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23/02/2009 http://www.cerebromente.org.

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O Cérebro do Psicopata
Renato M.E. Sabbatini, PhD
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Almas Atormentadas, Cérebros Doentes


[A hipótese do cérebro frontal | Imagens da violência | Conclusões | Próximo]

Por que os sociopatas têm estas características? Os seus cérebros são diferentes
daqueles das pessoas normais? Eles exibem alterações patológicas?

Muitos estudos têm mostrado nos últimos 20 anos que assassinos e criminosos
ultraviolentos têm evidências precoces de doença cerebral. Por exemplo, em um estudo,
20 de 31 assassinos confessos e sentenciados possuiam diagnósticos neurológicos
específicos. Alguns dos presos tinham mais que um distúrbio, e nenhum sujeito era
normal em todas as esferas. Entre os diagnósticos, estavam a esquizofrenia, depressão,
epilepsia, alcoolismo, demência alcoólica, retardamento mental, paralisia cerebral, injúria
cerebral, distúrbios dissociativos e outros. Mais de 64% dos criminosos pareciam ter
anormalidades no lobo frontal. Quase 84% dos sujeitos tinham sido vítimas de severo
abuso físico e/ou sexual. O grupo de assassinos incluiu membros de gangues,
sequestradores, ladrões, assassinos seriais, um sentenciado que tinha matado seu filho
pequeno, e outro que assassinara seus três irmãos.

Em outro estudo realizado no Canadá em 1994, no grupo mais violento de 372 homens
presos em um hospital mental de segurança máxima, 20 % tinham anormalidades focais
temporais do EEG, e 41% tinham alterações patológicas da estrutura do cérebro no lobo
temporal. As taxas correspondentes para o resto do grupo violento foram de 2.4 % e 6.7
%, respectivamente, sugerindo assim um papel importante para os danos neurológicos
na gênese das personalidades violentas, em uma proporção de 21:1 para agressivos
habituais, e de até 4:1 (quatro vezes mais que na população normal), no caso de
agressivos incidentais (uma única vez). O estudo conclui: "nós propomos que, embora
tais discrepâncias não sejam suficientes para confirmar a neuropatologia como uma
causa univariada da agressão criminosa, também não é razoável supor que sejam
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causa univariada da agressão criminosa, também não é razoável supor que sejam
meram artefatos do acaso."

De acordo com os autores Nathaniel J. Pollone e James J. Hennessy, "Vários estudos


em um período de mais de 40 anos sugeriram uma incidência relativamente alta de
neuropatologia entre os criminosos violentos, muitas vezes acima daquele encontrado na
população em geral, em taxas que excedem de 31:1 no caso de homicidas acidentais."
(35 Annual Meeting of the Academy of Criminal Justice Sciences, Albuquerque, NM,
14 março, 1998).

Ainda que este tenha sido sempre um assunto muito controvertido, muitos pesquisadores
acham que existem fortes argumentos à favor de um substrato da doença cerebral
presente em criminosos violentos; e que isto tem consequências importantes para muitas
coisas, desde do ponto de vista da lei, até a perspectiva de uma prevenção efetiva e do
tratamento da sociopatia.

A Hipótese do Cérebro Frontal


Como os indivíduos sociopatas têm alterações marcantes em relação aos outros seres
humanos, é natural que se devesse investigar primeiro se a parte do cérebro que é
responsável por este tipo de comportamento também teria alguma anormalidade
significativa.

Muitos comportamentos associados às relações sociais são controlados pela parte do


cérebro chamada lobo frontal, que está localizado na parte mais anterior dos hemisférios
cerebrais. Todos os primatas sociais desenvolveram bastante o cérebros frontal, e a
espécie humana tem o maior desenvolvimento de todos. Auto-controle, planejamento,
julgamento, o equilíbrio das necessidades do indivíduo versus a necessidade social, e
muitas outras funções essenciais subjacente ao intercurso social efetivo são mediadas
pelas estruturas frontais do cérebro (veja o artigo da dra. Silvia Cardoso "A Arquitetura
Externa do Cérebro" na revista Cérebro & Mente para entender o que é o cérebro
frontal).

