariadne vestindo "colan" preto, também com uma espada na mão:)

A - O que é você?
Centauro - Eu?! Um centauro, não vê?

(Os dois se olham numa mescla de curiosidade, atração e rivalidade. Se estranham,


enfim...
...e começa a luta... a dança em movimentos circulares
vai envolvendo os dois, que vão diminuindo os golpes e aumentando a admiração.
Param bem próximos um do outro, quase que a se
tocarem.
Agora olham-se tranquilamente. As luzes voltam ao normal.)

( Agacham-se; depositam as espadas no chão e se levantam de mãos dadas, tudo com


extrema descrição.
Nesta altura da música os dois iniciam um lindo balé. Podem entrar mais casais nesta
hora,
mas sempre dançando em duplas e vestindo homens de branco e mulheres de negro.
Por vezes, os pares
se separam, mas correm desesperadamente um para o outro; em seguida continuam o
balé.
O cantor permanece na cara do palco vestindo terno marron claro, camisa branca e
gravata e lenço vermelhos, pode usar chapéu se quiser. Os backing vocals vestem-se à
semelhança e posicionam-se numa extremidade qualquer.)

Mulher
Vamos falar de amor?!
Amar...
Onde encontrar essa linda flor?
Se o aroma seu não for, de quem será?
Arte, ou ofício, ou calor:
De quem será?

Já fiz pedido ao céu...


Chorei!
Lava minha alma com essa dor.
De tanto buscar o amor, enfim encontrei...
No seio de uma mulher, tão lindo amor.

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Agora posso falar...
É lei!
Sim, sabedoria há demais no amor...
De uma mulher;
Mulher;
Mulher;
No seio de uma mulher, tão lindo amor;
No seio de uma mulher, tão lindo amor.

(logo ao acabar a música, o entardecer dá lugar a uma breve escuridão total. Saem
todos, permanecendo apenas o Centauro (apaixonado) iluminado.)
Retorna o Besouro:)

B – tolinho... olha só pra ele. Parece uma borboleta... hum!


B – conseguiu aprender alguma coisa com o Samurai?
C – o quê? ...o quê você disse?
B – eu perguntei se você consegui aprender algo!!!
C – você viu essa mulher? Que delicadeza... ela me chamou de bucèfalo!
B – (ironicamente:) ...que romântico...
C – é! Ela disse que se eu fosse humano até olharia pra mim... não é muita gentileza?
B – (no mesmo tom:) ...muita...
B – a sua metade eqüina é de cavalo ou asno?!!
C – hora seu besouro insolente! Uma pisada minha e tu sumiria no estrume que tanto
adoras!!!
C – Deixe-me!!! Saia daqui!!!

(some o Besouro na escuridão, que logo engole o nosso herói.)

CENA III

(as luzes se acendem plena e subitamente ao início do canto.


No palco apenas o coro, vestindo mantos de monges gregorianos)

Luz do Sol
(Caetano Veloso)

Luz do sol que a folha traga e tarduz


Em verde novo, em folha, em graça, vida, em força, em luz.
Céu azul que vem até onde os pés
Tocam a terra e terra inspira e exala seus azuis.

Reza, reza o rio, córrego pro rio e o rio pro mar

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Reza a correnteza, roça, beira, doura areia
Marcha o homem sobre o chão leva no coração uma ferida acesa
Dono do sim e do mão diante da visão da infinita beleza
Finda por ferir coma mão essa delicadeza a coisa mais querida
A glória da vida

Luz do sol que a folha traga e traduz


Em verde novo, em folha, em graça, vida, em força, em luz.

(fecham-se as cortinas por um brevíssimo instante, durante o qual se trocará o céu,


ou caso se decida fazê-lo através da iluminação, apenas o tempo necessário para que
saiam os monges e entrem os índios. Entrando por um lado, o Besouro arrastando o
Centauro, e se posicionam no outro lado do palco:)

B - Vamos Centauro; agora eu quero te apresentar um outro sábio; esse com certeza não
ia se apaixonar pela primeira mulher que passasse na frente dele!
C - Você acha que é só um veranico, né?! Uma paixão animal?! Pois ela até me disse
um poema... do qual ainda ouço suas palavras:

A – “Sim, há o sim
Afirmativo
Formativo de opinião
Seja por discussão
Ou persuasão – sedução...

Negar o não
É o mesmo que querer viver
Sem a necessidade de infligir
Ao pensamento
O coração...

Pulso firme e misericórdia:


- Quem não manda em si mesmo,
Mesmo estando livre,
Vira mesmo cativo de si mesmo.” (previamente gravado ou por detrás da coxia.)

B - Burro! Ela disse pra você não deixar a cabeça de ‘baixo’ colocar coisas no seu
coração!!!
C – será? ... será? ...até que pra um besouro você é bem esperto... Talvez você tenha
razão... talvez!
B - Vamos logo! Vamos! Vamos! Olhe aquilo!

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QUADRO II

(noite no campo, sai o céu azul e entra um céu estralado... no horizonte as luzes de uma
cidade próxima)

CENA ÚNICA

(muitos índio, ainda gritando tipicamente; giram no palco, formando um denso


redemoinho.
Sem que se note, dois músicos ocupam o centro do alvoroço. Um deles é Pã, o flautista
que logo no início sairá a caminhar pelo palco, quando se iniciar seu solo. O outro é o
percussionista que permanecerá ali até o final da canção, vestido como os demais,
porém, com asas de anjo.)

(Abre-se a turba e começa a música propriamente dita.


Os índios seguem "voando" no palco, sempre em movimentos circulares, porém agora
espaçada e isoladamente.
O cantor(a) vestido apenas de anjo sobe/desce ao palco sem atrapalhar a coreografia ou
mesmo fazendo parte desta)

Um índio
Um índio batuca entre cem querubins.
Um índio vagueia no céu que há em mim.
É só ser anjo, sentindo a música emergir.
O sangue bate, a alma faz subir.

E o coração se transforma, faz-se feliz.


Transpirando pensamentos,
O que faz uma criança sorrir;
Sorrir!

Contemplar a natureza é juntar o que vem


Com amor de dentro, com as cores do mundo e do além.
Fazer arte é vida, beleza e ser.
Fazer arte é vida, beleza e ser.

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(durante o solo os anjos saem, deixando o músico só)
(...volta o cantor)
(os índios voltam somente a partir dos últimos refrões e saem com o "fade out",
seguindo a Pã, que retornará para seu solo final.)

(entra o Narrador:)

São Tomé pra crer quis ver.


Mui sagaz o seu conselho;
Segue bem que’o faz valer;
Tino aí ponhas em’spelho...

É que a sorte fez-se ver


À presença do varão,
Pois no mundo a pouco ser
Cristo em carne deu a mão.

Devolveu-lhe a visão –
Que presente há maior?
Voa, voa pai João.
Voa, voa em Sol Maior.

Crendo assim nosso Centauro


Foi pra mor grande cidade
‘trás do mítico vent’áureo
Arriscou sua integridade.

