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A fragmentação do espaço público: novos desafios

ético-políticos
João Carlos Correia
Universidade da Beira Interior

Índice através da tensão entre o global e o local –


uma tensão que percorre transversalmente os
1 Introdução . . . . . . . . . . . . . 1 domínios da cultura, dos media, da economia
2 A fragmentação do espaço público 1 e da política. Num contexto de mediatização
3 As reacções à fragmentação do es- generalizada: muitas das identidades emer-
paço público . . . . . . . . . . . . 2 gentes, dos respectivos imaginários e visões
4 Do espaço público ao Estado do mundo dependem da presença de meios
Constitucional . . . . . . . . . . 5 de comunicação.
5 A ambiguidade da comunicação . 6 Tal problema urge ser abordado, sob um
6 ... E de novo, o Estado . . . . . . 11 ponto de vista que atribua ao Estado modelos
7 Conclusão . . . . . . . . . . . . . 12 de organização e de observação de procedi-
8 Referencias bibliográficas . . . . . 12 mentos que permitam uma deliberação ver-
dadeiramente democrática fundada na garan-
1 Introdução tia do debate entre os vários interesses legí-
timos. O facto de esta ser uma posição “con-
Recentemente, assistimos a uma verdadeira trafactual”, exercida no plano de um con-
transformação estrutural do Espaço Público fronto entre os factos e as normas, não cons-
seja no seu entendimento mais lato, enquanto titui, a nosso ver, um óbice, na exacta medida
espaço de visibilidade pública; seja no seu em que entendemos que a pura observação
entendimento normativo, como instância de da realidade só existe no plano de uma so-
comunicação política aonde é colocada a ciologia positivista estreita e de um entendi-
questão da legitimidade do poder e onde se mento impotente da Teoria Política e do Di-
verifica um debate com vista à produção da reito.
deliberação colectiva. Esta transformação
estrutural manifesta-se através segmentação
dos fenómenos de produção e recepção. Para 2 A fragmentação do espaço
tal contribuem as “Novas Tecnologia Multi- público
média”, a Internet, a Televisão por cabo e sa-
télite, a regionalização dos media de massa Hoje, o espaço público, entendido no seu
e a emergência dos fenómenos identitários sentido mais lato enquanto espaço de visi-
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bilidade pública, encontra-se sujeito a ten- e subclasses, culturas e subculturas, grupos


sões fragmentárias. Entre os factores sociais de interesse e minorias associativas são ob-
que mais têm contribuído para esta tendência jecto de uma recomposição crescente. O es-
destacam-se o actual sistema de consumo e, pírito do tempo, particularmente no que diz
em particular, os modernos dispositivos tec- respeito às formas tradicionais de socializa-
nológicos de mediação. ção e de construção da identidade faz ecoar
A diferenciação cultural – traço mais vin- na memória uma velha frase de Marx: “Tudo
cado desta mudança estrutural - está ligada o que é sólido se dissolve no ar. “
a fenómenos extraordinariamente diversos Grande parte destas transformações sur-
como sejam as pressões do mercado com gem associadas aos mass media. A globali-
vista à emergência de novos segmentos de zação desvalorizou as identidades baseadas
consumidores, aos fluxos migratórios euro- em papéis sociais em detrimento crescente
peus, às alterações de costumes e do estatuto de identidades baseadas em pertenças cultu-
da mulher, ao aumento da mobilidade, à re- rais. Logo, os media emergem mais fortes na
lativização dos Estados-Nação, à enfatização sua ligação quase estruturante com a defini-
das diferenças identitárias em torno de temas ção dos territórios simbólicos que permitem
como a religião, a região, o género ou o am- a formulação destes novos tipos de afirmação
biente, à especialização dos mercados e ao identitária (Touraine, 1998:51).
aparecimento de uma nova forma de tecno-
logia relacionada com a produção de infor-
3 As reacções à fragmentação do
mação e de conhecimento.1 Regiões, classes
espaço público
1
Pelo seu vigor e capacidade de síntese não re-
sistimos a recorrer a esta citação de Castells: “as mu- O problema que estes fenómenos contradi-
danças sociais são tão grandiosas como os processos tórios suscitam é de natureza ético-política
de transformação tecnológicos e económicos. Apesar seja quanto ao estatuto a conferir ao Estado
de todas as dificuldades no processo de transforma-
ção da condição feminina, o patriarcado foi atacado
seja no que respeita as possibilidades desse
e abalado em muitas sociedades. Assim, as relações mesmo Estado intervir na regulação de uma
de género tornaram-se na maior parte do mundo, num instância decisiva para a formulação do pro-
domínio de disputas em vez de uma esfera de repro- blema: os mass media e, especialmente, a
dução cultural. Há uma importante redefinição das produção jornalística. Perante a multiplici-
relações entre as mulheres, homens e crianças e, con-
sequentemente, da família, da sexualidade e da perso-
dade de pretensões de validade que se apre-
nalidade. A consciência ambiental penetrou as insti- por um instante em torno de um símbolo dos media.
tuições da sociedade e os seus valores tornaram-se po- Num mundo de mudanças confusas e incontroladas,
liticamente apelativos foi o de passarem a ser usados as pessoas tendem a reagrupar-se em torno de identi-
e manipulados na prática diária das empresas e das dades primárias: religiosas, éticas, territoriais e nacio-
burocracias. Os sistemas políticos estão mergulhados nais. O fundamentalismo religioso, cristão, islâmico,
numa crise estrutural de legitimidade, periodicamente judeu, hindu e até budista (o que parece ser um con-
arrasados por escândalos, dependentes dos media e da tra senso) é provavelmente a maior força de segurança
liderança personalizada e cada vez mais isolados dos pessoal e mobilização colectiva nestes anos conturba-
cidadãos. Os movimentos sociais tendem a ser frag- dos” (Castells, 2002: 3).
mentados, locais, com um objectivo único e efémeros,
ora fechados nos seus mundos interiores ora brilhando