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As principais subdivisões do encéfalo


humano. As áreas frontais incluem o lobo
frontal (sua porção anterior é chamada de
área pré-frontal), o córtex motor
(responsável pelo controle voluntário do
movimento muscular) e o córtex sensorial
(que recebe a informação sensorial vinda
principlamente do tato, vibração, dor,
propriocepção e sensores de temperatura).
Existem áreas separadas para olfação, gosto,
visão e audição. A área de Broca é uma área
especializada, responsável pela expressão
motora da fala.

Há muito tempo que os neurocientistas sabem que as lesões desta parte do cérebro
levam a déficits severos em todos estes comportamentos. O uso abusivo da lobotomia
pré-frontal como uma ferramenta terapêutica pelos cirurgiões em muitas doenças
mentais nas décadas de 40 e 50, forneceu dados mais que suficientes aos pesquisadores
para implicar o cérebro frontal na gênese das personalidades antissociais (veja meu
artigo sobre a história da psicocirurgia na segunda edição da Cérebro & Mente.

Ilustração da leucotomia transorbital, uma operação


cirúrgica que foi amplamente utilizada nos anos 50
para executar lobotomia pré-frontal em muitos tipos
de doença mental. Desenvolvido pelo neurocirurgião
americano Walter Freeman, ela consistia em inserir
uma lâmina no teto ósseo de uma das órbitas usando
um martelo e anestesia local. O movimento da lâmina
lesava conexões importantes entre as áreas frontais e
o resto do cérebro.

Existem muitos exemplos de pessoas que adquiriram personalidades sociopáticas devido


a lesões patológicas do cérebro, tais como tumores. Por exemplo, um estudo de caso em
1992 descreveu um paciente que desenvolveu alterações de personalidade, as quais se
assemelhavam fortemente a um distúrbio de personalidade antissocial, após a remoção
cirúrgica de um tumor na glândula hipófise, o qual provocou danos a uma parte do lobo
frontal chamado córtex órbito frontal esquerdo. Neste caso, testes neuropsicológicos e
de personalidade não revelaram qualquer déficit cognitivo ou psicopatologia.
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Antonio and Hanna Damasio, dois notáveis neurologistas e pesquisadores da


Universidade de Iowa, investigaram na última década as bases neurológicas da
psicopatologia. Eles mostraram em 1990, por exemplo, que indivíduos que tinham se
submetido a danos do córtex frontal ventromedial (e que tinham personalidades normais
antes do dano) desenvolveram conduta social anormal, levando a consequências
pessoais negativas. Entre outras coisas, eles apresentaram tomada de decisões
inadequadas e habilidades de planejamento, as quais são conhecidas por serem
processadas pelo lobo frontal do cérebro.

Os Damasios também reconstituíram


neurológicamente o primeiro caso conhecido de
alteração de personalidade devido a uma lesão frontal
no cérebro, observado no século XIX. Phineas Gage,
um supervisor de obras ferroviárias, perdeu parte de
seu cérebro com uma barra de ferro que atravessou
seu crânio quando uma carga explosiva foi colocada
acidentalmente (veja meu artigo sobre este caso na
revista Cérebro & Mente e também o website que
registra o 150o. aniversário do acidente). Ele
sobreviveu por muitos anos ao extenso trauma, mas
tornou-se uma pessoa inteiramente nova, abusiva e
Reconstrução computadorizada da agressiva, irresponsável e mentirosa, incapaz de
destruição do cérebro de Phineas imaginar e planejar, e completamente diferente de sua
Gage pela barra de ferro.
formação (de acordo com um contemporâneo,
"Phineas não é mais o Phineas").

Baseado em uma sofisticada reconstrução


computadorizada da possível extensão do dano
cerebral, Gage parece ter sofrido uma lesão no córtex
frontal ventromedial, em um lugar muito similar
àqueles dos modernos pacientes de Damásio.

Por que o cérebro frontal parece ser tão importante na gênese de indivíduos antissociais?

Uma hipótese provável é que quando não existe punição, ou quando a pessoa é incapaz
de ser condicionada pelo medo, devido a uma lesão no córtex órbito-frontal, por
exemplo, ou devido a baixa atividade neural nesta área, então ele desenvolve uma
personalidade antissocial.

Pesquisas com animais têm mostrado que o córtex órbito-frontal direito está envolvido
no medo condicionado. Por exemplo, quando um rato é punido com um choque elétrico
cada vez que uma luz pisca em sua gaiola, ele sente medo, por associar aquele estímulo
à punição. Seres humanos normais aprendem muito cedo na vida a evitar
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comportamentos antissociais, porque eles são punidos por isso e também porque eles
possuem circuitos cerebrais para associar o medo da punição (sentimento da emoção) à
supressão do comportamento. Este parece ser um elemento chave no desenvolvimento
da personalidade.