Apresento o acontecido,
Que vos trago do passado;
Em disfarce vêm tecido
Por poeta muito alado.

(fecham-se as cortinas e continuam os dois no mesmo lugar, observando a tudo:)

C - você reparou que até o jogral parece mais um contador de 'causos' tupiniquim?
B - é a globalização, Centauro!
C - globa... o que?
B - deixa pra lá... você é muito xucro, mesmo, heim!!! O samurai não te disse que ‘o
vento e as ondas vão sempre a favor de quem sabe navegar’?
C - disse.
B - o índio não te ensinou que só um coração puro como o de um menino pode começar
a entender a verdade das coisas sem deturpar tudo?

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C - acho que disse.
B - pois vá, vá à metrópole, Centauro. Lá te humilharão, vão querer montar em você.
Vão te espizinhar, te provocar...
C - eu sabia que não podia mesmo confiar em você... é isso que você quer pra mim?
B - hum!
C – você quer me ver é encrencado, né?!
B – Não! Não! Claro que não! Não foi você mesmo quem falou da tal ‘prova de fogo' e
blá, bla´,blá, num sei quê?!......pois, é agora que eu quero ver se tu vais mesmo cumprir
o que prometeu ao Samurai...
- Material pra trabalhar não lhe vai faltar. Vamos ver se você é cavalo ou homem
suficiente (sei lá!) pra criar do ódio dos outros o seu amor! Amar o verdugo! Tarefa
difícil!
- Vai centauro, vai, não fique aí parado que nem uma mula!!! Anda! Vamos! Vamos!

QUADRO III

(noite. Calçadão do centro da cidade; um banco do lado esquerdo junto a um poste de


iluminação pública é iluminado. Para lá se dirigi o Centauro. Sai o Besouro.)

- Ahhh! Ai, ai! AAAAAAAAAHHHHH! - geme o Centauro até arrancar risos da


platéia -

CENA I

(...ele aborrecido, sentado no banco. Começa a canção. O cantor desta música só


aparece quando se inicia seu texto, vestido de Justiça. Na mão do microfone, se
necessário este for, a balança; na outra a espada, que aponta, por vezes,
delicadamente para a cabeça do Fauno; nos olhos, ao invés da venda, óculos escuros)

Sorria Menino
Sorria, menino...sorria!
Não há nada no mundo, que você não vá vencer.
Colhem-te como uma flor do dia...
... foste um jardim...
Quem poderia entender-te.
Nem o cravo contra o amor não viveria,
Lá vai o Sol de novo... não se cansa de nascer;
Sem ele qual formosura brilharia:
A Vida, ou a Onda, ou a Lua.
De quem seria a sua alegria ?
... ou pra Aurora ele sorriria... menino... sorria!

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Sorria, menino... sorria!
Não há nada no mundo, que você não possa ver.
O Palhaço sorri pra te alegrar.
O Vento está aí te fazer sentir.
Não desista nunca de tentar.
Lembre que você já sorriu muito mais...
... sem motivo e nem porquê.

(pouco antes da pausa central da música entram alguns Juízes Togados a dançar,
liberando o cantor da posição inicial.
Carregam, arrastam, jogam o Centauro, que gesticulando como um palhaço, apenas
vive a sua sorte. Os Juízes também encenam que estão julgando a todos: ao Centauro,
uns aos outros e à platéia. Ao final da canção recebe o nosso herói das mãos da Justiça a
espada. Mas os Juízes a tomam...)

CENA II

(saem todos correndo para todas as saídas do palco. Fica o Centauro, agora sem a
espada, a olhar para cima e para os lados a procurar pelo que perdeu, enquanto
caminham pelo calçadão indo e vindo, quase que a atropelá-lo, sonâmbulos, vestindo
pijamas uns, vendas ou toucas de dormir outros.
O texto previamente gravado é solto:)

"- Me fez marionete com seu papo cotonete;


Palavras bonitinhas enfeitadas com fitinhas;
Uma espécie de expressão só dos reis da atuação.
Qual a importância de uma simples ilusão?
Verossímil;
Verossimilhança,
Ele só viu na mentira a esperança."

(começa a canção. Continuam a passar os dorminhocos. Ele faz com que os acorda; e
nada. Vão seguindo seu profundo rumo. Entram três moças: uma vestida de
enfermeira com uma injeção enorme na mão; outra de diabrete com seu típico tridente e
a última de sadomazoquista com seu chicote. "Todas sedutoras". Bailando todas, as
duas primeiras o tentam furar e a última o chicotear. Todas elas o tentam seduzir. O
Centauro foge de todas. O cantor sobe ao palco vestido de "Boss" exageradamente.
(quase brega))

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NOTA: 1 - evitar a vulgaridade desta cena. Puxar para o lado cômico;
2 - durante a música o Centauro quase que se deixa levar pelas "tentações", mas cai logo
em si e continua a esquivar-se.

Deixa Rolar
Deixa rolar;
Deixa rolar;
A hora certa vai chegar;

Conheço este rosto,


Gosto proibido –
- Messalina! – Messalina!

Mente engana e mente


Sem sentimento;
Mente engana e mente
Sem a intuição;
Mente engana e mente
Em qualquer momento;
Mente engana e mente
Sem o coração.

“Não é a razão a palavra de ordem, meu irmão.


A ordem da desordem é o acaso; é omissão.
A mente da pra tudo; dá pro bem e dá pro mal.
Nem vem! Nem vem! Nem vem!
Nem vem, com essa droga; essa cara; essa prosa; essa folga;
Essa nova teoria sem espelho na verdade.
Qual é a verdade? Qual é a verdade, meu irmão?
A cuca encaixa o homem, ou o homem encaixa a cuca?”

(quase no final da música, sai o Centauro correndo; fugindo e some do palco. Ficam as
Moças a procurá-lo e os sonâmbulos, roboticamente, continuam com suas mesmas
coreografias. Elas podem até descer à platéia para causar furor, se sentirem que há clima
para tal; se não, ficam apenas a gesticular do palco para a platéia. Ao final saem todos e
retorna o Centauro correndo assustado a ver se restou alguma delas.)

Centauro – ufa! Sumiram!

(surgem o Samurai e o Besouro:)

Samurai - “O vão que aparta o céu da terra é um fole


E embora viva vazio, se o acionam gera tanto, mas tanto...
Que em vez de achar seus nomes,
Ensimesmar-se mudo é melhor!
...ensimesmar-se mudo é melhor!”

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(Tao)

(e sai...)