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A fragmentação do espaço público 3

sentam num espaço público de natureza de- ano individual numa mercadoria de elevada
mocrática como é possível assegurar uma re- rentabilidade (até pela dispensa de actores
gulação colectiva que não se traduza na crise especializados) confundir-se-ia com o direito
dos sistemas de mediação e de representa- de acesso democrático à visibilidade.
ção (problema da governabilidade) nem ao Finalmente, sob o ponto de vista político,
invés, numa concepção de cidadania mera- é duvidoso que os movimentos sociais cen-
mente centrada na rotação das elites (pro- trados na diferença signifiquem necessaria-
blema da participação)? A resposta a este mente o tão desejado regresso do actor (Tou-
problema, ou melhor às duas dimensões do raine, 1996). Muitas das relações sociais tí-
problema, implica uma tomada de posição a picas da nossa contemporaneidade despre-
dois níveis: a) a relação do Estado com a plu- zam a reflexividade crítica própria da moder-
ralidade das diferenças legítimas; b) uma in- nidade. Ao lado da libertação dos dialectos e
quirição sobre o papel dos mass media, pois das comunidades minoritárias, o fundamen-
o espaço público contemporâneo é mediati- talismo, o tradicionalismo e o culto exacer-
zado em larga escala e os media desempe- bado de uma crítica de universalidade feita
nham um papel fundamental na representa- em nome de valores pré-modernos condu-
ção dos interesses contraditórios. zem à defesa da pureza étnica. Receia-se
Uma primeira reacção encara este fenó- (Dayan, 1990: 105) que as sociedades oci-
meno com elevado criticismo, parcialmente dentais se estilhacem numa multiplicidade
justificado. penosa de guerras de secessão. A não ser
Ao nível antropológico, é clara a suspeita integrada num esquema englobante de de-
de que muitas das identidades perdem a sua fesa das liberdades públicas que enfatize os
dimensão relacional e crítica se esgotam na valores universais e cosmopolitas, a política
exploração de mecanismos compulsivos de das identidades pode facilmente desembocar
desejo. No plano comunicacional, a mul- num novo tribalismo2 . Corre-se o risco de
tiplicação de espaços públicos não significa reforçar uma manta de trapos de identidades
o aumento do pluralismo político e traduz locais, em que as pessoas só possam falar e
uma segmentação de audiências e de nichos interrelacionar-se com os que lhe são imedi-
de mercado, numa perspectiva comercial ao atamente contíguos ou com quem partilhem
serviço de uma lógica de acumulação de ca- uma característica comum3 . É um alerta para
pital (Gitlin, 1995). Esta tendência para a 2
Mais uma vez vale a pena citar Castells: “A so-
segmentação lança dúvidas sobre a fiabili- ciedade informacional, na sua manifestação global, é
dade e solidez da esfera pública - da qual também o mundo de Aum Shinrikyio (Seita da Ver-
apenas se vislumbraria uma pálida nostal- dade Suprema), das Milícias Norte Americanas, das
gia. Sob o signo do multiculturalismo, os ambições teocráticas islâmicas/cristãs e do genocídio
recíproco de hutus e tutsis” (Castells, 2002:4).
media de hoje, organizados em segmentos 3
Apesar de não nos podermos debruçar em pro-
alvo e subculturas de consumo, capitalizam fundidade sobre a matéria importa lembrar que os
graças à multiplicação de fronteiras identitá- movimentos sociais de defesa das identidades social-
rias. No limite, recorre-se a um novo ele- mente desfavorecidas são muito diferentes na sua re-
mento induzido pelas tendências mais recen- lação com tradição moderna de defesa do aprofunda-
mento da universalidade dos direitos. O movimento
tes dos media: a transformação do quotidi-