Felizmente, temos agora uma maneira mais direta de visualizar a função cerebral, e que
tem conduzido a uma notável explosão em nosso conhecimento sobre o funcionamento
interno do cérebro do psicopata nos últimos dois ou três anos: a tomografia PET.

Imagens da Violência

Imagens funcionais do cérebro, tais como


aquelas produzidas por PET (positron
emission tomography) têm sido usadas para
corroborar a existência de déficits
neurológicos no lobo frontal em sociopatas.
O PET obtém seções transversais do
cérebro reconstruídas por computador,
mostrando em cores vívidas o nível da
atividade metabólica de neurônios. Isto é O equipamento de Tomografia por Emissão de
conseguido injetando-se moléculas de Pósitrons (PET) obtém imagens seccionais do
glicose marcadas radioativamente no sangue cérebro vivo, usando cores para representar o
grau de atividade. Crump Institute for Biological
de pacientes e observando o quanto dele é Imaging, University of California, Los Angeles.
incorporado em células cerebrais vivas.
Quanto mais ativas são as células (quando
elas estão processando informação, por
exemplo), mais intensa é a imagem naquele
ponto (veja meu artigo "PET: Uma Nova
Janela para o Cérebro", na revista Cérebro
& Mente, para entender melhor como
funciona esta técnica).

Usando o PET, o pesquisador médico americano Adrian Raine e colegas estudaram


assassinos, com resultados surpreendentes. Eles encontraram que 41 assassinos tinham
um nível muito diminuído do funcionamento cerebral no córtex pré-frontal em relação
às pessoas normais, indicando um déficit relacionado à violência. Em outras palavras,
mesmo quando nenhuma alteração patológica visível era apresentada, o dano frontal era
aparente, através de uma atividade anormalmente baixa do cérebro naquela área. "O
dano nesta região cerebral", notou Raine, "pode resultar em impulsividade, perda do
auto-controle, imaturidade, emocionalidade alterada, e incapacidade para modificar o
comportamento, o que pode facilitar atos agressivos". Outras anormalidades observadas
pelo estudo de PET do cérebro de assassinos incluiu um metabolismo neural reduzido
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pelo estudo de PET do cérebro de assassinos incluiu um metabolismo neural reduzido
no giro parietal superior, giro angular esquerdo, corpo caloso, e assimetrias anormais de
atividade na amígdala, tálamo, e lobo temporal medial. É provável que estes efeitos
sejam relacionados à violência e criminalidade; pois algumas destas estruturas fazemo
parte do chamado sistema límbico, que processa emoções e comportamento emocional
(por favor, veja "Sistema Límbico: O Centro das Emoções" na Cérebro & Mente)

Um aspecto interessante da pesquisa do Dr. Raine é que ele correlacionou as imagens


cerebrais de PET à história pessoal do assassino, afim de certificar-se se eles tinham
sido submetidos a algum trauma psíquico, abuso físico ou sexual, abandono e pobreza,
quando eles eram crianças (um ambiente deprivado para o desenvolvimento da
personalidade). Entre os assassinos, 12 tinham sofrido abuso significativo ou deprivação
(recebido maus tratos). Foi descoberto que assassinos vindos de lares deprivados tinham
déficits muito maiores na área órbito-frontal do cérebro (14 % em média) do que
pessoas normais e assassinos vindos de ambientes não deprivados.

Imagens PET do cérebro de uma pessoa normal (esquerda), um assassino


com história de deprivação na infância (centro) e um assassino sem história
de deprivação (direita). As áreas em vermelho e amarelo mostram uma
atividade metabólica mais alta, e em preto e azul, uma atividade metabólica
mais baixa. O cérebro de um sociopata (direita) tem uma atividade muito
baixa em muitas áreas, mas que é fortemente ausente na área frontal (parte
superior das imagens). Imagens de Adrian Raine, University of Southern
California, Los Angeles, USA.