Centauro – pocha! pela primeira vez eu entendi o que esse samurai quis dizer:
- na cidade cada cabeça é um país... Embora todos falem a mesma língua, ninguém
fala da mesma coisa...
...as pessoas podem dar vazão ao que bem queiram...
...não obstante, tudo parece que é definitivo: se é assim que ela está acostumada a agir,
assim agirá pelo resto da vida...
...tudo podem conquistar, mas todos se esquecem do básico: conquistar uma boa
qualidade nas relações de convivência...
...não encontrei um sábio sequer por aqui, apenas pessoas que pensavam de si sábias,
mas, que apenas repetiam o que havia sido falado no jornal da manhã... Teorias, teorias
e mais teorias, a metrópole é isso: teoria!!! Ninguém conhece a ninguém, muito menos a
si mesmos. Nada passa de até onde as máquinas e olhos da carne podem chegar...
...há ciências inteiras e cientistas que dedicam suas vidas a dar nomes e classificar
coisas, mas não tentam parar para conhecer a fundo o objeto de suas pesquisas...
...coração, intuição, clarividência?! Nem mencione essas palavras se não quiser ser
ridicularizado... Também pudera: muitos por aqui tiraram e ainda tiram proveito dessas
coisas pra se prevalecer...
Besouro – Hum! Deixe de ser arrogante! Você não está aqui pra julgar os outros, está?
É isso que veio buscar na cidade?! E o amor encontrou? Pelo visto não, não é?!
C - ...não. ...mas, eu continuo buscando... e você o que fazes aqui? Veio me
atormentar?!
B – disseram que muitos Centauros e cavalos estavam circulando pela cidade
atualmente...
C – urgh!!! Você é nojento!!! Mas, tem me dado bons conselhos... a quem devo apelar
agora?
B - que tal Minerva!!!! A Deusa!!!! – apontando, antes de sumir na escuridão, para o
ponto onde ela surgirá.

CENA III

(apagam-se subitamente as luzes,


fazendo com que apenas as estrelas brilhem no "céu" e em algum lugar nele; ou de
preferência no fundo da platéia no corredor central se ilumine uma Madona de roupas
azuis clarinhas, parecendo muito Nossa Senhora. Começa a canção. Em pé na mesma
posição em que o deixou o Besouro, o Centauro é iluminado, porém, apenas quando
começa o canto; ele contentemente olha as estrelas e admira a Deusa.)

NOTA: 1 - A Minerva cantará a parte feminina da canção, ocasião em que vai andando
em direção ao Centauro, num lindo e emocionado encontro. Ela pega nos seus cabelos à
semelhança do quadro de Botticelli. O Centauro, resignado, se ajoelha e recebe a espada
de suas mãos. (sem se saber de onde ela apareceu).

13
Ao cantar as últimas estrofes a Madona põe delicadamente as mãos na cabeça abaixada
do herói já num gesto mais católico e sai sumindo-se na escuridão. O nosso Herói
também some na escuridão. No palco os artistas vestidos totalmente
de preto e portando isqueiros, ou lanternas ou qualquer coisa que pisque vão fazendo
tilintar de estrelas. Se possível for, fazer com que através da iluminação aumente-se a
área onde as estrelas são projetadas, inclusive iluminando assim a platéia. O cantor não
aparecerá no seu último trecho.)

Busca
Meus braços, minha perna, meu ventre;
Nos olhos repousa um luar;
Estrelas são mãos que se estendem
Da minha alma que se expande em mar;
Da minha alma que se expande em mar.

Vapores, incensos sublimes...


... leve, leve, leve minha alma, meu pensamento
É sonho; é sono; é êxtase de alegria -
A essência da rosa de cheiro.

Meus braços, minha perna, meu...

“Alegria bebem todos os seres


No seio da Natureza:
Ela nos deu beijos e vinho e
Um amigo leal até a morte
Deu força aos humildes e ao
Querubim que se ergue diante de Deus”
Ode à alegria - de Friedrich von Schiller

Busca;
Repetidas vezes;
Busca sem ser brusca;
Além dos sentidos
A essência humana;
A essência da vida...

Meus braços, minha perna, meu...

(em seguida, no mesmo clima, ilumina-se o cantor da ‘Olé à Alegria’ muito bem vestido
que canta lindamente:)

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“Alegria formosa centelha dos Deuses do Olimpo
Ébrios de fogo, assim em teu templo vamos indo.
Tua força torna a unir até o que o costume quis partir,
Vamos todos, maus e bons, não importa sua crença ou dons.
Muito além dos céus estrelados ouse buscar seu Pai Amado
Acaso deprimem-se ante seu fogo? Sim, há um Pai amado.”
(Adaptação de ‘Ode à alegria’ - de Friedrich von Schiller)

QUADRO IV

(já é dia na cidade. O mesmo cenário, porém, agora de céu trocado, recebe um cômodo
contendo uma confortável poltrona, um pufe e um tapete, também uma estante de livros
(cenográfica). O cômodo à direita do palco tem duas paredes, uma delas é praticamente
uma janela voltada para o banco e consequentemente para o centro do palco (meio que
na diagonal))

C - estou até agora em êxtase!!!! Que doçura! Que Madona divina maravilhosa!!!
B - vamos que eu quero te mostrar um sábio que eu encontrei aqui na cidade... ele dá de
graça tudo que recebeu de graça: - o conhecimento! E assim, mesmo sem ter onde
morar, tem tudo, pois os Deuses o favorecem! Vamos! Vamos! – arrastando o Centauro
para a janela.

CENA II

(e debruçados ao parapeito, assistem à roda de capoeira que se forma ao centro do


palco. Durante esta canção os participantes da roda vão tirando prendas de um saco
posicionado junto a roda, jogando-as para o público)

Menino Rotinho
Menino rotinho já vem bailar;
Com a destreza dos anjos no seu olhar;

E quebra, requebra, domina, governa


Inclina, se esquiva, a usura derruba.

Esse é seu jeito de amar.


Esse é seu jeito de amar.

15
Da folha seca na vida.
Folha seca na vida.

Da folha seca na vida.


Esse é seu jeito de amar.
Folha seca na vida.
Esse é seu jeito de amar

(desfaz-se a roda e saem juntamente com o Besouro. Dirigi-se o Centauro ao centro do


palco. Entra o Samurai.)

Centauro – “Me disseram que


Apolo, o Deus,
Hoje vai desfilar na Sapucaí...
Falai de amor:
- (virou paixão)
O sábio ama as pedras...
Cristo, ao próximo com a si mesmo...
Isso inalcançável, aquele louco... (direis)
Eu... ...eu ainda não sei o que é amar...” – diz mais para a platéia e si mesmo do que
para o Samurai.

Samurai - “Amar... quão belo é amar!


Somente as grandes almas sabem e podem amar.
Amor não é questão de teorias ou monografias!
Ele é sentido no fundo mesmo do coração.
É vivência íntima deliciosa.
É fogo que consome
É vinho divino... delírio daquele que o bebe.

Um simples lencinho perfumado,


Uma carta, uma flor...
Promovem no fundo da alma do enamorado,
Tremendas inquietudes,
Êxtases exóticos,
Voluptuosidade inefável! “

“Matrimônio perfeito, Centauro, é a união de dois seres onde um ama muito e o outro
ama melhor...
É a perfeita comunhão de pensamentos, sentimentos e vontades...
Onde há cálculo aritmético e projetos não existe amor...
Onde há interesse econômico e social não há amor...
Também não há amor, onde há o desejo...
- Não confunda jamais, Centauro, paixão com amor!!
O verdadeiro enamorado é capaz de dar até a última gota de sangue pelo ser adorado...
Você é capaz de dar a última gota de sangue por sua adorada?