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o qual a própria actualidade tão tragicamente lação de direitos humanos e explode sob a
próxima não deixa de chamar a atenção. forma detestável do Terror? Como garantir a
Uma segunda reacção, tipicamente pós- universalidade sem desconsiderar o particu-
moderna e especialmente optimista, acredita larismo e o pluralismo sociológico e político
que a fragmentação é um fenómeno cultu- de tal modo que a sua eventual omissão se
ral e político que permite o regresso das tais não venha a traduzir numa efectiva violação
pequenas narrativas e dialectos. Chega-se a dos direitos humanos? Como garantir ine-
considerar relativamente irrelevante discutir vitáveis consensos em face do incontornável
questões como a concentração da proprie- diferendo desperto pelas múltiplas e confli-
dade dos mass media (Vatimo, 1992) por ser tuais pretensões de legitimidade apresenta-
uma questão relativamente menor se compa- das pelas identidades em luta pelo reconhe-
rada com a capacidade de os mesmos media cimento? O problema tem um sentido verda-
desempenharem uma tal função democrati- deiramente desafiante na medida em que nos
zante. A pluralidade e as aventuras da dife- lança no coração das relações complexas en-
rença surgem como se fossem em si próprias tre o uno e o diverso.
um fim exaltante. Com plena consciência das dificuldades
Em alternativa a qualquer destas possibi- em obter certezas, creio que a resposta passa
lidades, é possível desenhar uma concepção pela insistência num modelo de democracia
menos unilateral que continue devedora da deliberativa assente num confronto entre lei-
ideia de espaço público aceitando críticas turas plurais da vivência cívica, enquadrado
dos novos movimentos sociais. Os proble- por modelos de regulação do debate que con-
mas que se colocam são relativamente evi- tinuam a conferir ao Estado Constitucional
dentes embora se adivinhem cada vez mais de Direito a primazia. A diferenciação intro-
complexos: Será que muitas dessas preten- duzida pelos particularismos emergentes ha-
sões ao reconhecimento da diferença não es- verá de equacionar-se com um universalismo
condem, dentro de si, uma manifestação de que permita, por um lado, a afirmação das es-
exotismo comercial e de um regresso de um pecificidades, e por outro lado, impeça que a
comunitarismo que implode através da vio- afirmação dessas especificidades se sobrepo-
nha aos direitos humanos. O corolário é a
feminista e o movimento sindical, por exemplo, têm
uma tradição maioritária de aprofundamento da uni- defesa do direito de manter a própria forma
versalidade dos direitos humanos. Por outro lado, há de vida cultural com a obrigação de aceitar o
movimentos de defesa dos direitos das etnias e contra marco político da convivência definido pela
a discriminação racial que mantém no seu horizonte supremacia dos direitos humanos. Esta con-
uma relação positiva com a universalidade dos direi-
vicção traduz-se numa concepção de cidada-
tos humanos, aceitando a primazia dos preceitos do
Estado de Direito Constitucional relativos a plurali- nia em que a exigência de coexistência de
dade dos valores e das normas e à igualdade, reci- subculturas em igualdade de direitos se en-
procidade e responsabilidade mútua dos diversos ac- contra submetida à reserva segundo a qual
tores sociais. Esta primazia, todavia, não pode ser as confissões, crenças e práticas protegidas
aceite, apenas, na relação entre os diferentes grupos
não podem contradizer os princípios do Es-
mas também nas relações entre os diferentes mem-
bros do grupo. tado Constitucional Democrático que garan-

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A fragmentação do espaço público 5

tem a sua avaliação em condições considera- central na discussão em torno da fragmen-


das justas. tação cultural uma vez que são as discussões
No campo mais específico dos media e democráticas que possibilitam aos cidadãos
do jornalismo postula-se uma atitude crítica, a oportunidade de esclarecerem quais as tra-
que se recusa, no entanto a seguir uma via dições que querem perpetuar e quais as que
que passe pela condenação ou absolvição ge- querem abandonar ( Ferry, 1989:17)
neralizada. Aceita-se que o fenómeno da co- - desde logo também se aceita uma certa
municação é polimórfico e marcado por gra- suspeita em relação aos ideais de universali-
duações diversas. Muitas das críticas formu- dade que atravessavam a esfera pública sem
ladas pela primeira tendência – a despoliti- abandonar o reconhecimento de uma força
zação da comunicação pública, o aproveita- crítica originária nessa mesma tradição de
mento comercial das tendências de diferen- origem burguesa Esta suspeita não incide so-
ciação identitária - são genuínas e estão pre- bre os ideais de universalidades mas sobre a
sentes no espaço público português. Porém, ausência da sua realização efectiva. Assume,
as possibilidades de resistência e de aprofun- por isso, uma certa forma de olhar sensível às
damento democrático da indústria mediática diferentes formas de desigualdade, de ocul-
também se continuam a revelar. tação do sofrimento, de imposição da dor e
de prática da discriminação. Parece impor-
tante analisar as diferenças relativas da capa-
4 Do espaço público ao Estado
cidade dos diferentes públicos no acesso ao
Constitucional debate democrático, a pluralidade de interes-
Nesta posição confluem vários factores que ses e de pretensões que se fazem sentir nesse
urge ponderar com as devidas cautelas: espaço, as relações de poder, a posição dife-
- desde logo, insiste-se no modelo da Pu- renciada das redes de comunicação, a estru-
blicidade como uma tradição da moderni- tura de influências que, decerto, se faz sentir
dade graças ao qual a se opera a transforma- no seio dessa instância;
ção do domínio público em espaço público. - finalmente esta perspectiva enfatiza de
O impulso crítico desencadeou transforma- forma particularmente insistente o papel do
ções importantíssimas na forma de mediação Estado e do Direito num modelo de demo-
entre o público e o privado. Vindo de baixo, cracia deliberativa. Ao mesmo tempo re-
da reunião das pessoas privadas em espa- lança a discussão sobre as condições de vi-
ços informais onde se procede ao intercâm- abilidade de um espaço público informal, o
bio dos argumentos, o impulso crítico desen- qual é em larga medida, um espaço público
cadeou transformações importantíssimas na mediatizado. A questão reside em garantir
forma de mediação entre o público e o pri- a existência de fluxos entre a constituição da
vado, sendo responsável pela afirmação de opinião na esfera pública e a tomada de deci-
uma autonomia da pessoa como limite da le- são institucional. Estes fluxos implicam uma
gitimidade das decisões do poder. A publici- análise exigente da forma como está organi-
dade é retomada pela concepção democrática zado o espaço público contemporâneo, quais
de sociedade civil e desempenha um lugar as suas instituições, constrangimentos e de-
sigualdades (cfr. Habermas, 1996; 1985).