Os estudos iniciais controlados, realizados por Raine e colegas foram confirmados por
uma série de investigações baseadas em PET com indivíduos sociopatas e criminosos
violentos. Em um estudo em 1994, 17 pacientes com diagnóstico de distúrbio de
personalidade foram submetidos ao PET. Os pesquisadores provaram que havia uma
forte correlação inversa entre uma história de dificuldades de controle de agressividade
durante toda a vida e o metabolismo regional no córtex frontal. Seis destes pacientes
eram antissociais, o resto tinha vários distúrbios de personalidade (marginais,
dependentes narcisistas). O PET foi usado novamente em 1995 para avaliar o
metabolismo da glicose cerebral em oito sujeitos normais e oito pacientes psiquiátricos
com história de comportamento repetitivo violento. Os autores obervaram que "sete dos
pacientes mostraram amplas áreas de baixo metabolismo cerebral, particularmente no
córtex pré-frontal e temporal medial quando comparado à sujeitos normais. Estas regiões
têm sido implicadas como o substrato para agressão e impulsividade, e sua disfunção
pode ter contribuído para pacientes com comportamento violento". Mais recentemente 6/8
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pode ter contribuído para pacientes com comportamento violento". Mais recentemente
(1997), a tecnologia de imagens cerebrais por PET mostrou também que os psicopatas
diferiram de não-psicopatas no padrão de fluxo cerebral relativo durante o
processamento de palavras com coneteúdo emocional. As mudanças de personalidade
adquiridas devido à injúria cerebral são também acompanhadas por uma diminuição na
atividade neural na área frontal (veja figura abaixo).

Uma imagem PET de diminuição na atividade


neural (parte superior das imagens) do
cérebro de um paciente que sofreu trauma
cranioencefálico (1A), e que desenvolveu
mudanças de personalidade. A Figura 1B
mostra um cérebro normal na mesma área.
Brain Imaging Center, University of
California, Irvine

Evidências indiretas do papel do córtex pré-frontal no comportamento psicopático vêm


de outros experimentos. No Canadá, uma equipe liderada por Dominique LaPierre
comparou 30 psicopatas a 30 criminosos não-psicopatas, usando testes que avaliam a
função de duas partes do córtex pré-frontal: o órbito-frontal e as áreas ventromediais
frontais. Os resultados mostraram que "os psicopatas eram prejudicados em todas as
tarefas órbito-frontais e ventromediais", mas não na função de outras áreas do córtex
frontal. As similaridades entre psicopatas e pacientes com dano de córtex pré-frontal
apareceu em várias áreas do estudo. "Os psicopatas e pacientes órbito-frontais ou
ventromediais mostram uma preocupação exagerada com parceiros sexuais, atuando de
uma forma promíscua e impessoal", observaram os pesquisadores."Ambos são
marcantes quanto à sua falta de julgamento ético e social. Ambos negligenciam as
consequências a longo prazo de suas ações, escolhendo a gratificação imediata ao invés
de um planejamento cuidadoso".

Conclusões
Em resumo, ainda que muitos destes resultados devam ser tomados com cuidado, todos
eles convergem para uma importante descoberta: a de que os cérebros de criminosos
violentos e sociopatas são na verdade alterados de maneira sutil, e que este fato pode
agora ser revelado por novas técnicas sofisticadas. Uma consideração importante é que
o comportamento humano é extremamente complicado e o resultado de uma interação
de muitos fatores sociais, biológicos e psicológicos. "Existem muitos fatores envolvidos
no crime. A função cerebral é apenas uma delas", diz o Prof. Adrian Raine. "Mas, ao
entendermos a sua função cerebral, estaremos em uma melhor posição para entender as
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causas completas do comportamento violento".

Outra desvantagem dos estudos retrospectivos (isto é, feitos após o distúrbio aparecer
em indivíduos estudados), é que é difícil separar causa da consequência. Em outras
palavras, será que o déficit cerebral observado é a causa da anormalidade psicológica ou
apenas o seu resultado?. Além disso, os resultados são ainda preliminares e não dão
credibilidade ao uso destes métodos de neuroimagem e avaliação da função para
"diagnosticar" indivíduos em risco de sociopatia; deste modo eles não devem ser usados
para propósitos clínicos ou forenses no presente estágio.

Portanto, existe razoável evidência que os os sociopatas têm uma disfunção do cérebro
frontal. Porque e quando esta disfunção aparece ainda é totalmente desconhecido, até
agora.

Emocionalmente Insensíveis

Copyright 1998 Universidade Estadual de Campinas


Revista "Cérebro & Mente"
Renato M.E. Sabbatini. PhD
Núcleo de Informática Biomédica

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