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O amor começa com um relâmpago de simpatia deliciosa.
Substancializa-se com a ternura infinita e se sintetiza em suprema adoração.”

Atração sexual: instinto – normal


Desejo: fatal;
Amor está mais pra estado de espírito do que para afinidade...
Afinidade: felicidade total...

Bom senso!!!
Bom senso!!!
Amor e sabedoria!!!

(...sai.)

CENA III

(Retorna o nosso herói ao interior do cômodo, senta-se em posição de meditação, com


as pernas cruzadas e o corpo ereto sem os trejeitos com as mãos, que repousam
tranquilamente sobre o colo. Ao invés de sentar-se à poltrona ou ao pufe, posiciona-se
sobre o tapete. As luzes fazem com que apenas o interior do cômodo seja visto. Fecha
os olhos e mantém-se assim durante toda a canção. O cantor vestido de sacaria branca
interpreta, sendo iluminado isoladamente em performance sobre o palco. Em dado
momento entra Ariadne... e dança um lindo solo no centro do palco, porém, agora
veste “colan” branco. Três mulheres, vestindo, azul claro, amarelo e rosa dançam junto
ao nosso herói angelicalmente, mantendo-se a mesma iluminação, ou seja, elas são
vultos deliciosos.)

O amor é
No nada...
... na paz... de um segundo...
... desatento de silêncio;

No alto...
... longe de mim mesmo...
Entrevi seu rosto.

O Amor não é desejo, medo, dor, ciúme;


O Amor não é direito, jogo, pó, baião;
O Amor não é segredo, morte, só, costume ;
O Amor não é pacto, sorte, dó, paixão.

O Amor simplesmente é,
Simplesmente é,
Simplesmente é.

17
No alto...
... longe de mim mesmo...
Entrevi seu rosto.

(termina a música. Silêncio. Iluminação exclusiva no Centauro, que começa a flutuar


pelo palco, agora já sem ninguém. Borboleteia, borboleteia e vai saindo juntamente com
o fechar das cortinas. Esse efeito pode ser conseguido colocando-se uma estrutura de
madeira sob o tapete e ao iluminar-se apenas o Herói, restará, consequentemente, a
escuridão total para homens vestidos de negro carregarem a armação pelo palco. Fim do
primeiro ato.)

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ATO II

(cortinas ainda fechadas...)

Abertura II

QUADRO I

(agora é só o palco e o céu noturno. Num dos cantos, para o qual seguem Centauro e
Besouro, alguns oficiais à cavalo.)

ÚNICA

Besouro – è... eu acho que essa sua decisão de voltar pro campo vai lhe fazer bem.
Coletor de impostos – Hei! Onde vocês pensam que vão?!
Centauro – nós... vamos por aqui!
CI – por aí tem que pagar impostos! Pedágio pro Rei.
Besouro – pensando bem nós temos é que ir por ali... – diz piscando pro Centauro.
CI – por ali tem que pagar impostos! A estrada recebeu água das chuvas recentemente e
isso é uma benfeitoria muito importante.
C – acho melhor agente dar meia volta e retornar por onde agente veio – diz ao
Besouro.
CI – Hei! Pra retornar é o dobro. Uma taxa por ter passado e outra pra passar. De
qualquer forma pra seguir viagem vocês têm que quitar seus débitos. Se não, daqui não
saem. Tenho ordens pra os prender se necessário. Se não tiverem com que pagar, terão
que trabalhar pro rei, e se forem ‘incapazes’... bem, terão que sofrer; eu os chicotearei
agora mesmo! – diz puxando o instrumento.
C – que cara sinistro! Sai pra lá jaburu!
CI – Hei! Agora pra seguir por aqui ou por ali é o dobro e pra voltar o quádruplo. E
digo mais, não é por me sentir insultado. É a lei! Pra seguir viagem é necessário que
vocês estejam de acordo com ela. ...porém, tem um único jeito pra vocês não pagarem.
Quem tem boas obras segue pra onde quiser. Algum de vocês por acaso têm algo a me
dizer? Algum serviço prestado pro rei ou pra Província? Que falem agora ou calem-se?
C – eu ajudei na construção da barragem puxando lenha, está aqui pode ver...
CI – e você baixote?
B –Hum! Eu contribuo com a diminuição da emissão de CO2.
CI – entendo!
B – Hum!
CI – está bem; podem passar. Vocês são servos fiéis.

19
(segue um desencontro total... passam, enfim, e na confusão se perdem um do outro...)

Centauro – Cadê você, Besouro? Só faltava essa; querer brincar de esconde-esconde


uma hora dessas?!
- Aquele cara é mesmo inconveniente! (pra platéia)

(eis que entra pelo outro lado do palco, Ariadne. Deslumbra-se o Centauro. Entra
também logo na seqüência um grupo de Faunos, que arrebatadoramente, separam os
nossos heróis. Começa a canção.
A cena que se segue é hilária, pois sempre formando um círculo os Faunos dançam;
mas, girando desesperadamente ao redor deles, o casal nunca se encontra, já que sempre
seguem um na mesma direção do outro. Por vezes pulam, como querendo passar por
cima da roda. Em determinado momento entram pelas beiradas esquerda e direita do
palco o Demônio e a Justiça, respectivamente.
Dirigindo-se para o centro do palco, postando-se pouco além dos nossos Heróis, fazem
suas gesticulações e coreografias características. Um mostra o caminho errado e
atrapalha, a outra aponta para o lugar certo. O cantor ocupará toda a frente do palco,
vestido como a Esfinge Egípicia.)

CANDIEIRO
-foclore-

Candieiro entrai na roda


Entrai na roda sem parar
Quem pegar o Candieiro
Candieiro há de ficar.

Cocorocó, Candieiro, Sinhá


Eu não sou castiçal
Candieiro, Sinhá.

(..cantam os Faunos, antes da entrada do cantor.)

20
Mundo Melhor
Caras e bocas pra quê.
Cotidiano viver,
Sem aquela chatice de andar sonhando...
... sonhando acordado;
Me sentindo em mim mesmo.

Realidade é tão bom.


Melhor viver em paz;
Na casa do amor;
A mente calada;
Instinto dominado;
Desejando a nada.

Um mundo melhor assim se desenhará


Sem tédio, sem medo, sem frio, sem dor, sem dó.
Sabres de saber;
Verdadeiras verdades.

Um mundo melhor assim se desenhará


Na casa do amor;
A mente calada;
Instinto dominado;
Desejando a nada.

Um mundo melhor assim se desenhará


Na casa do amor.
Na casa do amor.

(saem todos, restando sozinho no palco o Centauro aparentemente revoltado

Centauro – acho que o meu caminho é mudar o mundo! ...Fundar um partido político e
iniciar uma revolução! Afinal, uma andorinha só não faz verão!