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Este modelo de democracia deliberativa, sos de decisão e de produção legislativa no


formulado de modo relativamente recente interior do sistema político. Os grupos cí-
por Habermas e Arato e Cohen crê encontrar vicos são vistos como actores que procuram
nos princípios constitucionais vigentes (a di- modificar a percepção e interpretação dos
visão de poderes no aparelho estatal, a vin- problemas sociais. Podem articular projec-
culação do Estado ao Direito e em particular tos alternativos de políticas públicas, divul-
nos mecanismos parlamentares de produção gando, entre outros grupos populacionais, o
legislativa), um reflexo, pelo menos parcial interesse pelas suas causas. Não há dúvida
do seu modelo político. O Direito permite que muitas formas de poder ilegítimo per-
a uma sociedade regular as respectivas inte- manecem nas mega - instituições sistémicas.
racções sem ter que ter em conta as motiva- Porém, o uso do poder não fica imune a uma
ções directas de cada um dos seus membros.. crítica que no limite conduz à crise da pró-
A importância desta neutralidade processual pria legitimidade da decisão.
não significa uma espécie de refúgio na po-
sitividade da lei. Por um lado, as questões
5 A ambiguidade da
que dizem respeito à identidade e à forma
de vida podem e devem ser objecto de de- comunicação
bate público. Por outro lado, acredita-se que Para o funcionamento geral deste modelo de-
as sociedades multiculturais só conhecerão liberativo importa que se generalize, no es-
a coesão desejável se para além de propor- paço público, em parte graças à mediatização
cionarem uma cultura de cidadania em que e especialização crescentes, a presença do
imperem os direitos de liberdade e de parti- fenómeno da influência – como uma forma
cipação, dinamizarem a fruição dos direitos simbólica generalizada de comunicação que
sociais e culturais. Finalmente, a insistência facilita a interacção em virtude da convic-
na importância do Estado de Direito implica ção ou da persuasão. Toda a esfera gigan-
a manutenção de uma relação com os me- tesca e complexa da informação pública –
canismos informais de debate e de delibera- ou seja, toda a produção e consumo do co-
ção pública.: “O desenvolvimento e a conso- nhecimento social disponível nas sociedades
lidação de uma política deliberativa depen- complexas – depende da mediação dos mo-
dem não de uma cidadania colectivamente dernos meios de comunicação. Para Haber-
capaz de acção, mas da institucionalização mas, “os cidadãos comportam-se como um
dos correspondentes procedimentos e pres- público quando dialogam sem restrições –
supostos comunicativos, assim como da inte- ou seja, com a garantia de liberdade de as-
racção entre deliberações institucionalizadas sociação e de reunião e de exprimirem em
com opiniões públicas desenvolvidas infor- público as suas ideias - acerca de assuntos
malmente” (Habermas, 1996: 298). de interesse geral. Num público de grande
A esfera pública, surge como uma esfera dimensão este modo de comunicação exige
de identificação, detecção e tematização de meios específicos para transmitir informação
problemas, cuja influência se deve continuar e influenciarem os que a recebem. Hoje, jor-
a reflectir no posterior tratamento das ques- nais e revistas, Rádio e TV são os meios da
tões que, seguidamente, originam os proces-