Manifesto revolucionário

O elo perdido entre macaco e homem jamais foi encontrado, nem por Darwin, nem por
nenhum outro cientista.
Tampouco como surgiu a Monera foi comprovado.
A teoria do acaso parece mais uma farsa inventada pura e simplesmente para converter
fieis; do contrário teríamos que nos curvar diante de um Deus antropomórfico a
regozijar-se em castigar sem nenhuma piedade ao nosso menor deslize! Essa triste e
silenciosa guerra entre religião e ciência materialista já se tornou demasiada enfadonha.
Os ultra-modernos inventos maravilhosamente sedutores escondem um veneno
mortalmente inebriante. Primeiramente age no sangue da vítima, como agia a água com
açúcar, alterando o humor da criança chorona. Depois, cega; a ponto de fazer com que o
homem acredite na evolução contínua, quando o próprio mundo é redondo e em eterna
transformação (pois tudo nasce, cresce, envelhece e morre) e não é uma via direta rumo
ao sol. Por fim, congestiona e mata: a natureza se vê perigosamente desgastada e isso
nos faz até lembrarmos, ainda que com grande receio, das mal interpretadas palavras de

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um sábio que classificava a democracia como sendo o governo da satisfação dos
desejos.
Meu tempo é assim, todos se esqueceram do que realmente tem importância. Platão é
amontoado junto com uma pilha de livros a encostar a porta, pois nas livrarias o último
Best-seller, imitação, da imitação, da imitação, está sendo muito comentado nos círculos
culturais. Enfim, dizia ainda o sábio que o racionalismo desconecto da realidade é pura
retórica.
Então, a verdade... onde está? O que é?
Nós queremos a verdade, e agora!!!
Não queremos mais ter que simplesmente acreditar nisso ou naquilo!
Queremos é que nos ensinem na escola os meios para investigarmos por nossa própria
conta o que é a verdade!
Exigimos também que o ser humano seja perfeito, sem defeitos de nenhuma espécie;
queremos um mundo onde todos saibam amar e respeitar uns aos outros pra valer!
Pois somente assim teremos uma sociedade perfeita, sem ter que lutar na praça central
contra desconhecidos opositores, uma vez que neste momento nosso maior inimigo aí
de fato se esconderá: - nós mesmos!!!
Que a luta, enfim, contra nós mesmos, para que o amor e a honestidade continuem
habitando em nossos corações prevaleça e seja contínua!!!
Então à luta, companheiros! ...à luta!!!

QUADRO II

(dia no palco. Pode-se trocar o céu durante a cena sem que ninguém seja visto; ou
durante a
introdução da música, conforme segue: )

ÚNICA

(sai o Centauro. Ariadne entra dançando ‘assustadinha’;


ao fundo barulhos de
guerras e gritos de "liberdade". Cruza o palco um Soldado francês da época da
‘Revolução Francesa’ com
sua espada em punho:)

Soldado – Veuillez! Aimez! Pureté!


Veuillez! Aimez! Pureté!
Veuillez! Aimez! Pureté!

(para no centro do palco:)

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- Defender-se é sim necessário. O dinheiro também. Tentar mudar o mundo
pra melhor é uma causa legítima. Mas, o ódio, a ganância e a soberba, não! A persuasão
com amor tem mais poder que a Violência.

(...e continua:)

– Veuillez! Aimez! Pureté!


Veuillez! Aimez! Pureté!
Veuillez! Aimez! Pureté!

(Sai o Soldado pelo lado oposto ao qual entrou. Começa a introdução da música
propriamente dita e eis que entra ‘ritmadamente’ um Dragão Chinês, enquanto Ariadne
dança, agora, como se o estivesse a chamar. Ela, durante um longo período
segue mandando nele, inclusive com ordens como senta e deita e o Dragão, é claro,
obedece a tudo resignado. Em dado momento a nossa Heroína sai do palco deixando o
Dragão só, o qual segue no ritmo da música. Inclusive pode descer à platéia ou insinuar
que vai pular ou cair do palco, que neste momento é tomado por casais a dançar como
se o homem estivesse a obedecer tudo que a moça o ordene. Note que durante toda a
cena as ordens nunca são agressivas, mas sim muito dóceis, ainda que resolutas. Todos
vestem amarelo, a não ser Ariadne, com seu ‘colan’ branco. O dragão pode ser de
qualquer cor. O cantor tem que usar um chapéu de sambista, terno de qualquer cor,
menos branco, com um lenço no bolso e gravatinha de "malandro" (pode repetir as
roupas da canção ‘Mulher’).)

Samba da Liberdade
Diz mano velho, me diz.
Aonde você vai assim,
Com esse riso calado, enfim,
Jeito de homem feliz.

- Vou te falar
de Liberdade,
sem ter que declamar
poemas que não dizem a verdade e...

De guerra, ou sofrer, ou de
perder um bocado
De bons trocados de vida
Junto de um irmão qualquer.

É que não vale a pena deixar de ser livre nesta hora.


Não vale mesmo a pena deixar de ser livre nesta hora... nesta hora.

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Liberdade, mocinha faceira,
Engana o malandro de bom capoeira.

Maria olha a janela,


Mas onde se esconde é la dentro dela. Éh!

(saem todos correndo, a não ser o Dragão que lenta e ritmadamente vai saindo,
iluminado agora a parte;
enquanto que obviamente o restante do palco fica na penumbra.)
(Ilumina-se agora uma pequena área na frente do palco e eis que ao centro do foco de
luz Centauro e Besouro caminham:)

Besouro – eu ando meio preocupado com você! Você está igualzinho àqueles homens
lá da cidade a quem criticou. Eu só escuto teorias e mais teorias saírem da sua boca...
não escuto sequer uma palavra de coração... me responda uma coisa? Seu...
Centauro – já são duas!
B – hum! (continua:) – seu coração fica na parte eqüina ou na humana?
C – bem... em algumas enciclopédias aparece na parte eqüina. Já o grande filósofo
Chustósfeles de tal diz que fica na humana. Eu particularmente...
B – esse cara não tem jeito, não! Está cada vez pior! (continua:) - Centauro, me fala
uma coisa: você tem feito o que o Samurai te falou pra fazer?
C – fazer; fazer; como assim fazer?! (continua:) – fazer; fazer; eu tenho entendido o que
ele me quer dizer. Inclusive tenho pesquisado bastante e tem muita gente que pensa
como a gente. È, eu acho que agora consigo entender tudo que ele fala!
B – eu acho que na verdade você não tem entendido é nada!!!
C - (irritadamente) – ...e você, Besouro, o que você sabe da vida?! Voa; voa; mas, dá
com a cabeça na primeira árvore que encontra pela frente... e sai andando como se nada
tivesse acontecido! Você sim é cabeça dura! (continua) – vive me dizendo: vamos!
Vamos! (diz imitando sua voz) ...e o que você sabe das coisas?! Você já aprendeu a
amar?! (coninua)
- na verdade você não passa de um mísero inseto que sequer tem uma parte humana!!!
B – hum! (viram as costas um pro outro)

(segue um silêncio constrangedor)

(enfim, virando em direção ao Besouro:)

Centauro – me desculpe, Besouro...


B – (fazendo charminho) - ...minha carapaça é dura. Eu vou sobreviver.
C – você é o único amigo que eu tenho...
B – (desconversando:) – vamos! Vamos, Centauro! Eu preciso te contar uma profecia
que fala de um sábio; o maior de todos! ...que nascerá numa manjedoura e ainda que

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venha para acabar com a nossa crença em vários deuses, estará falando sobre a mesma
coisa... Ele dará sua vida pra apagar os pecados do mundo. Dirá mais ou menos assim
aos seus discípulos:

(solta-se o texto previamente gravado ou recitado da coxia:)

“Este é o meu mandamento: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amo. Ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos.Vós sois meus amigos, se
fizerdes o que vos mando. Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz
o seu senhor, mas, chamei-vos amigos, pois vos ensinei tudo quanto ouvi de meu Pai.
Não fostes vós quem me escolhestes, mais eu vos escolhi a vós e vos constitui para que
vades e produzais fruto, e vosso fruto permaneça. Eu assim vos constituí, a fim de que
tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos conceda. O que vos mando, é que
vos ameis uns aos outros.”
(João 15,12-17) – fala Cristo –

(somem na escuridão)

QUADRO III

(Entardecer no palco. Durante a canção que se inicia ergue-se gradativamente ao fundo


um horizonte tempestuoso, no qual se vêem o Gólgota e as três cruzes erguidas, estas
em primeiro plano. )

CENA I

(ao centro do palco o cantor e os violonistas; todos em banquinhos.


Inicia-se a canção. Eis que vão surgindo dançarinos vestidos como os Apóstolos de
Cristo e dançam um lindo balé, como se estivessem a pescar.)

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Love’s Revolution
Meu amor, eu quero com você estar...
Onde nasce o sol.
E esse brilho no seu olhar...
Vem das estrelas.

De um canto do Atlântico ainda ouço... ainda ouço.


Essa canção de um canto do Atlântico ainda ouço:

- Love’s revolution;
-Love’s revolution.

Não me leve a mal... oh, oh!

Acaso o amor humano não é uma chispa... não é uma chispa.


Do amor divino, acaso o amor humano não é uma chispa.

Amo o sol, o mar, e a luz do teu olhar

Eu te amo tanto... oh, oh!


Tanto amor... tanto amor assim.
Nunca vai... nunca vai ver fim.

A jura sim foi pra ti.

È a revolução do amor.

CENA II

(acaba a canção e agora a escuridão é total... quando o conhecido personagem


que representa a Morte é iluminado à parte na região da platéia entre o palco e as
cadeiras. Caminha sinistra e assustadoramente em direção a escada de acesso ao palco.
Começa a subi-la, mas vira-se:)

Morte - Há o bem... mas também há o mal... gente de bem... e gente do mal... eu não
sou mal, apenas não sou muito bonito...

(... e some na escuridão...)

Centauro - HAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!

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(Inicia-se a canção, embalada pela iluminação, que se acende e apaga, como
uma discoteca. Começa o canto. Iluminada no palco, além do Gólgota, a Minerva,
porém, quem canta a parte feminina da canção é uma sereia, que a seu tempo surgirá. O
Nosso Herói, que de joelhos diz as partes faladas dos cantos, também é iluminado
permanentemente. A Madona ao fundo no centro esquerdo do palco em parte mais
elevada (sobre o andaime móvel que usaremos no próximo quadro) e o Herói bem ao
centro a testa ao solo; ora a levanta... ele reza...Agora ele está completamente nu (pode
usar uma sunga, mas que pareça à platéia que ele está em pelo). O coro, que é iluminado
a seu tempo no flanco direito de quem vê o palco é formado por quatro anjos, dois de
asas brancas e dois de asas negras, que dispostos alternadamente aos pares, de modo que
o semelhante não fica ao lado do outro, seguram as pontas de um tecido azul. O cabo
de guerra que se forma acaba por fazer com que o tecido se movimente a semelhança do
reboliço do mar. A Sereia surgirá aí, um pouco acima do tecido. Ela cabelos e tez em
tons vermelho-alaranjados e se quiser pode usar seios nus. Nossa heroína Ariadne
dança solo na frente do quarteto, porém, agora vestindo "colan" amarelo. Tudo
iluminado a seu tempo. Às vezes se iluminam, psicodelicamente, esqueletos, ou seja
dançarinos vestindo roupas pretas com desenhos de caveira e ossos brancos; tumbas ou
simplesmente lápides devem ser iluminadas esporadicamente à semelhança. O cantor do
canto principal veste manto a semelhança dos monges budistas tibetanos e também deve
ser apenas iluminado a seu tempo. Apenas mantém iluminados a Madona, a toda luz e o
Herói a aproximados setenta por cento de luz. Ao final do último canto o monge segue
em direção à Madona. Ajoelha-se. Termina o canto. Some na escuridão, assim como
todos os demais. Fecham-se as cortinas. Caminha entre a platéia e o palco, durante o
trecho final da música a ‘Morte’ que mais uma vez sobe a escadinha de acesso ao palco,
porém desta vez sai pela lateral em silêncio total.)

Minerva
Teu nome espanta e encanta o rosto vulgo... oh!
Dê-me a morte, enfim, de tudo que julgo!
Filha és do encantado Júpiter de lida...
Oh Senhora! Guia-me no mar da vida!

Flecha-me! Transpassa-me! Bem-vinda é esta...


Venha arrancar de minhas entranhas
Certezas... por já muito enfadonhas.
Agora, em mar aberto que me resta...

Tragarei em mim ondas de louvor,


Pois co’ ele farei nulo paradigma;
Tragarei em mim ondas de amor,
Pois co’ ele acalmarei a minha ira!

Deusa mãe, soberana és em teus atos,


Mostrou-me a dicotômica tua face
Só pra me por na ascese fase!?
Eternamente a ti estarei grato.

27
QUADRO IV

(recolhe-se o Gólgota. Agora o tom predominante é o vermelho.


Não obstante, duas grandes tiras de tecido, a da esquerda azul ‘frança’ e a da direita
amarela são seguras no palco por dois figurantes cada e mais quatro na parte superior e
posterior; estes homens não serão vistos. Aqueles do palco vestirão igualmente azul e
amarelo respectivamente. Estes longos tecidos serão sacudidos e iluminados de modo
que pareçam rios. Uma torre móvel em estrutura metálica e recoberta por tecido
vermelho é posicionada ao fundo e centro. Todo o fundo e laterais deverão ser
vermelhos.)

CENA I

(o coração começa a bater. Ainda antes das cortinas se abrirem entram Centauro e
Samurai, posicionando-se bem ao centro:)

Samurai - “O amor se acende com amor, assim como o fogo se acende com o fogo.”
Centauro – Mas, de onde sai a primeira chama? – responde.
S - “Debaixo da rama da dor, tu o sabes!”
C - Sei?!
S - “Chama a chama pra atingir o que te chama, mas lembre-se que quem te chama é a
mais pura chama!”
“Porém, não seja como a palha diante do vento, nem como o vento diante da palha.”