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esfera pública. Apenas quando o exercício picos, contributos e agentes na esfera pú-
do controlo politico é efectivamente subordi- blica. A pressão selectiva exercida pelos me-
nada à exigência democrática de que a infor- dia exerce-se seja do lado da oferta seja do
mação seja acessível ao público, a esfera pú- lado da procura. A imagem dos políticos
blica ganha uma influência institucional so- apresentada na televisão é composta por te-
bre o Governo através dos corpo legislativo” mas e contributos profissionalmente produ-
(Habermas, 1974 apud Calhoum: 1996:289). zidos como inputs dirigidos para os media
Se olharmos o espaço mediático como uma através de diferentes formas de assessoria,
instância de competição na luta pela defini- conferências de imprensa e campanhas de re-
ção e a construção da realidade social, o pro- lações públicas entre outros dispositivos co-
blema dos media torna-se merecedor de uma nhecidos, que exigem recursos financeiros,
aturada reflexão. Sem eles, torna-se utópico técnicos e profissionais.
falar em decisão democrática. Porém, mui- Ao mesmo tempo, os media apelam cada
tas vezes eles próprios se tornam obstácu- vez mais ao envolvimento emocional de um
los reais às possibilidades dessa mesma de- modo que contaminou a linguagem jornalís-
liberação. Sabemos que algumas das críti- tica. A coerção mais drástica que os me-
cas atrás afloradas, mesmo nas suas versões dia impõem sobre a comunicação é, desde
mais pessimistas, merecem crédito. Em cer- logo, a secundarização das mensagens polí-
tas circunstâncias, a sociedade civil pode ad- ticas (Pissarra Esteves, 2003: 58). Esta passa
quirir influência na esfera pública e produ- por duas estratégias: a sua subordinação a
zir impacto sobre o processo de decisão po- um papel secundário e às características (for-
lítica. Porém, a sociologia da comunicação mais mas também substanciais) dos produtos
oferece uma visão céptica sobre as esfera pú- light gerados no infortainment (cfr. Gomes,
blicas mediatizadas das democracias ociden- 1995: 315). Antes de as próprias mensa-
tais. Os movimentos sociais, as iniciativas e gens políticas seleccionadas serem emitidas
fóruns de cidadãos, as diferentes formas de são sujeitas a estratégias de processamento
associativismo são sensíveis aos problemas. de informação no interior dos media. Pe-
Todavia, em grande parte devido aos media, rante as pressões da economia da atenção –
os sinais e impulsos enviados são por ve- a escassez de recursos cognitivos do público
zes demasiado fracos para redireccionarem perante uma multiplicidade de estações dis-
os processos de decisão no sistema político poníveis – os factos são relatados como his-
(cfr. Habermas, 1996: 376). tórias de interesse humano4 , as informações
Graças à estrutura assimétrica dos pro- 4
Algumas estratégias de personalização dos fac-
cessos de comunicação mediática, as possi- tos políticos são particularmente imaginosas. Após
bilidades de participação encontram-se dis- a divulgação das primeiras projecções sobre o resul-
tribuídas de forma iníqua entre os que têm tado das últimas eleições espanholas (14 de Março
acesso ao uso da palavra pública e os recep- de 2004) um jornalista referia-se ao candidato soci-
alista Zapatero de uma forma que o indicava como
tores. Os jornalistas recolhem informação e
personagem relativamente apagado. O que é interes-
tomam decisões acerca da selecção e apre- sante é a prova que o jornalista, no calor dos acon-
sentação de “programas” e projectos, con- tecimentos, apontava para se referir a esta caracterís-
trolando, em certa medida, a entrada de tó- tica. Em sucessivos directos, disse que Zapatero é um

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mesclam-se com entretenimento, o material pela atribuição de relevância a temas geral-


mais complexo é repartido em fragmentos mente ocultos, alterando a função de agen-
mais pequenos. damento graças ao impacto produzido junto
Apesar de tudo, não se pode ocultar o re- dos próprios media de massa. Na verdade,
verso da medalha, mesmo que esse reverso uma parte substancial dos temas sociais da
seja alimentado por possibilidades e esperan- agenda publica, (a sensibilização para ques-
ças cuja concretização não é segura. “A ideia tões ambientais, novos direitos sociais, etc.),
de ambivalência é fundamental para pensar dificilmente ganhariam relevância sem as es-
a história e a realidade presente da comu- truturas comunicativas da esfera pública que
nicação, nomeadamente em termos éticos. competissem com o centro do sistema polí-
Está presente desde logo na definição e dis- tico e com a influência do dinheiro.
cussão permanente dos critérios reguladores Os próprios media ditos de massa
do discurso público: dividido entre a legí- confrontam-se com interesses conflituantes
tima aspiração à sua afirmação autónoma e entre si, vendo-se obrigados a procurar
as ameaças de instrumentalização, com ori- conciliar pontos de vista económicos, cultu-
gem, desde logo, nas duas principais instân- rais, profissionais, ideológicos e políticos.
cias de decisão das sociedades modernas – o Não podem, apesar de tudo, furtarem-se
mercado e o Estado” (Esteves, 1989: 25). às obrigações que resultam da missão
Desde logo, a proliferação de self media e jornalística nem corresponder, ao menos na
o acesso fácil a canais de informação alter- totalidade, aos standards mais grosseiros da
nativa dificultam o monopólio da agenda pú- cultura de massa. Encontramo-nos perante
blica pelo menos em situações de crise: o re- “uma lâmina de dois gumes no que respeita
curso à Internet para desencadear movimen- a implicações éticas”(Esteves, 1998: 24).
tos de opinião em torno de Timor, para pôr Apesar de serem empresas que implicam
em causa a hegemonia do PC Chinês, para normas rígidas de especificação produtiva
divulgar os protestos dos agricultores ingle- destinadas a conseguir a melhor adequação
ses contra a cadeia norte-americana McDo- possível entre os seus produtos e as necessi-
nald’s, a organização do protesto contra a Or- dades do mercado, os media geram espaços
ganização Mundial do Comércio em Seattle onde se confrontam pretensões de validade
e a convocatória da manifestação que pre- conflituais que contribuem, de modo de-
cedeu as eleições espanholas são alguns dos cisivo, para equacionar a legitimidade do
muitos exemplos bem actuais. Muitas destas sistema político.
possibilidades, nalguns dos seus usos múlti- Tais media de massa são confrontados
plos, nem sempre virtuosos, poderão passar com exigências que muitos dos seus profissi-
onais acreditam estarem a cumprir e até que
homem apagado que gosta de pescar trutas aos fins-
de-semana. Isto foi várias vezes repetido. Nesta ló- acreditam tentar cumprir. Michael Gurevitch
gica de personalização, a prática de desportos radicais e Jay Blumer atribuem aos media algumas
podia indiciar que Zapatero era uma figura carismá- tarefas que estes devem desempenhar e que
tica. Provavelmente, este pequeno episódio merece dizem respeito, no essencial, a uma vida pú-
uma reflexão acrescida sobre a problemática dos va-
blica saudável apoiada por uma comunica-
lores notícia.