(... e saem. Abrem-se as cortinas. Alguns dançarinos vestidos de monges budistas fazem
"tai-chi-chuan" dispostos harmoniosamente
na porção anterior do palco. Ao início do canto entram Ariadne e o nosso Herói.
Dançam um lindo dueto bem no início do palco.
O cantor surgirá ao fundo vestido todo de branco bem ao centro, justamente sobre o
andaime,
de modo que da platéia fique visível sobre as cabeças dos dançarinos, como se estivesse
a flutuar.
Ocorre que alguns intrometidos Faunos, por vezes surgem correndo, atravessando o
palco da esquerda para a direita, porém, para surpresa geral, quando atingem o primeiro
rio de tecido transformam-se em homens de preto e quando atingem o segundo rio,
tornam-se homens de branco, saindo pela outra extremidade.
Tudo num passe de mágicas. O segredo está no posicionamento dos tecidos,
dispostos de tal forma que uma pessoa possa transitar sob eles sem ser visto pela
platéia.)

28
O calor do mar
Sentir o calor do mar.
Ter como é bom cantar.
Uma gota de ti caiu no meu coração;
A areia e o sal sumiram...
... Água pura de fogo;
Te beber ;
Nos ardermos;
Purificar, ah!

Eu e você;
Eu e você
Numa só canção;
Uma só canção;
Uma só canção.

(ao final do canto some o cantor; some o casal. Ficam parcialmente iluminados os
monges, agora sentados
em posição de meditação, porém, como de costume, sem a postura das mãos, que
descansam sobre as cochas.
Mantém-se assim até o final da chuva.)

(escuro.)

CENA II

(Os oito figurantes abandonam os tecido que formavam os rios ao palco. Os monges
saem. Entra o diabo:)

Diabo - “ – Me chamo Seth – pra não dizer Satã (à parte) – hahaha.... mas pode me
chamar de Astolfo, Priscila, Marcelo, Rodrigo... hahahaha

Você acha que me conhece?! ...não conhece a missa metade! Hahaha


Aposto que você acha que eu sou um destes fantásticos entes a vagar pelas profundezas,
ou um longínquo personagem de fábulas e lendas... permita-me ser cruel! – eu adoro
isso (à parte) – se enganou ! hahaha...
porém, quando me vê no bruto, chama logo por mim... assim também fica fácil me
reconhecer!
Na realidade... e para minha sorte (à parte)... você não vê que eu estou é aí!

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Bem aí dentro de você... agora mesmo!!

... mas, não se incomode comigo... – cinicamente. Hahaha


Eu não vou lhe fazer mal algum! – mais cinicamente ainda - Hahaha
Basta você continuar fazendo vista grossa, achando que você sou eu, e eu prometo que
respeitarei os seus limites – (à parte): – eles sempre caem nessa, mas aos poucos...
Hahaha
Disfarçando o riso, continua: - Além do mais, ninguém vai desconfiar de nada, eu saberei
muito bem me esconder e saiba: - a grande maioria acha nossos termos bem razoáveis;
portanto, o que você vê por aí são meus primos comandando e se escondendo atrás de
todos os outros Centauros...
Somos uma família agora, o que você acha?!... hahaha

E sem deixar o Centauro pensar ou responder:


Afinal, para que você saiba que eu não possuo o dom da ambigüidade à toa, darei para ti
mil corações, milhares de pensamentos e infinitos desejos insaciáveis!! Não lhe parece
bom? Você poderá ser quem você quiser. Pensar o que quiser. Deixar o coração livre
para reacionar o quanto e contra quem quiser. Será igualzinho aos humanos... não é o
que você quer?!! Hahaha

Também... se não quiser fazer acordo comigo... tudo bem!! Basta não me atormentar,
continuando a viver assim sem olhar pra dentro de si mesmo, que eu vou me virando...
(meio nervoso - intimidativo) ...você se identifica comigo, eu com você...(acalmando) uma
casamento perfeito... e viveremos felizes para sempre (ironicamente)... hahahaha

Pois eu sei que você adora estar comigo quando joga gamão com os seus amigos...
Igualmente, quando responsavelmente vai a feira...
Quando se faz de bom moço na reunião do conselho...
Quando em família ceia com os seus...
Quando reza a missa dominical...
hahahahahahahahaha
hahahaha
ha

(... e vira a capa tipicamente, recomeça o efeito de guitarra. O Tinhoso rebola


engraçadamente
durante este trecho, dando algumas olhadas cínicas e cômicas para a platéia.
Do lado direito do palco
um coro de mulheres, vestidas como nos corais ‘Gospel’ ou branco como na música
‘Samba da Liberdade’;
são quatro: três cantoras e uma dançarina negra, aguardando o momento de atuar. O
cantor desta música tem que parecer
"rock'n roll": óculos caçador, calças jeans apertadas, cabelo transado, jaqueta de couro
ou jeans surrada,
botina e fazer grande performance no centro do palco. Eis que começa o canto e entram
muitos
demônios a dançar desconcertada e engraçadamente.

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Todos vestidos de preto e vermelho, assim como o tinhoso mor. Eles definitivamente
não entram em acordo.
Até os tecidos que descansavam ao solo são motivos de disputa. A torre que se
posicionava
disfarçadamente por tecidos é desnudada e arrastada mais para o centro do palco e finda
por ficar fora de esquadro em algum lugar propício. Caso as laterais e fundo estejam
sendo cobertos com tecidos vermelhos, estes também serão arrancados e jogados a
esmo. Entre os demônios
encontramos as nossas três conhecidas personagens: a enfermeira, a diabrete e a
sadomazoquista.
Eis que entra o rapper, deixando o rockeiro "cismadão". Sai o rapper.
A partir do último canto,
quando entra em atividade o coro, sai a dançarina negra do posicionamento,
pega uma vassoura estrategicamente posicionada, que não pareça com aquelas de bruxa,
e vai varrendo os demônios do palco. Regozija-se com isso.)

Miséria
Hei, eu disse, olha ele aí!
Eu não pedi pra ser tão tinhoso assim.
Se eu sou ele quem é ele então?
E se de repente ele me estorva o ovo me afeta a calma me incrimina o corno
Por favor, não me venha com esse papo bobo esse tal de consolo.
O meu caminho é a revolução.
Contra mim, minha miséria e o que vier.
Contra minha...
...miséria interior.

A vida não é fácil não vacile, meu irmão


Pra quem quer ver verdade não imite a imitação:

O cara vai
O outro foi
A mina cai
Eu vou também?

O homem vai
O outro foi
A mina cai
Eu vou também?

Quem aprende a aceitar-se do jeitinho que se é


Nunca vai ver a verdade
Na metade vai ficar

Diga lá de onde vem o pensamento;e o sentimento?


Diga lá, meu irmão, de onde vem o sentimento;de onde vem o pensamento?
- descubra em si –
- descubra em si -

31
O cara vai
O outro foi
A mina cai
Eu vou também?

O homem vai
O outro foi
A mina cai
Eu vou também? Não, não, não, não!

Você nasceu pra vencer; ser livre.


Lute por isso em si mesmo agora e aqui.

CENA III

(o palco vazio recebe apenas os três tecidos retorcidos e a torre posicionada ao acaso,
mais ou menos ao centro. O palco é plenamente iluminado a mostrar o caos.
Aparece o Samurai num cantinho do palco e logo se recolhe:)

Samurai - Não se deixe cair?

(...e logo em seguida começa o blues. Entram Ariadne e o nosso Herói,


cada um por um lado do palco. Olham desconfiadamente para a estrutura.
Logo começam uma elaborada e perigosa coreografia, na qual dão a entender que vão
cair,
mas se seguram e, ainda, ficam dançando de cabeça para baixo.
O cantor veste-se livremente. A partir de certa altura a iluminação passa a ser
direcionada, exclusivamente para a torre.)

32
O Jardim
Suas palavras desperdiçadas ao ar;
Guardei.
Como botões adormecidos
Desabrocharam-se em arco-íris,
Trazendo em mim lembranças de sons e perfumes...
... já vividos.
Tudo pode ser no que não se foi.

Na sua sabedoria e na indiferença,


Meus desejos e defeitos...
... ocultos...
... no silêncio da sua voz.

Ela me amava eu sei.


Como me amava eu não sei.

(termina a música em escuridão total.)

QUADRO V

(dia no campo... era um dia lindo... este quadro é idêntico ao primeiro: Centauro
cabisbaixo etc.)

ÚNICA

(entra o narrador:)

Narrador - Sutilezas, sutilezas;


Avarezas, avarezas.
- Diga espelho meu, quem pode
Saber mais no mundo qu’eu?

Não me leve mal amigo,


Se te falo assim sem nexo:
Sei sou tolo a tempo antigo.
- não, pois, vejo aquel’reflexo,

33
Nada sei nem sou um sábio,
Nem assim me julgo tal.
Se te falo assim inábil,
Sou apenas um jogral.

Só apresento o acontecido,
Que vos trago do passado;
Em disfarce vêm tecido
Por poeta muito alado.

- Quem duvida, nunca aprende;


Só por crenças, não se alcança;
Traição já é dor pungente.
Pio saber se faz é a lança.

Mas não vá sair daqui


Atirando as escuras,
Maltratando o infeliz
Que só crê na carne dura.

Pois quem mata a um irmão,


Só por conta de ideais,
Nesse mundo vive não:
- desde o inferno lhe ouço os “ais”!!

Ai! Ai! Ai! Me escuta amigo:


- nunca, nunca nessa vida,
Jamais siga a alguém aflito
Que a paz não ache em si.

Aliás, nunca não siga


Nunca, nunca a ninguém;
Realize em ti a vida.
– Mas, lições tenha de alguém –

Quando disse, pois, navalha;


Vai viver grande batalha
Contra ti, contra ti mesmo,
Onde o mal habita a esmo.

Já por hora me despeço:


- adeus, tchau, bye bye, té logo.
Mas, escute este conselho;
Se me honras; se assim posso.

Quem quiser mais ver do mundo


Veja o mundo a uma tela.
- lá no coração bem fundo
Há um menino e uma donzela –

34
Ela mãe que pode tudo
Ele fogo, chama assaz.
Peça a ela uma virtude,
Ao menino peça as asas.

Mas não andes só no morro


O perigo aí se instala
Nem escute a um homem turvo
Como esse que vos fala.

Procurar um sábio ‘ão’


É questão primordial:
- Ouça a Deus com intuição;
Siga o bem não olhe o mal!!

(sai. Levanta-se o Centauro e eis que entra Ariadne a caminhar


descompromissadamente, fazendo gestos idênticos ao Centauro. Param e viram de
frente um pro outro. Bem próximos:)

Centauro e Ariadne juntos - Carninalhice romântica me custodia a alma;


Cabeça murídea sagaz intrépido Bucéfulo por equivoco e ventura indomável.
...Tardio repente debelável:
- Compulsório desfibrilador Armagedon – Pedro.

Graças ao suave vento norte,


Hermético inspirador monçônico – Dante –
Exalante de inexplicável aroma morte
E que, não obstante, moveu a cruz cabrália em sul-poente direção;
Sentido, somente, porém, por sensor a mais que d’antes – forte intuição.

Monchão!!
Monchão na alma!!
Glória!
Valei-me!

(surge o Besouro voando... bate a cabeça na árvore e cai próximo ao casal:)

Besouro – hum! ...oi... Vocês estão bem afinadinhos... ...mas, você, Centauro, continua
um belo de um cavalão, heim?! Hã! Hã! Hã!
Centauro – ...é... ...e sua cabeça continua bem resistente!
B – hum!

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C – só que desta vez eu tenho uma surpresa pra você, Besouro! Vamos! Vamos! ...eu
quero te mostrar uma coisa... - e sai arrastando o Besouro do mesmo modo que este
fazia com aquele.

(seguem em direção ao Samurai que vigorosamente treina... pega uma espada


posicionada em qualquer lugar; Ariadne faz exatamente o mesmo (juntos); mas antes de
se posicionarem próximo ao Samurai:)

Samurai - “Uns homens pedem senha para cair e


Outros pedem sabedoria para obrar,
Mas o coração esperançado tem tudo em suas esperanças.”

( agora o Samurai treina esgrima com o casal bem ao centro


do palco. O treino é individual, uma vez que o
Samurai produz o movimento e o casal o imita. Finda o trecho o Samurai segue em
direção à platéia e apontando para o palco: ...mas quem fala é o Besouro:)

Besouro - Tudo isso é pra vocês! - ...e sai, juntamente com o Samurai.

(começa a canção. O cantor veste-se como anjo e posiciona-se bem na frente do palco.
As três "Graças" dançam também na frente do palco. Ora dão-se as mãos
carasterísticamente,
ora dançam isoladamente, ora deixam o cantor no centro da roda. No palco, continuam a
treinar o casal. Encostam as espadas
sempre em movimentos vagarosos. Inclusive param por vezes para corrigir os erros...
eis que começa a entrar toda a companhia a cercá-los por trás. Eles
continuam o treino. Uma meia lua é formada começando numa extremidade frontal,
passando por trás dos nossos heróis e terminando na outra extremidade frontal do palco.
Finda a canção e todos começam a bater palmas para a platéia.)

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Até um anjo te escutar
Moça bonita não chore, não;
Moça bonita não chore,
que eu vou levar o teu lamento pelo ar
até um anjo te escutar.
Abra a boca...
... não diga nada,
Nem blasfêmias recite ao luar.
Aspire a ternura desse lugar...
... estranho ao tempo
Sentimento
Coração.
Santo Templo
Sentimento
Coração... ah!

Seja feliz...
Como a águia certeira a voar;
Feito o raio resoluto a cavalgar no ar.
Seja feliz...
Feito o artesão que insiste em detalhar o olhar.

Estranho Templo
Quem nele oficia é você.

FIM

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