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ção política ao serviço dos cidadãos5 . Tais mização e democratização da sociedade ci-
princípios ou, pelo menos alguns deles, po- vil, pretenderem eles próprios tomarem a pa-
dem ser escassamente aplicados no quotidi- lavra, fazendo chegar ao espaço público in-
ano. Porém, fazem parte da imagem que os terpretações conflituais e afirmações em de-
media e os profissionais criam de si próprios. fesa do reconhecimento de identidades ex-
Na esquizofrenia institucionalizada que, sob cluídas e de problemáticas esquecidas. A
o ponto de vista ético, se instalou no campo periferia civilista tem a vantagem, compara-
dos media, os profissionais e os media defen- tivamente ao centro político, de uma maior
dem as suas actuações muitas das vezes, em sensibilidade para detectar situações proble-
nome destes princípios. No limite, tentam máticas. Por outro lado, a visibilidade dos
convencer-se a si próprios que agiram na de- temas agendados pelos media e a configu-
fesa de tais princípios. No fundo, precisam ração que lhes é conferida pelas visões do
de um espelho onde possam ver uma ima- mundo dos jornalistas organizados enquanto
gem mais virtuosa de si próprios. Na pior comunidade interpretativa também se con-
das hipóteses, receiam ser denunciados por- fronta com a opinião do cidadão comum na
que também eles estão sujeitos ao escrutínio sua vida quotidiana, a qual se difunde atra-
público. Obviamente, no campo jornalístico vés de espaços informais. Um governo que
isto é particularmente sentido e origina prá- mente de forma demasiado ostensiva mesmo
ticas contraditórias. com apoio de media poderosos, pode ser
Finalmente, a selecção não é definida ape- confrontado com instâncias de comunicação
nas pela emissão. Ela é também igualmente informal que não controla. A pesquisa sobre
exercida pelo público ao nível da recepção, efeitos e sobre recepção tem, apesar do reco-
pela escolha entre os programas oferecidos, nhecimento do poder do jornalismo, vindo
e em especial, pela possibilidade de os pú- a abandonar a ideia da manipulação abso-
blicos, de acordo com uma lógica de redina- luta dirigindo a nossa atenção para as es-
5
tratégias de interpretação dos espectadores ,
Tais tarefas são as seguintes: vigilância sobre o
meio ambiente de modo a detectar situações que se que comunicam uns com os outros e que, de
podem repercutir positiva ou negativamente no bem - facto, podem rejeitar ou criticar um projecto
estar dos cidadãos; a identificação dos assuntos chave, ou programa político ou sintetizá-lo com os
incluindo as forças que estão por detrás deles ; a cria- seus próprios julgamentos e avaliações. É
ção de plataformas para uma apresentação inteligente
evidente, que há espaços importantes da co-
esclarecida de outras causas e grupos de interesse; a
criação de mecanismos de responsabilização dos ser- municação política que se integram dificil-
vidores públicos pelo exercício do poder; a criação de mente no espaço público. De um lado, dos
incentivos aos cidadãos para se informarem, aprende- cidadãos comuns, existem formas de comu-
rem, escolherem e envolverem-se em de se limitarem nicação informal, ocasional, directa e espon-
a seguir de forma passiva processo político; a resistên-
tânea, que funciona como um elemento na-
cia contra forças exteriores aos media que subvertem
sua integridade e independência e disponibilidade ara tural de politização mas que fica muitas ve-
servirem as audiências; o respeito pelo membro da zes limitada a círculos restritos de partici-
audiência , como alguém potencialmente interessado pantes e que não conseguem alcançar a me-
e capaz de compreender o ambiente político. ( Gure- diatização. Do outro lado, das elites, exis-
vitch, M. e Blumer, J., 1990: 268-89).
tem formas de comunicação política subtraí-

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das deliberadamente ao espaço público e que bilidade emerge em contraponto à política


se confinam à troca de informações confi- do segredo. Independentemente do que cada
denciais entre jornalistas, políticos e alguns um de nós pense sobre os assuntos, há exem-
círculos académicos. Porém, a comunicação plos claros: no plano político, as motivações
política não se restringe ao jogo de interac- da Guerra são objecto de um escrutínio for-
ções entre jornalistas, políticos, institutos de temente crítico. Do lado iraquiano, ficou
sondagem e líderes de opinião (Ferry, 1989: famoso o Ministro do Interior que negava
20-23).6 Em democracia, as fronteiras entre a chegada dos americanos a Bagdad. Po-
aquelas duas formas de comunicação e o pró- rém, ao Ocidente também proliferaram epi-
prio espaço público não são rígidas: a opi- sódios pouco edificantes. A retórica das ar-
nião aparentemente periférica do senso co- mas de destruição macissa gerou dificulda-
mum influencia a percepção das mensagens des aos Governos da Coligação. A relação
mediáticas e pode, ocasionalmente, tornar-se entre a BBC e o Governo de Blair, o cri-
politicamente relevante. Ao mesmo tempo, ticismo e a suspeita sobre a Administração
a política de segredo das elites confronta-se Bush alimentaram a chacota mordaz do cida-
com as contradições que se verificam entre dão comum. No plano da Economia, grandes
elas, com lógicas de interesses conflituais e empresas como a Parmalat, a Living Omni-
com a voracidade dos media e as pressões média, a Eron ou a Royal Dutsch Schell são
da opinião pública.7 O problema da credi- objecto de investigações judiciais que condu-
6
zem a prisões ou a investigações jornalísticas
Nesse sentido, concordamos com Ferry na ideia
segundo a qual a definição de Dominique Wolton de que conduzem a quedas abruptas na bolsa e
comunicação política como a interacção entre jorna- à demissão de Presidentes. Contra a lógica
listas, políticos e a opinião pública medida pelas em- que sempre presidiu à sua actuação, os pró-
presas de sondagens, está errada. Porém, faça-se jus- prios media são notícia: sectores importantes
tiça: Wolton distingue-a completamente de espaço
da opinião pública discutem as opções dos
público, como instância que é consubstancial à exis-
tência da democracia (Wolton, 1989: 32). A única media, a forma como constroem a agenda
dificuldade é que esta definição, que até pode ser van- e como se submetem a ditames exteriores,
tajosa, em termos analíticos, tem que admitir a exis- nomeadamente em questões de politica ex-
tência de numerosos fluxos entre o espaço público e terna.
a comunicação política. Wolton reconhece que, no
Apesar de tudo, neste contexto de forte
plano prático, existem muitíssimos modos de expres-
são pública que não passam por sondagens, como se- desregulação mercantil, todo o minucioso re-
jam os movimentos de opinião e os movimentos soci- censeamento das perversões e possibilidades
ais e defende que a comunicação política possa cons- do sistema mediático parece eficaz e impo-
tituir uma forma de impedir o fechamento do meio tente e, em última instância, contraditório,
político, possibilitando a sua abertura aos movimen-
tos sociais. Um aspecto que convirá olhar com mais
sem contar com o Estado. Com efeito, o po-
cautela é a posição do mesmo autor segundo a qual der mediático não deve nem pode tornar-se
são os meios e as sondagens que salvam o espaço pú-
municação e a opinião pública parecem ter lógicas di-
blico.
versas: os primeiros centram-se na acção, os segun-
7 dos no acontecimento e a terceira, na hierarquização
A este nível parece ser frutuosa a opinião de D.
dos temas (Wolton, 1989: 35).
Wolton segundo a qual os políticos, os meios de co-

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A fragmentação do espaço público 11

o poder público, o qual deve ter o seu centro Na garantia do exercício dos direitos por
no poder político. todos os cidadãos, impedindo e dificultando
as formas de concentração de propriedade
que se traduzam numa redução significativa
6 ... E de novo, o Estado
da diversidade, com sacrifício do pluralismo
Sem deixar de reconhecer as dificuldades sociológico e político;
do modelo social europeu, admitindo até as Na criação de meios e recursos disponí-
fragilidades, dificuldades e perversões que veis para assegurar níveis de pluralismo e
uma concepção centralista pode originar, não qualidade aceitáveis. Uma televisão de ser-
me parece incorrecto que um Estado Consti- viço público deve ser financiado pelo Estado,
tucional e Democrático se possa tornar ele através de uma taxa ou do pagamento de in-
próprio uma instância dinamizadora de for- demnizações compensatórias pagas pelo Es-
mas de contratualização que permitam a cri- tado, quebrando o vínculo relativamente à
ação de mecanismos reguladores do espaço estratégia dos anunciantes. Pode-se aceitar a
mediático que é o tema central deste traba- possibilidade da adopção do modelo finlan-
lho. Poder-se-á dizer neste momento que dês, sendo-lhe atribuída uma receita em fun-
este texto, na sua fase final, parece mais ade- ção das receitas publicitárias dos canais pri-
quado a uma mesa de políticas de comuni- vados, diminuído a sua dependência do Es-
cação. Na verdade, não deixamos de falar tado. Quanto aos seus conteúdos, eles de-
de Ética. O caciquismo, a governamentaliza- vem reflectir o pluralismo sociológico e po-
ção, a massificação comercial são um desafio lítico, proporcionar informação de qualidade
ético. Porém, a Ética exige necessariamente e desgovernamentalizada e manter, com as
a intervenção da política. A Ética sem a sua devidas cautelas, uma distância profunda em
tradução institucional é frágil. relação à guerra de audiências o que não sig-
Por isso, é legítimo defender a interven- nifica ser inconsciente relativamente às mes-
ção do Estado na criação de condições para o mas audiências.
exercício de um debate esclarecido, com um Na criação de oportunidades para assegu-
enquadramento institucional que assegure a rar a existência de outras plataformas inde-
existência de uma pluralidade de organiza- pendentes de produção e de emissão, colo-
ções mediáticas independentes. O que está cando como elementos essenciais de regula-
em causa não é a salvaguarda do espaço hert- ção a qualidade dos projectos e a sua diversi-
ziano como um bem escasso. A defesa do de dade política e sociológica. Neste domínio, a
serviço público deve ser assumida através da sociedade da informação e os seus alicerces
assunção do princípio segundo o qual a li- típicos, a televisão digital e a Internet, cons-
berdade de expressão e o direito a informar tituem desafios particularmente interessantes
e ser informado não são meros direitos sub- no que respeita à capacidade reguladora do
jectivos. Têm, claramente, uma dimensão Estado. Por outro lado, a reflexão sobre os
pública e articulam-se com outras vertentes media locais e regionais está longe de estar
do património constitucional europeu como terminada. Os 900 títulos recenseados no
o direito à Cultura. Por isso, é defensável Instituto da Comunicação Social fazem de
uma intervenção estatal em diversos níveis: Portugal o país com maior taxa de jornais por

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12 João Carlos Correia

mil habitantes , apesar de ter o índice leitura 7 Conclusão


mais baixo da União Europeia. Estas empre-
Um espaço público fragmentado é, em si, te-
sas conseguem captar apenas 5% das receitas
atro de esperanças e decepções. As exigên-
publicitárias e pautam-se, em grande parte,
cias ético-políticas com que os media se con-
pelo amadorismo. Por outro lado, não é es-
frontam são cada vez maiores. A capacidade
tulto pensar, com cautela na televisão regio-
de estes responderem a essas exigências é
nal ou de proximidade seguindo o princípio
relativamente pobre, especialmente quando,
de que terá que se ter em conta não apenas a
como é o caso, se verificam contextos de
cultura mas a estrutura económica. Os exem-
desregulação mercantil pouco prometedores.
plos de Espanha – desde o Canal 9 TV ( da
Porém, as forças que o Estado possa acrescer
comunidade valenciana) à Telemadrid –são
a uma regulamentação ético-político do pa-
muito diversificadas. Ao nível local não se
pel dos media são forças que apelam à inegá-
parece ter passado da fa se experimental.
vel vocação do politico: a responsabilidade
Finalmente, importa tornar as novas tec-
para decidir.
nologias acessíveis a todos, tornando claro
que os indivíduos têm necessidade de desen-
volver uma cultura mediática. O receptor só 8 Referencias bibliográficas
passa a ser sujeito da informação quando dis-
Calhoum, C. (1992) Habermas and the pu-
põe de critérios próprios (Calvo, 1994:327).
blic sphere, Cambridge, MIT..
Não é exagerado dizer que alguns movimen-
tos de literacia mediática nos confrontam Dayan, D. (1998), “Particularistic media and
com desafios e problemas dos mais delica- diasporic communications” in Liebes,
dos entre aqueles que, como educadores e Tamar and Curran, James, Media, ritual
cidadãos, teremos que enfrentar no século and identity, Londres, Routledge.
XXI. Trata-se no fundo de promover as com-
petências que permitam aos estudantes e os Férry, J.-M. (1989), “Les Transformations de
cidadãos em geral tornarem-se mais sensí- la publicité politique” in Hermés 4 (Le
veis aos mecanismos sociais de representa- Nouvel espace publique), Paris, CNRS.
ção tantas vezes ocultos na linguagem me-
diática. Nessa medida, influenciar o modo Gurevitch, M. e Blumer, J., (1990), “Politi-
como se constrói a diferença e a hierarquia cal communication systems and demo-
no interior dos discurso mediáticos em ge- cratic values” in J Lichtenberg, Demo-
ral e dos discursos jornalísticos em particu- cracy and the mass media, Cambridge,
lar, implica saber como eles são construídos, MIT.
quais são os seus códigos e convenções e, em Gitlin, T. (1995), Twilight of common dre-
última instância, ser capaz de produzir arte- ams: why America is wraked by culture
factos mediáticos, de forma a usá-los como wars, New York/metropolitan.
meios de expressão e de comunicação.

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A fragmentação do espaço público 13

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